Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:170/23.0 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/08/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:AMNISTIA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
REINCIDÊNCIA
Sumário:I- Estando em causa a aplicação de sanções disciplinares não superiores a suspensão, não constituindo a infração disciplinar simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, e sido praticada em data anterior a 19/06/2022, tal infração encontra-se amnistiada, de acordo com o previsto nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º deste diploma legal, salvo se o infrator for reincidente, situação em que a Amnistia não opera, nos termos da alínea do artigo 7.° da referida Lei n.° 38-A/2023
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, no âmbito de Reclamação para a Conferência:

I – RELATÓRIO
O Demandante F........, nos Autos em que é Demandada a Federação Portuguesa de Futebol, tendo tomado conhecimento do sentido e teor do acórdão arbitral proferido em 24 de outubro de 2023, e com ele não se conformando, veio dele interpor RECURSO para este Tribunal Central Administrativo do Sul.

Efetivamente, decidiu-se Arbitralmente “Julgar o presente recurso totalmente improcedente, e, consequentemente, confirmar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, condenando-se o Demandante na sanção de suspensão de 45 (trinta e cinco) dias e, acessoriamente, uma sanção de muita no valor de 7.650€.”

Apresentou o Recorrente/F........, as seguintes Conclusões:
“- I - A. Não pode o Recorrente conformar-se com o sentido e teor da decisão arbitrai condenatória proferida em 25/10/2023, desde logo por entender que deveria ter sido absolvido pois a sua atuação não extrapola o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão.
-II- B. Antes de mais, ao contrário do que entendeu o TAD deve ser aplicada ao presente processo a Lei n.° 3 8-A/2023, de 01 de Setembro que prevê a amnistia das infrações disciplinares sempre que as mesmas não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar,
C. não podendo a circunstância do Recorrente ser reincidente não poderá ser usada à guisa de argumento para sustentar um afastamento da aplicação da aludida Lei, pois que a estatuição da alínea j) do artigo 7.° da Lei n.° 38-A/2023. de 2 de agosto não se aplica à amnistia dos ilícitos disciplinares.
D. Desde logo porque a amnistia de infrações disciplinares objeto da referida Lei tem carácter puramente objetivo (art. 6.°: “'São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares’'), não sendo estabelecida qualquer delimitação do âmbito subjetivo — o que apenas acontece no que respeita a matéria penal.
E. Ademais, a inserção sistemática da exceção ínsita na alínea j) do artigo 7.° da referida Lei - a seguir ao elenco dos crimes não amnistiáveis e antes das pessoas e das contraordenações que não beneficiam desse regime haverá necessariamente de levar à conclusão que quando a Lei exceciona "os reincidentes” da aplicação da amnistia se refere apenas aos que foram condenados como tal em processo-crime.
F. Tanto assim é que, a amnistia de infrações disciplinares é objeto de tratamento autónomo, o qual contém já um regime de exceção próprio. Pelo que não faz qualquer sentido que o legislador tivesse criado um regime de aplicação da amnistia a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares com um regime específico (especial) de exceção da sua aplicação e. concomitantemente, tivesse querido sujeitá-lo a uma cláusula adicional de exclusão inserta noutra norma, de carácter geral.
G. O entendimento de que a reincidência não é (nem pode ser) critério de exclusão da aplicação do referido regime no que concerne às infrações disciplinares, com as aqui em sindicância, é o único que encontra apoio no texto da lei e que respeita o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
H. e que vai, além do mais, ao encontro da posição já assumida por este Tribunal Central Administrativo do Sul no âmbito do processo n.° 46/23.OBCLSB (TAD 4/2022) - no qual. num caso em tudo idêntico ao sub judice. se entendeu amnistiar as infrações disciplinares imputadas aos Recorrentes Futebol Clube do Porto - Futebol SAD e F........, não obstante este último ser reincidente precisamente nos termos do disposto no art. 136.°-1 e 3 do RDLPFP.
I. Pelo que. também aqui. se haverá de concluir que a infração imputada ao Recorrente, o objeto do presente recurso, encontra-se abrangida pela amnistia instituída pela Lei n.° 38*\A/2023, tendo sido por ela amnistiada - o que se requer seja reconhecido com as legais consequências.
-III- J. A condenação do Recorrente assenta nas declarações proferidas pelo mesmo no programa de televisão "Universo Porto - Da bancada", transmitido no dia 23/05/2023 pelo "Porto Canal", no qual dá a sua opinião acerca da atuação do VAR H......... em determinados jogos.
K. Não podia a ora Recorrida, e bem assim o Tribunal a quo, deixar de apreciar (e de valorar positivamente a favor daquele) o concreto contexto e os factos que permitiram criar a convicção que o aqui Recorrente veio a propalar acerca da atuação profissional do visado.
