Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8484/15.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL;
PARECER DO MP;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO;
CONTRADIÇÃO REAL ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
Sumário:I. O parecer emitido pelo IMMP, ao abrigo do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, não é suscetível de controlo jurisdicional.

II. O princípio do contraditório não tem o alcance de exigir que o julgador previamente à decisão se pronuncie sobre a suficiência da prova produzida sobre questões suscitadas pelas partes e as ouça a esse propósito.

III. A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.

IV. Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

L.... - C.....L, Lda (doravante Impugnante) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 30.01.2015, pelo Tribunal arbitral singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 463/2014-T, ao abrigo do art.º 27.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I) Considerou a decisão recorrida que, improcede parcialmente a pretensão da impugnante quanto à ilegalidade das liquidações impugnadas com base em erro nos pressupostos de Direito, por falta dos pressupostos da incidência subjectiva do Imposto quanto à Impugnante.

II) A Impugnante vem apresentar a presente Impugnação, relativamente à parte da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação das notas de liquidação, identificadas nos autos, e a consequente restituição da quantia de 28.553,64 € (vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos).

III) Em causa nos presentes autos está a interpretação do art.° 3.° do Código de Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente no que diz respeito à elisão da presunção estabelecida no referido normativo. Por outras palavras, importa apurar se a presunção estabelecida no normativo supra mencionado, é elidível e se a mesma foi ou não elidida pela Impugnante.

IV) Salvo melhor opinião, a Impugnante considera que a decisão do Tribunal Arbitral Singular padece dos vícios de (1) violação do princípio de contraditório; (2) a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (3) a oposição dos seus fundamentos com a decisão em violação do artigo 28.° do RJAT, vícios esses que constituem causas de nulidade da decisão recorrida nos termos do art.° 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art.° 615 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

A - DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO:

V) Na decisão arbitral, ora recorrida, o Tribunal Arbitral pronunciou-se nos seguintes termos:

- “ ... o Tribunal Arbitral entende que apenas as facturas referidas na lista constante no ponto 17.10 foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo art.° 36.° do CIVA e por isso constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do art.° 3.° do CIUC.”

VI) A conclusão que os documentos juntos pela Impugnante não satisfazem os requisitos legais, não havia sido invocada em qualquer momento, sendo que as partes deveriam ter tido a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão antes do Tribunal Arbitral emitir o seu juízo decisório.

VII) A Impugnante protestou juntar outros elementos contabilísticos, conforme resulta do art.° 52.° do pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral não considerou ter interesse para a decisão da causa.

VIII) A Impugnante, no curto espaço de uma semana, deparou-se com a notificação de aproximadamente 7.000 (sete mil) Documentos Únicos de Cobrança referentes a liquidações oficiosas do Imposto Único de Circulação, de diversas viaturas, no período compreendido entre os anos de 2009 e de 2013.

IX) A Impugnante, que tem uma frota de cerca de cinquenta mil viaturas, num esforço de recolha documental conseguiu juntar as facturas que estão nos autos, correspondendo algumas dos documentos a meras reimpressões de facturas, sendo que, como é evidente, os respectivos originais obedeceram a todos os formalismos legais.

X) A Autoridade Tributaria em momento algum colocou em causa as formalidades das facturas emitidas pela Impugnante para outros efeitos fiscais, nomeadamente para efeito e de IRC.

XI) As facturas têm a seu favor a presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 75.° da LGT que, assim, se afiguram idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam aquelas liquidações.

XII) Os extractos contabilísticos cuja junção o Tribunal entendeu não ser adequada, atestariam a contabilização das vendas das viaturas identificadas nos autos e confirmariam a veracidade das vendas corporizadas pelas facturas.

XIII) Atento o teor da sentença, o Tribunal Arbitral exerce uma verdadeira função de inspecção tributária, sem que tenha dado qualquer oportunidade à Impugnante para justificar a alegada insuficiência de algumas facturas, e exercer o direito de audição previsto no art.° 60.° da Lei Geral Tributária.

XIV) Conforme é jurisprudência dos nossos tribunais (Acórdão do STA de 5 de Julho de 2012), em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23°, n°1, e 42°, n° 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, - cfr. Acórdão STA de 5 de Julho de 2012, in www.dgsi.pt.

XV) O princípio da liberdade do Juiz no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (art.° 664.° do CPC), aplicável ex vi alínea e) do n.° 1 do art.° 29.° do RJAT deve ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa, atendo o disposto no n.° 3 do art.° 3.° do CPC.

XVI) O princípio do contraditório está igualmente vertido na alínea a) do n.° 1 do art.° 16.° do RJAT, sendo que o princípio do contraditório é assegurado através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre questões de facto ou de direito suscitadas no processo.

