Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 148/19.8BCLSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 12/02/2021 |
| Relator: | CATARINA VASCONCELOS |
| Descritores: | TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO CUSTAS PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE |
| Sumário: | Como decidido pelo Tribunal Constitucional, em acórdão de 23 de setembro de 2021 (acórdão n.º 741/2021), não são inconstitucionais os n.ºs 1 e 5 do artigo 2.º da Portaria n.º 301/2015, em conjugação com a primeira linha da tabela do respetivo Anexo I, enquanto determinam que, nas causas de valor até 30.000 euros, a taxa de arbitragem é sempre de 750 euros, os honorários do coletivo de árbitros somam 2.500 euros e os encargos administrativos 75 euros; |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul O F… SAD intentou, no Tribunal Arbitral do Desporto, processo arbitral necessário contra a Federação Portuguesa de Futebol pedindo a anulação da decisão administrativa colegial da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 16/11/2018, que decidiu confirmar a decisão disciplinar proferida no processo disciplinar pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em formação restrita, no dia 16/08/2018, publicitado através do comunicado oficial nº … da L.P.F.P. sob o processo disciplinar nº …/Disc.-18/19, através do qual foi a Demandante condenada em multas no valor total de 9.180,00 € (nove mil cento e oitenta euros), por factos ocorridos no jogo nº 1…. … …., entre a Demandante e a C… SAD, realizado no dia 04/08/2018, a contar para a Supertaça Cândido de Oliveira, época desportiva 2018/2019. O Tribunal Arbitral do Desporto julgou improcedente o recurso. Inconformada, a F… interpôs recurso de tal acórdão, concluindo, designadamente, o seguinte: xxii Os custos fixadas pelo TAD comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.°-1 e 268.°-4 da CRP). Xxiii Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.° e 268.°-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD. Xxiv Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.°- 1 e -5, conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2a linha), da Portaria n.° 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.°/1/2/3 e 77.°/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.° da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.°-1 e 268.°-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.° da CRP). Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, revogando-se a decisão arbitral recorrida e assim também a condenação da recorrente pelas infrações disciplinares p. e p. pelos arts. 204., 208.° e 209.° do RDFPF, e anulando-se o correspondente ato administrativo do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, conforme o alegado em II e III supra. Sem prescindir, caso se entenda não haver motivo para, de imediato, absolver a recorrente, requer-se a revogação do acórdão recorrido e o reenvio do processo ao TAD para que reaprecie a matéria de facto com base em critérios de valoração da prova consentâneos com o princípio da presunção de inocência do arguido, exigindo-se, nomeadamente, a formação de uma convicção para além de toda a dúvida razoável e a não imposição de um ónus da prova à demandante. Sempre sem prescindir, e uma vez mais subsidiariamente, requer-se a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2., n.° 1 e 5 (e respetiva tabela constante do Anexo I, 2 linha, da Portaria n. 301/2015, com o previsto nos artigos 76° 1/2/3 e 77.°/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.°-1 e 268.°-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.° da CRP), com as legais consequências. A Recorrida contra-alegou formulando, designadamente, as seguintes conclusões: 22. Por outra parte, o valor das custas finais fixado pelo Tribunal a quo não é, como alega a Recorrente, desproporcional, nem compromete, de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20, n 1 e 268, n 4 do CRP). 23. Neste sentido entendeu, e bem, o Tribunal Constitucional, mediante Acórdão datado de 16 de outubro de 2019, não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 2, ns 1 e 4, da Portaria n.° 301/2015, de 22 de setembro, em conjugação com a primeira linha da tabela do seu Anexo I. 24. Motivo pelo qual deverá, também, improceder a inconstitucionalidade suscitada resultante da conjugação do disposto no art. 2, ns 1 e 5 (e respetiva tabela constante do Anexo I, 2° linha, da Portaria n.º 301/2015), com o previsto nos artigos 76, n.s 1, 2 e 3 e 77.2, n.s 4, 5 e 6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade. Por acórdão deste Tribunal de 27 de fevereiro de 2020 foi concedido provimento ao recurso, alterado o probatório, revogada a decisão arbitral e anulado o ato punitivo impugnado. Mais se decidiu alterar o valor processual para 9 180,00 euros e que “não são devidas custas no TAD, devido à desaplicação do inconstitucional regime legal de custas no TAD”. Nesse acórdão, por se julgar que tal regime legal, violava a Constituição da República Portuguesa, recusou-se a aplicação: - dos art.