Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:381/13.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IRS – TRABALHO DEPENDENTE
AJUDAS DE CUSTO
BOLETINS INTENERÁRIOS
ÓNUS DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A lei não faz depender a não tributação dos montantes dispendidos a titulo de ajudas de custo da elaboração de boletins de itinerários
II. Em termos conceituais, as ajudas de custo, quando atribuídas pela entidade patronal, ou seja, pela entidade pagadora do rendimento do trabalho dependente, constituem valores pagos por causa do trabalho, mas não o remuneram, ela tem outros fins, designadamente, a compensação pelos gastos a que o trabalhador careça de encarar, por causa do trabalho e em beneficio deste.
III. Para ser clara a fundamentação do relatório de inspeção tributária tinha que se mostrar capaz de criar no interprete (julgador) a convicção de que as ajudas de custo pagas ao trabalhador (recorrido), não tiveram por finalidade, a compensação de despesas realizadas com a sua efetiva deslocação ao serviço e no interesse da sua entidade patronal.
IV. O princípio da verdade declarativa coloca na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, conforme decorre do n.º 1 do artigo 75.º, da LGT, o que implica que a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.
V. Tendo sido aceite pela AT a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica naturalmente a criação de gastos acrescidos, incumbia-lhe demonstrar que os montantes auferidos pelo Impugnante a título de “ajudas de custo” era totalmente independente das deslocações e das respetivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A... e M..., deduziram junto do TAF de Almada, impugnação judicial contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa com recurso hierárquico deduzido contra a liquidação adicional de IRS nº 2012 4... e respetivos juros compensatórios, relativamente ao ano de 2008.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por decisão de 30 de junho de 2019, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:


«I

Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008, no montante de € 3.799,50 -, por ter considerado que não ficou provado que os montantes atribuídos ao Impugnante pela sua entidade patronal não tinham caráter compensatório e não ter a Autoridade Tributária dito nada quanto à questão de saber se tais valores excedem os limites estipulados por lei;

II

Resulta do respetivo Relatório que os serviços Inspectivos concluíram não constituírem os boletins de itinerário detectados prova fiável ou credível, quer por não se encontrarem completos, quer por nem sequer estarem assinados pelos trabalhadores, o que necessariamente fez com que deixasse de existir quanto aos mesmos qualquer presunção de veracidade e de boa fé, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT, pelo que de nenhum sentido faria a Autoridade Tributária tê-los em consideração para o Impugnante.

III

Assim, não se concorda com a Douta Sentença quando afirma não ter a Autoridade Tributária procurado apurar se no caso concreto do Impugnante existiam ou não boletins itinerários. A Autoridade Tributária não os ignorou, antes tendo de forma fundamentada procedido à sua desconsideração.

IV

Discorda-se também do Tribunal “a quo” quanto à afirmação de que a Administração Fiscal não levanta qualquer questão relativamente à autenticidade da deslocação efetuada pela ora Impugnante, mas apenas afirma que as mesmas não devem ser consideradas como ajudas de custo. Tal não se deve a qualquer falta de fundamentação, mas antes com o conceito de domicílio necessário, para efeitos de qualificação das verbas pagas como ajudas de custo.

V

E portanto, com o facto de, e ao contrário do que a Autoridade Tributária defende, entender o Tribunal “a quo” que o domicílio necessário do trabalhador é o das oficinas sitas na sede da entidade empregadora em Portugal.

VI

O que a Douta Sentença, com todo o respeito devido, decide de forma sumária, sem qualquer outra fundamentação que não a remessa para a cláusula quarta do contrato de trabalho – ou antes para parte da cláusula quarta - a qual nem sequer analisa de forma sistemática, integrando-a no todo contratual.

