Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2924/22.5 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:SIADAP 3
DEVER DE CONFIDENCIALIDADE
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ABERTA
DADOS PESSOAIS
Sumário:I. Consta do SIADAP 3, aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, a previsão de um dever de confidencialidade em torno do procedimento administrativo de avaliação do desempenho dos trabalhadores, que se tem de subordinar ao disposto no Código do Procedimento Administrativo e à legislação relativa ao acesso a documentos administrativos, com respeito pelo princípio da administração aberta.
II. Estando em causa o acesso a informação relativa a um procedimento de avaliação de desempenho em curso, no qual a requerente figura como avaliada, deve ter-se por verificada a sua titularidade do direito de acesso à informação procedimental, com as limitações constantes do artigo 83.º do CPA e expurgada de eventuais dados pessoais ou de contacto pessoal (dados não funcionais), irrelevantes para o próprio procedimento avaliativo.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
H...... instaurou ação de intimação para prestação de informações contra o Diretor Nacional da Polícia Judiciária, pedindo que o mesmo seja intimado a prestar-lhe as informações que solicitou em 29/08/2022.
Por sentença de 30/11/2022, o TAC de Lisboa julgou a presente intimação procedente e intimou a entidade requerida a, no prazo de 10 dias, responder ao pedido de informações apresentado em 29/08/2022 pela requerente, disponibilizando a documentação solicitada no requerimento descrito em 1), pontos a) e b), da matéria de facto, em sua posse, na qual se incluem:
i. das notações atribuídas nos critérios de ordenação e desempate referentes a cada um dos 16 (dezasseis) trabalhadores que integram a quota de “Excelente” na distribuição aplicável;
ii. das notações atribuídas nos critérios de ordenação e desempate referentes a cada um dos 64 (sessenta e quatro) trabalhadores que integram a quota de “Relevante” na distribuição aplicável;
iii. da lista donde conste a ordenação dos trabalhadores na distribuição aplicável após aplicação dos critérios de desempate.
Inconformada, a entidade requerida interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro (EPPJ), foi estabelecido o novo regime de avaliação de desempenho dos trabalhadores da PJ e respetivos efeitos, a partir de 1 de janeiro de 2020.
2. Não foi efetuado, até à presente data, a publicação da adaptação do SIADAP 3 para efeitos de desempenho dos trabalhadores das carreiras especiais da PJ.
3. O n.º 2 do artigo 104 do EPPJ, determina que até à aprovação dos novos diplomas e regulamentos se mantêm em vigor, com as necessárias adaptações a regulamentação atualmente aplicável, desde que não contrarie o disposto neste decreto-lei.
4. Os critérios de diferenciação de desempenho, constam dos despachos reguladores do processo de avaliação de desempenho - Despacho n.º 7-2021/GADN, de 01/03/2021, Despacho n.º 32/2021-GADN, de 29/12/2021 e Despacho n.º 48/2022-GADN, de 08/08/2022 e do Relatório de Avaliação de Desempenho de 2020, a ele anexo.
5. De acordo com o despacho n.º 48/2022-GADN, a Requerente foi notificada nos termos do artigo 122-º do CPA, para querendo, dizer (sob a forma escrita) o que se lhe oferecer sobre o seu respetivo projeto de decisão, no prazo de 10 dias úteis.
6. A audiência dos interessados prevista no n.º 5 do artigo 267.º da CRP, em articulação com os artigos 121.º e 122.º do CPA insere-se na fase de saneamento do procedimento administrativo.
7. Caracterizando-se pela chamada dos interessados ao procedimento administrativo, dando-lhes a oportunidade de fazerem valer as suas posições e auxiliar a Administração a melhor decidir a causa.
8. O processo de avaliação de desempenho resulta exclusivamente da aplicação dos critérios de diferenciação de desempenho, de absoluta objetividade, constantes dos despachos reguladores do referido processo, e que implica, apenas, o cruzamento dos dados objetivos, pessoais e organizacionais dos trabalhadores de cada carreira registados no sistema de informação de recursos humanos.
9. No caso concreto, a realização da audiência prévia destinou-se apenas a permitir a análise, por parte de cada um dos interessados/avaliados dos seus próprios elementos e por forma a atestar a conformidade dos mesmos.
