Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05580/09
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/06/2013
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:I - Verificando-se que a Recorrente para além dos laços familiares com portugueses, já fala a língua portuguesa - a qual não é a língua oficial do seu país de origem - e já possui uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, pois desloca-se com regularidade a Portugal, onde tem amigos, convive com a comunidade portuguesa na África do Sul, sendo membro activo de uma Associação Portuguesa de carácter beneficente naquele país, e afirma a intenção de vir residir, com toda a sua família, todos eles cidadãos portugueses, para Portugal;

II - É, assim, de considerar que foi suficientemente indiciada, pela ora recorrente junto da Conservatória dos Registos Centrais, em termos de relações sociais, de concretos interesses culturais, afinidade real e concreta com a específica comunidade nacional portuguesa, que revela objectivamente uma ligação efectiva a essa comunidade que justifica a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Carmen …………………..
Recorrido: Ministério Público

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, e ordenou o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do que se diz na douta sentença recorrida o ónus da prova é do M° P° e não da ora recorrente - Monteiro Lopes, e Moura Ramos, citados supra e o douto Ac. do TCA do Sul de 13.11.08 também transcrito supra.
2. O Juiz tem o dever de verificar e de se pronunciar sobre os elementos constantes do processo administrativo, não bastando a opinião do Conservador para os considerar insuficientes.
3. Por maioria de razão terá de ser assim se for manifesto que houve lapsos na elaboração do processo e na compreensão dos elementos apresentados pela requerente.
4. Assim, e dos factos dados como provados pela M Juiz, deverá considerar-se que não é correcto dizer-se na parte final da alínea G) "sem ter logrado obter quaisquer elementos".
5. As explicações de fls. 89 do P.A. deviam ter afastado as objecções feitas na Conservatória do Registo Civil resultante de errado entendimento dos elementos já constantes dos autos — v. autos de declarações de fls. 90,95, 97, 98, 100, 107, 108, 111 subscrito pelo signatário que julga ser tão boa testemunha como a própria requerente, 117, 118, 121, 122 e 123.
6. Para além disso dever-se-á ainda considerar provados os factos referidos nas alíneas a) até n) da parte C, a fls 14 deste requerimento, que aqui se dão por reproduzidos.
7. Os autos contêm elementos suficientes para o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, por parte da recorrente, ser deferido.
8. Ao indeferir tal pedido, não valorando nem sequer se pronunciando sobre os elementos de prova existentes nos autos, a Metª Juíza a quo violou o disposto no artº 22º, nº 1, a) do DL nº 322/82, na redacção dada pelas ulteriores alterações.


Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. Um dos requisitos para que possa ser concedida a nacionalidade portuguesa é a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (artigo 9.º, alínea a) da lei n.º 37/81, de 3 de Outubro);
2. Incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade portuguesa a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (artigo 343.°, n.° 1, do Código Civil);
3. A Recorrente não fez prova de tal ligação à comunidade portuguesa, pois sempre viveu na República da África do Sul e é aí que tem as suas raízes culturais e históricas e onde tem formado a sua personalidade;
4. Assim, bem decidiu o Tribunal a quo, ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade da Recorrente e ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que deve ser confirmada;
5. Devendo negar-se provimento ao recurso de agravo interposto por Carmen Lee Coughlan Fernandes.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A - A requerida Carmen …………….., nasceu em em 23 de Fevereiro de 1966, em Durban, República da África do Sul, filha de Vincent …………. e de June …………….., ambos de nacionalidade sul-africana (cfr. doc°s de fls. 17 e 19 dos autos).
B - A requerida tem nacionalidade sul-africana (cfr. doc°s. de fls. 17 dos autos).
C - A requerida contraiu casamento civil, em 27 de Setembro de 2000, com o cidadão português, Carlos ………………, natural da freguesia de São Martinho, Funchal, conforme registo lavrado sob o n°. 232-C, de 2003, na Conservatória dos Registo Civil do Funchal (cfr. doc°. de fls. 21 e 22 dos autos).
D - A requerida reside em P.O. Box 61, ………., 4320 Kwa ………, Natal, África do Sul (cfr. doc°. de fls. 165 dos autos).
E - Em 2 de Janeiro de 2007, no Consulado de Portugal em Durban, a requerida prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, ao abrigo do art. 3º/Lei 37/81, e de que com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo nº. 8811/07 (cfr. doc°s. de fls. 9 e 10 dos autos).
F - A requerida, reside com seu esposo e filhos, na África do Sul (confissão).
G - A requerida foi notificada pela Conservatória dos Registos Centrais, para “juntar melhores provas de ligação à comunidade nacional portuguesa”, sem ter logrado obter quaisquer elementos (cfr. docºs. de fls. 89 a 92 dos autos).

