Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1352/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO.
INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA.
PENHORA DE CRÉDITOS.
Sumário:1. O exercício efectivo da gerência pressupõe a prática de actos concretos pelo revertido em nome da sociedade que vinculem a mesma perante terceiros, no âmbito das relações de tráfico jurídico-comercial.

2. A gerência efetiva não pressupõe necessariamente a presença permanente nas instalações da sociedade ou o acompanhamento diário da gestão corrente da mesma.

3. A penhora de créditos importa a notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil.

4. A demonstração da falta de preenchimento do pressuposto da fundada insuficiência de bens penhoráveis exige a comprovação de existência de créditos na esfera da sociedade executada não cobrados pelo órgão de execução fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

F................. veio deduzir oposição, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito do processo de execução fiscal [PEF] n.º ……………… e apensos – respeitante a dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA], do exercício de 2007, e Coimas, dos exercícios de 2007 e 2008, no valor global de €48.848,36.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 137 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 29 de Junho de 2019, julgou procedente a oposição apresentada, extinguindo o processo de execução fiscal contra o oponente nos autos.

A Fazenda Pública interpôs o presente recurso jurisdicional em cujas alegações de fls. 170 e ss. (numeração do processo em SITAF) formula as conclusões seguintes:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que o oponente não exerceu a gerência de facto da devedora originária.

C. Todavia, face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o oponente foi efetivamente gerente da devedora originária, no período a que respeitam os impostos em dívida.

D. Inacreditavelmente, não foi tido em consideração na douta sentença os documentos assinados pelo ora recorrido, bem como a prova testemunhal prestada em sede de inquirição de testemunhas, que demonstram o exercício da gerência de facto do Opoente na devedora originária.

E. Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que o oponente foi nomeado gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto.

F. No caso em apreço, resultou provado que o oponente era gerente da sociedade e que, nessa qualidade, assinava documentos respeitantes àquela, o que representa exercício típico de gerência.

G. Para o oponente assinar documentos da devedora originária é porque tem os respetivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária de tal sociedade – o que resulta quer da factualidade dos autos, quer do próprio regime legal bancário e financeiro.

H. Exercício de poderes representativos da sociedade que não poderá ser desacreditado ou diminuído, tal como o foi na sentença em mérito, sob pena de se cair no paradoxo de se conceder na prática de atos de gestão, vinculativos da sociedade, por quem não era gerente de facto.

I. Em suma, não há gerentes parciais, ou gerentes apenas para a prática de determinados atos; ou se é efetivamente gerente e se praticam os atos próprios de quem reveste tal qualidade, tal como o fez a oponente, ou não se é gerente.

J. Por outro lado, e é do senso comum, que qualquer pessoa normal, minimamente informada, não desconhecerá a consequência dos atos por si praticados, no que toca ao preenchimento e assinatura de documentos e os efeitos de tais atos no que concerne ao impacto de tal atuação na esfera societária e ao reconhecimento da gerência de facto.

K. Admitir-se raciocínio contrário é conceder na criação de sociedades em que se nomeia um gerente para a prática de atos de representação da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tais como a prática de assinar documentos, movimentar contas bancárias e assumir compromissos financeiros da sociedade, deixando incólume o responsável subscritor, com fundamento no não exercício das funções de gerência.

L. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e as consequências necessárias que dali se aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra a recorrida.

M. Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto do oponente/recorrido, formada a partir do exame crítico das provas.»

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, com a revogação da sentença recorrida e substituição por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.


X

O recorrido F................., devidamente notificado para o efeito, contra-alegou, concluindo, a final, que o recurso seja rejeitado por incumprimento do ónus de impugnação relativo à matéria de facto, consagrado no art. 640º do CPC, e que seja considerado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.