10. Ao contrário do parece ser o entendimento subjacente ao peticionado e deferido, a audiência prévia não constitui uma fase para exercer o contraditório, pelo que de nada adiantaria à Requerente, nessa sede, contestar a informação de que a Administração já dispõe, a menos que se verificasse um erro grosseiro nos seus dados pessoais.
11. O acesso à informação pretendida não tem razão de ser nesta fase, não só porque não afasta a obrigatoriedade da aplicação dos critérios, mas também porque não está em causa a garantia do direito de impugnar graciosamente ou contenciosamente a sua avaliação.
12. Estipula, ainda, o despacho n.º 48/2022-GADN que “considerando que os interessados têm direito a conhecer os aspetos relevantes do processo, em matéria de facto e de direito devem informar-se do conteúdo do “Relatório Avaliação de Desempenho de 2020.
13. É possível retirar dos despachos n.º 7-2021/GADN, de 01/03/2021, n.º 32/2021-GADN, de 29/12/2021 e n.º 48/2022-GADN, de 08/08/2022, bem como do Relatório de Avaliação de Desempenho de 2020, anexo a este último, como é que se chegou à classificação proposta de cada trabalhador.
14. Sendo de igual modo possível, aferir que a fundamentação de facto e de direito da avaliação de desempenho, que consta do projeto de decisão, resultou exclusivamente da aplicação dos critérios objetivos de diferenciação de desempenho, constantes dos despachos reguladores do processo de avaliação de desempenho.
15. Nos termos deste Relatório, a carreira de especialista auxiliar (carreira subsistente), na qual a Requerente se insere é uma das carreiras abrangidas pela diferenciação de desempenho.
16. A referida diferenciação de desempenho foi fixada na percentagem de 25% para as avaliações da quota de “Desempenho Relevante” e, de entre estas, 5% do total dos trabalhadores para quota de “Desempenho Excelente”, conforme previsto no n.º 1º do artigo 75.º do SIADAP (Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro).
17. No que se reporta ao universo de “321” trabalhadores da carreira de especialista auxiliar, esta distribuição corresponde a 64 trabalhadores com “Desempenho Relevante” e 16 trabalhadores com “Desempenho Excelente”.
18. Os trabalhadores com propostas de classificação idênticas, foram diferenciados de acordo com os seguintes critérios objetivos: Apresentação, ou não de proposta de reconhecimento “Excelente”; Avaliação quantitativa obtida na classificação de serviço anterior; Tempo de serviço na carreira, calculado pelo número de anos, meses e dias; Antiguidade no exercício de funções públicas, medida em anos, meses e dias; Maior idade definida pelo número de anos, meses e dias; Nível académico.
19. Concretamente analisada a situação da Requerente, verifica-se que: não teve proposta de excelente; no ano anterior obteve a avaliação quantitativa de 9,79, qualitativa de “Muito Bom”; contava com 19A - 03M - 18D, de tempo de serviço na carreira; a antiguidade no exercício de funções públicas corresponde a 24A -10M -21D; a data de nascimento é 06-02-1970; tem como habilitação académica - Licenciatura.
20. Resulta da análise, imperativamente, a ordenação da Requerente na posição “147”, ficando, portanto, excluída das quotas de diferenciação de desempenho “Excelente” e “Relevante”.
21. Assim, por força da entrada em vigor do novo regime (EPPJ), não sendo possível a manutenção da classificação de serviço, inicialmente proposta para o período respeitante ao ano de 2020, quantitativa de 9,79, qualitativa “Muito Bom”, procedeu-se à integração da Requerente na quota de “Adequado”, com a classificação máxima prevista para aquela quota, ou seja, 8,49 “Bom”.
22. Do artigo 268.º do CRP decorre a consagração constitucional do direito à informação procedimental, assim como à informação não procedimental, tratando-se, em qualquer dos casos, de um direito fundamental dos administrados de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
23. O direito à informação procedimental encontra-se regulado nos artigos 82.º a 85.º do CPA, e confere aos interessados o direito de serem informados sobre o andamento dos procedimentos em curso, que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
24. A questão em apreço incide sobre o direito da Requerente à informação procedimental de terceiros do processo de avaliação de desempenho relativamente ao período compreendido entre 01-01-2020 a 31-12-2020.
25. No âmbito do direito à informação procedimental, o artigo 83.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, estabelece um princípio de admissibilidade de acesso a documentos respeitantes a terceiros, sendo que a referência à proteção de dados pessoais ali inscrita deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais de terceiros.