Nos termos do art. 712º, nº 1, al. a) consideram-se ainda provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
H – A Recorrente tem três filhos menores, do seu marido, os quais têm a nacionalidade portuguesa - cfr. docs. de fls. 20 a 25, juntos com a petição da presente oposição.
I – O marido da Recorrente adoptou o filho da anterior ligação desta, adopção essa revista no Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. doc. de fls. 145 e 146.
J – No seu pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa a Recorrente apresentou uma carta de motivação, junta a fls. 30/31, em língua inglesa no original, traduzida a fls. 32/33, na qual refere o seguinte:
Venho por este meio apresentar o meu pedio e motivação para a aquisição da nacionalidade portuguesa. Sou sul-africana e estou casada com um nacional português – o Dr. Fernandes, um professor e otolaringologista conhecido mundialmente – à mais de seis anos e temos 4 filhos dos quais 3 estão registados como cidadãos portugueses e todos estão a ser educados como fazendo parte da comunidade portuguesa.
O meu marido e eu desejamos mudar para Portugal. (o meu marido passou os exames portugueses de medicina).
Todos os nossos filhos têm a nacionalidade portuguesa, por conseguinte, eu sou o único membro da família que não possui a nacionalidade portuguesa. Como esposa e mãe de nacionais portugueses, solicito a V. Exa. que o meu pedido de nacionalidade portuguesa seja considerado.
O meu marido deseja regressar a Portugal e continuar com a sua carreira em Portugal.
Ele é um Professor e Cirurgião eminente e já foi presidente da Assembleia do Departamento de Otolaringologia assim como examinador no Colégio de Cirurgiões.
Possui a maior clínica da África do Sul de cirurgia de cancro da cabeça e pescoço e gostaria de continuar a sua carreira em Portugal e na Comunidade Europeia. As suas credenciais seriam benvindas em Portugal e na comunidade europeia. Penso que se eu não obtiver a nacionalidade portuguesa seria muito difícil poder acompanhá-lo.
Para substanciar o meu pedido, julgo que eu seria um elemento válido para a comunidade. Sou reconhecida internacionalmente como cientista e investigadora.
Tenho cursos em biologia celular e um Doutoramento no curso de Ciências Médicas em Anatomia Humana. Irei iniciar o ano 3 da minha especialização (phd) em Anatomia e encontro-me registada como Cientista e Anatomista e membro de muitas organizações internacionais. Sou igualmente, examinadora e editora de importantes periódicos internacionais na minha área de Anatomia e de Ciências Forenses. (junto em anexo o meu CV). Gostaria de continuar com a minha própria investigação na EU e desejo ser uma cidadã de Portugal. Como estou a fazer investigação original que tem interesse a nível mundial, penso que poderia ser um elemento válido para Portugal.
Tenho o maior respeito pela comunidade portuguesa e considero-me como fazendo parte dessa comunidade. Tenho orgulho de ser esposa e mãe de nacionais portugueses e sinto-me excluída por ser o único membro da família considerada como estrangeira.
Tenho o maior empenho em fazer tudo o que seja necessário para poder adquirir a nacionalidade.
Devido aos motivos acima expostos, especialmente por estarmos a planear mudarmos para Portugal em breve, venho por este meio submeter o meu pedido para a obtenção da cidadania portuguesa.
Por favor considere V. Exa. este pedido pelo facto de que toda a minha família é portuguesa. Adicionalmente sou também católica por nascimento (assim como também o são os meus filhos) e frequentei a escola primária católica.
Mais uma vez, penso que seria um elemento válido para a vossa comunidade e tenho presentemente uma forte ligação à comunidade. Adicionalmente, sou membro da Associação Portuguesa de Beneficência.
(…)” – cfr. fls. 30 a 33.
L – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Curriculum Vitae da Recorrente junto no original em língua inglesa a fls. 40 a 48 e traduzido a fls. 49 a 55.
M – O marido da Recorrente com referência ao pedido de aquisição da nacionalidade por aquela, dirigiu ao Cônsul de Portugal em Durban, África do Sul, uma carta datada de 18.12.2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e na qual refere, nomeadamente o seguinte:
“(…)
Venho por este meio apresentar alguns motivos para a obtenção da nacionalidade portuguesa para minha mulher pois sinto que é uma necessidade prioritária. Temos 3 filhos, 2 dos quais encontram-se registados no consulado e um com 7 meses que está presentemente a ser registado. Encontro-me no processo de adoptar o filho da minha mulher que nasceu antes do nosso casamento. Desde que resido na África do Sul nunca fiz qualquer pedido para a nacionalidade sul-africana, devido ao orgulho que sentia em ser português e sempre desejei um dia poder regressar a Portugal. A minha mulher Cármen …………, é o único membro da minha família que não é nacional portuguesa. Gostaríamos de imigrar para Portugal mas isso não será possível tendo ela uma nacionalidade diferente dos outros membros da família. Eu seria um elemento válido para Portugal sendo eu um Professor proeminente e a exercer Otolaringologia, tendo tratado doentes da comunidade portuguesa local e internacional durante muitos anos.
(…)
11. Passei no meu exame de equivalência em Coimbra em 1991 e por conseguinte posso exercer em Portugal.
Penso que, por conseguinte, eu seria um elemento válido para a EU.
No que respeita à minha mulher, é uma Cientista Médica por seu próprio mérito. A minha mulher Carmen é formada em Biologia Celular e Molecular e tem Doutoramento de Anatomia Humana em Anatomia da sinusite. Já publicou trabalhos no Periódico Americano de Medicina Forense, no periódico LO e é examinadora para o Periódico de anatomia Clínica. Encontra-se presentemente a meio da expecialização (PhD) em anatomia da sinusite e está registada como Cientista Médica.
Foi também ginasta, tendo ganho a medalha de ouro da África do Sul em 2 ocasiões.
O seu trabalho foi referenciado em importantes periódicos médicos. Presentemente está a organizar fazer uma especialização (PhD) em Patologia Forense com a Universidade Colégio de Londres. Gostaríamos de mudar para Portugal para que ela possa continuar o seu trabalho e continuar a sua pesquisa com benefícios para toda a comunidade. Penso que ela seria um elemento válido para Portugal.
A minha mulher é membro da Associação Portuguesa de Beneficência e encontra-se no processo de aderir á Liga da mulher. Ela possui uma ligação efectiva à comunidade portuguesa nacional.
Tendo em conta o acima exposto, penso que é essencial que ela obtenha a nacionalidade portuguesa para que todos os membros da nossa família tenham a mesma nacionalidade quando residirmos em Portugal.
(…)”. – cfr. original em inglês a fls. 34 a 36 e tradução a fls. 37 a 39.
N – A Recorrente está envolvida com a comunidade portuguesa em Durban, África do Sul, sendo membro da Associação Portuguesa de Beneficência daquele país – Natal, tendo conhecimento básico da língua portuguesa - cfr. fls. 123 a 125 e 11.
O – Em 02.01.2007, a aqui Recorrente prestou Declaração para Aquisição da Nacionalidade Portuguesa, no Consulado de Portugal em Durban, junta a fls. 11, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual consta:
(…)
Que tem ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa pelos seguintes motivos: a) Devido ao seu casamento possui bastantes familiares em Portugal, para onde viaja frequentemente em férias e onde pretende fixar residência permanente no futuro; b) Tem também três filhos deste casamento, (…), nascidos na África do Sul mas que também já adquiriram a nacionalidade portuguesa; c) É membro activo da Sociedade Portuguesa de Beneficência da África do Sul.
Que tem conhecimento básico da Língua Portuguesa.
(…)”.
P – A Recorrente não tem antecedentes criminais nem no seu país de origem nem em Portugal – cfr. fls. 12 a 15.

