Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:101/15.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:MUDANÇA DE INSTALAÇÃO DE ESCOLA DE CONDUÇÃO;
DISTÂNCIA MÍNIMA ENTRE ESCOLAS;
DIREITO APLICÁVEL.
Sumário:I. Segundo os artigos 69.º e 77.º da Lei n.º 14/2014, de 18/03, a mesma entrou em vigor 90 dias depois da sua publicação, o mesmo período fixado para a sua regulamentação.

II. Nos termos do disposto no artigo 76.º, b) da Lei n.º 14/2014, de 18/03, tal lei revogou o Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04.

III. Ainda que não existisse uma revogação expressa do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, sempre tal diploma se teria de entender por revogado em face da revogação da lei que visava regulamentar.

IV. Tratando-se de normas regulamentares, as mesmas apenas subsistem no ordenamento jurídico enquanto se mantiver a respetiva lei habilitadora, segundo o princípio da legalidade, na sua dimensão de precedência ou de reserva de lei.

V. Não prevendo a Lei n.º 14/2014, norma equivalente ao artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, que exige uma distância mínima de 500 metros entre escolas de condução, encontrando-se este diploma expressamente revogado, não se poder exigir à interessada a observância de um requisito dele constante como condição do exercício do direito de mudança de instalações.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datado de 05/01/2016, na parte em que, no âmbito da ação administrativa instaurada por S..........., Lda., julgou procedente a anulação do indeferimento da mudança de instalações e condenou a Entidade Demandada a aceitar o requerimento apresentado pela Autora, de mera comunicação prévia de mudança de instalações.


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Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões, que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. O ora Recorrente pugna pela legalidade do ato impugnado, isto porque obedeceu estritamente aos requisitos legalmente estabelecidos.

2. Com efeito, a mudança de instalações da escola de condução da ora Recorrida não cumpriu o requisito de distância mínima entre escolas de condução, uma vez que a nova localização dista a menos de 500 metros de outras duas escolas de condução.

3. Deste modo, a ora Recorrida não deu cumprimento ao requisito da distância mínima entre escolas de condução, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 9 de abril.

4. E como tal, o não cumprimento do referido requisito legal constitui motivo de instauração de processo de encerramento compulsivo da escola de condução da ora Recorrida, nos termos do artigo 33.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março.

5. Concluindo, o Tribunal a quo não decidiu bem pela (parcial) procedência da ação, pelos motivos acima expostos.”.

Pede o provimento do recurso e a anulação da sentença recorrida, com as legais consequências.


*

Notificada a Autora, ora Recorrida, a mesma contra-alegou o recurso, tendo assim concluído:

“A. Deverá ser recusado o Recurso Jurisdicional apresentado pelo Réu uma vez que não foi apresentada em tempo reclamação para a conferência, nem tão pouco poderá o Recurso Jurisdicional ser convolado em reclamação para a conferência, por extemporaneidade.

B. Na eventualidade de assim não se entender, deverá ser mantida a Douta Sentença de 5 de Janeiro de 2016, nos seus precisos termos.”.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso e pela manutenção da decisão sob recurso.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação da Lei n.º 14/2014, de 18/03, no tocante a vigorar o requisito da distância mínima entre escolas de condução, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04.

A Recorrida, nas contra-alegações invocou que o recurso deve ser recusado, por a Entidade Demandada não ter apresentado em tempo reclamação para a conferência, não podendo o recurso ser convolado em reclamação para a conferência, por extemporaneidade.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 2014-11-17, a A. requereu à Entidade Demandada, a mudança das instalações da sua Escola de Condução melhor identificada nos autos, tendo para o efeito instruído o seu pedido com a totalidade dos elementos e documentos previstos no n.º 2 do art. 22º da Lei n.º 14/20014, de 18 de Março, e pago a taxa devida: cfr. PA;

B) Em 2014-12-16, os serviços da Entidade Demandada propuseram ao órgão decisor:

: cfr. PA;

C) Ato impugnado:

Em 2014-12-16, o Diretor Regional da Entidade Demandada, concordando com o acima proposto, determinou procedimento em conformidade: cfr. cfr. pág. 9 de fls. 75 a 151 do processo SITAF – autos cautelares apensos;

D) Em 2014-12-17, a Entidade Demandada notificou a A. de que:


«imagens no original»


: cfr. Doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial - PI;

E) Ainda em 2014-12-17, a Entidade Demandada notificou a A. de que:


«imagens no original»


: cfr. cfr. pág. 8 de fls. 75 a 151 do processo SITAF – autos cautelares apensos;

