Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:259/06.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.662, Nº.1, DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6.
DEVER DE ALTERAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
NATUREZA TAXATIVA DOS FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
ARTº.204, Nº.1, DO C.P.P.T.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS DE I.V.A. DEVEM SER NOTIFICADAS POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, NºS.5 E 6, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FALTA DE PRESSUPOSTOS PARA O FUNCIONAMENTO DA PRESUNÇÃO.
ÓNUS DA PROVA.
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA (CFR.ARTº.204, Nº.1, AL.I), DO C.P.P.T.).
Sumário:1. O Tribunal "ad quem", ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tem o dever de alterar a decisão da matéria de facto sempre que a reapreciação dos meios de prova, nomeadamente prova documental, determine um resultado diverso do declarado na 1ª. Instância.
2. A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça.
3. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
4. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor).
5. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.
6. Conforme resulta do probatório exarado no âmbito do presente processo, as liquidações adicionais de I.V.A., imposto de obrigação única de acordo com a doutrina, que consubstanciam a dívida exequenda são susceptíveis de alterar a situação tributária do opoente, assim devendo ser notificadas através de carta registada com a.r., nos termos do artº.38, nº.1, do C.P.P.T., na versão em vigor em 2003, mais não lhes sendo aplicáveis as excepções previstas nos nºs.3 e 4, do mesmo preceito (cfr.artº.87, do C.I.V.A.).
7. A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário, funciona em duas situações, a saber:
A-recusa do destinatário a receber a notificação;
B-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
8. Verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C. P. P. Tributário.
9. Não se encontram reunidas condições para que funcione a presunção prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T., quando as notificações não só não chegaram ao seu destino como vieram devolvidas com indicações de não ter sido, de alguma forma, avisada a sua destinatária de tal envio (não se verificando a citada recusa do destinatário a receber a notificação).
10. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
11. Com estes pressupostos, deve o Tribunal concluir que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.461 a 468 do presente processo, através da qual julgou procedente a oposição, intentada pelo recorrido, M…………, na qualidade de executado, visando a execução fiscal nº……-2004/……., a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Torres Vedras, propondo-se a cobrança coerciva de dívidas de I.V.A. e juros compensatórios, relativas a períodos trimestrais dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 e no montante total de € 18.923,58.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.494 a 500 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da oposição, deduzida na Execução Fiscal nº 3905…………, instaurada pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras 2, para cobrança coerciva da dívida proveniente das liquidações de IVA dos períodos de Março de 2001 a Dezembro de 2002, no valor global de € 17.927,42, e com a qual não concordamos;
2-Especificando, a sentença em crise, em resposta à alegação de caducidade do direito de liquidação feita pela oponente, considerou que a AT não conseguiu provar que notificou a oponente, concluindo que as presentes liquidações são ineficazes, nos termos da alínea i) do nº 1 do art.º 204.º do CPPT;
3-Compulsados os autos, nomeadamente a decisão proferida pelo MP no processo PA Nº 880/ 04.0TATVD, mostra-se provado que, apesar de M………. padecer de uma doença permanente consistente numa cegueira irreversível, não se encontra incapaz de reger de uma forma conveniente o seu património ou de exercer os seus direitos (cfr. fls. 152 e 153, dos autos);
4-Provada a capacidade da oponente, entendemos que deverá dar-se também como provado que a oponente foi devidamente notificada das liquidações em causa;
5-Pois, resulta da prova junta pela Fazenda Pública, contante dos autos a fls. 101 a 328, que as liquidações de IVA cujo não pagamento veio a dar causa à execução fiscal foram notificadas à oponente, nos termos do art. 39º, nº 5 do CPPT, pois, não tendo sido levantadas as cartas registadas com aviso de recepção enviadas para o domicílio fiscal da oponente, foram enviadas novas cartas, nos mesmos termos, para o mesmo domicilio;
6-Estabelece-se no disposto no nº 5 do artigo 39° do CPPT:
"Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicilio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal";
7-Assim sendo, todas as notificações remetidas pela AT em nome da oponente e para o domicílio fiscal daquela, no Lg. B…….., 5, …. T………., foram enviadas devidamente, não sendo oponível à AT o facto alegado de que a oponente as não recebeu;
8-Quer seja pelo facto de não as ter levantado nos Serviços Postais, quer seja por se ter recusado a recebe-las;
9-Conclui-se, pois, que no caso concreto, a alegada falta de prova da notificação dentro do prazo de caducidade, constante no art. 45°, nº 1, do CPPT, não se verifica, uma vez que a prova junta pela RFP é manifestamente suficiente para conferir ao douto Tribunal a certeza de que a mesma foi efectivamente realizada;
10-Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com às legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.508 a 511 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tudo em virtude do exame da prova, essencialmente documental, constante do presente processo e apenso, mais se levando em consideração os princípios da aquisição processual e da livre apreciação das provas, este Tribunal reestrutura o probatório organizado em 1ª. Instância, nos termos que infra seguem (cfr.artºs.413 e 607, nº.5, ambos do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7782/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.5627/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2016, proc.9875/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/01/2018, proc.312/17.4BEBJA; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/09/2018, proc.5708/12; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.270 e seg.):
1-Em 25/11/2003, a Fazenda Pública emitiu liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, relativas a períodos trimestrais dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, no montante total de € 17.927,42, das quais surge como passivo a opoente, M………., com o n.i.f. ……….. (cfr.documentos juntos a fls.104, 108, 112, 116, 120, 124, 128, 132, 140, 147, 154, 161, 168, 175, 182, 189, 196, 203, 210, 217, 224, 231, 238, 245, 252, 259, 266, 273, 280, 287, 294 e 301 do processo físico; informação exarada a fls.16 do processo físico);
2-Através de ofícios, com a.r., datados de 18/12/2003 e 23/12/2003, remetidos para o domicílio da opoente M………, ao abrigo do artº.39, nº.5, do C.P.P.T., a A. Fiscal procedeu à notificação das liquidações identificadas no nº.1 (cfr. documentos juntos a fls.104 a 305 do processo físico; informação exarada a fls.16 do processo físico);
3-Os ofícios mencionados no nº.2 foram todos devolvidos ao remetente com a indicação “não reclamado”, embora sem qualquer indicação quanto a existência de aviso deixado para levantamento da carta (cfr.documentos juntos a fls.104 a 305 do processo físico);
4-Em 13/05/2004, foi autuada a execução fiscal nº……-2004/…….. a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Torres Vedras, propondo-se a cobrança coerciva das dívidas de I.V.A. e juros compensatórios identificadas no nº.1 supra, no montante total de € 18.923,58, já incluindo os acrescidos (cfr.documentos juntos a fls.1 a 33 do processo administrativo apenso);
5-Padecendo a opoente M……… de doença, cegueira, com incapacidade fixada em 95%, o 2º. Serviço de Finanças de Torres Vedras, em 28/10/2004, ao abrigo do artº.7, nº.1, do C.P.P.T., solicitou a nomeação de um representante junto do Tribunal Judicial de Torres Vedras (cfr.documentos juntos a fls.54 a 56 do processo administrativo apenso);
6-No âmbito de processo administrativo que correu termos junto dos Serviços do Ministério Público de Torres Vedras, sob o nº. 880/04.0TATVD, foi lavrado despacho final do qual, além do mais, consta o seguinte (cfr.documento junto a fls.72 e 73 do processo administrativo apenso):
"pelo exposto, e atendendo a que face à situação de doença que existe de facto evidenciada pela Sra. M……. e que pode, na verdade, implicar dificuldades na citação e na notificação no âmbito do procedimento tributário, entendemos ser da maior conveniência que os Serviços de Finanças sempre que a situação o exija, em caso de urgência, nomeie, como aliás tem vindo a fazer, curador provisório, de acordo com o disposto no artº 7° nº 1 in fine do CPPT.";
7-Em 21/04/2006, deu entrada no 2º. Serviço de Finanças de Torres Vedras o articulado inicial do presente processo, no qual o opoente nega que, em algum momento, tenha sido notificado das liquidações que constituem a dívida exequenda (cfr.data de entrada aposta a fls.2 do processo físico; articulado junto a fls.2 a 6 do processo físico).
X
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do articulado inicial e da contestação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra identificada.