L. F........ é Diretor de Comunicação da Futebol Clube do Porto - Futebol. SAD. fazendo parte das suas funções, justamente, a tomada de posição (pública) sobre todos os assuntos relacionados com o futebol - nos quais se inclui, naturalmente, as questões sobre a arbitragem.
M. As declarações em causa nos presentes autos mais não traduzem do que o expressar da sua indignação relativamente a um desempenho de um agente de arbitragem que se revelou como vergonhoso porque recheado de erros injustificáveis e que afetam seriamente o bom funcionamento da competição - erros esses que além de terem sido expressamente apontados pelo Recorrente ao longo do seu discurso, foram inclusive alvo de apreciações e comentários negativos por parte da generalidade da imprensa desportiva.
N. Tudo o que é. portanto, demonstrativo de que as críticas tecidas pelo Recorrente foram motivadas por arbitragens concretas que estiveram longe de ser isentas de censura.
O. O Recorrente alicerça o seu raciocínio em específicos erros de arbitragem que o mesmo detalhadamente enuncia, erros esses que têm a virtualidade de influenciar, de forma direta e decisiva, o resultado final das partidas, e. consequentemente, a própria grelha classificatória; pelo que se tem por perfeitamente legítima a conclusão (ainda que sob a forma de juízo de valor subjetivo) alvitrada no sentido de que a verdade desportiva foi efetivamente desvirtuada/ falseada.
P. O desempenho das equipas de arbitragem assume um papel fundamental e de especial revelo no desenrolar das competições desportivas, sendo certo que os erros dos árbitros têm repercussões sérias no resultado das competições nacionais e internacionais, esperando-se e exigindo-se daqueles profissionais rigor e competência máximos.
Q. Se a atuação (errada) dos árbitros influencia indiscutivelmente o resultado, e se se trata de falhas (graves) assumidamente reconhecidas por todos, então é natural que se impute aos visados uma atuação incompetente na aplicação das lex artis. E isto sem que se coloque em causa a concreta idoneidade dos árbitros visados mas apenas se suscitando dúvidas (legítimas) sobre a sua competência e capacidade técnica.
R. Sendo igualmente legítimo que, face a situações que se têm por incompreensíveis e intoleráveis, se possa colocar em causa, inclusive, a competência e atuação das Instâncias responsáveis a esse nível, questionando, ainda que de forma veemente, o que está a ser feito para evitar que erros crassos de arbitragem (seja por Acão ou por omissão) como os verificados no jogo em questão sejam evitados.
S. Devendo, necessariamente, os arts. 112.° e 136.M do RD ser interpretados e enquadrados atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelo que as expressões contantes daquele RD relativas ao "desrespeito", à "injúria", à "difamação" ou à "grosseria" terão, impreterivelmente, que ajustar-se àquela mesma realidade.
T. Certo é que, independentemente do desagrado que as suas palavras possam ter causado, a atuação do Recorrente enquadra-se e não extrapola o âmbito do direito fundamental à liberdade de expressão (arts. 37.°-1 da Constituição da República Portuguesa. 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 10.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos).
U. A tese sufragada na decisão recorrida pelo Tribunal a quo contraria aquilo que vem sendo entendido pelo TEDH quanto à prevalência do direito fundamental à liberdade de expressão face ao bom-nome e à honra de terceiros, sempre que exista uma base factual mínima que suporte as afirmações propaladas.
V. Trata-se de meros juízos de valor - ainda que depreciativos, é certo - sempre voltados, em exclusivo, para o desempenho da arbitragem e para a atuação profissional do visado, jamais tendo sido o propósito do Recorrente ofender a honra, bom-nome e reputação do vídeo-árbitro visado, mas apenas apreciar de forma crítica (ainda que severa) a sua arbitragem naquele jogo em concreto.
W. Como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na proteção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um "ataque pessoal gratuito” - o que assumidamente não se verifica no presente caso!
X. Tinha, pois, o Recomente base factual mais do que suficiente para criticar a prestação da arbitragem nos termos em que o fez, não lhe podendo nessa medida ser atribuída qualquer responsabilidade disciplinar.
Y. Por ser assim, não merecendo a conduta do Recorrente qualquer censura, não podendo subsumir-se na norma disciplinar imputada, nem em qualquer outra, impõe-se a revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que importe a absolvição do Recorrente - o que se requer com as devidas e legais consequências.
Z. Sem prescindir, sempre se diga que a interpretação da norma prevista no art. 112.°-1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no sentido de que constitui uma lesão intolerável do direito à honra do visado a propalação de afirmações (escritas ou verbais) que contendam com as suas qualidades morais e pessoais, mesmo quando haja base factual suficiente que sustente tais imputações, é manifestamente inconstitucional por violação do conteúdo essencial do direito fundamental à liberdade de expressão da Recorrente (art. 37.° e 18.°, n.°s 2 e 3, da CRP).