O Direito
A sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, e ordenou o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Para tanto, entendeu que estando em causa a aquisição da nacionalidade, por casamento com cidadão de nacionalidade portuguesa, na instrução daquele pedido de aquisição, a requerida, aqui Recorrente, “…na instrução não apresentou quaisquer documentos comprovativos, ou donde se pudesse inferir, a sua ligação efectiva a Portugal e á comunidade nacional portuguesa.
A Recorrente questiona, por um lado, a matéria de facto dada como provada, alegando, por outro, que os autos contêm elementos suficientes para o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa ser deferido, tendo a sentença recorrida violado o disposto no art. 22º, nº 1 do DL. nº 322/82, na redacção.

Vejamos.
Quanto à matéria de facto foram por nós aditados os factos considerados relevantes para a decisão e que constam dos autos, tendo sido juntos pela Digna Magistrada do Ministério Público com a sua petição inicial, sendo constituídos por documentos que instruíram o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Quanto à alínea G dos factos provados, a parte final contém matéria conclusiva, a qual, em nosso entender, é infirmada pelos elementos documentais que já constavam do procedimento para a aquisição da nacionalidade.

Quanto à questão de direito, a questão a decidir é a de saber se, no caso concreto, se deve entender que se mostra suficientemente comprovada a ligação efectiva da Recorrente à comunidade nacional.

