Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01510/06
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/17/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA. ARTº.60, DA L.G.T.
PROCEDIMENTOS DE SEGUNDO GRAU. DISPENSA DO DIREITO DE AUDIÊNCIA (ARTº.60, Nº.3, DA L.G.T.).
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL DO ACTO ADMINISTRATIVO.
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE.
ARTº.57, Nº.1, DO C.I.R.C., NA REDACÇÃO ANTERIOR À LEI 30-G/2000, DE 29/12.
CONCEITO DE “RELAÇÕES ESPECIAIS”.
ARTº.77, Nº.3, DA L.G.T., NA REDACÇÃO INICIAL.
DEVER ACRESCIDO DE FUNDAMENTAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
Sumário:1. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).

2. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita.

3. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo).

4. Nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr.artº.60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5).

5. Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

6. Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.

7. O artº.57, nº.1, do C.I.R.C. (ver actualmente o artº.63, do C.I.R.C.), na redacção anterior à Lei 30-G/2000, de 29/12, o qual cessou a sua vigência em 31/12/2001 (cfr.artº.7, nº.1, da Lei 30-G/2000, de 29/12), previa a possibilidade da A. Fiscal poder efectuar correcções do lucro tributável quando se verificassem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a I.R.C. e tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, assim conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações. A norma em análise tem a sua fonte próxima no artº.51-A, nº.1, do anterior Código da Contribuição Industrial.

8. O citado artº.57, nº.1, do C.I.R.C., deve considerar-se uma norma anti-abuso específica que visa, em última análise, combater a evasão fiscal derivada de um planeamento fiscal mais agressivo. São exemplos de relações especiais as que se estabelecem entre empresas associadas que realizem entre si operações comerciais ou industrias diferentes das normais, as relações entre os sócios e a sociedade (v.g.suprimentos efectuados pelos sócios à sociedade), a subfacturação ou a sobrefacturação de forma a diminuir os proveitos e aumentar os custos, tudo visando o apuramento de um lucro tributável diverso do que seria normal apurar. Embora o artº.57, nº.1, do C.I.R.C., não defina o que deve entender-se por “relações especiais”, a doutrina vem considerando que tais relações existem quando haja relações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a sociedade e os respectivos sócios, entre empresas associadas ou ainda entre empresas mães e filiadas.

9. As correcções ao lucro tributável efectuadas por parte da Fazenda Pública ao abrigo do preceito em análise impunham um dever acrescido de fundamentação, o qual devia abarcar os seguintes vectores (cfr.artº.80, do C.P.Tributário; artº.77, nº.3, da L.G.T., na redacção inicial):
a-A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa sujeita, ou não, a I.R.C.;
b-O estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes que realizem operações da mesma natureza e colocadas nas mesmas circunstâncias;
c-Que tais relações especiais sejam causa adequada das ditas condições;
d-O apuramento, em face da contabilidade, de lucro diverso do que se apuraria na ausência de tais relações especiais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“M…………..- ESTUDOS, …………………, S.A.”, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso contencioso do despacho, datado de 13/6/2002, efectuado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o qual lhe indeferiu o requerimento de interposição de recurso hierárquico, deduzido ao abrigo do artº.129, do C.I.R.C., tendo por objecto correcções à matéria colectável em sede de I.R.C., relativas aos anos de 1997, 1998 e 1999, e fundamentadas no artº.57, do mesmo diploma, alegando, em síntese (cfr.fls.2 e seg. dos autos):
1-Que se verificou a preterição de formalidade legal de audição prévia no âmbito da instância de recurso hierárquico, assim se violando o disposto no artº.60, da L.G.T.;
2-Que ocorre falta de fundamentação da decisão de correcção da matéria colectável em causa, não só por tal fundamentação ser contraditória, como também por não dar cumprimento ao disposto no artº.77, nº.3, da L.G.T.;
3-Que o acto recorrido é ilegal, também por que não se pronuncia sobre vício invocado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso hierárquico, qual seja a dita falta de fundamentação;
4-O acto recorrido padece de ilegalidade ainda por erro nos pressupostos de facto, já que na fundamentação se afirma que a recorrente concedeu crédito à sociedade N.........., o que não corresponde à verdade;
5-Ainda, as correcções em causa são ilegais devido a violação do regime previsto no artº.57, do C.I.R.C.;
6-Sendo que, mesmo que estivessem reunidos os pressupostos de aplicação previstos no citado artº.57, do C.I.R.C., tal preceito não é aplicável ao caso dos autos, atendendo à especial natureza dos suprimentos que devem ser vistos como capital, não sendo o artº.57, aplicável a tal figura.