26. Por outro lado, o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016 (RGPD), consagra na alínea c), do n.º 1, do artigo 5.º, o princípio da minimização dos dados pessoais, nos termos do qual estes devem ser adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados.
27. Os resultados da ordenação definitiva dos trabalhadores por carreira irão constar de uma lista em formato pseudonimizado, atendendo ao princípio da minimização dos dados pessoais, acima citado.
28. Não sendo necessário que a Requerente saiba a concreta identificação dos trabalhadores que constam dessa lista ordenada, a qual, em respeito pelo princípio da cooperação e boa-fé processual, ora se junta aos autos.
29. Nem se podendo deixar de atender ao previsto no n.º 1 do artigo 17.º, do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária (RCLPJ), que estipula que as fichas de notação têm caracter confidencial.
30. Face ao exposto, a Requerente dispõe de toda a documentação onde consta a fundamentação da aplicação dos critérios de ordenação e desempate e os motivos de incidência do efeito restritivo decorrente da aplicação do sistema de quotas à avaliação de todos os trabalhadores.
31. Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida, violou, por erro de interpretação, as regras legalmente aplicáveis ao caso dos autos.”
A recorrida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que assiste à requerente o direito de acesso a toda informação procedimental, por se tratar de procedimento de avaliação de desempenho da carreira de inspetor (especialista auxiliar) da PJ com critérios de diferenciação qualitativa, não tendo a entidade recorrente/requerida demonstrado, como é exigível, a restrição de acesso que decorre da reserva da vida privada, sem prejuízo de no que se refere aos registos inscritos por determinação do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária e com total respaldo no entendimento pacífico da jurisprudência superior, a entidade recorrente/requerida e relativamente ao acesso aos documentos administrativos solicitados, tem o direito/dever de truncar essa informação individual.

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao determinar a sua intimação para prestar à recorrida informação procedimental de terceiros, relativa a processo de avaliação de desempenho.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao determinar a sua intimação para prestar à recorrida informação procedimental de terceiros, relativa a processo de avaliação de desempenho.

Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação:
[A] Requerente, solicitou informações relativas a um procedimento de avaliação de desempenho iniciado em relação a vários trabalhadores da Polícia Judiciária, neles se incluindo a Requerente, procedimento que se encontra em curso, uma vez que, não foi proferida decisão final quanto à sua classificação final.
Pois bem, nesse sentido, face ao supra expendido, apura-se que a sua pretensão se enquadra no exercício do direito à informação procedimental, logo, está verificada a titularidade do direito de acesso à informação procedimental da Requerente, à luz da Constituição e do CPA.
Quanto ao pedido de informação objeto da presente intimação, ocorrendo falta de resposta da Entidade Requerida, dá-se por assente que a informação peticionada não foi prestada.
No presente caso, também não consta dos autos que tenham sido invocados limites, restrições ou exceções legais para a recusa da administração em prestar a informação solicitada, pois, de facto a Entidade Requerida limita-se a referir que “da publicitação dos despachos supra indicados na página da intranet da Entidade Requerida, bem como da notificação da sua ficha de audiência prévia, todos os elementos necessários ao conhecimento dos fundamentos do projeto de decisão foram dados a conhecer atempadamente à Requerente” e que “o acesso à informação requerida só terá lugar no âmbito do exercício do direito de impugnação, após a homologação da classificação final.”.
É oportuno indicar, com relevância para o caso concreto, que no âmbito do direito à informação procedimental, o art. 83.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, estabelece um princípio de admissibilidade de acesso a documentos respeitantes a terceiros, sendo que a referência à proteção de dados pessoais ali inscrita deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais de terceiros, e que dados pessoais são aqueles que, de modo geral se inserem na reserva da intimidade da vida privada. (cfr. Acórdão TCAS, no proc. n.º 586/19.6BELSB, de 27/02/2020).
Neste sentido, o Acórdão do TCAN, no proc. n.º 01775/18.6BEBRG, de 25/01/2019, dispõe “(…) 4 - Não se estando em presença de matéria confidencial ou que se possa configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima, como seriam, por exemplo, os dados genéticos, de saúde ou que se prendessem com a vida sexual, bem como os relativos às convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que pudessem traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada, mas antes perante meros registos administrativos, não se mostra admissível a recusa na prestação de informações.