XVII) Caso o Tribunal Arbitral tivesse considerado necessário, face às dúvidas que tinha, poderia ter promovido a realização da reunião, consagrada no art.° 18.° do RJAT, convidando a Impugnante a corrigir as peças processuais e a juntar documentação, que na sua perspectiva seria necessária para a decisão a proferir e para esclarecer quem seriam os proprietários à data do facto tributário.

XVIII) Tendo o julgador decidido com fundamento não considerado previamente pelas partes, cujos factos que a sustentam não foram alegados em momento algum pelas partes, e não tendo efectuado o convite à Impugnante, a decisão arbitral é nula, que se vem arguir desde já.

XIX) A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais, constante do n.° 1 do art.° 201.º do CPC – aplicável ex vi alínea e) do n.° 1 do art.° 29.° do RJAT - e uma vez que inquina a decisão recorrida, como é o caso dos autos, a invocação da nulidade pode ser feita nas alegações da impugnação judicial que se interpuser, como é o caso em apreço. Sendo a decisão arbitral nula, fica prejudicada a apreciação das demais questões.

Sem prejuízo do exposto, à cautela e sem conceder.

B - DA FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO:

XX) A decisão impugnada padece do vício de omissão de especificação de fundamentos de facto.

XXI) Face ao entendimento do Tribunal Arbitral, devia ter sido igualmente considerada, como preenchendo os requisitos formais do art.º 36.º do CIVA, a factura relativa à viatura 43-CH-19, pelo que o valor de 33,44 €, titulado pelo DUC n.° 2009 626889703 deve igualmente ser objecto de restituição (de notar que os documentos ora juntos constam no processo administrativo).

XXII) A sentença deveria enunciar de forma clara quais os requisitos que não são cumpridos pelas facturas, por forma que ficasse claro qual a insuficiência que cada um dos documentos juntos padecia, à luz do entendimento do Tribunal.

XXIII) De acordo com o preceituado no artigo 123.° do CPPT na sentença, o juiz deve discriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

XXIV) A nulidade abrange por um lado a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.° 2 do art.° 123.° do CPPT, mas igualmente a falta de exame crítico das provas, prevista no n.° 3 do art.° 659.° do CPC.

XXV) Verifica-se, pois, que a decisão impugnada, não só não procedeu á indicação exaustiva da matéria de facto provada, como não procedeu, como lhe era exigido ao exame crítico das provas apresentadas.

XXVI) Resulta assim do exposto, face á falta de discriminação dos factos provados da decisão impugnada e à falta de exame critico das provas, que a decisão do Mm.° Árbitro do Tribunal Arbitral Singular do Centro de Arbitragem Administrativa deve ser declarada nula nos termos do artigo 125°, n°1 do CPPT, tal como o 615.° n.° 1 alínea b), do CPC aplicável ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

Á cautela e sem conceder.

C - DA FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO:

XXVII) O Tribunal Arbitral na análise empreendida se as facturas corporizam ou não meios de prova com força bastante para elidir a presunção fundada no registo, concluiu que as mesmas não podiam ser aceites como meios de prova, por não cumprimento dos requisitos exigidos pelo art.° 36.° do CIVA.

XXVIII) Não se compreende em que medida é aplicável o disposto no CIVA, à elisão da presunção estabelecida no art.° 3.° do CIUC, porque o Tribunal não fundamenta a aplicação de tal dispositivo.

XXIX) A Autoridade Tributaria, em momento algum, colocou em causa a formalidade das facturas emitidas pela Impugnante, até porque as aceitou para outros efeitos fiscais, nomeadamente para efeitos de apuramento de IVA e de IRC.

XXX) Se para efeitos de IRC, a exigência de prova documental não se esgota na exigência da factura, bastando um documento escrito com menção das características fundamentais da operação (cfr. Acórdão do STA, de 5 de Julho de 2012, já citado), não se entende porque razão os documentos juntos não são suficientes para elidir a presunção.

XXXI) A documentação junta aos autos é mais do que suficiente para elidir essa presunção, não se compreendendo a fundamentação constante da decisão.

XXXII) O Decreto-Lei n.° 177/2014, de 15 de Dezembro de 2014 veio regular a alteração dos procedimentos para registo de propriedade por contrato verbal de compra e venda. Ou seja, a legislação em causa confirma-se que é suficiente um mero contrato verbal para a alienação de uma viatura, ao contrário da tese peregrina vertida na decisão arbitral;

XXXIII) A legislação acima mencionada prevê a possibilidade do vendedor poder solicitar a mudança do registo de propriedade. De notar que nos termos do n.° 2 do art.° 2o do diploma acima mencionado, são considerados documentos que indiciam a compra e venda do veículo, designadamente as facturas, recibos, vendas a dinheiro ou outros documentos de quitação dos quais conste a matrícula do veículo, o nome e morada do vendedor e do comprador.

