Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10966/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/21/2016
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO – CONTRATO CELEBRADO E EXECUTADO – ARTº 178º NºS 1 E 2 CPTA
Sumário:Verificando-se que o acto de adjudicação ilegal (e anulado pelo Acórdão exequendo) deu lugar a uma situação de facto consumado tornando impossível, em absoluto, extrair as devidas consequências da anulação na exacta medida em que o contrato foi celebrado e executado, , cabe ordenar a prossecução da instância no Tribunal a quo, em ordem a proceder às notificações necessárias ao cumprimento do regime estabelecido no artº 178º nº 1 CPTA visando a obtenção de eventual acordo indemnizatório, e, na impossibilidade, prosseguir na instância para efeitos do disposto no nº 2 do citado artº 178º
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:M....... – Sociedade de Empreitadas SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa nos presentes autos de execução de sentença de anulação de acto administrativo, dela vem recorrer concluindo como segue:

(a) A proposta da ora Recorrente M....... é, no âmbito do concurso em apreço, a única que podia ser adjudicada, pelo que a Recorrente tem o direito à celebração do respectivo contrato de empreitada de obras públicas pelo preço e outras condições por si propostas;
(b) Contra tal direito não pode ser invocada uma pretensa «impossibilidade legal cie adjudicação» em razão cio preço proposto pela Recorrente, já que não resulta da lei qualquer base para concluir pela impossibilidade jurídica de adjudicação de Lima proposta que ultrapasse um qualquer limite quantitativo predeterminado - mesmo que o ultrapasse em 93% o preço base do concurso;
(c) Com efeito, a um tempo, ao enunciar o pressuposto da não adjudicação através do recurso a um conceito indeterminado («consideravelmente superior»), o legislador pretendeu que o dono da obra, ao aplicar a alínea b) do n." l do artigo 99.° do Decreto-Lei n.° 405/93, de 10 de Dezembro, ajuizasse, cm cada caso, se o preço oferecido por todos os proponentes, ou pelo subscritor cia proposta mais conveniente, era ou não consideravelmente superior ao preço base cio concurso, em ordem a apreciar a conveniência da eventual decisão de não adjudicação;
(d) A outro tempo, através do recurso ao segmento normativo «salvo se o interesse público prosseguido o determinar», o legislador admitiu inequivocamente que o dono da obra procedesse a uma decisão de adjudicação mesmo quando verificasse que todas as propostas, ou a mais conveniente, ofereciam um preço consideravelmente superior ao valor predefinido pela Entidade Adjudicante;
(e) Aquela norma legal permite pois que o dono da obra proceda a uma nova avaliação das vantagens e desvantagens que para o interesse público decorrem da adjudicação de uma proposta manifestamente incompatível com o preço base predefinido nas peças cio procedimento; por isso, como bem reconheceu o Supremo Tribunal Administrativo, cabe à Administração proceder, nesse cenário, a um juízo de «qualificação jurídica» para, ultrapassando a respectiva indeterminacão, considerar preenchido ou não preenchido o pressuposto de não adjudicação da empreitada;
(f) Na verdade, ao atribuir à Entidade Adjudicantc esta dupla margem de livre decisão, o legislador reconheceu a limitação da sua capacidade de direcção e, em especial, da sua capacidade de previsão de todas as particularidades relevantes de cada um dos casos concretos subsuniíveis na previsão normativa, abdicando, em consequência, do pocier cie predeterminação integral do conteúdo final de cada acto administrativo a praticar pelo decisor;
(g) Por isso, delimitou uma margem de livre decisão especificamente destinada à apreciação casuística das particularidades de cada uma das situações concretas que venham a inscrever-se na previsão normativa, enquanto requisito sem cujo cumprimento a regulação da situação concreta não pode ser definitivamente fixada; isto é, o legislador abdicou cie regular integralmente uma situação jurídica justamente com o propósito específico de assegurar que o decisor avaliará cada unia das suas particularidades em ordem a alcançar a melhor composição jurídica dos interesses em causa;
(h) Assim, a heterovincitlação da Entidade Adjudicante através de uma sentença judicial que proclama a vinculação legal à prática de uma decisão de não adjudicação só pode, pois, esvaziar o espaço próprio de exercício da função administrativa, desvirtuando a vontade legislativa de atribuir uma margem de livre decisão à função administrativa;
