Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 149/19.6BCLSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 04/11/2024 |
Relator: | MARIA HELENA FILIPE |
Sumário: | I - Não é de amnistiar uma infracção aplicada a agente que seja qualificado como reincidente ex vi do disposto na alínea l) do nº 1 do artº 7º da Lei da Amnistia, dado que estes não beneficiam do perdão e da amnistia nesta previstos. II - Inexiste violação do nº 2 do artº 32º da CRP, pela convocação do princípio da presunção de veracidade dos factos consignado na alínea f) do artº 13º do RD da LPF e que ocorreram durante um jogo de futebol, que aliado às presunções naturais radicadas em circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência expressas no artº 349º do CC, não impede que o TAD firme no relatório elaborado pelos delegados da LPFP ao abrigo do disposto no artº 258º do RD da LPFP, a presunção de que os factos aí relatados e que assumem relevante gravidade, são imputáveis a sócios ou simpatizantes da Recorrente. II - A presunção com base na alínea f) do artº 13º do RD da LPF, não impede que a Recorrente lance mão de contrariar os factos descritos no relatório dos delegados da LPFP. III - Não existindo nenhum elemento que prove que a Recorrente tenha dado cumprimento às obrigações a que está sujeita no que respeita aos deveres de formação, controlo e vigilância do comportamento dos adeptos, não há como afastar a sua responsabilização disciplinar. IV - Inexiste a violação do princípio jurídico-constitucional da culpa previsto no artº 2º da CRP e do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa, nos termos dos nºs 2 e 10 do artº 32º daquele diploma e a interpretação da alínea f) do artº 13º do RD da LPFP, em virtude da não observância pela Recorrente dos deveres supra enunciados. V - Os comportamentos verificados e sancionados pela Recorrida recortados do modus operandi da Recorrente, subsumidos ao nº 2 do artº 186º e às alíneas a) e b) do nº 1 do artº 187º do RD da LFPF, não consubstanciam erro de julgamento, tendo aquela sido sancionada por via da violação dos deveres gerais ou especiais a que se encontra sujeita, relativamente à participação em competição de futebol profissional. VI - Inexiste concurso aparente das infracções disciplinares e a violação do princípio ne bis in idem constante no artº 12º do RD da LPFP, por a Recorrente ter sido condenada, simultaneamente, pelas infracções tipificadas no nº 1 do artº 186º e na alínea b) do nº 1 do artº 187º do RD da LPFP, dado que o âmbito de cobertura ou de protecção de bens jurídicos das referidas normas são distintos e não se confundem, resultando, a final, que não foi sancionada várias vezes pela mesma infracção, mas sim, sancionada por cada uma das diferentes infracções. VII - O valor das custas finais fixados no acórdão arbital do TAD espelha, na sua génese, uma dupla perspectiva: a primeira, a capacidade económica dos litigantes e a segunda, os custos a que a mesma se destina, ou seja, prover os custos mais elevados do serviço de justiça prestado pelos tribunais arbitrais, neste sentido intuído do valor concretamente fixado na segunda linha da tabela do Anexo I da Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro, de acordo com o estipulado nos nºs 1 e 5 do artº 2º deste diploma, o que não é inconstitucional. |
Votação: | C/ DECLARAÇÃO DE VOTO |
Indicações Eventuais: | Subsecção SOCIAL |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I. Relatório O F....– Futebol, SAD, ora Recorrente, demandante no processo nº 19/2019, no qual é demandada a Federação Portuguesa de Futebol, vem recorrer do acórdão proferido, no âmbito do referido processo, em 8 de Outubro de 2019, pelo Tribunal Arbitral do DesP..., que confirmou a decisão proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, que condenou a Recorrente em multas pela prática de infração disciplinar p. e p. pelo artigo 186.º, n.º 2 e 187.º, n.º 1, alínea a) e b) do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RDFPF). Nas suas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “-I- i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 08.10.2019 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 186.° - 2, 187. °-1, a) e b) do RD, punindo-a em multas que totalizam o valor de €10.806,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.-II- ii. Considerando que o ónus da prova da prova da prática das infracções p. e p. pelos arts. 186.° e 187. °, n.° 1, a) e b) do RD cabe ao titular do poder disciplinar, impunha-se ao Conselho de Disciplina carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da - Futebol SAD.iii. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a aqui recorrente - provar a sua inocência. iv. Nem mesmo a presunção de veracidade de que gozam os relatórios por força do art. 13.°, f) do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova. v. Não podia o Tribunal a quo deixar de considerar o direito ao silêncio do arguido como corolário do princípio da presunção de inocência, previsto no art. 32.°-2 da CRP que, por sua vez, se encontra na origem do princípio constitucional in dubio pro reo, segundo o qual o juiz se terá de pronunciar a favor do arguido sempre que não tenha a certeza de que os factos foram por ele praticados, não sendo admissível a sua condenação por não demonstrar a ausência da sua responsabilidade. vi. Pelo que, jamais podia o Tribunal a quo julgar como provados todos os factos com fundamento no silêncio da recorrente. -III- vii. O recurso a presunções só se revela legítimo quando intervenham juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitam fundadamente afirmar que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a consequência natural ou resulta com probabilidade máxima de um facto conhecido.viii. Impunha-se, pois, ao Tribunal a quo formar a sua convicção através da prova, concreta e concludente, carreada aos autos, sob pena de prevalecer o princípio da presunção de inocência (neste sentido, e sobre matéria semelhante à destes autos, recorde-se o acórdão de 16-01-2018 do Tribunal Central Administrativo Sul) ix. Compulsados os autos não há nenhum elemento probatório nos autos que, pelo facto de terem ocorrido determinadas condutas antidesportivas, permitisse julgar como provado que houve uma inobservância de deveres de prevenção por parte do clube visitante, FC P..., permitisse ao Tribunal a quo julgar como preenchido pressuposto essencial para a condenação: a actuação culposa pela recorrente. x. Além do mais sempre se mostrava nestes autos a quebra do nexo causal exigido, porquanto, o próprio promotor do evento desportivo (Vitoria SC SAD), foi também punido pela violação de deveres de prevenção de entrada de engenhos pirotécnicos no seu estádio (nos termos do art. 127.