XXXIV) O art.° 3.° n.° 1 do CIUC consagra uma presunção relativa à qualidade de proprietário, sendo que nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ente outros Acórdãos de 3.03.1998 e de 19.02.2004, disponíveis em www.dgsi.pt) e da legislação recentemente aprovada, são aceites diversos elementos para indiciar celebração de contratos de compra e venda de viaturas.

XXXV) Face ao exposto, o Tribunal Arbitral não pode exigir a apresentação de documentação com formalismo superior ao que resulta da legislação e da nossa jurisprudência, que sustentam que é suficiente um mero contrato verbal para a alienação de uma viatura. Salvo o devido respeito, não se entende a posição do Tribunal Arbitral.

XXXVI) A exigência constitucional de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões subjacentes à decisão, bem como, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Tribunal para decidir no sentido em que decidiu e não noutro qualquer. Esta exigência ainda é maior, quando a tendência jurisprudencial do Tribunal Arbitral tem sido exactamente no sentido contrário.

XXXVII) Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há de ser expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão

XXXVIII) A fundamentação da decisão deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência decisória, convencendo e não impondo, o que não se verificou no caso em apreço,

XL) A fundamentação de direito da sentença deverá consistir na indicação, interpretação e aplicação das normas em que se baseia a decisão (cfr. n.° 2 do art° 659.° do CPC).

XLI) O vício de não especificação dos fundamentos de direito da decisão constitui nos termos do n.° 1 do art.° 125.° do CPPT, tal como o art.º 615.º n.º 1 alínea b), do CPC aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT.

Á cautela, sem se conceder.

D - DA OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO:

XLII) Refere a decisão recorrida, que a Autoridade Tributária não apresentou qualquer prova, limitando-se a especular perante documentos que o Tribunal Arbitral considerou terem valor probatório.

XLIII) Por outro lado, tendo a Autoridade Tributária procedido, segundo alega a uma inspecção ou exame à escrita da Requerente (não juntando qualquer documentação a comprová-lo), de tais conjecturas e especulações não provadas não extraiu a Autoridade requerida qualquer espécie de ilação ou consequência.

XIV) Face ao exposto, verifica-se uma contradição manifesta entre os fundamentos e a decisão que é proferida.

XLV) Na verdade, por um lado o Tribunal Arbitral conclui que a Autoridade Tributária aceitou as facturas e na inspecção efectuada constatou que as mesmas estão regularmente emitidas, por outro lado, o mesmo Tribunal, no exercício da mesma função de inspecção tributária, relativamente à contabilidade da Impugnante, concluiu que algumas das facturas não respeitavam o preceituado no CIVA.

XLVI) É manifesta a contradição na posição defendida pelo Tribunal, que no exercício de análise aos documentos juntos aos autos, vai mais longe do que foi a Autoridade Tributária, desconsiderando as facturas juntas, que foram aceites pela Impugnada.

XLVII) Esta posição é tanto mais grave que, não permitiu à Impugnante justificar a prova documental junta e esclarecer as dúvidas existentes, direitos que lhe são concedidos em sede de inspecção judicial, dispondo para o efeito do direito de audição.

XLIX) Pelo que se verifica uma contradição manifesta entre os fundamentos e a decisão que é proferida.

L) Face ao exposto, estamos perante uma nulidade da decisão arbitral, nos termos do n.° 1 do art.° 125.° do CPPT, tal como o art.° 615.° n.° 1 alínea c), do CPC aplicável ex vi alíneas c) e e) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT”.

Foi ordenada a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) para alegar, nos termos consignados no então art.º 145.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, onde foram formuladas as seguintes conclusões:

32°.

A Recorrente não tem qualquer razão nos fundamentos que invoca, sendo claro que a decisão arbitral objecto de recurso não padece de nenhum dos alegados vícios.


33°.

Aliás, o que a A. realmente impugna - não o podendo fazer é o sentido da decisão arbitral, que lhe foi parcialmente desfavorável, procurando, de alguma maneira, para atingir este objectivo, identificar os vícios típicos que poderiam justificar, face à lei, a possibilidade de impugnação da decisão.

34°.

Não existe qualquer vício de violação do princípio do contraditório, que aliás é de alegação dificilmente compreensível. As partes tiveram as mesmas oportunidades ao longo de todo o processo, não tendo a A., sequer, designadamente em sede de alegações escritas finais, ter referido tal facto, apenas descobrindo que existia uma alegada violação do princípio do contraditório quando foi notificada da decisão desfavorável.

35°.