F) Em 2014-12-29, a A. intentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a providência cautelar que correu termos sob o n.º 547/14.1BEBJA: cfr. fls. 1 dos autos cautelares apensos;

G) Em 2015-01-02, em sede de audiência de interessados procedimental, a A. pronunciou-se manifestando o seu desacordo para com as medidas provisórias pretendidas adotar pela Entidade Demandada, mais adiantando que, sobre a não aceitação da mudança de instalações requerida, se iria pronunciar em sede própria: cfr. PA;

H) Em 2015-03-18, a A. intentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja os presentes autos principais: cfr. fls. 1;

I) Em 2015-04-15, transitou em julgado a sentença que julgou parcialmente procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato suspendendo (apenas quanto à intenção de instauração de um processo de encerramento compulsivo e à aplicação de medidas provisórias) e totalmente procedente a providência cautelar no demais, suspendendo, consequentemente, a eficácia do ato que determinou o indeferimento da mudança de instalações da escola de condução da A.: cfr. fls. 100 e providência cautelar apensa;

J) O A. pagou a B..........., LDA, por transferência bancária, o valor mensal de €487,50 (quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), referente às rendas de Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015, da Loja n.º 49, da Rua…………, Beja: cfr. Doc. n.º 7 e n.º 8 juntos com a PI.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise das questões invocadas no presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem lógica e prioritária de conhecimento.

1. Da rejeição do recurso, por falta de apresentação de reclamação para a conferência e impossibilidade de convolação do recurso em reclamação, por extemporaneidade

Vem a Autora, ora Recorrida, invocar a rejeição do presente recurso, por falta de apresentação de reclamação para a conferência e impossibilidade de convolação do presente recurso em reclamação, por extemporaneidade.

Vejamos.

Como decorre dos presentes autos a decisão ora recorrida consiste no saneador-sentença, tratando-se do ato processual proferido pelo Tribunal a quo, após a fase dos articulados, através do qual foram decididas as exceções dilatórias suscitadas, tendo sido julgada parcialmente procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato, sido prescindida a fase de instrução da causa e sido conhecido o mérito da causa.

Como tal, tratando-se de um saneador-sentença a competência para a sua prolação cabe ao juiz da causa, enquanto juiz titular do processo, nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CPTA, não sendo ato processual que pudesse ou devesse ter sido praticado pelo coletivo de três juízes – vide artigo 88.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA.

Por isso, o saneador-sentença ora recorrido não foi proferido ao abrigo do artigo 27.º, n.º 1, i) do CPTA, nem o artigo 27.º do CPTA tem aqui aplicação.

Assim sendo, contra tal ato processual cabe a interposição de recurso jurisdicional e não a reclamação para a conferência, motivo pelo qual, em consequência, não há que falar na sua extemporaneidade.

Por conseguinte, mostra-se corretamente interposto o presente recurso, o qual é tempestivo, tal como constante do despacho de admissão do recurso.

Termos em que, em face do exposto, não assiste razão à Autora, ora Recorrida, sendo de julgar improcedente, por não provado, o suscitado, sendo meio próprio de impugnação da decisão ora recorrida, o recurso jurisdicional.

Cumpre apreciar do fundamento do recurso.

2. Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação da Lei n.º 14/2014, de 18/03, no tocante a vigorar o requisito da distância mínima entre escolas de condução, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04

Insurge-se o ora Recorrente contra o saneador-sentença recorrido, assacando-lhe o erro de julgamento de direito, por entender, ao contrário da sentença recorrida, que vigora o requisito da distância mínima entre escolas de condução, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04.

Defende que à data dos factos não tinha sido publicada a Portaria referida no artigo 69.º, n.º 1 da Lei n.º 14/2014, de 18/03, pelo que se mantém as condições previstas no Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, incluindo os requisitos relativos às instalações no tocante à distância mínima de 500 metros entre escolas de condução, nos termos do seu artigo 1.º, n.º 2, c).

Vejamos, analisando a fundamentação de facto e de direito da sentença sob recurso.

A sentença recorrida concedeu provimento à pretensão deduzida pela Autora, nela se decidindo que não tem razão de ser a interpretação de direito sufragada pela Entidade Demandada, nos termos que resultam das alíneas A) a J) do julgamento da matéria de facto.

Conforme se extrai dos factos provados, a Autora em 17/11/2014 requereu à Entidade Demandada a mudança de instalações da sua Escola de Condução, instruindo o pedido com a totalidade dos elementos e documentos previstos no artigo 22.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2014, de 18/03.