«1. Na certidão permanente da sociedade “J................. Lda.” constou, entre 2004 e 29 de Julho de 2009, o nome do Oponente no campo “Gerência” e, no campo “Forma de obrigar”, a menção “São necessárias as assinaturas de dois gerentes” – cfr. certidão permanente, junta como documento 3 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

2. No dia 04 de Janeiro de 2006, foi carimbado, no Serviço de Finanças de Loures 1, um requerimento apresentado pela sociedade “J................. Lda.” e onde consta o nome do Oponente e de I................., enquanto “A Gerência” – cfr. requerimento, junto como documento 7 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

3. No dia 29 de Junho de 2006 foi emitida a certidão de dívida ..............., no valor de €3.392,87, referente a coima do ano de 2006 e à sociedade “J................. Lda.” e que deu origem ao PEF ..............., do Serviço de Finanças de Loures-1 – cfr. certidão de dívida, a fls. 2 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

4. No dia 30 de Julho de 2008 foi elaborado “TERMO DE APENSAÇÃO” no processo ..............., onde consta que “Aos 2008.07.30, foram apensados a estes autos os processos abaixo indicados, que correm termos com o executado

J................. Lda. NIF ...............

............... COIMAS 3.392,87 €

............... IVA 7.849,37 €

............... IVA 7.765,63 €

............... IVA 8.159,42 €

............... IVA 4.793,14 €

............... IVA 6.792,84 €

............... COIMAS 5.438,91 €

............... IVA 6.617,99 €

............... COIMAS 1.503,25 €

............... IVA 4.093,50 €

............... COIMAS 1.471,42 €

............... COIMAS 1.634,31 €

............... COIMAS 1.807,82 €

............... COIMAS 659,65 €

............... IVA 12.325,64 €

............... IVA 2.458,31 €

............... COIMAS 3.666,40 €

............... IVA 9.022,65 €

............... IVA 10.204,08 €

............... IVA 4.563,56 €

............... IVA 4.389,88 €

............... COIMAS 2.487,82 €

............... COIMAS 599,15 €

............... COIMAS 11.456,51 €

– cfr. termo, a fls. 3 do documento 1 constante do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

5. No dia 10 de Fevereiro de 2009 foi elaborado “auto de penhora” no processo ............... e apensos, onde consta, enquanto “fiel depositário”, o nome do Oponente e uma assinatura – cfr. auto de penhora, junto como documento 8 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

6. No dia 25 de Fevereiro de 2009 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Loures 1, um requerimento apresentado pela sociedade “J................. Lda.” e onde consta o nome do Oponente e de I................., enquanto “A Gerência”, e que anexava um requerimento de 02 de Fevereiro de 2009, onde constavam idênticas menções – cfr. requerimento, junto como documento 9 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

7. No dia 27 de Fevereiro de 2009 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Loures 1, um requerimento apresentado pela sociedade “J................. Lda.” e onde consta o nome do Oponente e de I................., enquanto “A Gerência” – cfr. requerimento, junto como documento 10 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

8. Em Setembro de 2010 foi elaborado “Auto de Diligências” no PEF ............... e apensos, onde consta que “em 2010-08-18 deslocámo-nos ao local da sede da empresa, encontrando-se a mesma fechada; 2. Foi contactada, telefonicamente, a Técnica Oficial de Contas que consta como responsável pela execução da contabilidade da executada para apresentar alguns elementos contabilísticos, tendo a mesma informado por escrito que a empresa já não exerce actividade desde que a administração fiscal penhorou o seu imobilizado em Setembro de 2009; 3. Compulsado o processo acima referido, pudemos verificar que efectivamente, em 2009-07-06, foi feita a venda por proposta em carta fechada do imobilizado, tendo sido o valor da venda insuficiente para garantir a quantia em dívida; Em face do exposto, e não sendo conhecidos mais bens susceptíveis, de serem penhorados é nossa opinião que se deva proceder à efectivação das diligências necessárias ao chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, por via de reversão” – cfr. auto, a fls. 5 do documento 2 constante do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

9. No dia 01 de Março de 2011 foi elaborado “Despacho para audição (reversão)” no PEF ............... e apensos, em nome do Oponente, onde consta, no campo “Fundamentos da Reversão”, que “Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24ºnº1/a) LGT]. ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o prazo leal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo [art. 24ºnº1/a) LGT]. não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo leal de pagamento/entrega terminou no período de exercício do cargo [art. 24ºnº1/b) LGT]. A executada não exerce qualquer actividade desde a venda de todo o imobilizado em Setembro de 2009, sendo o valor da venda insuficiente para garantir a dívida, conforme auto de diligências. Gerente conforme Certidão Permanente.” e que foi enviado ao Oponente pelo ofício 1560 do Serviço de Finanças de Loures 1 – cfr. despacho e ofício, juntos como documento 4 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