De resto a pretensão da A. até parece inverosímil, de prolongamento eterno do processo em infinitas diligências até que - talvez pelo cansaço -, lhe viesse a ser dada razão!

36°.

Claramente, a decisão arbitral objecto de recurso não incorre no alegado vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificaram.

37°.

Na verdade, os fundamentos de facto e de direito foram devidamente enunciados e explicados, tendo a decisão arbitral considerado, e muito bem, que face aos factos constantes do processo não tinha a Recorrente parcialmente ilidido a presunção presente no art.° 3.°, n.° 1, do CIUC.

38°.

É assim evidente que o Tribunal Arbitral explicitou com exactidão todos os fundamentos de facto e de direito da sua decisão, tendo decidido em função de todos os elementos de prova de que dispunha.

39°.

Todos os factos considerados provados e não provados, e todas e cada uma das facturas foram devidamente ponderadas na decisão arbitral.

40°.

Sendo para mais evidente o erro cometido pela A., partindo sempre do pressuposto de que por ter feito prova da alienação da totalidade das viaturas - que não fez e isso é bem claro na decisão nada mais precisa de provar!

41°.

Tal como não incorre a decisão arbitral recorrida no vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, sendo clara, fundamentada, e coerente, ao decidir face aos os elementos documentalmente provados no processo.

42°.

A decisão considera que o art° 3.°, n.° 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível, simplesmente que a A. foi incapaz de fazer a suficiente provar de contrariar os elementos constantes do registo automóvel da propriedade da totalidade dos veículos em seu favor.A decisão recorrida é perfeitamente clara na sua legalidade, no respeito do princípio do contraditório, na especificação dos seus fundamentos de facto de direito, não existindo qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão arbitral.

43°.

Tendo esse ónus, a A. não conseguiu, como bem decorre da decisão recorrida, fazer a prova considerada necessária e suficiente para ilidir a presunção da propriedade dos veículos registados em seu nome”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência da pretensão da Impugnante.

A Impugnante requereu o desentranhamento da pronúncia do IMMP, invocando que a mesma excede o alcance do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade por violação do princípio do contraditório?

b) Há nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito?

c) Há nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Na decisão impugnada foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

“17.1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto social a compra, venda e aluguer de máquinas e de veículos automóveis (cfr. Doc. 1)

17.2. A Requerente foi proprietária dos duzentos e quarenta e três (243) veículos, identificados pelo respectivo número de matrícula em duas listas integrantes do pedido de pronúncia arbitral (cfr. Doc. 2 e Doc. 3 e respectivos anexos);

17.3. Na sequência das notificações para liquidar o respectivo Imposto de Circulação, a Requerente optou por liquidar o imposto e juros compensatórios no valor total (trinta e quatro mil, anexos aos pedidos de Reclamação Graciosa n.ºs 36…… e 3……);

17.4. A Requerente apresentou duas Reclamações Graciosas dos diversos actos de liquidação onde solicitou o reembolso do montante total pago (cfr. Doc. 2 e Doc. 3);

17.5. A Requerente foi notificada no dia 16 de Abril de 2014 do indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3……, relativa a liquidações oficiosas de IUC dos anos 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 (cfr. Doc. 2 e respectivos anexos);

17.6. Em causa nesta Reclamação estavam cento e oitenta e três notas de liquidação correspondentes a cento e nove veículos identificados pelo respectivo número de matrícula na primeira das referidas listas integrantes do pedido de pronúncia arbitral (cfr. Doc. 2 e respectivos anexos);

17.7. No mesmo dia, a Requerente foi igualmente notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3…….., relativa também a liquidações oficiosas de IUC dos anos 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 (cfr. Doc. 3 e respectivos anexos);

17.8. Em causa nesta Reclamação estavam duzentas e trinta e três notas de liquidação correspondentes a cento e trinta e quatro veículos identificados pelo respectivo número de matrícula na segunda das listas integrantes do pedido de pronúncia arbitral (cfr. Doc. 3 e respectivos anexos);

17.9. Os veículos constantes dos IUC’s em questão ainda se encontravam em nome da Requerente no momento da respectiva liquidação do IUC, conforme Doc. 1 e 2 e conforme confissão por parte da Requerente;

17.10. A Requerente vendeu as seguintes viaturas nas datas aí mencionadas:


“(texto integral no original;imagem)”

II.B. Refere-se ainda na decisão impugnada:

“18. Ora, entende o Tribunal Arbitral que apenas as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC. À contrário, aquelas facturas que não foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA, não poderão ser aceites como meio de prova.

19. Nos termos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, as facturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.

20. Assim sendo, o Tribunal Arbitral entende que apenas as facturas referidas na lista constante no ponto 17.10 foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º do CIVA e por isso constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3.º do CIUC.