° - 1 do RD), a causa directa e mais próxima do alegado comportamento incorrecto do público não se ficou a dever à Demandante, mas antes sim, ao V... SAD. xi. Ainda assim, e à míngua de meios de prova demonstrativas da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo recorre ao chamado critério da primeira aparência, para justificar tudo quanto deu como provado, o que não pode colher. xii. Resulta claro da leitura do acórdão que o Tribunal a quo confirmou a condenação da demandante somente com base na prova da primeira aparência e num esquema argumentativo e racional fundado numa distribuição de ónus da prova: à demandada, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à demandante, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação. xiii. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação. xiv. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, nºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt). xv. O critério decisório adoptado pelo Tribunal a quo - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA’s). xvi. A figura da “prova de primeira aparência” ou “prova prima facie” é própria do direito civil, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.° do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência. xvii. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante. -IV- xviii. O parâmetro da violação do dever de prevenção adoptado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infracção p. e p. pelo art. 187º, nº 1, a), do RD (in casu, os cânticos grosseiros entoados), porém, sempre se impunha ao Tribunal a quo - face às regras da experiência - valorar a impossibilidade prática de impedir manifestações vocais desse tipo.xix. Ao que acresce que - também aqui - fica por demonstrar a efectividade de qualquer possível esforço pedagógico nesse sentido, pelo que, não podia o Tribunal a quo condenar a recorrente pela violação do art. 187º-1, a) do RD. -V- xx. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório, admitir a tese acolhida pelo Tribunal a quo equivaleria a uma violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência, o que deverá inevitavelmente conduzir ao repúdio de tal tese.xxi. Além do mais, não se pode aqui abrir a porta, a uma “prova por presunção” sobre a autoria dos factos e sobre a violação de deveres constitutiva da ilicitude típica. xxii. Mas ainda que se venha a admitir o recurso a presunções judiciais no acto decisório de valoração probatória, certo é que o seu funcionamento não pode ser arbitrário e contrariar exigências epistemológicas mínimas: o princípio da livre apreciação da prova não consente que se possa presumir, sem mais, que pelo facto de adeptos adoptarem comportamentos incorrectos houve, necessariamente, a montante, uma violação, pelo seu clube, dos deveres de vigilância e controlo idóneos a prevenir e evitar tais comportamentos. xxiii. A prova em sede disciplinar, designadamente aquela assente em presunções judiciais, tem de ter robustez suficiente, tem de ir para além do início da prova, para permitir, com um grau sustentado de probabilidade, imputar ao agente a prática de determinada conduta, tendo sempre presente um dos princípios estruturantes do processo sancionatório que é o da presunção da inocência, designadamente: “todo o acusado tenha o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular''’ (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, Verbo, 2008, p. 82). xxiv. Tal critério consubstancia uma clamorosa violação ao princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrente é titular. xxv. De todo o modo, é inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32º -2 e -10 da CRP), a interpretação dos arts. 13.º f) 186.°-2,187°-1 a) e do RDLPFP no sentido de que a indiciação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que desde já se argui. xxvi. Mais, deverá igualmente considerar-se inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.°-2 e -10 da CRP), a interpretação dos arts. 13º f), 186º -2, e 187º - l a) e b) do RDLPFP e do art. 127º do Código de Processo Penal no sentido que a indiciação de que sócios ou simpatizantes de um clube praticassem condutas social ou desportivamente incorrectas poderá levar a que se presuma que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube. xxvii. Se, por mera hipótese de raciocínio, assim não se entenda, reputa- se como inconstitucional - por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32º, nos 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20º - 4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2º da CRP) - a interpretação dos artigos 186º -2, 187.º-1 a) e b) 222º -2 e 250.