5 - Informações relativas ao modo como terão sido concretizadas avaliação de desempenho de docentes em determinados anos letivos, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que estamos em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional, sendo questões saudavelmente públicas, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, em homenagem aos princípios da transparência e da publicidade.”.
De modo que, é forçoso constatar que o acesso da Requerente às informações elencadas no seu requerimento apresentado, é, em termos substantivos, admitido pela lei.
Nesta esteira, dos despachos proferidos pela Entidade Requerida, levados ao probatório, no que concerne os critérios a atender no procedimento de avaliação de desempenho, a sua leitura não permite, ao contrário do invocado pela Entidade Requerida, aferir da aplicação em concreto dos critérios de desempate na avaliação de cada trabalhador, não sendo possível retirar dos mesmos como é que se chegou à classificação proposta de cada trabalhador inserido nas carreiras do mapa de pessoal da PJ, e a final, apurar o fundamento para a classificação da Requerente em relação aos restantes trabalhadores avaliados e do preenchimento das quotas previstas.
Face às considerações aduzidas, julga-se que assiste à Requerente o direito de acesso à informação peticionada nos pontos a) e b) do seu requerimento que deu origem aos presentes autos, mais concretamente, a fundamentação atinente à aplicação dos critérios de desempate aplicados pela Entidade Requerida, no âmbito do procedimento de avaliação de desempenho dos seus colaboradores, para o preenchimento de quotas de classificação”.
Contra o que se insurge a entidade recorrente por entender que a recorrida não tem direito a aceder a informação procedimental de terceiros, relativa a processo de avaliação de desempenho.
Vejamos então.
Invoca a recorrente o artigo 17.º do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária (RCLPJ), de acordo com o qual as fichas de notação têm caracter confidencial.
Tem aplicação ao caso o SIADAP 3, sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, que prevê o seguinte quanto à publicidade dos procedimentos de avaliação do desempenho no respetivo artigo 44.º:
“1 - As menções qualitativas e respetiva quantificação quando fundamentam, no ano em que são atribuídas, a mudança de posição remuneratória na carreira ou a atribuição de prémio de desempenho são objeto de publicitação, bem como as menções qualitativas anteriores que tenham sido atribuídas e que contribuam para tal fundamentação.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior e de outros casos de publicitação previstos na presente lei, os procedimentos relativos ao SIADAP 3 têm carácter confidencial, devendo os instrumentos de avaliação de cada trabalhador ser arquivados no respetivo processo individual.
3 - Com exceção do avaliado, todos os intervenientes no processo de avaliação bem como os que, em virtude do exercício das suas funções, tenham conhecimento do mesmo ficam sujeitos ao dever de sigilo.
4 - O acesso à documentação relativa ao SIADAP 3 subordina-se ao disposto no Código do Procedimento Administrativo e à legislação relativa ao acesso a documentos administrativos.”
Sem prejuízo da remissão para o CPA e para a LADA, temos efetivamente a previsão de um dever de confidencialidade em torno do procedimento administrativo de avaliação do desempenho dos trabalhadores.
Este dever, contudo, terá de ser necessariamente temperado pelo princípio da administração aberta.
Com efeito, este princípio estruturante do regime legal de acesso a documentos elaborados ou na posse da administração haverá de ser encontrado desde logo na nossa lei fundamental.
Assim, o artigo 268.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), consagra como direito dos administrados o de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, bem como terem acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
Por aqui se vê que temos constitucionalmente consagrados dois direitos de acesso à informação distintos: o direito à informação procedimental, n.º 1 do referido preceito, e o direito à informação não procedimental, n.º 2 do referido preceito.
Pressupondo naturalmente o primeiro que exista um procedimento administrativo em curso, o que não ocorre no segundo.
Nas palavras de Raquel Carvalho, “o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de proteção de interesses mais objetivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da ação administrativa” (O direito à informação administrativa procedimental, Porto, 1999, págs. 160 e 161).
Concretizando tais direitos e o apontado princípio da administração aberta, o artigo 17.º, n.º 1, do CPA, prevê que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.
No caso vertente, pretende a aqui recorrida aceder a informação relativa a um procedimento de avaliação de desempenho em curso, no qual figura como avaliada, assim como outros trabalhadores da Polícia Judiciária.