(i) Por outras palavras, uma vez que tal opção seria adoptada no exercício de uma margem de livre decisão administrativa, qualquer pronúncia judicial que negasse uma tal faculdade à Entidade Adjudicante e a proclamasse «legalmente impedida» de adjudicar uma proposta nas condições descritas - tal como sucedeu com a douta Sentença recorrida - padece cie inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 111º da Constituição, na medida em que o juiz se terá assenhoreado da faculdade de determinação cios efeitos jurídicos a produzir numa situação concreta cuja regulação a lei confiou à função administrativa;
(j) Ora, se a Entidade Adjudicante gozava de uma faculdade de livre apreciação para decidir adjudicar uma proposta de preço superior ao preço base, tem de admitir-se que foi justamente isso que fez no caso presente: no exercício da sua margem de livre decisão, declarou a aceitabilidade contratual e a aptidão para a adjudicação da proposta apresentada pela recorrente M.......;
(k) Efectivamente, a decisão de ordenação e classificação das propostas é, em termos lógicos, precedida de uma decisão de admissão ou exclusão de cada uma de tais propostas, tendo por base um juízo sobre a sua aceitabilidade contratual e sobre a sua conformidade com a lei e com os regulamentos concursais; mesmo que, na prática, apenas a decisão de exclusão de uma proposta receba uma relevância formal autónoma, ao contrário cio que sucede com a decisão de admissão para efeitos de avaliação, classificação ordenatória e posterior adjudicação (uma vez que só aquela primeira implica a exclusão do procedimento para o autor da respectiva proposta), a avaliação e classificação ordenatória de um conjunto de propostas para efeitos de adjudicação é igualmente precedida, em termos lógico-formais, pela decisão implícita de admissão de cada uma das propostas ordenadas;
(l) Por conseguinte, a decisão da Comissão de Análise das Propostas e, subsequentemente, da Entidade Adjudicante pela qual se admitiu, se ordenou e se classificou a proposta da Exequente, ora Recorrente, em quinto lugar no mesmo concurso significa muito simplesmente que, no juízo da Entidade Adjudicante, aquela era, ainda que em último lugar, uma das cinco propostas que se mostraram perfeitamente susceptíveis de serem adjudicadas em virtude da sua aceitabilidade contratual e da sua conformidade com as condições contratuais imperativas que a própria Entidade Adjudicante estabeleceu para celebrar um contrato administrativo na sequência do concurso;
(m) E, sendo assim, uma vez que a proposta da ora Recorrente foi admitida ao concurso pela Entidade Adjudicante como proposta contratualmente aceitável e foi classificada como uma das cinco propostas susceptíveis de serem adjudicadas, é totalmente improcedente a invocação de que - agora que as restantes quatro propostas classificadas foram consideradas ilegais, passando a proposta da ora Recorrente a ser a única susceptível de adjudicação - afinal, também esta proposta é contratualmente inaceitável e insusceptível de adjudicação;
(n) Pelo contrário, é dessa decisão que decorre o estatuto de proposta admitida e, muito especialmente, o direito do concorrente a ver a sua proposta apreciada e classificada para efeitos de adjudicação, pelo que é precisamente aquela decisão implícita que consubstancia um acto administrativo constitutivo de direitos - nomeadamente cio direito à classificação para efeitos de adjudicação e do direito à adjudicação no caso de inexistência de qualquer outra proposta admitida com uma classificação superior -, despoletando pois o regime típico de revogação e anulação dos actos constitutivos de direitos;
(o) Por conseguinte, forçoso é concluir que, face ao direito a contratar que resulta da circunstância de ser a única proposta admitida, a adjudicação da proposta da ora Recorrente é a condição necessária consequente da decisão de anulação do anterior acto de adjudicação praticado pelo ora Recorrido.
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, sendo revogada a douta Sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por uma outra que, em execução do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de l de Julho de 2004, condene o Município da Madalena do Pico a cumprir o dever de executar o referido Acórdão, notificando-se as partes para acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° l do artigo 178.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