VII

Está junto aos Autos – e constava também como anexo ao Relatório Inspetivo - o contrato assinado pelo Impugnante, assim como todos os recibos de vencimento referentes ao ano em causa – 2008, remetendo o Relatório Inspetivo para os mesmos na sua fundamentação, ficando, assim, aquele contrato, bem como aqueles recibos, a fazer parte do Relatório Inspetivo e da fundamentação das correções realizadas.

VIII

Entenderam os serviços de Inspeção tributária – e entende esta Representação da Fazenda - que a única interpretação possível a fazer do articulado do contrato, é a de que foi o Impugnante contratado, a termo incerto, para exercer funções em Setúbal, pelo que, e salvo melhor opinião, caberia então, ao Impugnante, vir fazer a prova que exige à Autoridade Tributária. E que não fez.

IX

Ou seja, caberá ao Impugnante, o qual foi contratado - de facto - para exercer as suas funções em Setúbal, a vir demonstrar que, ainda assim, os valores que recebeu e que juntamente com a entidade contratante resolveram qualificar como ajudas de custo, tiveram natureza compensatória.

X

Quanto “à questão de saber se os montantes pagos aos trabalhadores excedem ou não os limites estipulados por lei”, e com todo o respeito devido, tratar-se-á de falsa questão. Considerando a Autoridade Tributária que os pagamentos realizados não cabem no conceito de ajudas de custo, mas antes constituem remuneração de trabalho dependente, fica desde logo prejudicada a questão de saber se os montantes pagos ultrapassam os limites previstos para a sua qualificação como ajudas de custo.

XI

Estando-se perante verdadeiras remunerações de trabalho não há que aplicar ou averiguar dos limites impostos às ajudas de custo, precisamente por não se tratar de ajudas de custo.

XII

Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos apurados – erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto na alínea d) do n.º 3, do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»


»«

Os Recorridos, devidamente notificados para o efeito, vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.

D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.

F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória – antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Setúbal e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.

G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.

H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, “agarrando-se” a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.

I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.

J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.

K. O pagamento das ajudas de custo e sua (não) tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15/12: “De facto, (…) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro” (actual DL 106/98).

M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para Setúbal ao serviço da entidade patronal.

N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C....

O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.

P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

Ou

Q. Demonstrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.

R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.

S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.

T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.

U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Amora, Seixal, em obra sita em Setúbal, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.

V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em Setúbal não eram ocasionais, o que não aconteceu.

W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora – Seixal, na sede da empresa.

X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal – Portugal -, e nunca em Setúbal.

Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.

Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.

AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.

BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora – Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.

CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C..., obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.

DD. De facto, a questão da “residência habitual” deverá ser tida em primordial conta.

EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.

FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.

GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.

HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C..., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.

JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.1BEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo-se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»


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Foram os autos com vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho.

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que as questões sob recurso que importa aqui apreciar e decidir são de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito na análise concreta que faz da situação laboral do Impugnante marido quanto aos valores auferidos a titulo de ajudas de custo, e bem assim, quanto aos pressupostos de qualificação desse tipo de pagamentos e respetivo ónus da prova.



3 - FUNDAMENTAÇÃO
De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida
«A. A sociedade “C…, Lda.”, tem a sua sede na Amora, Seixal (facto não controvertido).

B. Em 9.01.2008 o Impugnante A... celebrou escrito denominado de “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” com a sociedade designada “C…, LDA”, com sede na Rua A..., concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte:

“(…)


«Imagem no original»

(…)” cf. fls. 66/verso e 67 do processo administrativo em apenso

C. No ano de 2008, o Impugnante tinha a sua residência e domicílio fiscal na Estrada M... 2950 – 067 Palmela (cf. facto que se extrai de fls. 27 e 72 do PA apenso).

D. Durante o ano de 2008, e ao abrigo do contrato referido na alínea B), o Impugnante A... foi deslocado para as instalações /obra A... Portugal, SA, em Setúbal (cf. facto alegado no artigo 26.º da petição inicial; A AT não impugna a realização das deslocações e o facto de o mesmo ter estado deslocado nesses locais, sindica é que de acordo com o estipulado contratualmente o abono de tais despesas configure ajudas de custo. Coloca, assim, em causa a natureza das despesas mas não refuta que as deslocações se tenham realizado).