10. No dia 23 de Março de 2011 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Loures 1, requerimento em que o Oponente “notificado do projecto de Reversão […] vem […] exercer o seu direito de AUDIÇÃO PRÉVIA” – cfr. requerimento, junto como documento 5 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

11. No dia 31 de Março de 2011 foi elaborado “Despacho (Reversão)” no PEF ............... e apensos, em nome do Oponente, onde consta, no campo “Fundamentos da Reversão”, que “Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de  administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24ºnº1/a) LGT]. ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o prazo legal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo [art. 24ºnº1/a) LGT]. não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo leal de pagamento/entrega terminou no período de exercício do cargo [art. 24ºnº1/b) LGT]. Após citação, suspenda-se a execução contra os responsáveis subsidiários até à excussão dos bens penhorados, nos termos do n.º 3 do Art.º 23º da LGT” – cfr. despacho de reversão, junto como documento 6 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

12. No dia 13 de Abril de 2011 foi assinado o aviso de recepção “Citação-Notificação Via Postal” com o registo RM………………, enviado ao Oponente e referente ao ofício de “CITAÇÃO (Reversão)” de 04 de Abril de 2011 e do PEF ............... e apensos – cfr. citação e aviso de recepção, juntos como documento 6 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

13. No ofício referido em 12) constava, no campo “Fundamentos da Reversão”, além dos fundamentos referidos em 11), a  menção  “Inexistência  ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo  do beneficio da excussão (art.º 23º/n.º2 da LGT)” – cfr. citação, junta como documento 6 ao PEF apenso ao suporte físico dos autos;

14. No dia 23 de Maio de 2011 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Loures 1, o original da petição inicial do presente processo – cfr. carimbo, a fls. 3 do suporte físico dos autos;

15. Entre 2004 e 2008, os trabalhadores da sociedade “J................. Lda.” recebiam ordens do Senhor I ................., que entregava os cheques referentes ao salário, recebia clientes, pagava a fornecedores e escolhia novos trabalhadores;

16. Os cheques referidos em 15) continham a assinatura do Senhor I................. e do Oponente;

17. O Oponente deslocava-se à oficina da sociedade “J................. Lda.”, onde permanecia entre 10 a 15 minutos.

Factos não provados

Não se deram como não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.»

Quanto à motivação da matéria de facto dada como provada consta o seguinte: «…A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos. // Os factos 15) a 17) decorrem da prova testemunhal ouvida, correspondente a antigos trabalhadores da devedora originária e, portanto, com conhecimento directo dos factos em questão. // Os seus depoimentos mereceram crédito do Tribunal, na medida em que todas as testemunhas depuseram de forma verosímil, coerente e desprendida, inexistindo contradições intrínsecas a cada depoimento, entre as três testemunhas ouvidas e em confronto com o acervo documental junto aos autos.»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

18. Do ofício de citação referido em 12., constam a dívidas seguintes [valor total de €48.848,36]:


«imagem no original»


19. Em 28.02.2011, os mandatários da sociedade devedora originária dirigiram requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Loures-1, oferecendo à penhora créditos no valor de €85.543,39, discriminados da forma seguinte: G.............. - €56.856,63; A.............. - €8.364,76; P............. - €6.368,01; V............ - €7.903,99 – doc. constante do pef.

20. O Serviço de Finanças realizou a cobrança do crédito da sociedade devedora originária sobre a sociedade R............, tendo sido pago o valor de €6.050,00 – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.

21. O Serviço de Finanças realizou a cobrança do crédito da sociedade devedora originária sobre a sociedade P............., tendo sido pago o valor de €6.368,01 – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.

22. O Serviço de Finanças enviou ofícios de cobrança de créditos da sociedade devedora originária sobre as sociedades seguintes: V............; G..............; A..............  – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.

23. O crédito da sociedade devedora originária sobre a sociedade A.............., no valor de €6.368,01, não foi reconhecido pela segunda, alegando litígio – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.