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O Município da Madalena do Pico contra-alegou, concluindo como segue:

(a) In casu, a proposta da Recorrente é, em termos de preço, perto de 93% superior ao preço base do concurso, pelo que uma hipotética adjudicação à proposta da Recorrente representaria clara violação das regras do concurso, dos elementos procedimentais que fixaram o preço base.
(b) Para casos semelhantes ao dos presentes autos, o Tribunal de Contas e o próprio STA têm consagrado a jurisprudência identificada com a impossibilidade jurídica de adjudicação, conforme sumariado nos Acórdãos que se juntaram já sob os does. 20 a 24 à contestação, dando-se por reproduzidos.
(c) Resulta dos elementos decisórios do concurso que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício ou invalidade, tendo-se alicerçado claramente no entendimento de que existia, in casu, impossibilidade jurídica de adjudicação precisamente face ao juízo que a própria Comissão fez da questão, fazendo sobressair, desde logo e além do mais, o elevadíssimo preço proposto pela Recorrente.
(d) Por outro lado, também não é o facto da classificação (ou de ter sido apreciada concretamente a proposta da Recorrente) que determina que sobre a mesma proposta deva recair a adjudicação, mesmo que seja a única legalmente em concurso, pois, de outro modo, nem sequer se poderia concluir que a proposta era ou não a mais conveniente, ainda que consideravelmente superior ao preço base.
(e) Não se suscitando especial e concretamente qualquer questão de interesse público que justificasse a ponderação de uma adjudicação excepcional, o dono da obra estava legalmente impedido, ope legis, portanto, de adjudicar a proposta, ex vi do art. 99º/l, b) do DL n° 405/93, de 10/12.
(f) A perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória teria proporcionado ao concorrente não lhe confere, nas circunstâncias do caso concreto, qualquer direito ressarcitório, porque a não adjudicação do concurso não relevaria, por um lado, de qualquer margem de livre apreciação que a Administração tivesse de ter feito ou de fazer para não adjudicar a proposta à Recorrente;
(g) E, por outro lado, na situação dos autos, também não releva de um juízo concreto no sentido de uma adjudicação excepcional, que a Recorrente ora pretende que a Administração haveria de ter feito ou que se imporia ainda especialmente fazer.
(h) Aliás, é apenas e só por causa directamente relacionada com a própria Recorrente, em virtude da sua proposta ser muito elevada face ao preço do concurso, que a mesma não beneficia de qualquer direito ressarcitório decorrente dos presentes autos de execução.
(i) O que obsta a qualquer indemnização, seja pelo interesse contratual positivo, seja sequer pelo interesse contratual negativo.
(j) E sendo, nesta medida, também impossível dar execução à sentença anulatória.
(k) E constituindo mesmo, a ser hipoteticamente deferida a pretensão da Requerente, um abuso de direito, e, mesmo, no limite, um enriquecimento sem causa.
(l) Acresce a existência - já invocada pela Recorrida e reconhecida pela própria Recorrente - de causa legítima de inexecução de sentença, ex vi art. 175o/1 e 2 do CPTA, por execução integral da empreitada controvertida.