Com a p.i. de recurso juntou documentos.
Remetido a Tribunal, o Digno Magistrado do M. P. teve vista inicial do processo (cfr. fls.158 dos autos).
O T.A.F. de Lisboa declarou-se incompetente para o conhecimento do presente recurso, sendo competente este Tribunal (cfr.despacho exarado a fls.165 dos autos).
Remetido a este Tribunal, foi efectuada a junção de processo administrativo por apenso pela autoridade recorrida (cfr.fls.179 dos autos).
Na resposta efectuada, a autoridade recorrida sustentou a legalidade do despacho impugnado, assim devendo improceder o recurso (cfr.fls.180 a 195 dos autos).
Notificadas para o efeito, as partes produziram alegações escritas nas quais terminam como nos respectivos articulados (cfr.fls.205 a 213 e 215 a 222 dos autos).
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.224 e 225 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.229 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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Saneamento da Instância
X
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
O processo, que é o próprio, não enferma de nulidades insupríveis.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Inexistem quaisquer outras questões prévias ou excepções de que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1-Em 30/12/1993, a sociedade autora, “M………. - Estudos, …………….., S.A.”, com o n.i.p.c. ……………., enquanto segunda contratante, celebrou com a empresa “M…….. - Sociedade ……………………, S.A.”, com o n.i.p.c. ………….., enquanto primeira contratante, o contrato de cessão de créditos que a primeira contratante detinha sobre a empresa “N………………… - Sociedade Gestora ………………, S.A.”, no montante de Esc.2.700.000.000$00 (dois mil e setecentos milhões de escudos), tudo conforme documento junto a fls.68 e 69 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
2-A identificada primeira contratante, “M…….. - Sociedade ……………, S.A.”, era detentora de 100 % do capital social da sociedade autora, “M………. - Estudos, …………., S.A.” (cfr.cópia do relatório da inspecção-geral de finanças junta ao processo administrativo apenso; factualidade admitida pela autora/recorrente no artº.24 da p.i.);
3-Em 24/9/2001, no âmbito de acção de inspecção externa incidente sobre a actividade da sociedade autora, tendo por objecto, além do mais, os anos de 1997, 1998 e 1999, esta exerceu por escrito o direito de audição prévia nos termos do artº.60, da L.G.T., tudo conforme cópia que se encontra junta a fls.40 a 50 dos presentes autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr.factualidade admitida pela autora no artº.2 da p.i.);
4-Em 12/10/2001, como resultado da acção de inspecção externa identificada no nº.3, a A. Fiscal estruturou o relatório final cuja cópia se encontra junta a fls.53 a 61 dos presentes autos e respectivos anexos de fls.62 a 69, no mesmo tendo examinado o requerimento de exercício do direito de audição identificado no nº.3, relatório este que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr.factualidade admitida pela autora no artº.3 da p.i.);
5-No relatório identificado no nº.4 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) Nos termos do contrato de cessão de créditos celebrado em 30/12/1993, a primeira contratante cedeu à segunda créditos que detinha sobre a “N………” no montante de 2.700.000 contos;
b) Que da análise efectuada às contas da “N…………..” verificou-se que os créditos que a “M………” detinha sobre aquela, nos montantes de 3.990.284 contos e 3.581.193 contos, em 31/12/1998 e 31/12/1999, respectivamente, foram remunerados com taxas de juro de 4% e 3,15 %, tendo deliberado não os remunerar em anos precedentes com a justificação da difícil situação financeira apresentada pela “N………..”;
c) Todavia, a “M……….”, sociedade detida na totalidade do seu capital social pela “M…….”, e também accionista da “N……….”, relativamente aos créditos que detém sobre esta, nunca recebeu qualquer importância a título de juros;
d) Sendo certo que não existe impedimento a que entre as empresas se concedam créditos de forma gratuita, a verdade é que tal atitude poderá distorcer os resultados contabilísticos e fiscais das envolvidas, por se estar perante sociedades que se encontram ligadas por uma relação especial de domínio. Revela, por outro lado, não ter sido adoptado procedimento uniforme, remunerando os créditos da “M………” e utilizando, de forma gratuita, o financiamento obtido junto da “M…….”;