ºs 204º, n.º 1, 208º e 209º do RD/FPF; - das normas extraídas dos preceitos legais dos artigos 2º, n.ºs 1 e 2 da Portaria n.º 301/2015 e da primeira linha da tabela do seu anexo I . Nos termos dos art.ºs 280º, n.º 1, al. a) e 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório desse acórdão para o Tribunal Constitucional pugnando: - pelo não conhecimento do objeto do recurso, no que se refere à primeira questão (a constitucionalidade dos art.ºs 204º, n.º 1, 208º e 209º do RD/FPF); - pela constitucionalidade das normas contidas no at.º 2º, n.ºs 1 e 2 da Portaria n.º 301/2015 e da primeira linha da tabela do seu anexo I. Por acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de setembro de 2021 (acórdão n.º 741/2021) foi decidido: a) Não conhecer do objeto do presente recurso no segmento integrado pelas normas ínsitas nos artigos 204.º, n.º 1, 208.º e 209.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol 2018/2019; b) Não julgar inconstitucionais os n.ºs 1 e 5 do artigo 2.º da Portaria n.º 301/2015, em conjugação com a primeira linha da tabela do respetivo Anexo I, enquanto determinam que, nas causas de valor até 30.000 euros, a taxa de arbitragem é sempre de 750 euros, os honorários do coletivo de árbitros somam 2.500 euros e os encargos administrativos 75 euros; e, em consequência, c) Julgar procedente o recurso interposto no que respeita à questão identificada em b), determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o correspondente juízo negativo de inconstitucionalidade. Cumpre assim reformar o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de fevereiro de 2020, na parte em que apreciou o “erro de julgamento de direito quanto à fixação do valor das custas processuais, por inconstitucionalidade” (ponto 2.3, págs. 42 até pág. 47, §5) e bem assim o dispositivo (pág. 47) do seguinte modo: 2.3. – Sobre o erro de julgamento de direito quanto à fixação do valor das custas processuais: Alega a Recorrente que, estando em causa uma condenação pecuniária no valor de € 9180,00 e não tendo esse recurso obtido provimento, foi confrontada com custas no valor de €4980,00, valor a que acresce o IVA, o que perfaz um total de €6 125,40. Entende que tal valor é desproporcional e compromete de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva e que, por isso, as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art.º 2º, n.ºs 1 e 5 da Portaria n.º 301/2015 articulado com os art.ºs 76º, n.ºs 1, 2 e 3 e 77º, n.ºs 4, 5 e 6 da Lei do TAD) são inconstitucionais pelo que devem ser desaplicadas. Não tem razão. Como foi afirmado pelo Tribunal Constitucional (no mencionado acórdão n.º 741/2021, processo n.º 306/2020 de 23.09.2021), “estando em causa nos presentes autos o problema da inconstitucionalidade do valor das custas dos processos arbitrais que correm termos no TAD, no âmbito da sua competência arbitral necessária, não é possível desconsiderar, também para este efeito, o facto de este não ser um tribunal público especializado em matéria desportiva mas um centro de arbitragem de caráter institucionalizado que não faz parte da organização do Estado e apenas tem por fonte de receitas as custas processuais cobradas nos respetivos processos e os recursos financeiros gerados pela sua restante atividade, designadamente no âmbito da consulta jurídica e mediação (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 74/2013). A jurisdição do TAD, no âmbito da sua competência arbitral necessária, é exercida por um colégio de árbitros, de entre os constantes da lista do Tribunal (artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 74/2013), cuja atividade jurisdicional, sendo materialmente equivalente à prestada pelos juízes dos tribunais administrativos, é remunerada por via de honorários. Compreende-se, assim, que as custas processuais fixadas para os correspondentes processos arbitrais incluam, não apenas a taxa de arbitragem, mas também os honorários dos árbitros, que constitui a um encargo permanente do TAD decorrente da sua própria estrutura arbitral (artigo 76.º, n.ºs 1 e 3, da mesma lei) – custo que não existe nos tribunais do Estado e, por isso, não é refletido nas custas judiciais, que diferentemente apenas integram a taxa de justiça, outro tipo de encargos e as custas de parte (artigos 3.º, n.º 1, e 16.º do RCP). Esta diferença de base, que é incontornável e consentida pela própria Constituição, que não veda a possibilidade de o próprio Estado constituir tribunais arbitrais, não pode deixar de ser considerada no controlo de proporcionalidade a que também estão sujeitas, por força da mesma Lei Fundamental, as custas dos processos arbitrais em causa no presente recurso. (…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13). Sublinhe-se ainda que, nem mesmo relativamente ao direito à saúde (artigo 64.º da Constituição), o princípio da gratuitidade é absoluto, admitindo a previsão de taxas moderadoras para acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Como resulta do Acórdão n.