24. A sociedade V......... encontra-se cessada em IVA desde 30.09.2009 e em IR, desde 31.12.2013 – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.

25. A sociedade G.............. encontra-se cessada em IVA desde 31.12.2009 e em IR, desde 02.02.2010 – docs. juntos com requerimento de 23.09.2020.


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao dar como não demonstrado nos autos o exercício da gerência efectiva. A recorrente sustenta que «resultou provado que o oponente era gerente da sociedade e que, nessa qualidade, assinava documentos respeitantes àquela, o que representa exercício típico de gerência; que para o oponente assinar documentos da devedora originária é porque tem os respetivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária de tal sociedade – o que resulta quer da factualidade dos autos, quer do próprio regime legal bancário e financeiro».

2.2.3. Por seu turno, a sentença recorrida julgou procedente a oposição com base na argumentação seguinte:
«Ou seja, é admissível que a reversão tenha sido efectuada sem a indicação dos factos concretos em que a Administração Fiscal se apoiou, desde que, posteriormente, se comprove aquela alegação. // No entanto, cumpre referir que os actos apresentados se revelam meramente formais, redundando na assinatura de escritos, não se demonstrando capacidade decisória, por parte do Oponente, na vida da sociedade. // Mais, resulta cristalino da prova testemunhal ouvida que a gestão da sociedade cabia apenas ao Senhor I................., que era quem dava ordens aos trabalhadores, pagava a fornecedores e contratava funcionários, limitando-se o Oponente a “passar pela oficina”, ali permanecendo breves períodos de tempo, e sem se deslocar aos escritórios. // Ora, “No caso, a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência. (…) // Tendo em conta o supra exposto, mostra-se claro que a Fazenda Pública não cumpriu com o ónus de prova da gerência de facto que sobre ela impendia, o que torna inválida a reversão operada, pelo que deve ser anulada».

2.2.4. O presente apelo centra-se, como referido, sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida quanto à apreciação da matéria de facto, no que respeita à demonstração do exercício efectivo da gerência por parte do revertido.

A tese do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto alicerça-se nas asserções seguintes: «[p]ara o oponente assinar documentos da devedora originária é porque tem os respetivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária de tal sociedade – o que resulta quer da factualidade dos autos, quer do próprio regime legal bancário e financeiro»; «[e]xercício de poderes representativos da sociedade que não poderá ser desacreditado ou diminuído, tal como o foi na sentença em mérito, sob pena de se cair no paradoxo de se conceder na prática de atos de gestão, vinculativos da sociedade, por quem não era gerente de facto»; «não há gerentes parciais, ou gerentes apenas para a prática de determinados atos; ou se é efetivamente gerente e se praticam os atos próprios de quem reveste tal qualidade, tal como o fez a oponente, ou não se é gerente»; «é do senso comum, que qualquer pessoa normal, minimamente informada, não desconhecerá a consequência dos atos por si praticados, no que toca ao preenchimento e assinatura de documentos e os efeitos de tais atos no que concerne ao impacto de tal atuação na esfera societária e ao reconhecimento da gerência de facto».

Apreciação. Estão em causa dívidas de IVA e coimas de 2007 e 2008 (n.º 19 do probatório).

Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.

A este propósito cumpre referir que -  atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e no artigo 74.º, n.º 1, da LGT - é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à gerência de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função[1]. Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. [N]ão pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»[2].

Existe gerência de facto «quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando terceiros» [Ac. do TCA Sul, de 09.02.99, P. 00227/97]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele e a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados»[3].

Do probatório resulta o seguinte:
i) «Entre 2004 e 2008, os trabalhadores da sociedade “J................. Lda.” recebiam ordens do Senhor I................., que entregava os cheques referentes ao salário, recebia clientes, pagava a fornecedores e escolhia novos trabalhadores (n.º 15).
ii) Os cheques referidos continham a assinatura do Senhor I................. e do Oponente (n.º 16).
iii) O Oponente deslocava-se à oficina da sociedade “J................. Lda.”, onde permanecia entre 10 a 15 minutos» (n.º 17)
iv) Em 04.01.2006, o oponente assinou requerimento em nome da sociedade devedora originária (n.º 2).
v) Em 25.02.2009, o oponente assinou requerimento em nome da sociedade devedora originária (n.º 6).

