Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1367/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
FALTA DE NOTIFICAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE;
INSPECÇÃO;
SUSPENSÃO DO PRAZO.
Sumário:1. Constitui fundamento de oposição à execução a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, tipificado na alínea e), do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.
2. O prazo de caducidade ali referido é um prazo concreto, que não prescinde na sua contagem das eventuais causas de suspensão que possam ter ocorrido por virtude do disposto no art.º 46.º da LGT.
3. O carácter interno ou externo do procedimento de inspecção constitui matéria de direito ou juízo conclusivo que não pode integrar o probatório, seja como facto provado, seja como facto não provado.
4. Se tal questão integrar o probatório, a mesma deverá ser considerada não escrita (art.º 607/4 do CPC e 646/4 do anterior CPC).
5. Se os autos não fornecem os elementos necessários à caracterização da inspecção como interna ou externa, nomeadamente, para se aferir da aplicabilidade da causa suspensiva da caducidade prevista no art.º 46.º da LGT, devem os autos baixar à 1.ª instância para instrução complementar que permita surpreender factos dos quais se possa extrair um sólido juízo conclusivo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por M......... à execução fiscal n.º ........., instaurada no Serviço de Finanças de Oeiras 2 para cobrança coerciva de dívida relativa a IRS de 2001, e acrescido, no total de € 26.613,29.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.243).

O Recorrente conclui as suas alegações assim:
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Conclusões

I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 28-02-2018, a qual julgou procedente a Oposição deduzida por M........., NIF ……….., contra os autos de execução fiscal n.º …………, que correm termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1 (anterior Oeiras 2) e foram instaurados para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IRS do ano de 2001, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 21.055,36 (vinte e um mil e cinquenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos) e acrescido.

II - O raciocínio que parece ter sido seguido na Sentença recorrida é o de que, pela inexistência de qualquer facto suspensivo do direito à liquidação, que advém de ter sido atribuído carácter interno ao procedimento inspectivo que lhe esteve subjacente, foi ultrapassado o prazo de caducidade do direito de liquidar o tributo que se encontra em cobrança nos autos executivos n.º ………………

III - Em primeiro lugar, nos presentes autos de Oposição não é admissível que se discutam eventuais questões atinentes ao decurso do prazo de caducidade da liquidação, como sejam os motivos suspensivos ou interruptivos deste prazo, por tais questões respeitarem, exclusivamente, à legalidade da própria tributação.

IV - O que se deve encontrar em discussão é apenas e tão só a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda, susceptível de gerar uma situação de ineficácia na esfera jurídica da ora Oponente.

V - A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido vertida de forma uniforme e sistemática no sentido de que, independentemente de se verificar antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, essa ausência de notificação configura ineficácia do acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição enquadrável nas alíneas e) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, cfr., entre outros, o acórdão do STA de 02-02-2011, proc.º 803/10

VI - Seguidamente, com o devido respeito, a Sentença recorrida efectuou um erro de julgamento da matéria de facto, ao consignar que não resultou provado que o procedimento inspectivo que originou a liquidação ora em cobrança tenha tido a natureza externa.

VII - Contrariamente ao que postulou o Douto Tribunal a quo, dos autos resultam elementos probatórios concretos e inequívocos que permitem dar como provado que a liquidação ora em cobrança resultou de imposto apurado no âmbito de acção inspectiva de carácter externo.

VIII - Resulta provado, nos presentes autos, que o procedimento de inspecção se iniciou em 08-11-2005, com a assinatura da respectiva ordem de serviço, pois que, na existência de ordem de serviço, não existe outra data para o seu início que não aquela em que tal documento haja sido assinado.


IX - Portanto, o facto de o procedimento de inspecção ter tido o seu início em 08-11-2005, sendo que a data de início não pode ser outra que não aquela em que o sujeito passivo colocou a sua assinatura na ordem de serviço, permite concluir que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 52.º do RCPIT, esta é a data que determina o início do procedimento externo de inspecção.

X - A contrario, no âmbito de procedimentos internos de inspecção, a lei não exige que a respectiva ordem de serviço haja de ser assinada pelo sujeito passivo.

XI - Acresce que se constata que o procedimento inspectivo em apreço decorreu entre 08-11- 2005 e 24-02-2006, portanto, respeitando o limite de 6 meses constantes do artigo 36.º do RCPIT.

XII - A este respeito, atente-se ao entendimento vertido no acórdão do TCA Sul de 29-09- 2016, proc. n.º 09395/16, “A limitação temporal imposta pelo artigo 36.º, do RCPITA, para a conclusão do procedimento de inspecção (6 meses), bem como a exigência legal de notificação das ordens de Serviço constante do artigo 46.º, do mesmo diploma, apenas se aplicam aos procedimentos de inspecção externa e não aos procedimentos de inspecção interna”.