E. No ano de 2008, a sociedade designada “C..., LDA”, pagou ao Impugnante A... o valor de € 12.547,71, a título de ajudas de custo (cf. fls. 33 do PA apenso; facto que se extrai do RIT e do teor da p.i.).

F. Em 2.03.2009, o Impugnante apresentou declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, tendo declarado no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente no valor total de € 19.877,15 (facto não controvertido e que se extrai do RIT e cf. fls. 25/26 do PA).

G. A Autoridade Tributária, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2012…, deu início a uma ação de Inspeção Tributária, de âmbito parcial, com vista à análise do cumprimento das obrigações tributárias do Impugnante, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2008 e que teve por base os elementos recolhidos na sociedade “C..., LDA” (cf. facto que se extrai do RIT junto do PA apenso).

H. No âmbito da ação de inspeção referida na alínea antecedente, foi elaborado, em 10.05.2012, o relatório final de Inspeção Tributária, do qual resultou alteração ao rendimento colectável no valor de € 37.805.06 constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

De acordo com o artigo 249.° da Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, "...na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie..." e até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Assim, e de acordo com o artigo 2° do Código do IRS:

“1 - Consideram-se rendimentos de trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

(...)

2 - As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações ... prémios ... e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(...)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.”

(…)

Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.º 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho determinado no contrato (anexo 3) coincidia com o local onde o trabalhador prestava serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C…, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores, pelo que não ofereceram grande credibilidade.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º do Código do IRS, pelo que se procederá à correção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 65.º do mesmo Diploma.

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelo sujeito passivo, pelo que se propõe a alteração de rendimentos declarados, nos do n.º 2 do artigo 65.º do CIRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A nos seguintes termos:
Sujeito PassivoCateg. Rendim.DescriçãoValores declaradosCorrecçõesValores Corrigidos
AATrabalho dependente€19.877,15€12.553,95€32.431,10
AADedução Específica(€3.680,64)€0,00(€3.680,64)
AARendimento Líquido€16.196,51€12.553,95€28.750,46
BATrabalho dependente€12.735,24€0,00€12.735,24
BADedução Específica(€3.680,54)€0,00(€3.680,64)
BARendimento Líquido€9.054,60€0,00€9.054,60
Rendimento Colectável€25.251,11€12.553,95€37.805,06

(…)” - cf. fls. 22/24 do processo de reclamação graciosa em apenso.

I) Em 24.04.2012, os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de substituição, na qual o Impugnante marido declarou, no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente no valor total de €32.431,10 (cfr. fls. 32/33 do PAT apenso).

J) Em resultado das correções referidas na alínea antecedente, em 8.05.2012, a AT emitiu a liquidação de demonstração de acerto de contas nº 2012 000003…, referente ao ano de 2008, com valor total a pagar de € 3.660.97 (cf. fls. 62 do PAT apenso).

K) Em 21.05.2012 foi efectuado o pagamento da liquidação identificada na alínea que antecede (cf. fls. 32 dos autos).

L) Em 18.06.2012, na sequência da notificação do ato de liquidação referido na alínea antecedente, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, tendo sido prolatada informação instrutora datada de 22.06.2012, propondo o seu indeferimento (cf. fls. 35/40 do processo de reclamação graciosa em apenso).

M) A 25.06.2012, o Chefe de Divisão por delegação da Direção de Finanças com base na informação constante na alínea antecedente, proferiu projeto de indeferimento de reclamação (cf. fls. 35 do processo de reclamação graciosa em apenso).