º 330/89, «(…) o conceito de gratuitidade (…) será compatível [com] a exigência (ou a exigência em certos casos) aos utentes do SNS de “taxas moderadoras” (…). Tais taxas visam tão-só “racionalizar a utilização das prestações” facultadas pelo serviço em causa: o seu objetivo (…) é unicamente o de “moderar a procura de cuidados de saúdes, evitando assim a sua utilização para além do razoável”». O mesmo raciocínio será transponível para as custas judiciais – e para as custas cobradas no TAD -, dado que também nesta área, onde nem sequer impera idêntico princípio, se procura a racionalização na utilização da justiça, uma vez que os recursos são limitados e se pretende reservá-los para aqueles que mais deles careçam. Independentemente de outras ponderações, trata-se aqui de aplicar um princípio geral de cobertura e imputação de custos, sendo legítima a adoção de medidas aptas a assegurar a sustentabilidade económica de um serviço público prestado por entidades privadas e a imputação do respetivo custo sobre quem, concluindo pela necessidade da utilização desse serviço público, especialmente dele beneficia. (…). No que concerne à ponderação comparativa dos regimes vigentes, em matéria de custas processuais, nos processos arbitrais necessários que correm termos no TAD e nos processos judiciais, “reconhecendo a transferência de competências jurisdicionais dos tribunais administrativos para o TAD, na matéria em apreço (cfr. artigos 4.º e 5.º da respetiva lei), redundou num encarecimento dos valores cobrados pelo serviço público de justiça prestado em processos de valor igual ou inferior a €30.000,00” julgou, o Tribunal Constitucional, que “há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD - que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) -, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD. Note-se, quanto ao primeiro ponto, que a capacidade de autofinanciamento do TAD é essencial para assegurar a sua independência e imparcialidade, quer em relação à administração pública do desporto, quer em relação aos organismos que integram o sistema desportivo – cfr. artigo 1.º, n.º 1, da referida lei. A redução do preço do serviço especializado de justiça prestado pelo TAD para níveis equivalentes aos que vigoram na justiça estadual comportaria o risco de comprometer, ou a subsistência do TAD, considerando os custos tendencialmente mais elevados da atividade de arbitragem, ou a sua independência e imparcialidade, que necessariamente passam pela garantia de um estatuto de efetiva autonomia económico-financeira em relação a todas as partes potencialmente envolvidas nos litígios que compete àquele tribunal decidir. Por outro lado, se é certo que tanto pode recorrer para o TAD um praticante desportivo como uma sociedade anónima desportiva, como é o caso do A., SAD (artigo 52.º da Lei n.º 74/2013), com diferenciados níveis de rendimentos, é razoável que o nivelamento do valor das custas processuais se faça de modo a permitir a viabilização, em condições de independência, de uma entidade jurisdicional que tem por função prestar um serviço de justiça compatível com as necessidades próprias do sistema desportivo, assegurado que esteja, como está, que ninguém será impedido de aceder à justiça desportiva por insuficiência de meios económicos (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 301/2015, na redação da Portaria n.º 314/2017). Finalmente, não é possível ignorar que o serviço de justiça desportiva prestado pelo TAD, também no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, está normativamente estruturado em termos que garantem a competência e qualificação especializada dos árbitros, por um lado, e a prolação de decisões em tempo compatível com a natureza específica do tipo de litígios abrangidos pela sua jurisdição, por outro. Com efeito, o TAD integra na sua composição o Conselho de Arbitragem Desportiva (CAD), órgão que é composto por 11 membros, sendo 2 deles designados pelo Comité Olímpico de Portugal, 2 designados pela Confederação de Desporto de Portugal e 1 pelo Conselho Nacional do Desporto, de entre juristas de reconhecido mérito e idoneidade, com experiência na área do desporto (artigos 9.º e 10.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do TAD). Compete ao CAD, designadamente, estabelecer a lista de árbitros do TAD, com base em propostas apresentadas por entidades com responsabilidades institucionais no sistema desportivo (artigo 21.º), e promover o estudo e a difusão da arbitragem desportiva, bem como a formação específica de árbitros, nomeadamente estabelecendo relações com outras instituições de arbitragem nacionais ou com instituições similares estrangeiras ou internacionais (artigos 11.º, alíneas a) e g), da mesma lei). Essa lista de árbitros é integrada, no máximo, por 40 árbitros, designados de entre juristas de reconhecida idoneidade e competência e personalidades de comprovada qualificação científica, profissional ou técnica na área do desporto (artigo 20.º, n.