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à decisão da matéria de facto reestruturada e supra exarada, no teor dos documentos e informações referidos em cada um dos números da factualidade provada, tal como nas regras do direito probatório material.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente oposição, devido a inexigibilidade da dívida exequenda de I.V.A. e juros compensatórios identificada no nº.4 do probatório supra, em virtude da falta de prova da notificação ao sujeito passivo dos mesmos actos tributários e dentro do prazo de caducidade.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em síntese, que apesar de a opoente padecer de uma doença permanente, a qual consiste numa cegueira irreversível, não se encontra incapaz de reger o seu património ou de exercer os seus direitos. Que provada a capacidade da oponente, se deverá dar também como provado que a mesma foi devidamente notificada das liquidações que constituem a dívida exequenda. Que se operou a presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário. Que não se verifica a alegada falta de prova da notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade consagrado no artº.45, nº.1, da L.G.T., contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7256/13; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
Examinemos agora, a forma e conteúdo da notificação dos actos tributários de liquidação que consubstanciam a dívida exequenda.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc. 5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489 e seg.).
No caso vertente as liquidações que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº…..-2004/……, do qual a presente oposição constitui apenso, as quais estão identificadas no nº.1 do probatório supra, não foram, alegadamente, notificadas ao sujeito passivo originário de imposto, conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
Pelo contrário, o recorrente entende que as identificadas liquidações foram devidamente notificadas ao sujeito passivo antes da instauração da execução fiscal.
Vejamos quem tem razão.
Conforme resulta do probatório supra exarado (cfr.nº.1 da factualidade provada) as liquidações adicionais de I.V.A., imposto de obrigação única de acordo com a doutrina, que consubstanciam a dívida exequenda são susceptíveis de alterar a situação tributária do opoente, assim devendo ser notificadas através de carta registada com a.r., nos termos do artº.38, nº.1, do C.P.P.T., na versão em vigor em 2003, mais não lhes sendo aplicáveis as excepções previstas nos nºs.3 e 4, do mesmo preceito (cfr.artº.87, do C.I.V.A.).
O oponente alega nos autos que não foi notificado dessas liquidações.
Neste contexto, cabe à A. Fiscal o ónus de demonstrar que as notificações foram validamente efectuadas, nos termos do disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T.
De acordo com o exame da factualidade provada e supra exarada, deve concluir-se que a A. Fiscal efectuou notificações ao sujeito passivo originário do imposto por meio de cartas registadas, com aviso de recepção, portanto, com observância da forma legalmente estabelecida.
A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário, funciona em duas situações, a saber:
1-Recusa do destinatário a receber a notificação;
2-Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
A presunção de notificação sob exame, fundamenta-se no envio de segunda carta registada com a.r. para o domicílio fiscal do sujeito passivo nos quinze dias posteriores à devolução da primeira, tudo pressupondo a devolução do a.r. da primeira carta remetida. Ora, verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2008, rec.1031/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/6/2009, proc.2985/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2011, proc.4870/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/3/2013, proc.6181/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/01/2015, proc.8118/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.384 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, os ofícios de notificação (com a.r.) foram todos devolvidos ao remetente com a indicação “não reclamado”, embora sem qualquer indicação quanto à existência de aviso deixado para levantamento da carta no domicílio do notificando (cfr.nºs.2 e 3 do probatório). A este respeito veja-se Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. anotado e comentado, Vol. l, 6ª. Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pág.385 e seg., sobre a necessidade de aviso, para funcionamento da presunção prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T.; veja-se igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21/05/2008, rec.1031/07 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/01/2015, proc.8118/14). Como tal, face a este contexto, não estão reunidas condições para que funcione a presunção prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T., dado que as notificações não só não chegaram ao seu destino como vieram devolvidas com indicações de não ter sido, de alguma forma, avisado o seu destinatário de tal envio.
Logo, forçoso é concluir que o opoente, enquanto sujeito passivo de imposto, não foi legalmente notificado, dentro do prazo de caducidade, das liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº…..-2004/…… .
Nestes termos, não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Com estes pressupostos, deve o Tribunal concluir que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução, devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495).
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, manter-se a decisão do Tribunal “a quo”, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 28 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)