N) Na sequência da notificação do projeto de indeferimento referido na alínea antecedente, o Impugnante marido exerceu audição prévia, tendo sido proferida informação complementar de indeferimento da reclamação graciosa a 10.07.2012, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“ (…)



«Imagem no original»

(cfr. fls.52/53 do processo de reclamação graciosa em apenso).

O) A 19.07.2012, foi proferido despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa referida em K), pelo Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências da Direção de Finanças de Setúbal (cf. fls. 52 do processo de reclamação graciosa em apenso).

P) Na sequência da notificação do despacho de indeferimento expresso de reclamação graciosa referido na alínea antecedente, a 23.08.2012, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico o qual foi indeferido por despacho da Diretora de Serviços do IRS, por subdelegação datado de 14.12.2012 (cfr. fls. 39 a 33 do processo de recurso hierárquico em apenso).

Q) Em 9.04.2013, a petição inicial deu entrada neste Tribunal (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).


***

FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.


***

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PA apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelos recorridos, A... e M... e, em consequência, anulou o ato impugnado.

Para assim decidir a Mma Juíza “a quo”, entendeu, em síntese que “… não ficou provado que os montantes atribuídos ao Impugnante pela sua entidade patronal não tinham caráter compensatório e não ter a Autoridade Tributária dito nada quanto à questão de saber se tais valores excedem os limites estipulados por lei;” – (concl I.)

Discorda, a recorrente (FP), do assim decidido por entender que “(R)resulta do respetivo Relatório que os serviços Inspectivos concluíram não constituírem os boletins de itinerário detectados prova fiável ou credível, quer por não se encontrarem completos, quer por nem sequer estarem assinados pelos trabalhadores, o que necessariamente fez com que deixasse de existir quanto aos mesmos qualquer presunção de veracidade e de boa fé, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT, pelo que de nenhum sentido faria a Autoridade Tributária tê-los em consideração para o Impugnante.” – (concl II)

E conclui dizendo que a AT não ignorou os boletins itinerários, tendo, de forma fundamentada, procedido à sua desconsideração.

Vejamos então.

Acompanhamos desde logo o ilustre Representante da Fazenda Publica quando diz que a AT não credibilizou os boletins intenerários tendentes a sustentar as despesas com deslocações. Na verdade diz-se no RIT (ponto H do probatório) que: “ … nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C…, Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores, pelo que não ofereceram grande credibilidade.”

Porém a descredibilização dos boletins intenerários não constitui, per si, fundamento suficiente para retirar, aos montantes pagos ao Impugnante pela sua entidade patronal, o caráter compensatório das despesas pagas com deslocações por causa do trabalho e em beneficio deste.

Com efeito, a lei não faz depender a não tributação dos montantes dispendidos a titulo de ajudas de custo da elaboração de boletins de itinerários semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado.

Neste sentido, como tem sido assumido pela jurisprudência dos tribunais superiores, “[Não] havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134.º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)” – veja-se, entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 08.05.2008, proc. nº 00272/06.7BEPN, 12.06.2014, no proc. n.º 04861/04 Viseu, e de 10.11.2016, proc. n.º 00764/13.1BEPNF, e do TCAS, 29.06.2016, proc. n.º 07890/14.

Em face do que precedentemente resulta expendido, o que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada no Seixal, em obras sitas em Setúbal, situação que, se resto, não é contrariado pela Inspeção Tributária que assume no RIT que, “ … no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e eletricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.”

Acede, porém a AT que a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

É, nesta parte, que reside a divergência, porém, na situação que nos ocupa a AT, não lougra concretizar, as circunstâncias concretas que rodeavam a situação laboral do recorrido, para além de referir de forma genérica que a empresa procedia “… à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.”

Concluido no sentido de que as importâncias auferidas “… devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.º do Código do IRS.”