21. As restantes facturas não constituem meio de prova para ilidir a referida presunção por não se verificarem todos os referidos requisitos legalmente exigidos, nomeadamente:

a) O nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e o correspondente números de identificação fiscal; e

b) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura”.

II.C. Relativamente aos factos não provados, refere-se na decisão impugnada:

“22. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importa registar como não provados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

A) A 03.07.2014 a ora Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr. fls. 1 a 40 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

B) Na sequência do referido em A), foi constituído Tribunal arbitral singular, tendo dado origem ao processo n.º 463/2014-T (cfr. fls. 51).

C) À Impugnada, nos autos referidos em B), foi remetida comunicação pelo CAAD, no sentido de a mesma apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o processo administrativo (cfr. fls. 58 e 61).

D) Na sequência do referido em C), foi apresentada resposta pela Impugnada (cfr. fls. 62 a 125).

E) Através de mensagem datada de 17.10.2014, a resposta referida em D) foi comunicada à Impugnante (cfr. fls. 126 e 127).

F) A 21.10.2014, no âmbito dos autos referidos em B), foi junto pela Impugnada o processo administrativo (cfr. fls. 129 a 914).

G) A junção do processo administrativo foi comunicada à Impugnante através de mensagem datada de 24.10.2014 (cfr. fls. 915 e 916).

H) Foi proferido, no âmbito dos autos referidos em B), despacho, a 03.12.2014, com o seguinte teor:

“De harmonia com o disposto no artigo 18º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), vem o Tribunal Arbitral Singular (TA) constituído notificar as Partes de que, encontrando-se junto aos autos os elementos documentais necessários e suficientes para proferir a decisão arbitral, se entende não haver necessidade de realizar a primeira reunião do tribunal arbitral e, para tanto, se concede às Partes o prazo de 5 (cinco dias), contados da data da recepção da presente notificação sobre o projecto de decisão de dispensa de primeira reunião, para se pronunciarem sobre a necessidade de realização da mesma. Adverte-se as Partes que a falta de resposta é considerada como assentimento tácito à dispensa da realização da referida reunião.

Mais ficam as Partes notificadas para, no mesmo prazo, informar o TA se pretendem realizar alegações orais, de harmonia com o n.º 2 do artigo 18º do RJAT, as quais a realizarem-se terão lugar em data e hora a combinar entre o TA e as Partes” (cfr. fls. 919).

I) Através de mensagens datadas de 04.12.2014, o despacho mencionado em H) foi comunicado à Impugnante e à Impugnada (cfr. fls. 920 a 922).

J) A Impugnante apresentou requerimento, a 11.12.2014, no qual manifestou a sua concordância com a dispensa da reunião do Tribunal Arbitral e prescindiu da realização de alegações orais (cfr. fls. 923 e 924).

K) No âmbito do processo referido em B), foi proferida decisão arbitral, a 30.01.2015, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 943 a 993).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do desentranhamento do parecer emitido pelo IMMP requerido pela Impugnante

Cumpre, antes de mais, apreciar o requerido pela Impugnante, no sentido de dever ser desentranhado o parecer proferido pelo IMMP, por extravasar, em seu entender, o âmbito do disposto no n.º 1 do art.º 146.º do CPTA.

Vejamos.

Nos termos do art.º 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “ao Ministério Público compete (…) defender os interesses que a lei determinar (…) e defender a legalidade democrática”.

Por seu turno, nos termos do art.º 1.º do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de 15 de outubro), “o Ministério Público (…) defende os interesses que a lei determinar (…) e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei”.

Especificamente no que respeita à intervenção do MP no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, é ainda de chamar à colação o art.º 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), nos termos do qual “compete ao Ministério Público (…) defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere”.

Centrando-nos na intervenção do MP no âmbito dos recursos regulados no CPTA(1), cuja disciplina é aplicável in casu, há que, no que ao caso releva, atentar no art.º 146.º do mencionado diploma, nos termos do qual:

“1 - Recebido o processo no tribunal de recurso e efetuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º

2 - No caso de o Ministério Público exercer a faculdade que lhe é conferida no número anterior, as partes são notificadas para responder no prazo de 10 dias”.

Como tal, está prevista a legitimidade para o MP se pronunciar sobre o mérito de recurso, sempre que a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do art.º 9.º do CPTA assim o imponha – situações de ilegalidade qualificada(2).

Assim, caberá ao IMMP interpretar a situação em concreto e, segundo um critério de oportunidade cuja aferição a si compete, intervir, exercendo, desta forma, um poder­-dever que, como vimos, tem matriz constitucional.

Esta intervenção configura-se como um elemento coadjuvante da decisão, não sendo suscetível de controlo jurisdicional(3).