XIII - Assim, apenas pelos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente a data de início do procedimento de inspecção e o facto de o mesmo se ter desenrolado em data inferior a 6 meses, permite dar como provado que nos encontramos perante um procedimento inspectivo de carácter externo.

XIV - Assim, provado que a Oponente foi validamente notificada da liquidação do tributo ora em cobrança dentro do respectivo prazo de caducidade, na data de 02-06-2006, em face da suspensão do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT que decorreu entre a data de 08-11-2005 e 24-02-2006, cfr. artigos 51.º e 62.º do RCPIT.

XV - Mas, ainda que assim não se entenda, contrariamente ao que foi afirmado na Sentença recorrida, não existe qualquer presunção legal ou judicial apta a formular o juízo de que, na ausência de elementos que permitam concluir pelo carácter externo da inspecção, a mesma possua obrigatoriamente índole interna.

XVI - Antes, a qualificação do procedimento como inspecção interna, ou externa, não depende do arbítrio do Tribunal, antes é ajuizado em função dos requisitos legais e obedece a critérios específicos, os quais validam, ou não, a natureza escolhida.

XVII - O procedimento inspectivo possui o carácter interno ou externo consoante tenha ou não sido praticado, exclusivamente, nos próprios serviços da administração, cfr. artigo 13.º do RCPIT, o que implica a apreciação casuística dos competentes actos que hajam sido praticados no decorrer do procedimento.

XVIII - Assim, mesmo que não resulte provado nos autos que o procedimento de inspecção tenha carácter externo, nunca se pode presumir a sua índole interna, cabendo sempre ao Douto Tribunal de efectuar todas as diligências tendentes a comprovar inequivocamente a respectiva natureza, nomeadamente oficiando a administração tributária para proceder à junção do competente relatório de inspecção, o que não logrou fazer, em claro desrespeito pelo princípio do inquisitório consagrado no n.º 1 do artigo 99.º da LGT e no n.º 1 do artigo13.º do CPPT.

XIX - Desta forma, os presentes autos não se encontram munidos de todo o acervo probatório tendente a dar como provado que o procedimento de inspecção que esteve na origem da dívida exequenda possua um carácter interno, tendo a Sentença recorrida efectuado um errado julgamento da matéria de facto quanto a esta matéria.

XX - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS
EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE
RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA
RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA
JUSTIÇA!».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões:
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CONCLUSÕES

1. Ab initio se diga que o tribunal quo considerou e bem que a caducidade é fundamento de oposição.

2. Não obstante, veio a douta AT mencionar que a “Oposição não é admissível que se discutam eventuais questões atinentes ao decurso do prazo de caducidade da liquidação, como sejam os motivos suspensivos ou interruptivos deste prazo, por tais questões respeitarem, exclusivamente, à legalidade da própria tributação”.

3. Ora tal não pode ser acolhido, tal como vem entendo a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04-05-2017 que refere:
“I - Nas situações em que a notificação do acto de liquidação nunca ocorreu ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.”

4. Ora, do exposto a exceção de erro na forma do processo alegada pela AT é totalmente improcedente.
5. Ademais, vem a AT mencionar que “a Sentença recorrida efectou um erro de julgamento da matéria de facto, ao consignar que não resultou provado que o procedimento inspetivo que originou a liquidação ora em cobrança tenha tido a natureza externa”.

6. Contudo, como vem fundamentou a sentença recorrida “ Ora, nada resulta dos autos que permita concluir que a inspeção tributária da qual resultou a liquidação oficiosa de IRS em apreço tenha tido caráter externo, antes resultando, por presunção, que, estando em causa omissão de declaração de rendimentos da categoria E, a AT tenha detetado a situação de “faltosos” dos sujeitos passivos por cruzamento de dados com a declaração apresentada pela entidade que disponibilizou rendimentos daquela natureza, tendo o procedimento de inspeção decorrido nos próprios serviços da AT, não assumindo, por isso, a natureza de inspeção externa. Tanto assim parece ter sido efetivamente, que a Fazenda Pública, não obstante invocar que a liquidação foi notificada no prazo de caducidade, não faz referência ao disposto no n.º 1 do art.º 46.º da LGT, nem junta, ou alega ter ocorrido, a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção, conforme exigido no n.º 1 do art.º 46.º da LGT para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação”.

7. Ora, não juntando a AT qualquer notificação ou despacho do início da inspeção.

8. E não se encontrando prevista na lei a obrigatoriedade de notificação prévia do começo do procedimento inspetivo interno.