º -1 do RDLPFP segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação. -VI- xxviii. A decisão do Tribunal a quo mostra-se em desacordo com jurisprudência recente do próprio Tribunal Arbitral do DesP... que vem reconhecendo a relação de subsidariedade entre os arts. 186º e 187º do RD (cf. acórdão arbitral datado de 04.02.2019, proferido no processo nº 74/2017).xxix. Em ambas as normas (186º e 187º do RD) tipificam-se comportamentos incorrectos do público, qualificando-se e agravando-se uma em função da perigosidade para a integridade pessoal de terceiros, pelo que é óbvio que ao clube que deva responder por tais comportamentos só pode imputar-se a mais grave, pelo que a condenação por ambas viola o princípio do ne bis in idem, plasmado no art. 12º do RD. xxx. Como tal, vindo a ser assacada responsabilidade disciplinar à aqui recorrente - o que por mera cautela de patrocínio aqui se equaciona - somente o será pela prática da infracção constante do art. 186º -2 do RD, sempre se mostrando prejudicada a condenação pela infracção p. e p. pelo art. 187º -1, b) do RD. -VII- xxxi. No presente caso, a demandante recorreu de uma condenação pecuniária no valor de € 10.806,00 e, não tendo esse recurso obtido provimento, confronta-se com uma fixação de custas, decidida pelo Tribunal a quo, no valor de € 4.890,00, sobre o qual ainda acresce IVA (23%): o que perfaz um total de € 6.125,40.xxxii. Este valor de custas finais compromete o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º -1 e 268º 4 da CRP). xxxiii. Com efeito, o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (consagrado no art. 20º - l, da CRP) consubstancia, em si mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, entre os quais o direito de acesso aos Tribunais. xxxiv. Importa não esquecer que a arbitragem necessária que antecedeu esta fase do processo é, como o próprio nome indica, uma inevitabilidade para quem pretenda reagir contra decisões Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que lhe são desfavoráveis. xxxv. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20º e 268º - 4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD. xxxvi. É manifesto que este regime de custas é fortemente dissuasor do recurso à tutela jurisdicional que a lei (aparentemente) quis assegurar. xxxvii. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2º, nºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria nº 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4//5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º- l e 268º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204º da CRP), o que desde já se requer. Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e assim como a condenação da recorrente pelas infracções disciplinares p. e p. pelos artigos 186º- 2, 187º -1, a), e 187º - 1, b), do RDLPFP, anulando-se o correspondente acto administrativo do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol. Sem prescindir, subsidiariamente, caso se entenda não haver motivo para, de imediato, anular o mencionado acto administrativo do CD da FPF, requer-se a revogação do acórdão recorrido e o reenvio do processo ao TAD para repreciação da matéria de facto com base em critérios de valoração da prova consentâneos com o princípio da presunção de inocência do arguido, exigindo-se, nomeadamente, a formação de uma convicção para além da dúvida razoável e a não imposição de um ónus da prova à demandante. Sem prescindir, e uma vez mais subsidiariamente, requer-se a revogação da decisão arbitral na parte relativa à condenação pela infracção p. e p. pelo artigo 187º, nº 1, a), do RDLPFP. Novamente sem prescindir, e uma vez mais subsidiariamente, requer-se a revogação da decisão Arbitral na parte relativa à condenação pela infracção p. e p. pelo artigo 187º -1, b) do RDLPFP sob pena de violação do princípio ne bis in idem. Sem prescindir e sempre subsidiariamente, requer-se a V. Exas, se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2º, nos 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I, 2.ª linha, da Portaria nº 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.°-l e 268.°-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.° da CRP), com as legais consequências.” * A Recorrida Federação Portuguesa de Futebol, por sua vez, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso de Apelação foi interposto pela Recorrente do Acórdão do Tribunal Arbitral do DesP..., datado de 8 de outubro de 2019, que confirmou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que sancionou a Recorrente em multas por aplicação dos artigos 186.º, n.º 2 e 187.º, n.º 1, al. a) e b) do RD da LPFP. 2. Em causa nos presentes autos está o comportamento incorreto dos adeptos da F... e a responsabilização desta sociedade anónima desportiva por violação de deveres a que estava adstrita de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos, em jogo em que a equipa da ora Recorrente participou na qualidade de visitante. 3. Sinteticamente, de acordo com os relatórios do jogo e de policiamento desportivo, os adeptos da Recorrente arremessaram objetos para o terreno de jogo, rebentaram objetos pirotécnicos proibidos por lei de entrar no recinto desportivo e levaram a cabo outros comportamentos incorretos. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, coloca em causa, sim, que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas. 4. O processo sumário é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais e dos delegados da LPFP. Com efeito, tais relatórios têm, como se sabe, presunção de veracidade dos respetivos conteúdos (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP). 5. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrente. 6. Entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios dos Delegados da LPFP e do Relatório de Policiamento Desportivo) que a Recorrente violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível. 7. Assim, os Relatórios elaborados pelos Delegados da LPFP, atento o seu conteúdo, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrente no caso concreto. Ademais, há que ter em conta que existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento (artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP). 8. Isto não significa que o Relatório dos Delegados da LPFP contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres. 9. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova, colocando em causa aquela veracidade. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde fogo no artigo 346.º do Código Civil. 10. Para além da presunção de veracidade dos factos constantes nos relatórios dos Delegados da LPFP, bem como dos esclarecimentos adicionais prestados pelos mesmos, ter-se-á, ainda, que atender à força probatória dos relatórios das forças policiais. Tal como resulta de toda a prova carreada no processo, a factualidade provada resulta, também, dos factos constantes dos Relatórios de Policiamento Desportivo das Forças de Segurança do jogo dos autos. Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por "autoridade pública" ou "oficial público", no exercício público das "respetivas funções" (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil). Tal valor probatório apenas pode ser afastado com base na sua falsidade (art.º 372.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que, no contexto processual penal e nos termos do art.º 169.º do Código de Processo Penal, se consideram «provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa». 11. Ao contrário do que afirma a Recorrente, em sede sancionatória o "arguido" não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido. 12. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios elaborados pelos Delegados da LPFP, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não da Recorrente. Isto mesmo entendeu, e bem, o Tribunal a quo. 13. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrente demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrente nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede. 14. Decorre de forma claríssima da Regulamentação aplicável que os clubes e sociedades desportivas podem (e devem) impedir comportamentos como os sub judice através do cumprimento dos deveres informando e in vigilando dos seus adeptos, em especial, do cumprimento dos deveres estatuídos no art.º 35.º, n.º l, als. a), b), c) e o) do Regulamento das Competições da LPFP. 15. Com efeito, a imputação culposa das condutas infratoras dos adeptos da Recorrente, pelas quais esta é diretamente responsável (tal como determina a previsão legal das infrações disciplinares em causa), resulta, pois, do incumprimento culposo de deveres de prevenção e de ação no âmbito da violência associada ao DesP... que lhe estão cometidos e que levaram, em nexo de causalidade adequado e direto, ao resultado aqui verificado: os comportamentos perigosos e incorretos dos seus adeptos e simpatizantes, num espetáculo desportivo. 16. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos. 17. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrente, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos. 18. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do DesP..., por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente, assim como o STA por mais de 10 vezes em sede de recurso de revista e o TCA Sul uma vez em sede de recurso de apelação. 19. Carece de fundamento a alegação de que as normas dos artigos 13.º, al. f), 186.º e 187.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RD da LPFP são inconstitucionais, porquanto o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou em matéria em tudo idêntica, defendendo a responsabilidade subjetiva neste âmbito, o que se revela conforme à CRP. 20. Em causa no presente recurso de apelação está, ainda, um alegado erro na fixação do valor da causa em €30.000,01 (trinta mil e um euros) e, por conseguinte, a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva. 21. Sinteticamente, entendeu o Tribunal a quo que, in casu, preponderará o critério relativo a bens imateriais do artigo 34.º, n.º 1 do CPTA. 22. De facto, o interesse imaterial que subjaz à pretensão da Recorrente é muito mais do que uma mera revogação de uma decisão disciplinar, indo muito além do valor económico que as sanções pecuniárias que estão em análise demonstram. 23. Ao aludir ao princípio da culpa, constata-se que os interesses invocados, são de ordem constitucional e excedem claramente meros limites quantitativos, motivo pelo qual, o Tribunal a quo, ao utilizar o critério supletivo constante do artigo 34.º do CPTA, não violou o disposto no artigo 33.º, al. b) do mesmo Código. 24. Por outra parte, o valor das custas finais fixado pelo Tribunal a quo não é, como alega a Recorrente, desproporcional, nem compromete, de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 do CRP). 25. Neste sentido entendeu, e bem, o Tribunal Constitucional, mediante Acórdão datado de 16 de outubro de 2019, não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, em conjugação com a primeira linha da tabela do seu Anexo I. 26. Motivo pelo qual deverá, também, improceder a inconstitucionalidade suscitada resultante da conjugação do disposto no art. 2.2, n.ºs 1 e 5 (e respetiva tabela constante do Anexo 1,2ª linha, da Portaria n.º 301/2015), com o previsto nos artigos 76.º, n.ºs 1,2 e 3 e 77.º, n.ºs 4, 5 e 6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade. 27. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF. 28. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pelas infrações disciplinares p. p. pelo artigo 187.º, 1; al. a) e b) do RD da LPFP. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.” * Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer. Pelo despacho de 22 de Novembro de 2023 as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a aplicação aos autos do artº 6º da Lei da Amnistia aprovada pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que nada dizendo se reiterou a sua notificação em conformidade, a fls 182 a 184, mantendo-se as mesmas silentes. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projecto de Acórdão às Juízes Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento. * II. Objecto do Recurso – Questões a conhecer O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos do nº 4 do artº 146º do CPTA e do artº 5º, do nº 2 do artº 608º, dos nºs 4 e 5 do artº 639º do CPC ex vi do artº 1º e artº 140º do CPTA e nº 2 do artº 8º da Lei do TAD. No caso, face aos termos em que foram enunciadas pela Recorrente as conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a resolver: 1. Em primeiro lugar, consiste em determinar se o Recorrente deve beneficiar da amnistia decretada pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, ou se é de excluir a sua aplicação ex vi de ser considerado reincidente; da resposta a esta quaestio poderá redundar a apreciação: * III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):“Analisada e valorada a prova constante dos autos, consideramos provados os seguintes factos: a) No dia 3 de fevereiro de 2019, no Estádio D...., em Guimarães, realizou-se o jogo n.