º 2). Acresce que a competência arbitral necessária é sempre exercida por um colégio de três árbitros, podendo cada parte designar um árbitro, devendo os árbitros assim designados escolher o terceiro, que atuará como presidente do colégio (artigo 28.º, n.ºs 1 e 2). Por outro lado, em atenção às exigências próprias do sistema desportivo, a tramitação do processo arbitral obedece a um padrão comum de simplicidade, celeridade e eficácia, que se manifesta, por exemplo, na regra da continuidade dos prazos processuais, que não se suspendem aos sábados, domingos e feriados, nem em férias judiciais (artigo 39.º, n.º 1), na possibilidade da redução dos prazos legalmente previstos (artigo 40.º), já por si muito curtos, sendo de 5 dias o prazo geral para a prática de atos processuais (artigo 39.º, n.º 3) e de 15 dias o prazo de prolação da decisão final, que se conta da data do encerramento do debate da causa (artigo 58.º, n.º 1), incorrendo os árbitros que obstem a que a decisão seja proferida dentro do prazo legal em responsabilidade pelos danos causados (artigo 45.º). O serviço de justiça prestado pelo TAD revela, assim, um nível de especialização e rapidez que, sendo imposto por razões de interesse público com relevância constitucional (artigo 79.º da Constituição), beneficia diretamente os operadores do sistema desportivo. É, pois, razoável que o maior custo necessariamente implicado na prestação desse serviço seja suportado por quem, tendo condições económicas para tanto, como é manifestamente o caso do A., SAD, e da Federação Portuguesa de Futebol, dele objetivamente beneficia. Conforme é referido no Acórdão n.º 155/2017, «[p]ara que se possa considerar existir uma clara desproporção que afeta o caráter sinalagmático de um tributo não se pode atender apenas ao caráter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço (acórdãos nºs. 640/95 e 1140/96); ela há de igualmente ser aferida em função de outros fatores, designadamente da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr. acórdãos nºs. 1140/96; 115/02 e 349/02).» Ora, estando em causa a prestação do serviço público de justiça, como é o caso, a utilidade do serviço não deve ser aferida tendo em consideração apenas o valor da causa, mas todos os benefícios com expressão económica que decorrem das características específicas do serviço prestado, designadamente quanto ao (menor) tempo de resposta e o (maior) grau de especialização. Por todas essas razões, não se afigura que a apontada diversidade objetiva de valores vigentes para as custas dos processos arbitrais necessários e para as custas judiciais seja, só por si, passível de um qualquer juízo de censura constitucional”. (…) É certo que “as custas globais fixadas na primeira linha do Anexo I da Portaria para processos arbitrais de valor não superior a €30.000,00, não só são mais elevadas que as custas judiciais aplicáveis a processos de idêntico valor que correm termos nos tribunais administrativos, como podem atingir montantes muito superiores ao valor da causa, pois que é sempre superior a €3000,00, quer se trate de um processo de €100 euros ou de €3000,00. O denunciado risco de desproporção decorrerá do facto de a referida portaria incluir no primeiro escalão tributário todos os processos que tenham um valor até €30.000,00, cobrando por qualquer deles o mesmo (€750,00, a título de taxa individual de justiça, €2500,00, a título de encargos com os honorários coletivos dos árbitros, e €75,00, a título de encargos administrativos), independentemente de se tratar de um processo de valor muito reduzido ou de um processo de valor próximo ou igual a esse limite máximo. Comparando esse regime com o consagrado na Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais, verifica-se que aqui se autonomizaram 13 escalões tributários, sendo as taxas de justiça fixadas nos 5 primeiros escalões no valor de 1, 2, 3, 4 e 5 unidades de conta, respetivamente aplicáveis a processos até €2000,00, de €2000,01 a €8000,00, de €8000,01 a €16.000,00, de €16000,01 a €24.000,00 e de €24.000,01 a €30.000,00. A partir daqui, à medida que o valor dos processos aumenta, aumenta também o âmbito de aplicação das taxas de justiça fixadas em cada escalão, aplicando-se a mesma taxa de justiça a processos cujo valor varia em cerca de €20,000,00 ou €50.000,00. Reconhece-se que a redução do campo de aplicação processual de cada um dos escalões tributários permite afastar a possibilidade de aplicação da mesma taxa de justiça a processos que apresentem valores absolutos muito distintos. Todavia, como o próprio RCP parece pressupor, a partir de determinados montantes a diferença de valor entre as ações não tem um impacto expressivo nos custos (e benefícios) da sua resolução, sendo irrelevante, para efeitos tributários, uma diferença de 20.000 ou 50.000 euros que possa haver entre ações de muito elevado valor. Estando em causa ações de muitos milhares de euros, diferenças de valor dessa ordem não têm impactos economicamente relevantes nem ao nível da complexidade do processo, nem ao nível da utilidade que as partes dele retiram. Inversamente, estando