Ora, constitui entedimento pacifico nos nossos tribunais, que temos vindo a acompanhar em sitações de idêntica natureza daquela que ora nos ocupa que, em termos conceituais, as ajudas de custo, quando atribuídas pela entidade patronal, ou seja, pela entidade pagadora do rendimento do trabalho dependente, constituem valores pagos por causa do trabalho, mas não o remuneram, elas tem outros fins, designadamente, a compensação pelos gastos a que o trabalhador careça de encarar, por causa do trabalho e em beneficio deste.

Sabemos, porém, que em matéria tributária o legislador foi austero na delimitação do conceito de remuneração, acolhendo nele todo o tipo de rendimentos (dinheiro, espécie e outras vantagens), e que, para efeitos de tributação, equiparou a rendimentos do trabalho verbas que o não são e para as quais, nalguns casos, estabeleceu limites de isenção, onde se inclui, entre outras, as ajudas de custo.

Nesta matéria, acolhemos, por facilidade e por consonância, o que a este respeito se disse o no acórdão deste TCA Sul proferido em 08/05/2019 no processo n.º 581/13.9BEALM, face a questão idêntica e onde foi apurada a mesma materialidade fática, diz-se ali:

“(…)

No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).

Constituem ajudas de custo os abonos auferidos pelos trabalhadores, referentes a deslocações (alimentação e alojamento) por si efectuadas em benefício da entidade patronal, desde que se destinem a compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas e relativas a essas mesmas deslocações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2010, proc.3616/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc.712/13.9BEALM; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129 e seg.).

Concretamente, nos termos do artº.2, nº.3, al.d), do C.I.R.S. (na redacção em vigor no ano de 2008 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), o legislador considera rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. E recorde-se que as ajudas de custo são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica". Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido daquele. A lei presume que isso acontece quando as ajudas de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura própria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado, tal como quando sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado (cfr.dec.lei 106/98, de 24/4 - regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da administração pública). Quando extravasarem aqueles limites, tornam-se tributáveis em I.R.S., a cargo dos trabalhadores (o que implica, obviamente, também obrigações de retenção na fonte para o empregador). Trata-se de um expediente prático e simples de distinguir as duas situações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc.712/13.9BEALM; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129).

Em conclusão, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:

1-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;

2-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc. 712/13.9BEALM; João Ricardo Catarino, Ajudas de Custo-Algumas Notas sobre o regime substantivo e fiscal, Fisco, nºs.97/98, Setembro de 2001, pág.77 e seg.).

(…)”

Subscrevemos este entendimento, que de resto, foi seguido pela sentença recorrida na parte que aqui transcrevemos onde se esmiúça o conceito de despesas pagas pela entidade patronal a favor do seu trabalhador a titulo de ajudas de custo, diz-se, ali assim: “…as ajudas de custo assumem, caráter compensatório pelos gastos suportados pelo trabalhador em favor da sua entidade patronal. O que significa que apenas se justificará a sua tributação quando tais despesas extravasem esse objetivo que lhes está subjacente e constituam, na realidade, uma vantagem económica/financeira do funcionário.

Com efeito, se as importâncias pagas ao trabalhador se limitam a compensá-lo, então não há aí qualquer rendimento a considerar. E por ser assim, face à natureza do IRS e ao conceito de rendimento adotado pelo CIRS, só os rendimentos que assumem caráter remuneratório se integram na categoria A (rendimentos do trabalho dependente) dos rendimentos sujeitos a IRS.

Assim sendo, a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado.”

Dito isto, regressando à matéria de apelação denotando que em nenhum momento, nos foi colocada qualquer questão referente a eventual excesso dos limites legais centrando-se a questão em matéria de ónus da prova, com a Fazenda Publica a dizer que as irregularidades formais verificadas nos boletins intenerários “… fez com que deixasse de existir quanto aos mesmos qualquer presunção de veracidade e de boa fé, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT,”.

Na verdade, o princípio da verdade declarativa coloca na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, conforme decorre do n.º 1 do artigo 75.º, da LGT, o que implica que a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Porém, compete ao sujeito passiva da obrigação tributária a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita.