e) Nestes termos, caso a “M……….” se tivesse feito remunerar pelo crédito concedido à “N...........”, mediante a fixação da taxa de juro do mercado, quanto ao período de 1997 a 1999, os resultados (contabilístico e fiscal) por si obtidos seriam naturalmente superiores, originando um acréscimo da sua matéria colectável em montante idêntico. Por sua vez, na “N…………” determinar-se-ia uma situação inversa, o que conduziria a um agravamento do seu resultado fiscal;
f) Perante tal factualidade, afigura-se-nos que se deve aplicar o disposto no artº.57, nº.1, do C.I.R.C., que permite à administração fiscal efectuar as correcções necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que esteja perante as seguintes condições:
-Existência de relações especiais entre os intervenientes;
-Definição de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;
-Apuramento de lucro diverso do que se apuraria se não ocorressem tais relações especiais;
g) Em face do exposto, há que ter presente o grau de dependência existente entre as entidades envolvidas e a gratuidade estabelecida quanto ao crédito concedido, parecendo-nos estarem reunidos os pressupostos de aplicação do artº.57, do C.I.R.C., uma vez que a adopção do procedimento descrito permitiu à “M…………” e à “N………….” apurar um lucro tributável diferente do que obteriam em condições normais se se estivesse perante empresas independentes;
h) Para efeitos da correcção da matéria colectável de I.R.C., a efectuar nos termos do artº.57, nº.1, do C.I.R.C., não podemos deixar de ter em consideração o princípio segundo o qual a rendibilidade esperada de um investimento é igual à rendibilidade sem risco acrescida do prémio de risco. Donde resulta que o investidor exige para os seus capitais remuneração pelo menos equivalente à que o mercado assegura para aplicações alternativas de risco reduzido ou nulo, isto é, próxima da dos depósitos a prazo ou das obrigações;
i) Contudo, tendo em conta que a “M……..”, no período de 1998/99, remunerou os créditos que detinha sobre a “N……….” a uma taxa de juro que resultou da média aritmética simples da Lisboa a seis meses no fecho de cada trimestre, parece-nos correcto a utilização desta taxa de juro para remunerar os créditos que a “M………..” detém também sobre a “N………..”;
j) Considerando a evolução desta taxa no período de 1997/99, aplicada ao tipo de operações supra referidas, permitiu determinar os valores constantes do mapa de fls.22 que ilustra os respectivos cálculos. Nestes termos, ao abrigo do disposto no artº.57, nº.1, do C.I.R.C., propõe-se que a matéria colectável da sociedade “M………. - Estudos, Serviços ………………., S.A.”, relativamente aos exercícios económicos de 1997 a 1999 seja corrigida para mais pelos seguintes montantes:
1997 - Esc.134.881.920$00;
1998 - Esc.98.995.904$00;
1999 - Esc.77.959.275$00;
6-Notificada do conteúdo do relatório identificado no nº.4, em 6/12/2001 a autora deduziu recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, ao abrigo do artº.129, do C.I.R.C. (cfr.documento junto a fls.71 a 87 dos presentes autos);
7-Em 29/5/2002, no âmbito do exame do recurso hierárquico identificado no nº.6, foi estruturada a informação constante de fls.2 a 8 do processo administrativo apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;
8-Na informação identificado no nº.7 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) Os pressupostos das correcções previstas no artº.57, nº.1, do C.I.R.C., assentam nas relações especiais entre a recorrente e a “N…………..”, no estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e o apuramento, tendo por base a contabilidade, de lucro diverso do que seria apurado se essas relações não existissem;
b) A existência de relações especiais entre a “M………” e a “N……….” não se questiona. Estas derivam do facto de a “M………..” participar no capital da “N………..” por força da aquisição efectuada no valor de 2.700.000 contos, à “M……….”, em 1993;
c) O estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes verifica-se na exacta medida em que, entre estas, os empréstimos são remunerados. No caso em análise o empréstimo do sócio à sociedade não foi remunerado;
d) A terceira condição referida no artº.57, nº.1, do C.I.R.C., apuramento de lucro diverso do que seria apurado se essas relações não existissem, é uma consequência das duas primeiras. Basta que se estabeleçam condições diferentes das que normalmente são acordadas entre pessoas independentes para que o lucro apurado seja diverso do que seria se essas relações não existissem.