em causa ações de reduzido valor processual, a diferença de valor entre elas pode já assumir significado tributário, senão tanto ao nível da complexidade do processo e dos custos envolvidos na sua apreciação, seguramente ao nível da utilidade que as partes retiram da resolução jurisdicional do litígio. Nestes casos, a fixação de escalões tributários com um amplo campo de abrangência processual pode, de facto, gerar alguma assimetria interna de resultados (…). Porém, também em relação a este aspeto (…) não se deve ignorar a especificidade da justiça arbitral (necessária) face à justiça estadual, nem a especificidade do tipo de litígios integrados na competência necessária do TAD face à generalidade dos demais litígios carecidos de resolução jurisdicional, sendo necessariamente diferentes as variáveis de ponderação que o legislador deve atender na fixação do valor das custas de processos que genericamente envolvem federações desportivas, ligas profissionais e clubes desportivos, e são decididos por uma entidade que, tendo natureza jurisdicional, não é pública, nem financiada pelo Estado, e tem a seu cargo custos próprios permanentes que decorrem da sua específica estrutura arbitral de funcionamento. Neste enquadramento, não se afigura constitucionalmente censurável a fixação de um valor mínimo de custas processuais que reflita a maior capacidade económica presumida dos potenciais litigantes e permita cobrir os custos específicos mais elevados do serviço de justiça prestado pelos tribunais arbitrais, como sucede com o valor concretamente fixado na primeira linha da tabela anexa à Portaria n.º 301/2015 (€3325,00). Os eventuais excessos que o sistema de custas processuais legalmente estabelecido possa comportar, por força da amplitude do primeiro escalão tributário, devem ser sinalizados caso a caso em função do concreto valor processual da causa e do concreto valor das custas processuais cobradas. Esta tem sido, aliás, a perspetiva de análise que o Tribunal Constitucional tem adotado no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas que fixam o montante das custas processuais exclusivamente em função do valor da causa, sindicando à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, não o critério em si, mas o resultado tributário concreto a que a sua aplicação conduziu no processo que deu origem ao recurso de constitucionalidade. Como expressivamente se afirma no Acórdão n.º 301/2009, «estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projeção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado». Como relatado, o processo arbitral que deu origem ao presente recurso de constitucionalidade foi instaurado pelo A., SAD, contra a Federação Portuguesa de Futebol, para impugnação de uma deliberação tomada pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina dessa federação desportiva, que a condenou numa sanção de repreensão e no pagamento de multas no valor global de €4132,00. O processo foi julgado parcialmente procedente, tendo ambas as partes sido condenadas «no pagamento, em partes iguais, das custas do processo no total de 4150,00 euros, sendo 1500,00 euros a título de taxa de arbitragem e 2650 euros a título de encargos do processo (que incluem honorários dos árbitros e encargos administrativos), montantes a que acresce IVA à taxa legal». Cada uma das partes foi assim condenada a pagar a quantia total €2075,00 (€750, a título de taxa de justiça, €1250,00, a título de honorários dos árbitros e €75,00 de encargos administrativos), acrescida de IVA. Ora, cotejando o valor do processo arbitral (€4132,00) e o valor das custas processuais em que cada uma das partes foi condenada (€2075,00) não há, no caso concreto, qualquer desproporção e muito menos manifesta entre o valor da causa e o valor das custas a pagar pelo benefício económico proporcionado a cada uma das partes com a sua resolução arbitral. E claramente também não decorre das custas, atento o seu valor e a capacidade económica dos sujeitos processuais envolvidos, um condicionamento excessivo e injustificado do acesso ao TAD por via tributária ou paratributária”. Conclui-se assim, em conformidade, com o decidido pelo Tribunal Constitucional (no acórdão que vimos citando), que o regime legal de custas em questão não viola o princípio constitucional da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais pelo que não há fundamento para a pretendida recusa da sua aplicação, improcedendo assim este fundamento de recurso. Em conformidade com a fundamentação que antecede, também a “decisão” vertida no acórdão deste Tribunal de 27 de fevereiro de 2020 (pág. 47) deverá ser reformada no sentido de da mesma ser expurgada a afirmação “Não são devidas custas no TAD, devido à desaplicação do inconstitucional regime legal de custas no TAD nos termos atrás expostos”. Assim, a condenação em custas também terá de ser reformada de forma a que onde consta "Custas neste TCAS a cargo da FPF" passe a constar "Custas neste TCAS e no TAD a cargo da FPF".
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