Vai neste sentido o aresto do TCA Sul supra que enunciado e vimos seguindo (proferido em 08/05/2019 no processo n.º 581/13.9BEALM) aduzindo que o “… o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo suscetíveis de tributação, compete à Administração Fiscal, contrariamente ao defendido pelo apelante (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.832/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/11/2006, proc.1099/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2009, proc.2690/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6450/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc. 712/13.9BEALM;). – o negrito é nosso.

Nestes termos e tendo sido “in casu” aceite pela AT a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica naturalmente a criação de gastos acrescidos, incumbia-lhe demonstrar que os montantes auferidos pelo Impugnante a título de “ajudas de custo” era totalmente independente das deslocações e das respetivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer.

Por conseguinte, concluímos que não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, porquanto os elementos apurados no relatório de inspeção são insuficientes para dar como cumprido o ónus da prova que recai sobre a AT, e, consequentemente, também ao contrario do que alega a Recorrente (FP) também não se verifica o erro de julgamento de direito.

Improcedem, nestes termos as primeiras alegações recursivas.

Apela ainda o salvatério para o conceito de domicilio necessário, considerando que o mesmo, ao contrário do que defende a AT, deve ser aferido pela cláusula quarta do contrato de trabalho, ou parte dela, donde consta que, o Impugnante foi contratado, para exercer funções em Setúbal – (concl. IV a IX).

Adianta-se desde já que, também aqui, o apelante não tem razão, já que conforme claramente resulta do clausulado contratual (ponto B., do probatório) o impugnante, aqui recorrido foi contratado para exercer funções nas oficinas da C..., Lda., sitas no local da sua sede – Amora, Seixal - e ainda com a obrigação de se deslocar para qualquer estabelecimento ou obra em que a sociedade exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada.

É o que resulta da claúsula quarta do “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” celebrado entre o Impugnante marido com a sociedade “C..., Lda”, e foi este o entendimento acolhido pelo texto decisório que acompanhamos.

Diz-se ali:
“(…)
Compulsado o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o mesmo foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C..., LDA”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C..., LDA”, exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada.
Resultando da decisão da matéria de facto que a “C..., LDA.”, tem sede na Amora, concelho do Seixal (cf. alínea A) do probatório).
Ou seja, é certo que o ponto 2. da cláusula 4.ª do mencionado contrato refere que no início da execução do contrato o Impugnante se deslocará para as instalações da obra da A... Portugal, SA, em Setúbal, mas também refere que a entidade empregadora pode, a todo o tempo, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.
Mais. Aí também se aduz que o Impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C..., LDA.”, na Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, (cf. cláusula 4.ª do Contrato a que se alude na alínea A) do probatório].
Logo, da leitura do aludido contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspetivos, que o Impugnante foi contratado para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal/diversos países da União Europeia. O que dali resulta é que o Impugnante foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C...” exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua atividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar- se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a “C...” tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.
Sendo que em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora Impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais [cf. ponto 4. da cláusula 4.ª do Contrato].”.

Assim e contrariamente ao afirmado pelo apelante (concl. VIII) o Impugnante marido, foi contratado para exercer funções nas oficinas sitas no local da sede da C..., Lda (Amora/Seixal), com obrigação de se deslocar, para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exercça ou venha a exercer atividade, com a indicação expressa de que no inicio da execução do contrato deveria deslocar-se para as instalações da obra - A... em Setubal - nos termos previstos na clausula 4.º n.º 1 e 2 do contrato de trabalho a termo incerto assinado pelo impugnante marido e a C..., Lda., com as necessárias e correspondentes despesas a cargo da C....

Termos em que, sem mais, imprcedem também, nesta parte as conclusões recursivas e nega-se provimento ao recurso.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 17 de setembro de 2020


Hélia Gameiro Silva- Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta

(Com assinatura digital)