AA. Com efeito, o entendimento / interpretação do art. 112.°, n.° I. do RDLPFP no sentido de que na verificação da comissão da infração de "Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros", prevista naquele preceito, não interessará saber se existe ou não uma base factual que possa suportar ou justificar o uso de expressões difamatórias para com árbitros e outros agentes desportivos, devendo a eventual existência dessa base factual ser desconsiderada, configura uma compressão do núcleo essencial do direito à liberdade de expressão, proibida pelo art. 18.°. n.° 3, da Constituição, e representa assim uma restrição inconstitucional desse direito fundamental, violadora do artigo 37.°, n.° 1. da CRP.
-IV- BB. Novamente sem prescindir, as sanções aplicadas no presente pleito - atendendo às molduras concretamente aplicáveis e, sobretudo, à confissão livre, integral e sem reservas apresentada nos autos e validamente admitida - revelam-se desproporcionais, desadequadas e manifestamente excessivas.
CC. Não se fazendo sentir no presente caso, à luz da reduzida gravidade dos concretos factos em sindicância, especiais exigências de prevenção que justifiquem a aplicação de sanções tão afastadas dos mínimos legais.
DD. E, nem mesmo o cadastro disciplinar do Recorrente pode servir para inverter esta linha de raciocínio, visto que, consagrando o art. 136.°-3 que "em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro”, depois de agravada a moldura aplicável, pelo que não pode tal circunstância continuar a ser usada à guisa de argumento para pretensamente justificar uma condenação mais severa que aquela que impõem as exigências que concretamente se fazem sentir.
EE. Dessa sorte, e caso se entenda, contrariamente ao que vem defendido supra, que ainda assim deva ser de manter a decisão recorrida, sempre deverão as penas ser revogadas, sendo substituídas por outras que se quedem nos montantes mínimos respetivos previstos nas disposições conjugadas dos arts. 112.°-1. 136.°-1 e 245.°-6 do RDLPFP.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, e, consequentemente, revogar o acórdão arbitrai recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que importe a absolvição do Recorrente F.........
Sem prescindir e sempre subsidiariamente, devem as penas principais e acessória aplicadas in casu ser revogadas, decidindo-se pela sua redução aos limites mínimos previstos nas disposições conjugadas dos arts. 112.M, 136.°-1 e245.°-6 do RDLPFP.”
Das Contra-alegações de Recurso apresentadas pela Federação Portuguesa de Futebol, constam as seguintes Conclusões:
“1. O Recurso interposto peio Recorrente tem por objeto a decisão arbitrai proferida no âmbito do processo n.º 57/2023, que negou provimento ao aí peticionado, confirmando a decisão impugnada proferida peio Conselho de Disciplina, na íntegra.
2. O Acórdão corrido confirmou a condenação do Recorrente pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP, por referência ao disposto no artigo 112.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, em sanção de suspensão de 45 (quarenta e cinco) dias e, acessoriamente, em sanção de multa no montante de 7.650,00 € (sete mil seiscentos e cinquenta euros, decisão essa confirmada agora pelo TAD.
3. Atento o normativo pelo qual o Recorrente foi sancionado, cabe sublinhar que o valor protegido pelo ilícito disciplinar pelo qual o Recorrente foi condenado, à semelhança do que é previsto nos artigos 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
4. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
5. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto facto de realização do valor da ética desportiva.
6. No enquadramento regulamentar dado pelo preceito disciplinar em apreço, reprova-se e sanciona*se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de elementos da equipa de arbitragem, do Conselho de Arbitragem e respetivos membros.
7. Tratando-se do Diretor de Comunicação de uma das maiores instituições desportivas nacionais, o Recorrente sabe que as declarações que profere e divulga são aptas a influenciar a comunidade e a imagem que a mesma tem das competições e dos agentes desportivos nelas envolvidos.
8. Pelo que, impende sobre si, um dever de zelo para prevenir fenómenos de violência e intolerância no desporto.
9. Alega o Recorrente, mal que as declarações e expressões em crise serviram essencialmente para apontar erros de arbitragem, dando a conhecer factos, exprimindo discordância e fazendo uma crítica objetiva baseada em factos. Ora, com o devido respeito, manifestamente, não foi isso que se verificou.
10. O que se verificou foi que, sem qualquer base factual concreta e real, o Recorrente ao proferir as declarações em crise, formulou juízos de valor lesivos da honra e reputação do agente de arbitragem em questão - designadamente o Agente de Arbitragem H......... -, perfeitamente identificável e identificado, colocando em causa o interesse público e privado da preservação das competições reconhecidas como profissionais.