º 12...(203.01.178) disputado entre a V... – Futebol SAD e a – Futebol SAD, a contar para a 20ª jornada da Liga NOS; b) Os espectadores pertencentes ao Grupo Organizado de Adeptos G... (S...) ficaram localizados na Bancada Topo Norte Superior, exclusiva para os adeptos da equipa visitante. c) Os espectadores adeptos do V..., devidamente identificados por cachecóis, camisolas e bandeiras afectas ao clube, ficaram localizados na Bancada Central Nascente; d) Os espectadores pertencentes ao Grupo Organizado de Adeptos G... (S...), localizados na Bancada Topo Norte Superior, devidamente identificados por cachecóis, camisolas e bandeiras alusivas ao clube, no decorrer do jogo, deflagraram 3 flashlights, 2 potes de fumo e 6 petardos; e) Os mesmos adeptos G... (S...) localizados na sobredita Bancada, ao minuto 42, arremessaram uma tocha incandescente para os adeptos do V... que, por sua vez, a arremessaram de volta para a Bancada Topo Norte afecta aos adeptos do F...; f) Ainda no minuto 42 os mesmos adeptos do F... arremessaram diversas cadeiras contra os adeptos do V...; g) Os mesmos adeptos do F..., localizados na dita Bancada Topo Norte Superior, ao minuto 43, arremessaram para o recinto do jogo, um petardo, não tendo atingido nenhum agente desportivo nem interrupção do jogo; h) Aos 45 minutos do segundo tempo entrou uma tocha incandescente no terreno de jogo vinda da bancada onde estavam os adeptos do P..., não interferindo com o jogo; i) Ainda os mesmos adeptos do F..., ao minuto 90 de jogo, arremessaram para dentro do recinto do jogo uma tocha incandescente, sem atingirem nenhum agente desportivo ou causar interrupção do jogo; j) Tais adeptos por estarem localizados em bancadas exclusivamente a eles afectos, e por serem portadores de sinais inequívocos da sua ligação ao clube tais como bandeiras, cachecóis e camisolas são apoiantes e simpatizantes da demandante; k) A demandante não impediu que os seus adeptos entrassem com objectos não autorizados; l) A demandante não adoptou as medidas preventivas adequadas e necessárias a impedir os acontecimentos protagonizados pelos seus adeptos; m) A demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária bem sabendo que ao não prevenir e evitar a ocorrência dos referidos factos perpetrados pelos seus adeptos e simpatizantes, incumpriu deveres legais e regulamentares de segurança e de prevenção da violência que sobre si impendiam, enquanto clube participante no dito jogo de futebol; n) À data dos factos e na presente época desportiva a demandante foi sancionada, por decisão definitiva na ordem jurídica desportiva, pelo cometimento de diversas infracções disciplinares. Matéria de Facto dada como não provada: Nada mais foi provado ou não provado relativamente a matéria relevante para a boa decisão nos presentes autos. Fundamentação da decisão de facto: O Tribunal formou a sua convicção pela análise conjugada do processo disciplinar e pela conjugação de múltiplos elementos de prova, em especial: - Relatório dos árbitros, documento junto aos autos (fls. 20 a 26); - Relatório dos delegados da Liga, documento junto ao processo (fls. 27 e 28); - Relatório de Policiamento Desportivo, documento junto ao processo (fls. 33 a 35); - Esclarecimentos posteriores prestados pela PSP, pelos árbitros e delegados da Liga, documentos juntos ao processo disciplinar (fls. 36 a 42, fls. 108 a 115, fls. 93 a 96); - fotos, documento junto aos autos (fls. 116 a 139); - cadastro disciplinar da demandante, documento junto ao processo disciplinar (fls. 63 a 78); A factualidade dada como assente resulta da instrução da causa, para além de qualquer dúvida razoável”. * IV. Do Direito A Decisão Arbitral em recurso confirmou a decisão proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, que condenou o Recorrente em multas pela prática de infracção disciplinar p. e p. pelo nº 2 do artº 186º e alíneas a) e b) do nº 1 do artº 187º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RD da FPF). 1. Em primeiro lugar, cabe determinar se a Recorrente deve beneficiar da amnistia decretada pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, ou se é de excluir a sua aplicação ex vi de ser considerado reincidente. A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto (Lei da Amnistia), veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. “Artigo 12.° Ninguém pode ser sancionado, na ordem jurídica desportiva, mais que uma vez pela prática da mesma infração”.Proibição de dupla sanção Decorre pois deste normativo que ninguém pode ser sancionado mais que uma vez pela prática da mesma infracção. Importa atender ao disposto nas normas 186º e 187º do RD da LPFP, que, por economia discursiva, nos abstemos de tornar a transcrever, relembrando apenas que o primeiro apresenta como epígrafe ‘Arremesso de objecto perigoso’ e o segundo ‘Comportamento incorrecto do público’ Cabe, pois, apreciar quer quanto às infracções concretas, quer quanto aos bens jurídicos protegidos, se a Recorrente foi sancionada mais do que uma vez pela prática da mesma infracção. Relembramos que as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina no âmbito das infracções praticadas, foram sanção de multa de 7.650,00€, pela prática de infracção prevista e punida pelo artigo 186º, nº 2, sanção de multa de 765,00€, pela prática de infracção prevista e punida pelo artº 187º, nº 1, alínea a) e sanção de multa de 2.391,006, pela prática de infracção prevista e punida pelo artigo 187º, nº 1, alínea b), todos do Regulamento Disciplinar da LPFP. Ora, da letra da lei resulta que o artº 186º do RD da LPFP se aplica à situação concreta de arremesso de objectos perigosos para dentro do terreno de jogo, com vista a provocar lesão de especial gravidade. Sucede que o bem jurídico a defender é a segurança e protecção dos elementos da equipa de arbitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga, dirigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos ou qualquer pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo. Esmiuçando o que densifica o bem a proteger, considera-se a segurança e a integridade física dos que se encontram no terreno do jogo, em virtude de que o arremesso de objectos perigosos para esse recinto poderá atingir qualquer pessoa que nele esteja e provocar-lhe lesões. Logo, as pessoas que estiverem no terreno de jogo face às funções que exercem ficam mais expostas a esses incidentes. O artº 187º do RD da LPFP aplica-se fora dos casos previstos do artº186º deste diploma, quanto a comportamentos incorrectos do público dos quais resultem danos patrimoniais ou que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina, protegendo os bens jurídicos da segurança do público em geral, da ordem e do património do estádio. Visa a protecção da ordem pública, dado que se impõe que num espectáculo desportivo esteja assegurada a segurança de quem vai assistir ao jogo e também a proteger o património do estádio onde se realiza o evento desportivo, de forma a evitar estragos e prejuízos. Em conclusão, o âmbito de cobertura ou de protecção de bens jurídicos das referidas normas são distintos e não se confundem. Perfilam-se nos autos comportamentos praticados pelos adeptos afectos à Recorrente os quais redundam em várias e distintas infracções cujas normas violadas correspondem a bens jurídicos distintos. Emergem assim daquelas várias condutas, infracções distintas, tendo sido aplicadas as correspondentes sanções. A Recorrente não foi sancionada várias vezes pela mesma infracção, mas sim, sancionada por cada uma das diferentes infracções. Donde, não se vislumbra qualquer concurso aparente entre as referidas normas, nem qualquer violação ao princípio ne bis in idem, reconhecendo que a decisão recorrida não apresenta este vício. No que toca à arguição da inconstitucionalidade da alínea f) do artº 13º e das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 187º do RD da LPFP, o citado Acórdão salienta que a “questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 106º do Regulamento, sujeita, como ficou assente, à sindicabilidade deste Tribunal Constitucional. Só que, neste ponto, a tarefa está facilitada, na medida em que o Provedor de Justiça funda tal questão nas mesmas razões que adianta relativamente à questão da inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei nº 270/89. Segundo ele, "e de qualquer forma, o próprio art. 106º do Regulamento Disciplinar é, em si mesmo, inconstitucional, por assentar numa responsabilidade sem culpa e por actos de terceiros que não actuam em nome, ou em representação, ou por delegação do clube". Mas, como ficou já analisado a propósito das normas daquele Decreto-Lei nº 270/89, não pode deixar de ser afirmativa a resposta à questão da punição dos clubes desportivos, pois, pode sempre encontrar-se uma ideia de censura a imputar aos clubes, não vingando in casu uma ideia de responsabilidade objectiva dos clubes ( e daí ter-se concluído que não pode dar-se como verificada a tese sustentada pelo requerente da violação do princípio da culpa). Reeditando, portanto, os fundamentos (…) nada mais interessa adiantar para afirmar a conformidade da questionada norma do artigo 106º à Lei Fundamental”. Donde, talqualmente não procede a invocada inconstitucionalidade da alínea f) do artº 13º e das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 187º do RD da LPFP. – da inconstitucionalidade do valor das custas Nas palavras da Recorrente o valor de custas finais – 4.890,00€ – sobre o qual ainda acresce IVA (23%), perfaz um total de 6.125,40€, atentos os nºs 1 e 5 do artº 2º conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro, articulado com o previsto nos nºs 1, 2 e 3 do artº 76º e os nºs 4, 5 e 6 do artº 77º da Lei do TAD são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º- l e 268º-4 da CRP), devendo essas normas ser desaplicadas (art. 204º da CRP). A jurisprudência administrativa é consonante no entendimento de que “O montante das custas arbitrais determinado através da aplicação das normas que constam do artigo 2.º, n.ºs 1 e 5 e respetiva tabela (Anexo I, 2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro, conjugadas com as normas dos artigos 76.º, n.ºs 1, 2, 3 e 77.º, n.ºs 4, 5 e 6 da Lei do TAD, não ofende os princípios da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP) e da proporcionalidade (artigo 2.º da CRP)” – cfr de entre outros, o Acórdão do TCA Sul, Processo nº 149/17.0BCLSB, de 13 de Fevereiro de 2020, in www.dgsi.pt. Neste acórdão, sinaliza-se o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional, de 19 de Dezembro de 2019, em que “não foram julgadas inconstitucionais tais normas e, em consequência foi dado provimento ao recurso interposto e determinada a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade” e para o qual se remeteu transcrevendo-se esta parte: “… No Acórdão n.º 543/2019 do TC, além de se fazer o adequado enquadramento normativo do Tribunal Arbitral do DesP... e do seu regime de custas, que nos dispensamos aqui de reproduzir, decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, em conjugação com a primeira linha da tabela do seu Anexo I, invocando-se, nomeadamente, que: «(…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13). Sublinhe-se ainda que, nem mesmo relativamente ao direito à saúde (artigo 64.º da Constituição), o princípio da gratuitidade é absoluto, admitindo a previsão de taxas moderadoras para acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Como resulta do Acórdão n.º 330/88, «(…) o conceito de gratuitidade (…) será compatível [com] a exigência (ou a exigência em certos casos) aos utentes do SNS de “taxas moderadoras” (…). Tais taxas visam tão-só “racionalizar a utilização das prestações” facultadas pelo serviço em causa: o seu objectivo (…) é unicamente o de “moderar a procura de cuidados de saúdes, evitando assim a sua utilização para além do razoável”». O mesmo raciocínio será transponível para as custas judiciais – e para as custas cobradas no TAD -, dado que também nesta área, onde nem sequer impera idêntico princípio, se procura a racionalização na utilização da justiça, uma vez que os recursos são limitados e se pretende reservá-los para aqueles que mais deles careçam. Independentemente de outras ponderações, trata-se aqui de aplicar um princípio geral de cobertura e imputação de custos, sendo legítima a adoção de medidas aptas a assegurar a sustentabilidade económica de um serviço público prestado por entidades privadas e a imputação do respetivo custo sobre quem, concluindo pela necessidade da utilização desse serviço público, especialmente dele beneficia.