In casu, a interpretação do IMMP, como resulta do seu parecer, foi configurada como estando expressamente abrangida pelo âmbito do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, sendo certo que se pronunciou sobre questões todas elas suscitadas pelas partes.

Ora, como já se referiu, o parecer emitido pelo IMMP não é suscetível de controlo jurisdicional, não devendo o Tribunal pronunciar-se sobre o mesmo. Por outro lado, a interpretação feita pelo IMMP foi no sentido de entender ser a situação enquadrável no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, como expressamente consta do mencionado parecer(4).

Como tal, considera-se inexistir fundamento para o desentranhamento do parecer referido, indeferindo-se, pois, o requerido.

Passemos à apreciação do mérito da presente impugnação.

III.B. Da nulidade por violação do princípio do contraditório

Considera a Impugnante verificar-se uma situação de violação do princípio do contraditório, em virtude de nunca ter sido invocado que os documentos juntos pela Impugnante não satisfazem os requisitos legais, devendo as partes ter tido a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão. Refere ainda que protestara juntar outros elementos contabilísticos, que o Tribunal Arbitral não considerou terem interesse para a decisão da causa, sendo que tais extratos contabilísticos atestariam a contabilização das vendas das viaturas identificadas nos autos e confirmariam a veracidade das vendas corporizadas pelas faturas.

A Impugnada, por seu turno, entende que não houve qualquer violação do princípio do contraditório, tendo as partes tido as mesmas oportunidades ao longo do processo.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que tudo o que é alegado pela Impugnante, em torno do facto de a administração tributária (AT) nunca ter posto em causa as formalidades das faturas e em torno da circunstância de as faturas estarem corretamente emitidas e se presumirem verdadeiras, prende-se com o mérito do pedido de pronúncia arbitral, matéria que está arredada da apreciação deste TCA. Com efeito, a sindicância das decisões proferidas pelos Tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º todos do RJAT. Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação. Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

Feita esta circunscrição, cumpre então apreciar.

Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Nos termos do art.º 16.º do RJAT, para o qual remete a al. d) do n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma:

“Constituem princípios do processo arbitral:

a) O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo;

b) A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa;

c) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;

d) A oralidade e a imediação, como princípios operativos da discussão das matérias de facto e de direito;

e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros;

f) A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários;

g) A publicidade, assegurando-se a divulgação das decisões arbitrais devidamente expurgadas de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.”.

O princípio do contraditório, cujo respeito é ora questionado, configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, em termos desde logo de direito processual, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC).

Assim, salvo em casos de manifesta desnecessidade, não pode o julgador decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso (v.g. matéria de exceção), sem que tenha sido dada a oportunidade às partes de sobre elas se pronunciarem. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções”(5).

Feito este introito, cumpre apreciar.

Desde já se adiante que carece de razão a Impugnante.

Com efeito, não obstante a Impugnante configurar a situação como violação do direito ao contraditório, na realidade centra-se na apreciação feita pelo julgador relativamente à prova produzida – concretamente a prova documental.

De modo algum o respeito pelo princípio do contraditório exige que, em momento prévio à decisão, o julgador ouça as partes sobre o seu futuro julgamento de facto.

In casu, como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnante peticionou que os veículos em causa, não obstante estarem registados junto da Conservatória do Registo Automóvel em seu nome, já não eram da sua propriedade, tendo nuns casos sido vendidos a terceiros ou, em outras situações, sido dados como perda total, remetendo, em termos de prova, para as faturas juntas em sede de reclamação graciosa e entendendo que tais elementos ilidiam a presunção resultante do registo automóvel.

Na decisão sob escrutínio, tendo-se considerado ilidível a presunção constante do art.º 3.º, n.º 1, do CIUC, e determinando-se, pois, caber à Impugnante o ónus da prova que permita afastar tal presunção, na apreciação da prova concretamente apresentada considerou-se que só em parte a mesma foi efetuada.

Trata-se, pois, de matéria atinente à apreciação da prova produzida em torno de questão suscitada pela Impugnante e não de qualquer questão nova. Teve a ver com a suscetibilidade de os documentos juntos pela Impugnante demonstrarem a transmissão dos veículos, suscetibilidade essa que o Tribunal arbitral considerou não existir em parte das situações.

Por outro lado, não é equiparável a função do julgador em termos de apreciação da prova produzida à função da inspeção tributária, nos termos efetuados pela Impugnante, desde logo porque o julgador situa-se numa posição imparcial entre as partes para decidir face à prova produzida. Carece, pois, de pertinência o alegado em torno da “verdadeira função de inspeção tributária” exercida pelo Tribunal arbitral e da falta de exercício do direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT, normativo aplicável em sede de procedimento tributário.