9. Presumiu e bem o douto tribunal que se estava perante ação de inspeção interna.

10. Pelo que o n.º 1 do artigo 46.º citado não tem aplicação in casu, uma vez que a acção de inspeção que integrou o procedimento de liquidação teve natureza interna.

11. Assim, uma vez mais, não merece acolhimento o sufragado pela recorrente que a recorrida foi validamente notificada do tributo irs em cobrança dentro do respectivo prazo de caducidade, em face da suspensão do prazo nos termos do art. 46.º da LGT.

12. Tal suspensão só ocorre em procedimento de liquidação externa,

13. Que a recorrente nunca provou ao longo do processo e que agora imputa o ónus de prova ao tribunal a quo.

14. Em suma, bem andou o douto Tribunal a quo, termos que a douta decisão em acórdão a proferir apenas poderá caminhar no sentido de concluir, como bem andou o douto Tribunal a quo, pela caducidade e, consequente, inexigibilidade do imposto em cobrança coerciva nos presentes autos, mantendo-se a douta decisão proferida sem qualquer reparo, o que desde já se requer a V.ªs. Ex.ªs., determinando assim a improcedência do recurso interposto, assim dignificando V.ª Ex.ª a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Termos em que com os mais de Direito
doutamente supridos por V.ª.s. Ex.ªs. mais se
requer a improcedência in totum do recurso
interposto, mantendo-se a douta decisão
proferida, assim se dignificando a tão douta e
costumada JUSTIÇA!».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso e procedência da oposição.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se é possível discutir em processo de oposição o carácter interno ou externo do procedimento inspectivo na base da liquidação exequenda de modo a aferir do invocado fundamento de “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”; (ii) em caso afirmativo, se o controvertido carácter interno ou externo do procedimento de inspecção constitui matéria factual susceptível de integrar o probatório.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. De Facto:
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 15.12.2006 foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, contra a ora Oponente e contra A........., o processo de execução fiscal n.º ........., para cobrança coerciva de dívida relativa a IRS de 2001, e acrescido, no valor total de € 26.613,29, sendo € 21.055,36 de imposto, € 1.223,64 de juros compensatórios e o remanescente de acrescido – cfr. fls. 24/25 do suporte físico dos autos.

B) A liquidação de IRS de 2001, com o n.º………., foi emitida em 25.05.2006, na sequência de ação de inspeção efetuada a coberto da ordem de serviço n.º OI200505147, de 21.05.2005, com início em 08.11.2005 e término em 24.02.2006, por omissão de rendimentos da categoria E – cfr. 213 do suporte físico dos autos e informação de fls. 22.

C) A liquidação identificada em B) foi notificada no dia 02.06.2006, em cumprimento de mandado para o efeito, emitido em nome de ambos os sujeitos passivos, mostrando-se assinado apenas pelo sujeito passivo A......... – cfr. fls. 212 a 214 do suporte físico dos autos.

D) Em 16.09.2008 a Oponente foi citada para o processo de execução fiscal identificado em A) – cfr. fls. 27 do suporte físico dos autos.

E) Em 20.10.2010 foi remetida por correio registado a petição inicial que deu origem à presente oposição – cfr. fls. 38 do suporte físico dos autos.

F) A Oponente e o outro executado no mesmo processo de execução a que respeitam os presentes autos, A........., divorciaram-se em 02.12.2003 – cfr. doc. 1 junto com a p.i..

Factos não provados, com relevo para a apreciação do mérito da causa:
1) Que o procedimento de inspeção tributária que origem à liquidação de IRS de 2001 tenha tido natureza de inspeção externa.

2) Que a Oponente tenha sido notificada do início da ação de inspeção, no caso de estar em causa uma inspeção externa.

*
Motivação de facto:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.
Quanto à matéria de facto não provada, resulta de não terem sido juntos aos autos quaisquer elementos probatórios nesse sentido, designadamente, para sustentar a defesa vertida na contestação sobre a notificação da liquidação dentro do respetivo prazo de caducidade (cfr. art.º 52.º da contestação), que carecia de mais elementos para além da notificação da liquidação propriamente dita.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Compulsados os autos, constata-se que vinha invocada no petitório a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade. A sentença deu por verificado esse fundamento da oposição, previsto na alínea e) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.

Vem agora o Recorrente insurgir-se contra a sentença porquanto, a seu ver, não é possível discutir na oposição o carácter interno ou externo do procedimento de inspecção que originou a liquidação do tributo.