Conforme se assinala na decisão objeto de recurso, a pretensão da requerente enquadra-se no exercício do direito à informação procedimental, estando verificada a sua titularidade do direito de acesso à informação procedimental, à luz da Constituição e do CPA.
Aqui, prevê-se no artigo 83.º, com a epígrafe ‘consulta do processo e passagem de certidões’, o seguinte:
“1 - Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei.
3 - Os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.”
No caso vertente, está em causa o acesso à seguinte informação:
- todas as atas ou outros documentos existentes, donde conste a fundamentação, segundo os critérios constantes dos pontos 6 e 7 do Despacho n.º 48/2022-GADN, de 8 de agosto de 2022, porque razão o efeito restritivo da quota incidiu sobre a Requerente e não sobre os outros trabalhadores que ficaram contidos na mesma;
- notações atribuídas nos critérios de ordenação e desempate referentes a cada um dos 16 (dezasseis) trabalhadores que integram a quota de “Excelente” na distribuição aplicável;
- notações atribuídas nos critérios de ordenação e desempate referentes a cada um dos 64 (sessenta e quatro) trabalhadores que integram a quota de “Relevante” na distribuição aplicável;
- lista donde conste a ordenação dos trabalhadores na distribuição aplicável após aplicação dos critérios de desempate.
Ora, o descrito regime de confidencialidade do processo de avaliação de desempenho de trabalhadores no exercício de funções públicas impede o acesso a terceiros à pretendida informação, mas não impede o acesso à mesma por parte dos avaliados, ou seja, de quem se encontra na categoria dos demais trabalhadores sujeitos a avaliação
Este TCAS já se pronunciou em três ocasiões quanto a situações em tudo idênticas, acórdãos de 23/02/2023, proferido no âmbito do processo n.º 3011/22.1BELSB, de 09/03/2023, proferido no âmbito do processo n.º 2925/22.3BELSB, e de 13/04/2023, proferido no âmbito do processo n.º 3081/22.2BELSB. Tendo o aqui relator feito parte do coletivo nestes dois arestos mais recentes, aqui se sufragando na íntegra o entendimento que aí se sustentou.
Consta do último destes arestos a seguinte fundamentação:
“[H]averá sempre que conjugar o acesso a esses documentos com o regime do CPA ou da LADA, consoante as circunstâncias. Na vertente de apreciação concreta de trabalhadores, as actas com a fundamentação atinente à aplicação dos critérios constantes dos pontos 6 e 7 do despacho nº 48/2022-GADN, de 8-8-2022, ou seja, a fundamentação respeitante à aplicação concreta dos critérios de desempate aplicados pela entidade requerida, no âmbito do procedimento de avaliação de desempenho dos seus colaboradores contêm dados pessoais, constituindo, por isso, documentos nominativos (cfr. artigo 3º, nº 1, alínea b) da LADA, e artigo 4º, nº 1 do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016 relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Directiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados).
20. Por isso, o acesso por terceiro aos aludidos documentos nominativos sem o consentimento do titular dos dados só é admissível (cfr. nº 5 do artigo 6º da LADA) “b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido e suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação”.
21. Porém, as mencionadas actas, nesses segmentos, podem “pelo menos, ser do conhecimento dos trabalhadores que integram o mesmo procedimento avaliativo e que delas tenham necessidade para impugnar as suas próprias avaliações” – cfr. parecer nº 48/2019 da CADA – devendo ser do conhecimento da requerente a informação nominativa exarada naquelas actas, desde que se reporte a pessoas do mesmo grupo profissional que o seu e desde que tenha pesado ou possa vir a pesar na menção atribuída.
22. Este entendimento é aquele que melhor articula o regime do SIADAP com o da LADA, sendo que o acesso a essas actas e aos demais documentos pretendidos pela requerente não é de acesso livre e irrestrito, supondo um interesse específico daquela, susceptível de suplantar a inicial confidencialidade de que se revestem, a ponderar pela entidade requerida.
23. Essa ponderação dependerá de diversos elementos, mas naturalmente que quanto maior a relação entre o procedimento avaliativo do trabalhador que requer o acesso e o do terceiro a cujo processo aquele pretende aceder, quanto mais directamente possa retirar efeito útil dos documentos solicitados, menor será o obstáculo ao acesso, sendo certo que o que se deixou dito não afasta, naturalmente, a hipótese de o acesso ser solicitado com uma outra justificação específica, que sempre haverá de ser analisada no mesmo quadro de ponderação determinado pelo artigo 6º, nº 5 da LADA.