(…) ». Partindo dessas premissas, o Acórdão n.º 543/2019 avaliou se o montante das custas cobradas no TAD por processos arbitrais necessários de valor até €30.000,00 constitui um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária, por ser demasiado elevado, em si mesmo e por comparação com os montantes cobrados nos tribunais estaduais, tendo concluído que: «(…) há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD - que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) -, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD. Note-se, quanto ao primeiro ponto, que a capacidade de auto-financiamento do TAD é essencial para assegurar a sua independência e imparcialidade, quer em relação à administração pública do desP..., quer em relação aos organismos que integram o sistema desportivo – cfr. artigo 1.º, n.º 1, da referida lei. A redução do preço do serviço especializado de justiça prestado pelo TAD para níveis equivalentes aos que vigoram na justiça estadual comportaria o risco de comprometer, ou a subsistência do TAD, considerando os custos tendencialmente mais elevados da atividade de arbitragem, ou a sua independência e imparcialidade, que necessariamente passam pela garantia de um estatuto de efetiva autonomia económico-financeira em relação a todas as partes potencialmente envolvidas nos litígios que compete àquele tribunal decidir. Por outro lado, se é certo que tanto pode recorrer para o TAD um praticante desportivo como uma sociedade anónima desportiva, como é o caso do Sporting Clube de Portugal, Futebol, SAD (artigo 52.º da Lei n.º 74/2013), com diferenciados níveis de rendimentos, é razoável que o nivelamento do valor das custas processuais se faça de modo a permitir a viabilização, em condições de independência, de uma entidade jurisdicional que tem por função prestar um serviço de justiça compatível com as necessidades próprias do sistema desportivo, assegurado que esteja, como está, que ninguém será impedido de aceder à justiça desportiva por insuficiência de meios económicos (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 301/2015, na redação da Portaria n.º 314/2017). Finalmente, não é possível ignorar que o serviço de justiça desportiva prestado pelo TAD, também no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, está normativamente estruturado em termos que garantem a competência e qualificação especializada dos árbitros, por um lado, e a prolação de decisões em tempo compatível com a natureza específica do tipo de litígios abrangidos pela sua jurisdição, por outro. Com efeito, o TAD integra na sua composição o Conselho de Arbitragem Desportiva (CAD), órgão que é composto por 11 membros, sendo 2 deles designados pelo Comité Olímpico de Portugal, 2 designados pela Confederação de DesP... de Portugal e 1 pelo Conselho Nacional do DesP..., de entre juristas de reconhecido mérito e idoneidade, com experiência na área do desP... (artigos 9.º e 10.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do TAD). Compete ao CAD, designadamente, estabelecer a lista de árbitros do TAD, com base em propostas apresentadas por entidades com responsabilidades institucionais no sistema desportivo (artigo 21.º), e promover o estudo e a difusão da arbitragem desportiva, bem como a formação específica de árbitros, nomeadamente estabelecendo relações com outras instituições de arbitragem nacionais ou com instituições similares estrangeiras ou internacionais (artigos 11.º, alíneas a) e g), da mesma lei). Essa lista de árbitros é integrada, no máximo, por 40 árbitros, designados de entre juristas de reconhecida idoneidade e competência e personalidades de comprovada qualificação científica, profissional ou técnica na área do desP... (artigo 20.º, n.º 2). Acresce que a competência arbitral necessária é sempre exercida por um colégio de três árbitros, podendo cada parte designar um árbitro, devendo os árbitros assim designados escolher o terceiro, que atuará como presidente do colégio (artigo 28.º, n.ºs 1 e 2). Por outro lado, em atenção às exigências próprias do sistema desportivo, a tramitação do processo arbitral obedece a um padrão comum de simplicidade, celeridade e eficácia, que se manifesta, por exemplo, na regra da continuidade dos prazos processuais, que não se suspendem aos sábados, domingos e feriados, nem em férias judiciais (artigo 39.º, n.º 1), na possibilidade da redução dos prazos legalmente previstos (artigo 40.º), já por si muito curtos, sendo de 5 dias o prazo geral para a prática de atos processuais (artigo 39.º, n.º 3) e de 15 dias o prazo de prolação da decisão final, que se conta da data do encerramento do debate da causa (artigo 58.º, n.º 1), incorrendo os árbitros que obstem a que a decisão seja proferida dentro do prazo legal em responsabilidade pelos danos causados (artigo 45.º). O serviço de justiça prestado pelo TAD revela, assim, um nível de especialização e rapidez que, sendo imposto por razões de interesse público com relevância constitucional (artigo 79.º da Constituição), beneficia diretamente os operadores do sistema desportivo. (…) …Ora, estando em causa a prestação do serviço público de justiça, como é o caso, a utilidade do serviço não deve ser aferida tendo em consideração apenas o valor da causa, mas todos os benefícios com expressão económica que decorrem das características específicas do serviço prestado, designadamente quanto ao (menor) tempo de resposta e o (maior) grau de especialização. Por todas essas razões, não se afigura que a apontada diversidade objetiva de valores vigentes para as custas dos processos arbitrais necessários e para as custas judiciais seja, só por si, passível de um qualquer juízo de censura constitucional. (…)»”. A Recorrida na decisão arbitral recorrida atribuiu ao valor da causa, 30.000,01€, fundada em que “O Demandante indica como valor da causa 10.806,00€ (dez mil oitocentos e seis euros), enquanto a Demandada entende que o valor da causa é de 30.001,00€ (trinta mil e um euros). Entende o colégio arbitral, que o valor do presente processe deve considerar-se de valor indeterminável, sendo por isso fixado em 30.001,00€ (trinta mil e um euros), nos termos do artigo 34°, nºs. 