Anos
Lucro Fiscal Declarado
Lucro Fiscal Corrigido
1997
(1.349.557$00)
133.532.363$00
1998
(731.559$00)
98.264.345$00
1999
10.294.860$00
88.254.135$00
e) Em reforço do que ficou dito está o facto de a “N…………” não ter adoptado procedimento uniforme, remunerando os créditos da “M……….”, participante no capital da “N………..” e que vem apresentando prejuízos, e utilizando de forma gratuita os capitais pertencentes à “M………..”;
f) Tendo em conta que nesta fase a decisão se baseia nos mesmos factos sobre que foi exercido o direito de audição no procedimento anterior, entendemos que, nos termos do nº.3 da circular nº.13/99, não deve haver novamente direito de audição;
g) Em face do exposto deve ser negado provimento ao presente recurso hierárquico uma vez que se verificaram todos os requisitos previstos no artº.57, do C.I.R.C., para se poderem efectuar as correcções propostas;
9-Em 11/6/2002, foi elaborado parecer pelo Sr. Subdirector-Geral dos Impostos, concordando com a informação identificada no nº.7, inclusivamente no que respeita à dispensa de audição prévia (cfr.documento junto a fls.1 do processo administrativo apenso);
10-Em 13/6/2002, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais exarou despacho a concordar com a informação e parecer prévios e indeferir o recurso hierárquico (cfr. documento junto a fls.1 do processo administrativo apenso);
11-Em 16/9/2002, a sociedade “M……….. - Estudos, …………………, S.A.” apresentou junto do extinto Tribunal Tributário de Lisboa a p.i. que deu origem ao presente processo (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 destes autos).
X
Factos não Provados
X
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do requerimento de interposição de recurso, tal como da contestação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da Decisão de Facto
X
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que dos autos e apenso constam, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da autora, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
X
Questões que cumpre solucionar
X
Em face da matéria de facto provada, as questões que importa solucionar prendem-se com a análise dos fundamentos da acção que originou os presentes autos, igualmente devendo o Tribunal examinar todas as questões, relevantes para a decisão da causa, que sejam de conhecimento oficioso (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Importa agora proceder à subsunção jurídica da matéria de facto provada em ordem a posterior decisão da causa.
O comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal tem estimulado a doutrina a procurar meios de reacção adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr.artº.103, nº.1, da C.R. Portuguesa).
Refere a doutrina que é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, podendo utilizar-se várias vias para atingir tal desiderato, embora a fronteira de distinção entre elas nem sempre seja fácil de vislumbrar. Nesta linha de busca das formas possíveis de minimização dos impostos a doutrina aponta 3 vias: a gestão ou planeamento fiscal; a evasão ou elisão fiscal; e a fraude fiscal (cfr.Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2ª edição, 2007, pág.401).
A primeira delas consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opção do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais (v.g.a decisão de tributação separada, ou conjunta, em sede de uniões de facto no I.R.S.; a opção pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada para a determinação do lucro tributável em sede de I.R.C.; a opção, ou não, pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades em I.R.C.).
Nestes termos, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, 2007, pág.159).
No caso “sub judice”, a autora começa por alegar que se verificou a preterição de formalidade legal de audição prévia no âmbito da instância de recurso hierárquico, assim se violando o disposto no artº.60, da L.G.T.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e outros, ob.cit., pág.515).