11. É por demais evidente que as expressões do Recorrente vão muito além da crítica objetiva, remetendo para uma atuação errática do agente de arbitragem H........., para de forma propositada, influenciar os resultados e a tabela classificativa beneficiando ou favorecendo outros competidores, em concreto, o SL Benfica e prejudicar o FC Porto, como bem entendeu o TAD.
12. Com a agravante de que tais declarações e expressões nem sequer foram divulgadas e proferidas no "calor do jogo", mas sim em momento posterior ao mesmo, tendo o Recorrente ponderado as mesmas e tendo dito e divulgado o que queria e como queria, com determinada intenção que ora se explana.
13. O Recorrente não critica critérios e decisões, mas sim pessoas, não no exercício das respetivas funções, mas nas suas características, ao contrário do que alega.
14. Uma coisa é dizer-se que determinado(s) agente(s) de arbitragem não foi competente no ajuizamento de lances passíveis de grande penalidade ou de fora de jogo com o, consequente, prejuízo ou benefício de um clube, outra bem distinta é, arredar-se dos lances, e centrar-se nas pessoas, usando qualificativos como "falsear" a verdade desportiva ou "oferecer" pontos aludindo ao favorecimento de um competidor direto.
15. Até porque, o que se transmite é uma ideia de uma postura volitiva do árbitro visado de prejudicar um clube e beneficiar outro, lançando, assim, um intolerável manto de suspeição que coloca em causa a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros, maculando a ética desportiva que deve imperar entre agentes desportivos e o próprio prestígio e bom funcionamento das competições de natureza profissional.
16. Com a agravante de que, ao produzir, publicar e divulgar tais declarações, como facilmente também se alcança, as mesmas são difundidas por outros órgãos de comunicação social - conforme prova documental que consta do processo disciplinar a fls. 4 a 5 e gravação das imagens melhor inclusas a fls 43. lançando sobre o visado um clima de suspeição e prejudicando a reputação do mesmo.
17. Todos concordarão que, se não há desporto - e futebol - sem as leis de jogo -, também não haverá sem os agentes de arbitragem, os habitualmente designados "juízes da partida" que têm como função fazer cumprir e respeitar aquelas Leis, bem como os regulamentos aplicáveis. E, permanecem no âmago dessas funções, os valores da imparcialidade e da isenção entre os competidores, entre aqueles que disputam o jogo.
18. Lançar suspeitas, manifestamente infundadas, de que a atuação de determinado agente de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do respetivo elemento de arbitragem, consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.
19. As declarações divulgadas ultrapassaram, claramente, uma mera crítica às decisões de arbitragem e não podem deixar de ser interpretadas com o alcance de ter havido uma intenção do agente de arbitragem H........, mediante erros, prejudicar a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD e beneficiar a Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD, tirando dois pontos à primeira e oferecendo um ponto à segunda, como se sugere nas declarações em crise.
20. Não restam dúvidas de que o Recorrente afirma que o agente de arbitragem H........ foi determinante na atribuição do título, sendo o árbitro com "maior intervenção no falsear da verdade desportiva", afirmando ainda que o árbitro H........ "ofereceu um ponto ao Benfica" e que tem "um preconceito com o FC Porto", em virtude de alegadamente não ter assinalado um penalty no jogo Casa Pia vs FC Porto e outro no jogo SP Braga vs FC Porto e ainda outro(s) no Moreirense vs FC Porto.
21. As palavras utilizadas não são aleatoriamente escolhidas, antes visando criar na comunidade a ideia de que o árbitro H........ erra premeditadamente com vista a favorecer o SL Benfica e a prejudicar o FC Porto.
22. É isso que se pretende quando se afirma que determinado árbitro "oferece" pontos a determinado clube ou que tem intervenção "no falsear da verdade desportiva" ou ainda que tem um "preconceito" com determinado clube, aludindo a lances de suposta grande penalidade que o referido árbitro não assinalou a favor do FC Porto.
23. O Recorrente não é novato no cargo que ocupa, sabe o que diz e o que pretende quando o diz, utilizando propositadamente palavras com carga e conotação negativa, que atingem a honra e reputação dos visados, junto da Comunidade.
24. Aliás, a consciência de que sabe que a sua atuação é disciplinarmente censurável é o longo cadastro disciplinar - a fls. 41 do PD - que ostenta, o que permite concluir que não pretende cumprir com os deveres que sobre si impendem como agente desportivo.
25. Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.5 da CEDH. Com efeito, sem prejuízo de a liberdade de expressão ser um valor e princípio protegido pela referida norma, haverá que atentar no que dispõe o n.9 2 do referido artigo 10.2 da CEDH.
26. Nesse sentido, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada.
27. A sanção concretamente aplicada visa a especial prevenção no atuar deste agente desportivo em particular.
28. Em suma, deve ser negado provimento ao recurso, demonstrando-se o acerto da decisão arbitrai recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitrai recorrido, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.”