Mas salvo o devido respeito, não concordamos. Decidir se a notificação da liquidação exequenda se fez – ou não – dentro do prazo de caducidade, envolve necessariamente a apreciação do discutido carácter interno ou externo do procedimento inspectivo, sempre que na contagem desse prazo importe ter em conta uma eventual suspensão do prazo por virtude do procedimento de inspecção, nos termos do disposto no art.º 46.º da Lei Geral Tributária.

É que, a nosso ver, o prazo de caducidade a que alude a alínea e) do art.º 204.º do CPPT é um prazo concreto de caducidade e esse só pode contar-se levando em conta a ocorrência de eventuais causas suspensivas e interruptivas desse prazo.

Improcede, sem necessidade de maiores considerandos, este fundamento do recurso.

A segunda questão do recurso prende-se com o erro de julgamento quanto ao ponto 1 dos factos «não provados» (“Que o procedimento de inspecção tributária que deu origem à liquidação de IRS de 2001 tenha tido natureza de inspecção externa”), que o Recorrente entende inconciliável com o ponto B) dos factos provados (“A liquidação de IRS de 2001, com o n.º………….. , foi emitida em 25.06.2006, na sequência da acção inspectiva efectuada a coberto da ordem de serviço n.º OI200505147, de 21.05.2005, com início em 08.11.2005 e término em 24.02.2006, por omissão de rendimentos da categoria E”), na medida em que a ordem de serviço é uma formalidade própria das acções inspectivas externas, que as acções internas prescindem. Mas ainda que assim não se entenda, acrescenta o Recorrente, nunca seria lícito ao julgador extrair por presunção judicial e sem instrução o carácter interno do procedimento inspectivo na base da liquidação exequenda, como fez a Mma. juiz recorrida, antes deveria ter ordenado as diligências instrutórias julgadas pertinentes ao esclarecimento dessa questão controvertida.

Neste ponto assiste razão ao Recorrente, embora não exactamente pelas razões que ele invoca.

Na verdade, a classificação do procedimento inspectivo em interno ou externo em razão do lugar onde são praticados os actos de inspecção (art.º 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária), é matéria de direito, estão em causa conceitos jurídicos que não podem integrar o probatório, seja como factos provados seja como factos não provados (art.º 607/4 do CPC), antes se impondo ao tribunal levar ao probatório factos pertinentes que constituam base segura para decidir essa questão de direito.

Assim, tem-se por não escrito o ponto 1 dos factos «não provados» - art.º 646/4 do anterior CPC.

Sobre a aplicabilidade dessa disposição no domínio do novo CPC, pode ver-se, entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 28-09-2017, tirado no proc.º 659/12.6TVLSB.L1.S1, em que se deixou consignado: «E, nesta situação, fazer actuar, sendo caso disso, o mecanismo anteriormente previsto no artigo 646º nº 4 do Código de Processo Civil revisto, que se mantém na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no artigo 607º nº 4 do actual Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos».

Suprimida essa matéria dos factos «não provados» e como já deixamos entrever, impõe-se aportar ao probatório factualidade que permita concluir pelo carácter interno ou externo do procedimento inspectivo, questão essa que é decisiva para se ajuizar se a notificação foi efectuada dentro do prazo de caducidade da liquidação ou para além desse prazo, como pretendem, respectivamente, Recorrente e Recorrida.

O facto referido em B) do probatório é manifestamente insuficiente para se poder concluir pelo carácter interno ou externo do procedimento de inspecção, pois para além de não integrar a prova dos autos a ordem de serviço assinada pelo obrigado tributário ou seu representante (art.º 51/2 do RCPIT), sempre importaria indagar se, não obstante emitida essa ordem de serviço, sempre foram efectivamente praticados concretos actos de inspecção “em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso” (art.º 13/b), do RCPIT), não estando em causa uma mera formalidade desacompanhada de quaisquer actos externos de inspecção, visando unicamente um aproveitamento indevido da suspensão do prazo de caducidade, prevista no art.º 46.º da Lei Geral Tributária.

Importa, pois, que os autos baixem à 1.ª instância para as diligências instrutórias preconizadas e se dê à oponente e ora Recorrida, oportunidade de exercer o contraditório sobre o resultado das mesmas e fazer prova, por qualquer meio pertinente (art.º 211.º do CPPT) dos factos extintivos da obrigação de pagamento da dívida exequenda, o que se determinará no dispositivo do acórdão.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.º Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em concedendo provimento ao recurso, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para instrução e prolação de nova decisão que tenha em conta o resultado das diligências instrutórias preconizadas e conheça de todas as demais questões cujo conhecimento não deva ter-se por prejudicado.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Setembro de 2020



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Vital Lopes




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Luísa Soares





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Cristina Flora