24. Além do mais, as avaliações em si mesmo são em determinadas circunstâncias de divulgação obrigatória, por imposição legal: é, por exemplo, como decorre logo do artigo 44º, nº 1 do SIADAP, o caso das que são fundamento de mudança de posição remuneratória e também, com divulgação interna, o reconhecimento de desempenho “Excelente”, conforme decorre do disposto no artigo 51º, nº 3 da Lei nº 66-B/2007, de 28/12.
25. De notar ainda que o artigo 6º da LADA viu aditado um nº 9 – introduzido por força do artigo 65º da Lei nº 58/2019, de 8/8 – com a seguinte redacção:
“9 – Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos”.
26. No caso dos presentes autos não está em causa documentação que respeite unicamente à requerente, nem outra documentação desligada de conteúdo pessoal, designadamente o número de trabalhadores que integram o universo dos trabalhadores da PJ, o número dos daqueles que obtiveram a classificação de “Excelente” e de “Relevante” e a fórmula pela qual foi obtido o percentil considerado na atribuição da menção de “Bom” à requerente, pelo que toda essa documentação deve ser facultada àquela, sem limitações.
27. Porém, já no tocante à documentação que contenha elementos de ordem pessoal – identificação dos outros trabalhadores com a classificação de “Excelente” e de “Relevante” e o acesso às suas fichas de avaliação –, tal acesso só deverá ser facultado à requerente na parte que integre o mesmo procedimento avaliativo e o mesmo universo de trabalhadores a avaliar, com o expurgo de eventuais dados pessoais ou de contacto pessoal (dados não funcionais), irrelevantes para o próprio procedimento avaliativo, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 8 da LADA.
28. Também a CADA se tem pronunciado no mesmo sentido sobre o acesso a documentação relacionada com a avaliação de desempenho (em especial, à avaliação do desempenho docente), nomeadamente, no Parecer nº 337/2019, em que reiterou doutrina de vários outros pareceres, designadamente, nºs 79/2021, 130/2021, 131/2021, 199/2021, 256/2021, 279/2021, 328/2021, 337/2021 e, mais recentemente, 12/2022, 20/2022, 29/2022, 46/2022, 115/2022, 2/2023 e 28/2023 (todos eles acessíveis no sítio na internet da CADA, em (https://www.cada.pt), em que defende exactamente a solução constante da sentença recorrida, razão pela qual não colhem os argumentos expendidos na alegação do recorrente.
29. Com também não colhe o argumento de que não constituindo a audiência prévia uma fase para exercer o contraditório, de nada adiantaria à requerente em sede de audição contestar a informação de que a Administração já dispõe, a menos que se verificasse um erro grosseiro nos seus dados pessoais ou, tão pouco, que o acesso à informação pretendida não tem razão de ser nesta fase, não só porque não afasta a obrigatoriedade da aplicação dos critérios, mas também porque não está em causa a garantia do direito de impugnar graciosamente ou contenciosamente a sua avaliação.
30. Com efeito, é ao interessado – e não à Administração – que compete ajuizar o interesse e a necessidade na obtenção dos documentos que pretende, por forma a melhor defender os seus direitos, nomeadamente caso pretenda vir a impugnar graciosamente ou contenciosamente a sua avaliação de desempenho.”
No mesmo sentido se pronunciou o Ministério Público no douto parecer emitido no âmbito dos presentes autos.
Temos também por certo que a pretensão da requerente de acesso a informação procedimental relativa a terceiros, no âmbito de procedimento de avaliação de desempenho no qual figura como avaliada, encontra abrigo no invocado princípio da administração aberta e, em concreto, no quadro definido no citado artigo 83.º do CPA.
Cumpre, pois, fazendo nossa a fundamentação que antecede, concluir que será de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, com a aludida restrição de expurgo de eventuais dados pessoais ou de contacto pessoal (dados não funcionais), irrelevantes para o próprio procedimento avaliativo.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a restrição supra enunciada.
Custas a cargo da entidade recorrente.

Lisboa, 27 de abril de 2023
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)