O Recurso foi admitido por Despacho de 4 de dezembro de 2023.

O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 5 de dezembro de 2023, veio a emitir Parecer em 6 de dezembro de 2023, no qual, a final, “pugna pela improcedência do recurso”, mais tendo suscitado a inaplicabilidade de Lei da Amnistia, atenta a reincidência disciplinar do Recorrente.
II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre verificar e decidir se, como alegado, se se mostrará aplicável a lei da Amnistia, se terá ocorrido erro de julgamento, e se a pena aplicada se mostrará desproporcionada, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido, relativamente à fixação da matéria de facto, consta o seguinte:
“i) O Arguido F......... é Diretor de Comunicação da Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, conforme é pública e notoriamente conhecido.
ii) No dia 21.05.2023, realizou-se o jogo oficialmente identificado sob o n.° 13301, a contar para a 33.a Jornada da Liga Portugal Bwin, disputado entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD e a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, no Estádio José Alvalade, para o qual foi nomeada a equipa de arbitragem assim composta:
Arbitro: J.........:
Assistente 1: B...........:
Assistente 2: L...........;
4º Árbitro: V...........:
VAR: H........;
AVAR: P............
- cfr. fls. 19 a 22 do processo disciplinar n.° 97-22/23;
iii) Por sua vez, realizou-se no dia 07.01.2023, no âmbito da 15.a Jornada da Liga Portugal Bwin, o jogo oficialmente identificado sob o n.° 11504, disputado entre a Casa Pia Atlético Clube - Futebol, SAD e a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, no Estádio do Jamor, para o qual foi nomeada a equipa de arbitragem assim composta:
Árbitro: N...........;
Assistente 1: P...........;
Assistente 2: F……;
4º Árbitro: I..........;
VAR: H........:
AVAR: N.........
- cfr. fls. 26 a 29 do processo disciplinar n.° 97-22/23;
iv) Realizou-se, ainda, no dia 25.04.2022, o jogo oficialmente identificado sob o n.° 13102, a contar para a 31a Jornada da Liga Portugal Bwin, época 2021/2022, realizado no Estádio Municipal de Braga e disputado entre a Sporting Clube de Braga - Futebol, SAD e a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD (sociedade desportiva campeã nessa época, somente com uma derrota, exatamente a ocorrida neste jogo), para o qual foi nomeada a equipa de arbitragem assim composta:
Árbitro: H........:
Assistente 1: R…..;
Assistente 2: P….;
4o Árbitro: M….;
VAR: F….;
AVAR: D…...
- cfr. fls. 32 a 35 do processo disciplinar n.° 97-22/23;
v) Após a realização do jogo suprarreferido em b), o Arguido, intervindo como comentador na edição do programa «Universo Porto - da Bancada», transmitida televisivamente no dia 23.05.2023, pelo «Porto Canal)), proferiu as declarações publicadas no dia 24 de maio, no jornal online record (cfr. fls. 4 a 5 do processo disciplinar n.° 97-22/23), com o seguinte conteúdo:
"F........ criticou H........ pela sua atuação como VAR do dérbi entre Sporting e Benfica, de domingo, que terminou com um empate entre os rivais {2-2}. O diretor de comunicação portista visou o juiz, na noite desta terça-feira, no Porto Canal, especialmente peio lance em que os encarnados chegaram à igualdade no marcador... mas não só.
“H........ tem um histórico de infelicidade nos jogos que envolvem o FC Porto e voltou a ser determinante, através dos seus maus juízos ou das suas omissões, na atribuição do título. É o mesmo árbitro que teve maior intervenção no falsear da verdade desportiva neste campeonato. Ofereceu um ponto ao Benfica neste clássico. O árbitro J......... não tem qualquer responsabilidade», disse F........, apontando a outros equívocos de H........: ((Um ponto tem assim tanta interferência na atribuição do título? Tem, porque este não foi o único erro muito grave do senhor H…. /. Foi o VAR do jogo Casa Pia-FC Porto e o penálti não assinalado por ele e sofrido pelo Galeno é demasiado ostensivo. Há uma infração dentro da área, tem de ser assinalada. É para isso que existe o VAR e infelizmente, o senhor árbitro H........ parece ter um preconceito em relação o FC Porto. Foi o árbitro do jogo Sp. Braga-FC Porto; impediu-nos de fazer um campeonato sem derrotas, no célebre Moreirense-FC Porto... Esta época foram dois pontos no Casa Pia mais um ponto a tirar ao Benfica no clássico, não era preciso mais nada.»
Por fim, o responsável azul e branco vincou que as suas críticas não estão relacionadas com qualquer suspeita de imparcialidade. «Estes erros demasiado grosseiros... Temos de começar a ser mais exigentes na seleção das pessoas que vão desempenhar funções tão importantes. Não tenho nada contra o cidadão H........, não considero que haja má-fé nas suas decisões, acredito na bondade das suas decisões, mas elas têm sido muito erradas e têm de ter consequências», concluiu.
O dirigente leonino também analisou a arbitragem de T.........no jogo dos leões com o Gil Vicente e não deixou de apontar críticas à forma como o encontro foi dirigido. «Vencemos o jogo mas não gostei da arbitragem. O T….., pelo menos é a perceção que dá, com uma situação de jogo perde o controlo e depois aparenta uma instabilidade emocional. Não tem tido muita sorte nos jogos com o Sporting pois há sempre um ou outro acontecimento que faz despoletar esta situação. Ele quase que estragava um jogo fácil de arbitrar incendiando as bancadas e enervando os jogadores», acusou o responsável leonino."
- cfr. fls. 4 a 5 do processo disciplinar n.° 97-22/23
vi) As declarações do Arguido foram prestadas no referido programa “Universo Porto - da bancada", programa televisivo que se dedica principalmente à análise e comentário do futebol profissional, e tiveram ampla repercussão na imprensa desportiva nacional - cfr. fls. 4 a 5 e gravação das Imagens juntas a fls. 43 do processo disciplinar n.° 97-22/23.
vii) O Arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração do agente de arbitragem visado, pondo em causa a sua idoneidade e imparcialidade, e afetava as relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que o próprio Arguido se encontra envolvido enquanto Diretor de Comunicação da Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD.
viii) O Arguido, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares - cfr. fls. 41 do processo disciplinar n.° 97-22/23.