A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, introduziu importantes alterações na Lei nº 37/81, de 3.10.
Por outro lado, foi, por força do DL. nº 237-A/2006, de 14/12, aprovado novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, sendo revogado o DL. nº 322/82 de 12 de Agosto.
Com a entrada em vigor deste diploma, passaram também a vigorar as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, ex vi do seu art. 9º, conjugado com o art. 3º.
No art. 3º, nº 1 da Lei 37/81, de 3/10, sistematicamente inserido na Secção l do capítulo II do diploma, sob a epígrafe, aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, prevê-se (redacção que foi mantida pela Lei nº 2/2006) o seguinte:
«O estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento».
Por outro lado, no art. 9º, na redacção anterior, estabelecia-se o seguinte:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”
A redacção actual é a seguinte:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”.
No art. 22º do DL. nº 322/82, de 12/08, prescrevia-se o seguinte:
1- Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve:
a)Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional;
b) Juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem;
c) Ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos susceptíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição.
2-[...]
3 - Se o conservador dos Registos Centrais tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deve participá-lo ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser».
No art. 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, prevê-se:
“2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
(…)”.
No art.º 57º, nº 1 deste diploma, dispõe-se que:
“Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior.”
No nº 7 do mesmo artigo estabelece-se que sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
A aquisição da nacionalidade por efeito da vontade do estrangeiro casado com nacional português, o citado art. 3º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, e art. 14º, nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), é uma solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.
O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar -, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º, nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Como refere Rui Manuel Moura Ramos, in “Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, pág. 151, “o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração mas não é ele o elemento determinante da aquisição”.
Assim, no regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.
Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.
De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido considerada judicialmente improcedente.
No caso presente entendemos que a demonstração que a Requerida fez é suficiente da identificação com a comunidade portuguesa, residente na África do Sul, na qual se insere de forma participativa e activa.
Acresce que se comprova que os filhos da Recorrente com o seu marido, cidadão português de origem, são também cidadãos nacionais. E, mesmo o filho que teve de uma anterior relação foi adoptada pelo seu marido, tendo esta adopção sido revista no Tribunal da Relação de Lisboa. Ou seja, esta circunstância faz-nos considerar que a Recorrente e o seu marido demonstram um enorme interesse na manutenção de laços estreitos com Portugal, sendo quase absurda a situação de que o filho da Recorrente, adoptado pelo seu marido, tenha direito à nacionalidade portuguesa e não a sua mãe.
Aliás, a Recorrente declarou que viaja com frequência para o nosso país. E, tanto ela como o seu marido manifestaram a intenção de vir viver para Portugal.
Ora, quer o marido da Recorrente, quer ela própria, são dois médicos conceituados que seriam elementos válidos para o nosso país se aqui se dedicassem à prática clínica ou à investigação científica, sendo certo que o curso do marido está reconhecido pela Universidade de Coimbra.
Ao que acresce que a Recorrente tem conhecimentos de português, o que tendo em atenção as suas capacidades intelectuais e científicas (que o seu CV demonstram) certamente não terá dificuldades em aprofundar esses conhecimentos da língua portuguesa.
Assim, em nosso entender a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa ao ter entendido que era exigível à Recorrente a demonstração de uma maior ligação a Portugal do que a resultante do processo para aquisição da nacionalidade portuguesa.
Efectivamente, verifica-se que a Recorrente para além dos laços familiares com portugueses, já fala a língua portuguesa - a qual não é a língua oficial do seu país de origem - e já possui uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, pois desloca-se com regularidade a Portugal, onde tem amigos, convive com a comunidade portuguesa na África do Sul, sendo membro activo de uma Associação Portuguesa de carácter beneficente naquele país, e afirma a intenção de vir residir, com toda a sua família, todos eles cidadãos portugueses, para Portugal.
É, assim de considerar que foi suficientemente indiciada (pela ora recorrente junto da Conservatória dos Registos Centrais) em termos de relações sociais, de concretos interesses culturais, afinidade real e concreta com a específica comunidade nacional portuguesa, que revela objectivamente uma ligação efectiva a essa comunidade que justifica a aquisição da nacionalidade portuguesa (cfr. Ac. deste TCAS de 17.03.2011, Proc. 06449/10).
A prova desta ligação efectiva, por se tratar de uma acção de simples apreciação negativa, competiria à Recorrente, sendo feita através de factos próprios do interessado, que é quem invoca o direito à nacionalidade portuguesa.
Na presente acção, a Recorrente invocou essa ligação efectiva na sua contestação, juntando um documento.
De todo o modo, essa prova foi feita através dos documentos juntos pelo próprio autor, os quais permitiram considerar provados factos dos quais se retira a existência de uma efectiva ligação à comunidade nacional.
Procede, consequentemente, o recurso, sendo de revogar a sentença recorrida.

Pelo exposto, acordam em:
a) –conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida;
b) –sem custas em ambas as instâncias.

Lisboa, 6 de Junho de 2013
Teresa de Sousa
Coelho da Cunha
Fonseca da Paz