A D.G.C.I., pela Circular nº.13/99, de 8/7/1999, manifestou o intuito de conciliar este direito de audição prévia do contribuinte com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, enunciados no art.55, da L.G.T. (cfr.circular publicada na C.T.F. 296, pág.443).
Além do mais, na referida circular faz-se menção aos casos em que a Administração Tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes, por a participação do contribuinte só dever verificar-se mais de uma vez quando haja factos novos no âmbito de um procedimento gracioso que tenha diversas fases ou tratos sequenciais (cfr.artº.103, nº.2, al.a), do C.P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91). É o caso dos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr.artº.60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.424 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.508 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que a autora exerceu, por escrito, o direito de audição prévia nos termos do artº.60, da L.G.T., no âmbito da acção de inspecção externa em que se concluiu pela correcção ao lucro tributável dos anos de 1997, 1998 e 1999, tudo ao abrigo do artº.57, nº.1, do C.I.R.C., mais sendo levado em consideração tal exercício no relatório final da dita inspecção (cfr.nºs.3 a 5 da matéria de facto provada). Igualmente se retira do probatório que a decisão do recurso hierárquico deduzido pela autora se baseou nos mesmos factos sobre que foi exercido o direito de audição no procedimento anterior (cfr.nº.8, al.f), da factualidade provada), assim sendo legítima a decisão de dispensa do direito de audição no mesmo procedimento de segundo grau, nos termos dos artºs.103, nº.2, al.a), do C.P.Administrativo, e 60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este esteio da acção.
Alega, igualmente, a autora que ocorre falta de fundamentação da decisão de correcção da matéria colectável em causa, não só por tal fundamentação ser contraditória, como também por não dar cumprimento ao disposto no artº.77, nº.3, da L.G.T.
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc.3096/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.6134/12).
Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc.3096/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.6134/12).
No caso dos autos, conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nº.5 do probatório), a decisão de correcção da matéria colectável não se pode considerar contraditória, visto não ocorrer qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão no âmbito do relatório final de inspecção estruturado pela A. Fiscal, tal como não se pode concluir pela existência de incoerência nos fundamentos aduzidos, pelo que se julga improcedente o alicerce da acção que se consubstancia na falta de fundamentação de tal decisão devido a vício de incongruência.
Examinemos agora a vertente da falta de fundamentação derivada do não cumprimento do disposto no artº.77, nº.3, da L.G.T.
O artº.57, nº.1, do C.I.R.C. (ver actualmente o artº.63, do C.I.R.C.), na redacção anterior à Lei 30-G/2000, de 29/12, o qual cessou a sua vigência em 31/12/2001 (cfr.artº.7, nº.1, da Lei 30-G/2000, de 29/12), previa a possibilidade da A. Fiscal poder efectuar correcções do lucro tributável quando se verificassem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a I.R.C. e tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, assim conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações. A norma em análise tem a sua fonte próxima no artº.51-A, nº.1, do anterior Código da Contribuição Industrial.
Encontramo-nos perante norma anti-abuso específica que visa, em última análise, combater a evasão fiscal derivada de um planeamento fiscal mais agressivo. São exemplos de relações especiais as que se estabelecem entre empresas associadas que realizem entre si operações comerciais ou industrias diferentes das normais, as relações entre os sócios e a sociedade (v.g.suprimentos efectuados pelos sócios à sociedade), a subfacturação ou a sobrefacturação de forma a diminuir os proveitos e aumentar os custos, tudo visando o apuramento de um lucro tributável diverso do que seria normal apurar. Embora o artº.57, nº.1, do C.I.R.C., não defina o que deve entender-se por “relações especiais”, a doutrina vem considerando que tais relações existem quando haja relações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a sociedade e os respectivos sócios, entre empresas associadas ou ainda entre empresas mães e filiadas (cfr.Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.441; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc.3501/09).