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Colhidos os vistos legais dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e entregues as competentes cópias, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A Por anúncio publicado na III série do Diário da República de 2 de Janeiro de 1997, a Câmara Municipal da ………. (Ilha do Pico - Açores) abriu um concurso público para a empreitada de execução da rede de distribuição de água à freguesia de São Caetano;
B Constava do n° 4 do referido anúncio que "o preço-base do concurso, com exclusão do IVA, é de 100 000 000$00";
C E no n° 17 o seguinte: "O dono da obra reserva-se o direito de apreciar as propostas pelo seu valor intrínseco sob os aspectos ou critérios que considere mais importantes e de adjudicar ao concorrente cuja proposta considere mais vantajosa, em atenção à seguinte ordem decrescente de importância: Garantia de boa execução e qualidade técnica; Capacidade financeira; Preço; Prazo de execução.
D A ora recorrente apresentou-se a esse concurso através de uma proposta que deu entrada na Câmara Municipal da Madalena no dia 13 de Fevereiro de 1997;
E As empresas E…………, LDA; M………, LDA; C…………….. & S……….., LDA; J……………….., LDA, e JOSÉ …………………, LDA entregaram as respectivas propostas no dia 14 de Fevereiro de 1997;
F A Alor apresentou uma proposta de 81.185.558SOO para um prazo de execução de 4 meses;
G A M....... apresentou uma proposta de 192.559.595500, para um prazo de execução de 6 meses;
H No dia 21 de Fevereiro de 1997 teve lugar a sessão de acto público do concurso;
I Depois da leitura do anúncio do concurso, a Comissão do Acto Público elaborou a lista dos concorrentes (em número de sete) pela ordem de entrada das respectivas propostas: A………, LDA; M......., SÁ; E……….., LDA; M…………….., LDA; C………………….. & ……….., LDA; J………….., LDA; JOSÉ …………………………………, LDA.;
J Deliberando assim admitir todas estas sete empresas como concorrentes ao concurso público em causa;
K A A/E apresentou uma reclamação contra a deliberação da Comissão do Acto Público que admitiu como concorrentes as empresas E…………….., LDA (concorrente n.° 3); M……………, LDA (concorrente n.° 4); C…………….. & S………………, LDA (concorrente n.° 5); J………………….., LDA (concorrente n.° 6); e JOSÉ ………………….., LDA (concorrente n.° 7), com fundamento em que as ditas empresas, ao apresentarem as respectivas propostas apenas no dia 14 de Fevereiro de 1997, fizeram-no fora do prazo estabelecido no anúncio e no programa do concurso (documento junto aos autos a fls. 27);
L Reunida em sessão secreta a Comissão do Acto Público deliberou, por unanimidade, indeferir aquela reclamação, determinado o seguimento do acto público;
M Inconformada com esse indeferimento, a ora recorrente interpôs imediatamente recurso desta última deliberação, ditando-o para a acta e solicitando que lhe fosse enviada certidão da acta do Acto Público do Concurso documento junto aos autos a fls. 29);
N Através do oficio n.° 602, de 4 de Março de 1997, recebido por fax no dia seguinte, o Senhor Presidente da Câmara Municipal da Madalena remeteu à ora recorrente a solicitada certidão (documento junto aos autos a fls. 12);
O A ora recorrente, apresentou então, em 12 de Março de 1997, as alegações do recurso que havia interposto contra a referida deliberação da Comissão do Acto Público que indeferiu a reclamação por si apresentada contra a deliberação ca mesma comissão que admitiu como concorrentes as empresas E…….., LDA (concorrente n.° 3); M…….., LDA (concorrente n.° 4); C…………………… & S…………., LDA (concorrente n.° 5); J………………, LDA (concorrente n.° 6); e JOSÉ ………………………, LDA (concorrente n.° 7) - (documento junto aos autos a fls. 29);
P Na sua reunião extraordinária de 31 de Março de 1997, a Câmara Municipal da Madalena deliberou indeferir o recurso hierárquico interposto pela ora recorrente (documento junto aos autos a fls. 34);
Q Pelo que o processo de concurso seguiu os seus termos normais com a análise das propostas de todos os concorrentes admitidos ao concurso (todos os anteriores com excepção do concorrente n.° 5 C…………………. & S…………………, LDA, o qual havia sido excluído no acto público por não ter apresentado um documento de apresentação obrigatória (documento junto aos autos a fls. 12);
R Em termos de "garantia de qualidade" a comissão considerou que as propostas da "A……" e da "M......." eram as que menor garantia de qualidade ofereciam, entre todas as propostas a concurso, considerando que não seria viável a execução da empreitada nas condições propostas pela Alor e que a M....... já havia executado outra obra para o Município da Madalena, com deficiências não admissíveis tecnicamente, pelo que não oferecia a mesma qualidade de execução que os demais concorrentes;
S Sendo reconhecida a todos os concorrentes "capacidade financeira";
T No que respeita ao preço, a comissão considerou que o preço proposto pela Alor era anormalmente baixo, não se justificando a adjudicação da empreitada à mesma; no que respeita ao preço proposto pela M......., a comissão considerou que esta oferecia o preço significativamente mais elevado;
U Quanto ao prazo, a comissão considerou o prazo proposto pela Alor impraticável em função dos meios técnicos deste concorrente, e quanto ao da M....... idêntico ao de todos os demais concorrentes, excepto o proposto pela José …………………., Lda., de 4 meses e 3 semanas.
V Através do ofício n.° 2318, de 7 de Agosto de 1997, recebido no dia 18 do mesmo mês, o Senhor Presidente da Câmara notificou a ora recorrente de que por deliberação da Câmara Municipal da Madalena foi adjudicada a empreitada de Execução da Rede de Distribuição de Água à Freguesia de São Caetano à empresa JOSÉ ……………………., LDA. (documento junto aos autos a fls. 10);
W Foi publicado no Diário da República - I Série do Jornal Oficial da região Autónoma dos Açores, em 6/02/1997, o despacho normativo n.° 43/97, com o seguinte teor:
"Ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 2° do Decreto Lei n.° 355/77 de 13 de Agosto, conjugado com o artigo 4°, n.° 4 do Decreto Legislativo Regional n.° 29-A/96/A de 3 de Dezembro, determina-se que a Terça-Feira de Carnaval, dia 11 de Fevereiro de 1997, seja considerado dia feriado para os funcionários e agentes da Administração Pública Regional Autónoma dos Açores e das Autarquias Locais da Região Autónoma dos Açores".
X A A/E interpôs recurso contencioso da deliberação referida supra em d), a que foi concedido provimento pelo acórdão do STA de fls. 392 e ss. dos autos principais;
Y A empreitada referida em a) foi totalmente realizada, tendo a obra sido aceite e o empreiteiro (José ………………, Lda.) integralmente pago;