Sumariou-se no Acórdão Arbitral recorrido:
“Sem prejuízo de se encontrarem verificados os pressupostos para a aplicação aos autos do previsto nos artigos 2.°, n.° 2, alínea b), e 6.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto, propugna-se o entendimento de que o legislador quis excluir expressamente a reincidência do âmbito de aplicação da lei, independentemente de estarmos perante a amnistia de infrações penais, de infrações disciplinares ou de infrações disciplinares militares;
Por um lado, e de iure condito, o n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto enuncia, taxativa e expressamente, os casos que não beneficiam do perdão e da amnistia, sem qualquer delimitação negativa no que às infrações disciplinares diz respeito;
Por outro lado, do ponto de vista sistemático, constata-se que nas várias alíneas previstas no n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto, sempre que o legislador pretendeu restringir o respetivo âmbito de aplicação às infrações penais, fê-lo igualmente de forma expressa: a alínea j) do n.° 1 do artigo 7.° refere-se, genericamente, aos "reincidentes", não havendo, fundamento para não incluir os reincidentes de infrações disciplinares nesta previsão normativa;
Sempre que o legislador quis restringir o respetivo âmbito de aplicação às infrações penais (cfr. artigo 11n.° 1, no que à recusa de amnistia diz respeito), fê-lo expressamente, o que manifestamente não sucede no caso do n.° 1 do artigo 7.° e, em concreto, da alínea j) reportada aos reincidentes;
Do ponto de vista teleológico, sempre se dirá que a Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto consagrou, no que às infrações disciplinares diz respeito, uma amnistia extremamente ampla e praticamente incondicionada, pelo que, face a tal abrangência, é coerente a consagração de exceções à aplicação da referida amnistia, nomeadamente em matéria de reincidência disciplinar: a ratio legis do artigo 7.°, n.° 1, alínea j) da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto vai no sentido de considerar que os reincidentes (quaisquer reincidentes, seja de infrações penais, infrações disciplinares ou de infrações disciplinares militares) não beneficiam do ato de graça, traduzido na possibilidade de beneficiarem da possibilidade verem extinta a sua responsabilidade criminal ou disciplinar, pelo que tal regime será inaplicável aos presentes autos, uma vez que o Demandante é reincidente disciplinar;
O TAD é um verdadeiro tribunal, com especificidades relativamente aos tribunais administrativos, pois não teria sentido dar ao Tribunal Arbitrai do Desporto a possibilidade de conhecer ab initio do litígio desportivo como se fosse uma entidade administrativa e depois limitar-se conceptualmente o âmbito do poder de jurisdição plena em sede do conhecimento de direito e de facto em recurso da decisão administrativa dos órgãos referidos no n°3 do referido artigo 4o: com este preceito pretendeu-se dar ao TAD a possibilidade de reexame das decisões em sede de matéria de facto e de direito;
Os artigos 112.° e 136.° do RDLPFP visam igualmente proteger a ética e os valores desportivos - designadamente a credibilidade da competição valores para os quais concorre necessariamente a dignidade e a imparcialidade da função dos árbitros: ao abrigo de tal previsão normativa são de sancionar os atos ou as declarações praticadas por agentes desportivos que ofendam o direito à honra e à reputação funcional de outros agentes desportivos, porque está igualmente em causa a prevenção da violência no desporto, ligada à realização do valor da ética desportiva;
Ao proferir as declarações melhor reproduzidas no ponto v) da lista de factos assentes, o Demandante formulou juízos de valor lesivos da honra e reputação do agente de arbitragem em questão - o Agente de Arbitragem H........ colocando também em causa o interesse público da preservação das competições reconhecidas como profissionais;
O Demandante, ao lançar suspeitas de que a atuação de um específico agente de arbitragem não é pautada pelos valores da imparcialidade e da isenção, atenta contra a honra e bom nome do respetivo elemento de arbitragem, consubstanciando um comportamento enquadrável na previsão do tipo disciplinar p. e p. pelo artigo 136.°, n.°s 1, por referência ao artigo 112°, n.° 1, ambos do RDLPFP;
As afirmações do Demandante (em concreto quando refere que é “ o mesmo árbitro que teve a maior intervenção no falsear da verdade desportiva neste campeonato. Ofereceu um ponto ao Benfica neste clássico", "o senhor árbitro H........ parece ter um preconceito em relação o FC Porto ", “Foi o árbitro do jogo Sp. Braga-FC Porto; impediu-nos de fazer um campeonato sem derrotas, no célebre Moreirense-FC Porto”, ‘‘Esta época foram dois pontos no Casa Pia mais um ponto a tirar ao Benfica no clássico, não era preciso mais nada", ultrapassam, no contexto em que foram proferidas, a mera crítica - legítima - às decisões tomadas pelo agente desportivo em causa.
O direito à crítica constitui uma afirmação concreta do valor da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo, consagrado no artigo 37.°, n.° 1, da CRP, sendo que, todavia, no caso em apreço, as afirmações sob escrutínio ultrapassam os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação.
As expressões concretamente utilizadas são de molde a convencer de que se trata de um intencional ataque à honestidade e integridade do árbitro visado, indo além da crítica ao seu desempenho profissional, revelando uma carga ofensiva, por gratuita e achincalhante;”