O facto de a Impugnante considerar que os argumentos do julgador não são corretos configura-se como eventual erro de julgamento, o que, como já referimos, não pode ser apreciado por este Tribunal.

Como tal, o princípio do contraditório não tem o alcance de exigir que o julgador previamente à decisão se pronuncie sobre a suficiência da prova produzida sobre questões suscitadas pelas partes e as ouça a esse propósito.

Quanto à questão atinente ao facto de a impugnante ter protestado juntar outros elementos contabilísticos, também a falta de determinação da sua junção não se consubstancia numa violação do princípio do contraditório. Poderia, quando muito, configurar-se como violação do princípio da cooperação, previsto na al. f) do art.º 16.º do RJAT, sendo que tal eventual configuração não constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral previsto no n.º 1 do art.º 28.º do RJAT (cujo elenco, como já referimos, é taxativo). O mesmo raciocínio se aplica ao alegado quanto à possibilidade de o Tribunal arbitral poder ter promovido a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, a correção das peças e a junção de documentos.

Assim, tendo o Tribunal arbitral conhecido de questão suscitada no pedido de pronúncia arbitral, entendendo que a prova produzida pela Impugnante não foi de molde a ilidir a presunção de propriedade dos veículos, não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório.

III.C. Da nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito

Entende, por outro lado, a Impugnante que se verifica nulidade da decisão arbitral, por falta de especificação quer dos fundamentos de facto quer dos fundamentos de direito.

Concretamente quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto, entende a Impugnante que deviam ter sido considerados preenchidos os requisitos formais do art.º 36.º do CIVA, no caso da fatura relativa à viatura 43-CH-19. Entende, ademais, que a decisão deveria enunciar quais os requisitos que não são cumpridos pelas faturas, por forma a que ficasse claro qual a insuficiência de que cada um dos documentos juntos padecia, à luz do entendimento do Tribunal. Considera que a decisão não procedeu à indicação exaustiva da matéria de facto provada e não procedeu ao exame crítico das provas.

No tocante à falta de especificação dos fundamentos de direito, na perspetiva da Impugnante, não se compreende em que medida o disposto no art.º 36.º do CIVA é aplicável para efeitos de afastamento da presunção consagrada no art.º 3.º do CIUC, porque o tribunal não fundamentou a aplicação de tal dispositivo, além de que a AT nunca colocou em causa a formalidade das faturas.

Por seu turno, a Impugnada considera que os fundamentos de facto e de direito foram devidamente enunciados e explicados.

Vejamos.

Nos termos do já mencionado art.º 28.º, n.º 1, al. a), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como já referimos, atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito(6).

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação. Trata-se da consagração, na lei ordinária, do desiderato constitucionalmente consagrado, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (art.º 205.º, n.º 1, da CRP).

Nas palavras de Alberto dos Reis(7), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (8)..

Ora, in casu, não se pode afirmar que haja omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que decisão assenta.

Com efeito, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados e os não provados, bem como explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, como, aliás, foi transcrito – v. pontos II.A, II.B e II.C, supra.

Desta análise resulta que o Tribunal arbitral identificou, no caso da matéria de facto provada, junto a cada facto, os meios de prova que fundaram a sua convicção, identificando os concretos documentos considerados. Foi ainda mencionado, sob os n.ºs 18 a 21, que não foram consideradas se não as faturas mencionadas no ponto 17.10., em virtude de o julgador ter entendido que as demais não eram meio de prova passível de ilidir a presunção por não conterem os requisitos previstos no art.º 36.º do CIVA.

Quanto à matéria de facto não provada, foi referida a inexistência de factos não provados relevantes para a apreciação da questão controvertida, estando, de facto, a decisão fundamentada também por esta via.

Explanados, globalmente, os termos em que foi fundamentada a decisão impugnada, cumpre apreciar o alegado pela Impugnante.

Desde já se adiante que a mesma carece de razão, na medida em que o por si alegado a este propósito não configura nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, mas, quando muito, erro de julgamento, o que, como já se mencionou, não cabe a este TCAS apreciar.

Assim, desde logo, o mencionado na conclusão XXI, a propósito da fatura relativa à viatura com a matrícula 43-CH-19, não pode ser de modo algum aferível por este Tribunal. Com efeito, o que na verdade está alegado é um erro no julgamento de facto, dado que a Impugnante entende que a fatura em causa preenche os requisitos do art.º 36.º do CIVA. Sublinha-se novamente: a sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo) e nos art.ºs 27.º e 28.º todos do RJAT (estes relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, com o âmbito que deixamos já explanado supra), dentro dos respetivos limites, a que já nos referimos anteriormente.