DO DIREITO


Vem dado à execução o Acórdão do STA de 01. 07.2004 que revogou a sentença proferida no proº nº 721/97 do TAC de Lisboa.
Naqueles autos - e transcrevemos do Acórdão exequendo do STA - a ali também Recorrente M....... – Sociedade de Empreitadas SA recorreu da decisão do TAC de Lisboa “(..) que julgou improcedente o recurso contencioso que interpôs da deliberação da Câmara Municipal da Madalena (Açores) que adjudicou a empreitada de “Execução da Rede de Distribuição de Água à Freguesia de S. Caetano” à empresa José ………………., acto a que imputou vício de violação de lei por desrespeito ao preceituado nos artºs. 65 e 238 do DL 404/93, de 10.12. (..)” – fls.399 do procº nº 721/07, apenso.
Em sede de fundamentação e segmento decisório, transcreve-se do Acórdão do STA exequendo a parte que se prende com o presente recurso, como segue:
(..) Ao considerar que o prazo para apresentar as propostas a concurso se suspendeu nessa terça-feira, dia 11 de Fevereiro de 1997 – terça-feira de Carnaval – feriado regional nos termos do Despacho Normativo nº 43/97, de 6 de Fevereiro, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, de 6 de Fevereiro, a decisão recorrida, e antes dela o acto impugnado, violaram o disposto no artº 238 nº 1 b) do DL 405/93, não podendo ser mantidos.
É quanto basta para que se tenha de concluir pelo provimento do recurso. (..)
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam:
a) (..)
b) Em conceder provimento ao segundo recurso, referente à decisão final, em revogar a decisão recorrida e em conceder provimento ao recurso contencioso. (..)” – fls. 413, 415 a 419 do procº nº 721/97 do TAC de Lisboa.
Decorre das transcrições que o Acórdão exequendo do STA anulou a deliberação de adjudicação da mencionada empreitada, facto levado a alínea V do probatório da sentença sob recurso, sendo que o documento de fls. 10 referido é por reporte ao procº nº 721/97 do TAC de Lisboa.
Lendo o dito doc. de fls. 10 do procº nº 721/97 do TAC de Lisboa, trata-se de um ofício nº 2318 da CM da Madalena datado de 97.08.07 e dirigido à ora Recorrente M......., ofício esse que não identifica a data da “deliberação desta”, isto é, da deliberação “desta Câmara Municipal” de adjudicação da empreitada que vem sendo mencionada nestes autos.
Seja como for, foi jurisdicionalmente anulada a deliberação de adjudicação tomada no procedimento concursal relativo ao contrato de empreitada publicitado mediante anúncio publicado na III série do Diário da República de 2 de Janeiro de 1997, sendo entidade adjudicante a Câmara Municipal da Madalena (Ilha do Pico - Açores) e tendo por objecto o concurso público para a empreitada de execução da rede de distribuição de água à freguesia de São Caetano (Açores).