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugado com o artigo 6º, n° 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 44°, n° 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aplicáveis ex vi do artigo 77°, n° 1 da Lei do Tribunal do DesP... e do artigo 2º, n° 2 da Portaria n° 301/2015, de 22 de setembro, alterada pela Portaria n° 314/2017, de 24 de outubro. O interesse que subjaz à pretensão do demandante, não se esgota na mera revogação da sanção disciplinar de multa. A aplicação de uma sanção disciplinar de multa, para além da questão do seu montante, implica um juízo de censura sobre o comportamento do arguido, o registo da sua aplicação, "condicionando" comportamentos futuros face ao instituto da reincidência, bem como a sua desresponsabilização pelos actos praticados por adeptos e simpatizantes durante o espectáculo desportivo. Assim, a revogação de uma sanção disciplinar de multa, vai muito para além do envolvido. Assim sendo, preponderará o critério relativo a bens imateriais do artigo 34.º, n.º 1 do CPTA, sendo o seu valor indeterminável, com a aplicação do artigo 34º, nº 2 do CPTA”. Uma vez que o TAD determinou o valor de custas finais em 4.890,00€, que acrescido do IVA (23%), perfaz o total de 6.125,40€, o primeiro valor foi atribuído com base no Anexo I da Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro. Dispõe o artº 2º da Portaria que “1 - A taxa de arbitragem necessária corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do DesP... em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante. 2 - Compete ao tribunal arbitral definir o valor da causa, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 3 - Se a arbitragem terminar antes da sentença final, o Presidente do Tribunal Arbitral do DesP... pode reduzir a taxa de arbitragem tomando em consideração a fase em que o processo arbitral foi encerrado ou qualquer outra circunstância que considere relevante, nos termos correspondentes da redução dos honorários dos árbitros. 4 - São encargos do processo arbitral todas as despesas resultantes da condução do mesmo, designadamente os honorários dos árbitros e as despesas incorridas com a produção da prova, bem como as demais despesas ordenadas pelos árbitros. 5 - A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo tribunal arbitral, em função do valor da causa, nos termos do anexo I”. Ora, detendo-nos nos nºs 1 e 5 desta norma que são os relevantes para avaliar da inconstitucionalidade arguida, concatenados com o determinado na segunda linha do Anexo I da Portaria, ou seja, que quando o valor da causa se fixe de entre 30 000,01€ a 40 000,00€, a taxa de arbitragem é de 900,00€, correspondendo os honorários do colectivo de árbitros a 3 000,00€ e os encargos administrativos a 90,00€, não podemos acolher a tese da inconstitucionalidade dos identificados nºs 1 e 5. Isto porque, haverá que levar em conta a premissa da especificidade da justiça arbitral (necessária) sendo que o tipo de litígios integrados na competência necessária do TAD face à generalidade dos demais litígios que demandam resolução jurisdicional, convocam díspares pontos cardeais de referência dos quais parte a ponderação a que o legislador deve atender na fixação do valor das custas finais dos processos. No caso concreto dos tribunais arbitrais chamados a decidir dos litígios em que os intervenientes são federações desportivas, ligas profissionais e clubes desportivos, detentores de uma maior capacidade económica, possuindo aqueles tribunais natureza jurisdicional não pública, nem financiada pelo Estado, têm a seu cargo custos próprios permanentes que decorrem da sua específica estrutura arbitral de funcionamento. Assim sendo, o valor das custas espelha na sua génese uma dupla perspectiva: a primeira, a capacidade económica dos litigantes e a segunda, os custos a que a mesma se destina, ou seja, prover os custos mais elevados do serviço de justiça prestado pelos tribunais arbitrais, neste sentido intuído do valor concretamente fixado na segunda linha da tabela do Anexo I da Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro. Neste enquadramento, o valor das custas finais fixado pelo Tribunal a quo não é inconstitucional, como alega a Recorrente, atentos os nºs 1 e 5 do artº 2º da referida Portaria combinados com a tabela constante do respectivo Anexo I, articulado com o estatuído nos nºs 1, 2 e 3 do artº 76º e os nºs 4, 5 e 6 do artº 77º da Lei do TAD. Nestes termos, também neste segmento não concedemos provimento ao presente recurso jurisdicional. * Face aos factos provados não se vislumbra a prova de qualquer facto que conduzisse a uma posição diversa da ora recorrida. *** V. Decisão Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, as Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, manter o acórdão arbitral. Custas pela Recorrente, – Futebol, SAD. Notifique. ***
Voto favoravelmente o Acórdão por concordar com a decisão e com a generalidade dos fundamentos, exceção feita à tese de que: “… a amnistia das infrações disciplinares tem carácter puramente objetivo, aplicando-se inclusive às infrações disciplinares de pessoas coletivas…”. Isto por considerar que, atento v.g. o teor da Exposição de Motivos da Lei n° 38-A/2023, de 2 de agosto, tais medidas, expressamente, ocorrerem no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude – JMJ que decorreram em Portugal, ou seja, as medidas de clemência mostram-se circunscritas e moldadas pela concreta realidade humana e jovem a que se destina.
Teresa Caiado *** |