Assim, quanto àquela concreta fatura, o alegado pela Impugnante de modo algum se enquadra na falta de especificação dos fundamentos de facto, dado que o decisor, concorde-se ou não, explanou que as faturas não elencadas no ponto 17.10. não eram, no seu entender, meios de prova idóneo.

Quanto ao invocado em torno da circunstância de a decisão não ter enunciado de forma especificada que requisitos, no entender do Tribunal, estavam em falta nas faturas não consideradas, também tal não se pode considerar como falta de especificação dos fundamentos de facto. Como já se mencionou, esta falta de especificação dos fundamentos verifica-se quando haja uma ausência desses mesmos fundamentos. Assim, se os mesmos existem, ainda que redigidos de forma tecnicamente menos correta, tal não equivale a falta de fundamentação. Falta de especificação dos factos não equivale a deficiência na estruturação da decisão sobre a matéria de facto. Poderia, quando muito, motivar uma alegação de erro de julgamento, que aqui, nos termos a que já nos referimos, não compete apreciar.

Também se verifica, ao contrário do alegado pela Impugnante, que o julgador procedeu ao exame crítico das provas, como resulta evidenciado na motivação.

Como tal, atento o âmbito e os limites inerentes à impugnação das decisões arbitrais e considerando que o alegado pela Impugnante é, na realidade, um erro de julgamento, não se verifica a falta de especificação dos fundamentos de facto.

O mesmo se refira quanto à falta de especificação dos fundamentos de direito.

Com efeito, o alegado pela Impugnante configura-se como erro de julgamento, e não como falta de especificação dos fundamentos de direito.

Concorde-se ou não se concorde com a posição do Tribunal arbitral, da sua motivação de direito resulta cabalmente explanado o itinerário cognoscitivo percorrido: o Tribunal arbitral considerou ilidível a presunção prevista no art.º 3.º do CIUC e considerou que apenas as faturas que continham todos os requisitos previstos no art.º 36.º do CIVA eram passíveis de ilidir tal presunção, pois só essas, em seu entender, estão de acordo com as exigências legais.

Ou seja, a especificação dos fundamentos de direito existe e está evidenciada de forma suficiente. É irrelevante o alegado pela Impugnante quanto ao facto de a AT nunca ter posto em causa os requisitos das faturas, que aceitou para efeitos de IVA e IRC, ou o alegado em torno das exigências de prova documental ou o alegado em torno do regime jurídico aplicável à situação material controvertida, porquanto todas essas alegações respeitam a eventuais erros de julgamento.

Assim, também sob este prisma, não se verifica falta de especificação dos fundamentos de direito.

Como tal, improcede a pretensão da Impugnante nesta parte.

III.D. Da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão

Entende, por outro lado, a Impugnante que a decisão impugnada padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão. Com efeito, na sua perspetiva, tal resulta do facto de a decisão, num momento, mencionar que a AT não apresentou qualquer prova e que aceitou as faturas emitidas e, noutro momento, o Tribunal não aceitar tais faturas, indo mais longe do que a AT ao desconsiderar as faturas em causa.

Vejamos.

Nos termos do já mencionado art.º 28.º, n.º 1, al. b), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão.

Como já foi mencionado supra, atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão (cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença(9), ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida(10).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, atentando no discurso argumentativo constante da decisão impugnada, conclui-se que não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, da mencionada decisão resulta que:

a) O Tribunal arbitral entendeu que, em parte das situações, a prova apresentada pela ora Impugnante não foi de molde a ilidir a presunção constante do art.º 3.º do CIUC (cfr. pontos 81 e 85 da decisão);

b) Entendeu, por outro lado, que, nas demais situações, a prova apresentada pela Impugnante foi suficiente (cfr. ponto 84) e que a AT não apresentou prova que demonstrasse que as faturas não correspondiam à realidade.

Em sede decisória, o Tribunal arbitral julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

Ora, desta análise resulta desde logo que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão: o julgador entendeu que parte das situações foram provadas e parte não o foram e, em conformidade, julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

O que no fundo a Impugnante pretende invocar é erro de julgamento por parte do Tribunal arbitral, reiterando o seu entendimento no sentido de não poderem ser desconsideradas as faturas cujo valor probatório foi posto em causa.

No entanto, como já referimos, tal argumentação extravasa os poderes deste TCA em matéria de impugnação da decisão arbitral, poderes esses circunscritos e que não abrangem o erro de julgamento.

Logo, também neste prisma não assiste razão à Impugnante.

Como tal, improcede in totum a sua pretensão.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pela Impugnante;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1)V. José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 455.

(2) Cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 636.
(3) Cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, ob. cit., p. 1117, nota 1408.
(4)Cfr. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.01.2015 (Processo: 01354/12).
(5) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727.
(6) V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
(7) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
(8)Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
(9) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333.
(10) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12).