*
Para melhor compreensão do objecto do recurso, transcreve-se a sentença recorrida na parte julgada útil, como segue:
“(..) III.2 - O Direito
As posições das partes podem resumir-se no seguinte:
- Concordância quanto à existência de causa legítima de inexecução, por impossibilidade absoluta, decorrente da realização integral da empreitada;
- Discordância quanto ao direito de indemnização da exequente, em que se debatem duas teses:
A da A/E, que defende a existência desse direito, entendendo que numa reconstituição hipotética a empreitada ser-lhe-ía adjudicada;
Negação desse direito por parte da R/E, sustentando que a proposta da A/E era tecnicamente deficiente e gravosa quanto ao preço, pelo que a empreitada nunca lhe seria adjudicada.
Cremos que a executada tem razão.
De facto, conforme resulta do probatório, não só a A/E apresentou a propostas mais cara (desvio de 93% relativamente ao preço base do concurso, em que a segunda proposta mais cara é inferior à da A/E em cerca de 80.000 contos), como a comissão entendeu que a qualidade técnica oferecida não garantia a boa execução da obra.
Ficcionando que a anulação do acto se tinha dado em momento em que era possível reconstituir a situação actual hipotética, teríamos apenas duas empresas a concurso: a Alor e a M........ Em relação à primeira, para além de apresentar um preço anormalmente baixo (o que desde logo não garantia uma execução normal da empreitada) não oferecia garantias de qualidade técnica, como a comissão evidenciou.
No que concerne à segunda, em relação ao preço verificava-se o inverso, sendo que também não oferecia garantias de boa execução técnica.
Nestas circunstâncias estaria a CMM vinculada a uma decisão de adjudicação? A resposta é negativa. Não só não estava como o interesse público lhe ditava que o não fizesse.
Em relação à Alor, é patente que o não devia fazer. Em relação à M......., dispõe o art° 99°, n° l, ai. b), do Dec.-Lei n° 405/93, de 10 de Dezembro, que "o dono da obra não pode adjudicar a empreitada, quando todas as propostas, ou a mais conveniente, ofereçam preço total consideravelmente superior ao preço base do concurso, salvo se o interesse público prosseguido o determinar.
O interesse público no caso sub judice está intimamente relacionado com a boa execução da empreitada, garantia que a A/E não oferecia1. Sublinhe-se que a decisão da comissão não foi impugnada pela A/E, nem no recurso do acto de adjudicação, cujo vício de violação de lei invocado se relacionou apenas com a questão do prazo para apresentação das propostas.
Ou seja, bem vistas as coisas, não havendo interesse público (pelo menos não foi invocado qualquer outro relevante) que determinasse a adjudicação, a CMM estava legalmente impedida de adjudicar a obra à M....... em função do preço proposto, consideravelmente superior ao preço base do concurso
Não podendo haver adjudicação, falece obviamente o pressuposto principal de que depende a indemnização.
IV – Dispositivo
Em face do exposto, julgando improcedente a pretensão executiva, absolvo o demandado Município do Pico do pedido executivo que contra si a autora/exequente M....... – Sociedade ……………… SA formulou. (..)”