Tal pedido veio a ser indeferido, por decisão do Diretor Regional da Entidade Demandada, datada de 26/12/2014, baseada no entendimento de que, quanto ao regime jurídico aplicável, se mantém as condições previstas no Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, em tudo quanto não se encontrar contrariado pela Lei n.º 14/2014, de 18/03, vigorando, por isso, o requisito da distância mínima entre escolas de condução.

Em face da configuração do objeto do recurso, não assiste razão ao Recorrente, não incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento de direito invocado.

Considerando os factos apurados, a Autora apresentou pedido de autorização de mudança de instalações da sua Escola de Condução em 17/11/2014, após a aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 14/2014, de 18/03, que aprova o regime jurídico do ensino da condução, regulando o acesso e o exercício da atividade de exploração de escolas de condução e das profissões de instrutor de condução e de diretor de escola de condução e a certificação das respetivas entidades formadoras.

Do mesmo modo que à data da prática do ato impugnado, em 16/12/2014, se encontrava em vigor a Lei n.º 14/2014, de 18/03.

Segundo os artigos 69.º e 77.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor 90 dias depois da sua publicação, o mesmo período fixado para a sua regulamentação.

O que significa que desde 19/06/2014 a citada Lei n.º 14/2014, de 18/03 se encontrava em vigor, regulando, de entre o mais, a matéria a que respeitam os autos.

Nos termos do disposto no artigo 76.º, b) da Lei n.º 14/2014, de 18/03, tal lei revogou o Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, com as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 20/2000, de 19/12 e pelo Decreto Regulamentar n.º 22/2004, de 07/07, pelo que, ao contrário do defendido pela Entidade Demandada não se encontrava mais em vigor na ordem jurídica a normatividade em que se baseou para recusar a pretensão da interessada, por a mesma se encontrar revogada.

A esta mesma conclusão se teria de chegar recorrendo aos demais elementos da hermenêutica e da interpretação jurídica, pois ainda que não existisse uma revogação expressa do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, com as alterações que lhe foram introduzidas, sempre tal diploma se teria de entender por revogado em face da revogação da lei que visava regulamentar.

Tratando-se de normas regulamentares, as mesmas apenas subsistem no ordenamento jurídico enquanto se mantiver a respetiva lei habilitadora.

O que no presente caso não se verifica.

Está em causa o princípio da legalidade, na sua dimensão de precedência ou de reserva de lei.

Além de se verificar a revogação expressa do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, em que a Entidade Demandada se baseou para recusar a pretensão do interessado por banda do artigo 76.º, b) da Lei n.º 14/2014, donde não se poder exigir à interessada a observância de um requisito dele constante como condição do exercício do direito de mudança de instalações.

O que significa que à data em que a Autora apresentou a sua pretensão e a mesma foi decidida pelo ato impugnado, era a Lei n.º 14/2014, de 18/03 a aplicável e esta não prevê norma equivalente ao artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, que exige uma distância mínima de 500 metros entre escolas de condução, encontrando-se este diploma expressamente revogado.

Pelo que, em face do exposto, improcede, por não provada, a censura dirigida contra a sentença recorrida, não assistindo razão ao Recorrente quanto ao fundamento do presente recurso, sendo, em consequência, de manter o decidido.


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Em suma, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Segundo os artigos 69.º e 77.º da Lei n.º 14/2014, de 18/03, a mesma entrou em vigor 90 dias depois da sua publicação, o mesmo período fixado para a sua regulamentação.

II. Nos termos do disposto no artigo 76.º, b) da Lei n.º 14/2014, de 18/03, tal lei revogou o Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04.

III. Ainda que não existisse uma revogação expressa do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, sempre tal diploma se teria de entender por revogado em face da revogação da lei que visava regulamentar.

IV. Tratando-se de normas regulamentares, as mesmas apenas subsistem no ordenamento jurídico enquanto se mantiver a respetiva lei habilitadora, segundo o princípio da legalidade, na sua dimensão de precedência ou de reserva de lei.

V. Não prevendo a Lei n.º 14/2014, norma equivalente ao artigo 1.º, n.º 2, c) do Decreto Regulamentar n.º 5/98, de 09/04, que exige uma distância mínima de 500 metros entre escolas de condução, encontrando-se este diploma expressamente revogado, não se poder exigir à interessada a observância de um requisito dele constante como condição do exercício do direito de mudança de instalações.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. julgar improcedente, por não provada, a questão suscitada pela Recorrida, respeitante a ser meio próprio a reclamação para a conferência e não o presente recurso jurisdicional interposto;

2. negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)