As correcções ao lucro tributável efectuadas por parte da Fazenda Pública ao abrigo do preceito em análise impunham um dever acrescido de fundamentação, o qual devia abarcar os seguintes vectores (cfr.artº.80, do C.P.Tributário; artº.77, nº.3, da L.G.T., na redacção inicial; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/1998, rec.19858; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 16/12/1998, rec.20188; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/9/2002, rec.21514; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1508/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/2004, rec.119/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2007, proc. 1114/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc.3501/09):
1-A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa sujeita, ou não, a I.R.C.;
2-O estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes que realizem operações da mesma natureza e colocadas nas mesmas circunstâncias;
3-Que tais relações especiais sejam causa adequada das ditas condições;
4-O apuramento, em face da contabilidade, de lucro diverso do que se apuraria na ausência de tais relações especiais.
Mais se dirá que a correcção da matéria colectável em causa nos presentes autos deve levar em consideração as regras específicas consagradas no citado artº.77, nº.3, da L.G.T., na redacção inicial, portanto anterior à redacção que lhe foi introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, uma vez que, e como dispõe o seu artº.21, nº.2, desta Lei, a versão actual do mesmo normativo só se aplica aos períodos de tributação que se iniciem a partir da sua entrada em vigor, o que ocorreu no dia 1/1/2001 e que não é o caso dos autos - o I.R.C. em causa reporta-se aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/6/2005, rec.228/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2007, proc.1114/03).
Sendo assim, dispunha, ao tempo, o referido preceito legal, artº.77, nº.3, da L.G.T., na redacção inicial:
“Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributária seja corrigida com base nas relações entre o contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência da tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição dos termos em que nomeadamente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias;
c) Descrição e qualificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.
Eram idênticos os termos previstos no anterior artº.80, do C.P.T.
“In casu”, conforme se retira da matéria de facto provada, a decisão de correcção da matéria colectável da autora baseou-se na constatação de que se encontravam reunidos os pressupostos de aplicação do examinado artº.57, nº.1, do C.I.R.C. (cfr.nºs.5 e 8 da matéria de facto provada). Concretizando, a Fazenda Pública concluiu pela existência de relações especiais entre a sociedade autora e a empresa “N………… - Sociedade …………………….., S.A.”, visto a autora participar no capital da “N……….” por força da aquisição efectuada no valor de 2.700.000 contos, à “M…….”, em 1993 (cfr.nº.8, al.b), do probatório). Ora, o contrato celebrado em 1993 entre a autora e a dita “M……….” consubstancia uma cessão de créditos que esta detinha sobre a empresa “N……….. - Sociedade ……………., S.A.”, no montante de Esc.2.700.000.000$00 (cfr.nº.1 do probatório). Cessão de créditos esta que, segundo a autora, teria sido concedida inicialmente pelo Instituto de Participações do Estado (I.P.E.), aos mesmos créditos estando associada, contratualmente, a impossibilidade da sua remuneração, tudo levando em consideração o passivo da citada “N…………….”.
Tendo em conta toda esta factualidade envolvente da citada cessão de créditos e alegada pela autora, não é possível concluir como fez a A. Fiscal pela existência de relações especiais entre a sociedade autora e a empresa “N………… - Sociedade ………………., S.A.”, visto a autora participar no capital da “N……….” por força da aquisição efectuada no valor de 2.700.000 contos, à “M……….”, em 1993. Contrariamente ao defendido pela A. Fiscal, da factualidade provada nos autos não se pode concluir pela existência de relações especiais entre a sociedade autora e a empresa “N……….”. Assim é, porquanto, do probatório somente consta a prova de uma cessão de créditos da “M……..- Sociedade …………………, S.A.” à sociedade autora. Ora, daqui não se pode concluir pela existência de relações de dependência, pressuposto das ditas relações especiais de acordo com a doutrina e a jurisprudência nos termos citados supra (coisa diferente será a provada existência de relações de dependência entre a sociedade autora e a “M………. - Sociedade ………………., S.A.”).
Em conclusão, a A. Fiscal não fez prova, como lhe competia, de todos os pressupostos de aplicação do artº.57, nº.1, do C.I.R.C., fundamentadores da eventual correcção à matéria colectável da sociedade autora.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, concede-se provimento ao presente recurso e anula-se o despacho impugnado do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr.nº.10 do probatório), mais ficando prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E ANULAR O DESPACHO RECORRIDO (cfr.nº.10 do probatório).
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Setembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)