1. sentença de anulação – respeito pelo caso julgado e dever de executar;

Contrariamente ao que decorre da sentença sob recurso, o Acórdão exequendo não esgota os seus efeitos na anulação da deliberação adjudicatória do júri concursal contendo também um accertamento com autoridade de caso julgado, impedindo uma recusa disfarçada de executar consistente em atribuir cobertura formal à situação ilegal constituída pelo acto anulado, sendo que “(..) no caso de esse dever se concretizar na adopção de actos administrativos que de algum modo retomem o exercício do poder a que já tinha correspondido a própria emissão do acto que foi anulado, então já intervirá também o dever de respeito do caso julgado – dever este que, no entanto, não se confunde com o dever de executar a sentença. (..)” (1)
Respeito pelo caso julgado e dever de executar que configuram “(..) modalidades do dever genérico que a Administração tem de se conformar com o facto de o acto administrativo ter sido anulado e com os termos da sentença que decretou a anulação (..)”(2)
Neste sentido “(..) importa notar, entretanto, que o fenómeno em causa se localiza e esgota no momento do accertamento da sentença constitutiva, sem se projectar na autonomização de um momento injuntivo condenatório. (..) O efeito preclusivo da sentença não define pela positiva o conteúdo da ulterior actuação administrativa, apenas contribuindo para a delimitar … em termos de imposição de vinculações de conteúdo negativo. (..)”(3)
Continuando com a doutrina especializada, o processo de execução de sentenças de anulação regulado nos artºs. 173º a 179º CPTA “(..) funciona como um complemento de natureza declarativa da acção administrativa especial, nos termos do nº 3 do artº 47 CPTA (..)” cujo objecto processual “(..) inclui a averiguação da existência de causa legítima de inexecução, a especificação do conteúdo do dever de executar a sentença de anulação proferida por referência ao artº 173º CPTA, a apreciação jurídica dos actos praticados durante a fase de execução espontânea e a fixação de indemnização por inexecução. (..)
(..) no processo de execução de sentença de anulação não é o autor que delimita livremente o objecto e o fim processual; estes estão pré-delimitados pelo conteúdo da sentença de anulação exequenda … apesar da sua estrutura declarativa, o processo de execução de sentenças de anulação sempre foi nomeado como um processo executivo, com o argumento de que o seu objecto visa densificar os limites e os deveres de actuação administrativa que decorrem de uma sentença, e não apenas da lei. (..)”(4)


2. indemnização pelo interesse contratual positivo; indemnização por direitos procedimentais – artº 178º nºs. 1 e 2 CPTA;

Na circunstância dos presentes autos de execução de sentença anulatória verifica-se que o acto de adjudicação ilegal (e anulado pelo Acórdão exequendo) deu lugar a uma situação de facto consumado tornando impossível, em absoluto, extrair as devidas consequências da anulação na exacta medida em que o contrato foi celebrado e executadoalínea Y do probatório da sentença sob recurso.
Como nos diz a doutrina, o artº 178º CPTA desempenha no âmbito do processo de execução de sentença de anulação função idêntica àquela que corresponde ao artº 45º, para os processos declarativos em geral, sendo admissível ao Tribunal “(..) colocar na esfera da Administração o risco de impossibilidade da prestação, lançando, assim, sobre ela o dever de indemnizar quando a prestação se mostre impossível, ainda que por circunstâncias cuja ocorrência não lhe seja directamente imputável. (..)”(5)