Correspondentemente, decidiu-se arbitralmente “Julgar o presente recurso totalmente improcedente, e, consequentemente, confirmar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, condenando-se o Demandante na sanção de suspensão de 45 dias e, acessoriamente, uma sanção de muita no valor de 7.650€”

Vejamos;
Suscitou, desde logo, o Ministério Público, a inaplicabilidade da Lei da Amnistia, atenta a verificada reincidência disciplinar do Recorrente, o que se mostra impeditivo da aplicação da referida Lei.

Efetivamente consta do Facto Provado viii), o qual não foi impugnado, que “O Arguido, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares - cfr. fls. 41 do processo disciplinar n.° 97-22/23”, pelo que, tendo a referida reincidência sido expressamente suscitada pelo Ministério Público no seu Parecer, é incontornável que se não mostra aplicável a Lei da Amnistia, nos termos do Artº 7.º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, que expressamente exclui da amnistia as situações de reincidência.

A amnistia da infração disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação, refere-se à própria infração e faz extinguir o procedimento disciplinar. Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.

Com efeito, a amnistia é o ato de graça pelo qual a Assembleia da República declara, por uma lei formal, geral e abstrata, extinta a responsabilidade criminal (ou disciplinar) derivada de factos cometidos dentro de um período de tempo, por uma categoria geral de pessoas; o direito de graça assume natureza mista, no sentido em que tem, por um lado, significado jurídico-substantivo ao nível da doutrina da consequência jurídica, sendo um pressuposto negativo da punição, e, por outro, possui um específico cunho processual, que a faz surgir, no âmbito do direito processual, como um verdadeiro pressuposto processual: ou como obstáculo ao procedimento judicial, ou como obstáculo à execução da sanção.

Como se viu, o artigo 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria. Todavia, o artigo 7° alínea j) da referida Lei exceciona expressamente do benefício da amnistia prevista nesta lei os reincidentes.

No caso vertente, o demandante, ora Recorrente, foi condenado pelo Conselho de Disciplina da Demandada, como reincidente, pela prática de uma infração disciplinar, p. e p. pelos artigos 136.°-1 e 4 por referência ao artigo 112.°-1 e 4.°, n.° 1, alínea c), todos do RD, em pena de 45 dias de suspensão e de multa no valor de €7.650.

Tal infração tem por base as declarações proferidas pelo aqui Recorrente no programa de televisão “Universo Porto - Da bancada", transmitido no dia 23.05.2023 pelo “Porto Canal".