O exercício efectivo da gerência pressupõe a prática de actos concretos pelo revertido em nome da sociedade que vinculem a mesma perante terceiros, no âmbito das relações de tráfico jurídico-comercial. No caso, dos elementos coligidos nos autos resulta que o oponente assinava os cheques de pagamento dos salários, assinava requerimentos em nome da sociedade devedora originária, no período relevante. Na certidão permanente da sociedade “J................. Lda.” constou, entre 2004 e 29 de Julho de 2009, o nome do Oponente no campo “Gerência” e, no campo “Forma de obrigar”, a menção “São necessárias as assinaturas de dois gerentes” (n.º 1, do probatório. O exercício efectivo da gerência, por parte do oponente, prolongou-se para além do período relevante (2007 e 2008), como decorre do requerimento assinado, em 25.02.2009, pelo próprio, em nome da sociedade devedora originária, J................. Lda.” (n.º 6). A ideia de uma delegação de tarefas ou do exercício nominal ou parcial da gerência não se oferece procedente, nem afasta a observação de que o oponente actuou como gerente da mesma, garantindo o seu funcionamento.

Ao considerar não demonstrada a gerência efectiva, a sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que não julgue procedente a oposição com base no fundamento em referência.
Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório prévio, cumpre conhecer dos demais fundamentos da oposição.
Apenas o recorrido proferiu alegações complementares, reiterando a posição já vertida nos autos no que respeita à alegada falta de gerência efectiva. Mais invoca que existem na esfera da sociedade devedora originária créditos penhoráveis superiores à dívida exequenda.
Apreciação. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»[4]. No mesmo sentido depõe o artigo 153.º do CPPT (“Legitimidade dos executados”)[5].

A este propósito são pontos firmes na jurisprudência os seguintes:
i) «Nos termos do artigo 23.º/2, da LGT, compete à A. Fiscal o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes»[6].
ii) A lei exige, como pressuposto essencial para que a A. Fiscal possa executar esse património, que antes tenha sido excutido o património do devedor principal, a fim de se determinar com precisão o âmbito de responsabilidade financeira do revertido. O chamado benefício da excussão prévia inibe a Fazenda Pública de executar o património do revertido antes de se apurar com rigor o valor exacto da sua responsabilidade, o que ocorrerá mediante a excussão de todo o património do devedor principal. // Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão»[7].
O oponente invoca a existência de créditos sobre terceiros na esfera jurídica da sociedade devedora originária que não terão sido considerados pelo órgão de execução fiscal.
Vejamos. «A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil, [concretamente, o disposto no artigo 773.º do CPC]» (artigo 224.º/1, do CPPT).
No caso, do probatório resulta que dos créditos indicados à penhora pela sociedade devedora originária, no valor de €85.543,39[8], apenas foram liquidados os montantes de €6.050,00[9] e de €6.368,01[10]. Os demais créditos foram, em parte, contestados (n.º 23), ou não foram cobrados por as sociedades devedoras não terem actividade (n.os 24 e 25). O montante da dívida exequenda é de €48.848,36[11], o que significa que os créditos em causa não permitem fazer face à dívida exequenda. Pelo que o pressuposto da reversão da execução fiscal da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal mostra-se comprovado nos autos, sem que o oponente logre reverter a presente asserção.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
Na falta de outros fundamentos da oposição, a mesma deve ser julgada improcedente. Termos em que se procederá no dispositivo.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a oposição.

Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)



[1] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
[2] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente … cit., p. 56/57.
[3] Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
[4] Artigo 23.º, n.º 2, da LGT
[5] «(…) // 2. O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
[6] Acórdão do TCAS, de 18.02.2016, P. 07514/14.
[7] Acórdão do TCAS, de 22.05.2019, P. 633/13.5BESNT
[8] N.º 19 do probatório.
[9] N.º 20 do probatório.
[10] N.º 21 do probatório.
[11] N.º 18 do probatório.