*
Ou seja, nos procedimentos de formação de contratos cujo acto de adjudicação seja anulado jurisdicionalmente, cabe à Administração reparar os danos resultantes da actuação ilegítima, configurando-se a indemnização devida ao interessado em função do acervo de “(..) circunstâncias de cada caso, na medida em que tudo depende da exacta configuração da pretensão que ficou insatisfeita e do quadro envolvente, de facto e de direito. (..)
(..) a questão não suscita dificuldades sérias na hipótese de o interessado conseguir demonstrar que era a ele que deveria ter sido atribuída a adjudicação, pelo que era ele quem deveria ter celebrado e executado o contrato. Neste caso, é, para nós, líquido que a indemnização devida pelo facto de o interessado não ter podido obter a utilidade pretendida deve reparara o dano que para ele resulta da circunstância de já não poder ser adjudicatário e, por conseguinte, celebrar e executar o contrato.
Assiste-lhe, pois, o direito de ser indemnizado pelo interesse contratual positivo, pelo facto de não ter podido celebrar e executar o contrato. (..)”.
Continuando com a doutrina e Autor que vimos seguindo, “(..) a partir do momento em que se torne impossível obter um acto válido que substitua o acto invalidamente praticado, o interessado deixa de poder obter a satisfação desse direito. Deve, pois, ser pelo menos indemnizado por esse facto. É o que, à face do Direito positivo vigente, resulta do disposto nos artigos 45º nº 1 e 166º nº 1. (..)
Note-se que a atribuição desta indemnização não depende da demonstração de que o interessado deveria ter sido escolhido como adjudicatário, hipótese na qual, como vimos, ele deve ser indemnizado pelo interesse contratual positivo. Mais precisamente: esta indemnização é assegurada ainda que se verifique que, mesmo que a legalidade tivesse sido observada, o interessado não teria hipótese de ganhar o concurso.
Com efeito, do que se trata é de assumir que a lesão que para o interessado resulta da inobservância das regras do concurso e do facto de elas já não poderem ser observadas configura, em si mesma, um dano autónomo, a que corresponde um dever de indemnizar. Ou seja, que, na circunstância descrita, o interessado beneficia da garantia de um mínimo indemnizatório, dirigido à reintegração do seu direito à observância da legalidade disciplinadora do procedimento de formação do contrato. (..)” (6)

*
Pelas razões de direito expostas, assiste razão à Recorrente, donde se conclui pela insubsistência da sentença recorrida e, em substituição, cabe ordenar a prossecução da instância no Tribunal a quo, em ordem a proceder às notificações necessárias ao cumprimento do regime estabelecido no artº 178º nº 1 CPTA visando a obtenção de eventual acordo indemnizatório, e, na impossibilidade, prosseguir na instância para efeitos do disposto no nº 2 do citado artº 178º.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em,
A. julgar procedente o recurso e revogar a sentença proferida e,
B. na procedência da causa legítima de inexecução invocada na exacta medida em que o contrato foi celebrado e executado, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para prossecução da instância de acordo com o regime do artº 178º nº1 e, se for o caso, nº 2 CPTA, se nada sobrevier em contrário.

Sem custas.


Lisboa, 21.ABR.2016


(Cristina dos Santos) ……………………………………………………

(Paulo Gouveia) ………….……………………………………………..

( Nuno Coutinho) …………………………………………………...,



(1) Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina/ 2002, págs. 41 e 584.
(2) Mário Aroso de Almeida, Reinstrução do procedimento e plenitude do processo de execução de sentença, - Ac. STA de 29.01.1997, P. 27517/B, in CJA nº 3 pág. 12.
(3) Mário Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, Almedina/1994, págs. 14-15, 161, 166,168, 171-173.
(4) Cecília Anacoreta Correia A tutela executiva dos particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina/2013, págs. 407/408,411.
(5) Mário Aroso de Almeida, Ilegalidades pré-contratuais, impossibilidade de satisfazer a pretensão do autor e indemnização devida, Estudos em Homenagem a António Barbosa de Melo, Almedina/2013, pág. 668.
(6) Mário Aroso de Almeida, Ilegalidades pré-contratuais… págs. 672/673, 676/677.