Se é certo que in casu, estamos perante uma infração disciplinar praticada anteriormente às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, punida com suspensão e multa, o que é facto é que “Sem prejuízo de se encontrarem verificados os pressupostos para a aplicação aos autos do previsto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6° da Lei n. ° 38-A/2023, de 2 de agosto, é incontornável que o legislador quis excluir expressamente a reincidência do âmbito de aplicação da lei independentemente de estarmos perante a amnistia de infrações penais, de infrações disciplinares ou de Infrações disciplinares militares;”

Por um lado, o n.º1 do artigo 7°da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto enuncia, taxativa e expressamente, os casos que não beneficiam do perdão e da amnistia, sem qualquer delimitação negativa no que às Infrações disciplinares diz respeito;

Por outro lado, do ponto de vista sistemático, constata-se que nas várias alíneas previstas no n.º 1 do artigo 7° da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, sempre que o legislador pretendeu restringir o respetivo âmbito de aplicação às Infrações penais, fê-lo igualmente de forma expressa: ora, a alínea j) do n.º1 do artigo 7° refere-se, genericamente, aos “reincidentes”, não havendo, fundamento para não incluir os reincidentes de infrações disciplinares nesta previsão normativa;

Sempre que o legislador quis restringir o respetivo âmbito de aplicação às infrações penais (cfr. artigo 11°, n° 1, no que à recusa de amnistia diz respeito), fê-lo expressamente, o que manifestamente não sucede no caso do n° 1 do artigo 7° e, em concreto, da alínea j) reportada aos reincidentes;

Do ponto de vista teleológico, sempre se dirá que a Lei n° 38-A/2023, de 2 de agosto consagrou, no que às infrações disciplinares diz respeito, uma amnistia ampla, pelo que, face a tal abrangência, é coerente a consagração de exceções à aplicação da referida amnistia, nomeadamente em matéria de reincidência disciplinar, em face do que a ratio legis do artigo 7.°, n,° 1, alínea j) da Lei n° 38-A/2023, de 2 de agosto vai no sentido de considerar que os reincidentes não beneficiam do ato de graça, traduzido na possibilidade de beneficiarem da possibilidade verem extinta a sua responsabilidade criminal ou disciplinar, pelo que tal regime será inaplicável aos presentes autos, uma vez que o Demandante é reincidente disciplinar". (Cfr. Acórdão n.° 62/2023 do TAD, in www.tribunalarbitraldesporto.pt/documentacao/decisoes/processo-62-2023.

Assim, da análise aos presentes autos, nomeadamente da motivação de recurso apresentada pelo Recorrente, e das contra-alegações da Recorrida e atento o discurso fundamentador da decisão recorrida e seu correspondente sumário, cujo conteúdo aqui se ratifica, entende-se que a decisão do Colégio Arbitral do TAD objeto de impugnação não enferma dos imputados erros de julgamento de direito, inverificando-se a suscitada desproporcionalidade da pena, atentos os normativos aplicáveis.

Correspondentemente, decidiu-se singularmente em 27 de dezembro de 2023, nos termos do Artº 656º CPC, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Na realidade, refere-se no aludido Artº 656º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.”

Efetivamente, uma vez que a matéria relativa à aplicabilidade da lei da amnistia tem sido recorrentemente adotada, mostrando-se a reincidência expressamente um óbice à aplicabilidade da mesma, a decisão proferida mostrava-se simples, sendo o Recurso, correspondentemente manifestamente infundado.

Em qualquer caso veio legitimamente o Recorrente em 8 de janeiro pp Reclamar da referida decisão para a Conferência, concluindo a Reclamação afirmando que “caso se entenda (…) que ainda assim deva ser de manter a decisão reclamada, sempre deverão as penas ser revogadas, sendo substituídas por outras que se quedem nos montantes mínimos respetivos previstos nas disposições conjugadas dos arts. 112.º-1, 136.º-1 e 245.º-6 do RDLPFP. Termos em que se requer seja declarada procedente a presente reclamação, substituindo-se a sentença reclamada por outra, proferida pela Conferência, nos termos melhor alegados no recurso apresentado aos autos.”

Refira-se que a Reclamação ara a Conferencia não determina um novo julgamento, com base em argumentos e pedidos diversos, antes se impondo verificar se o Coletivo acompanha o sentido da decisão singular preteritamente adotada.

Assim, independentemente da argumentação esgrimida em sede de Reclamação, é incontornável que a questão da reincidência do arguido foi expressamente suscitada pelo Ministério Público ao que acresce que o facto provado viii) enuncia que o “O Arguido, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares - cfr. fls. 41 do processo disciplinar n.° 97-22/23.”

Assim, mal se compreenderia que o Tribunal ignorasse tal circunstância que exceciona a aplicabilidade da Lei da Amnistia relativamente aos arguidos reincidentes.

IV - DECISÃO
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, subsecção social, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator, negando provimento ao Recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Carlos Araújo