Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:414/17.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE
QUESTÃO NOVA
PRESCRIÇÃO
PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
PODERES DO MP
Sumário:I. Nunca tendo sido invocada, no momento oportuno, a caducidade do direito à liquidação, a mesma não pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem, dado tratar-se de questão nova (ius novorum) que não é de conhecimento oficioso.

II. A prescrição da dívida tributária, por ter a ver com a sua exigibilidade e não com a legalidade da liquidação que lhe subjaz, pode apenas ser conhecida incidentalmente em sede de impugnação judicial (por poder motivar inutilidade superveniente da lide), caso estejam disponíveis todos os elementos necessários para o efeito, sem necessidade de averiguações adicionais.

III. Até à redação do CPPT, que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o princípio da plenitude da assistência dos juízes não se configurava como um princípio absoluto em processo tributário, sendo o juiz a quem compete elaborar a sentença aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova.

IV. Apenas aos processos instaurados após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, é aplicável nova redação do art.º 114.º do CPPT.

V. O Ministério Público, no âmbito do processo de impugnação judicial tributária, tem legitimidade para promover a realização de diligências de prova.

VI. Não resultando demonstrado, por parte da Impugnante, o por si alegado, no sentido de que as entradas de dinheiro identificadas pela AT corresponderam a empréstimos concedidos, a mesma não cumpriu com o seu ónus da prova, o que reverte contra si.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

M. R. (doravante Recorrente ou Impugnante), sócia da extinta sociedade L. R. Unipessoal, Lda, veio recorrer da sentença proferida a 15.12.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), emitidas em nome da mencionada sociedade, relativas aos anos/exercícios de 2011 e 2012.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1. De acordo com o artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos.

2. Para evitar a caducidade, a administração fiscal deve notificar o contribuinte nos prazos legais, o que não sucedeu quanto à apelante até ao presente dia.

3. O processo fiscal está todo instruído em nome de "L. R. - Unipessoal, Limitada", pessoa colectiva n.º …. 984, pessoa jurídica já extinta.

4. Conclui-se que caducou o direito à liquidação do facto tributário volvidos que são mais de 10 anos sobre o mesmo.

5. Nos termos do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos, contados nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

6. Não ocorreram quaisquer causas suspensivas e interruptivas de prescrição para a apelante, uma vez que esta nem sequer ainda foi citada aos dias de hoje para qualquer processo tributário.

7. Face ao exposto, perante atrasos nos processos de reclamação ou impugnação que resultem da inércia da administração fiscal, o contribuinte não pode ser prejudicado quando já passaram mais de 10 anos sobre o facto tributário e ainda não foi sequer citado para tomar posição em relação a este.

8. Ora, como já foi acima referenciado, a apelante nem sequer citada foi. Pelo que a obrigação tributária prescreveu.

9. A douta sentença recorrida foi proferida por juiz diverso daquele que conduziu a instrução do processo, nomeadamente a inquirição de testemunhas,

10. Ora, verifica-se que, in casu, foi violado o princípio da plenitude da assistência do juiz, conforme plasmado no artigo 605.º do Código de Processo Civil, aplicável em virtude do disposto no artigo 2.º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

11. Encontra-se, assim, a douta sentença recorrida enfermada de nulidade, nos termos do referido artigo 605.º, em conjugação com o artigo 195.º, ambos do Código de Processo Civil.

12. A violação do referido princípio teve, aliás, como efeito, no entender da apelante, que o tribunal recorrido tivesse apreciado incorretamente a prova produzida em audiência de julgamento (depoimentos das testemunhas).

13. Com efeito, o tribunal recorrido considerou não provado que “os empréstimos de Â. C. ao gerente de facto T. C. ascenderam ao montante de €49.660,00”,

14. Assentando tal convicção na pouca credibilidade que lhe mereceram os depoimentos das testemunhas. Testemunhas a cujos depoimentos não presidiu.

15. Como enuncia LEBRE DE FREITAS, «ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo».

16. Há que atender a que os factos se reportam a 2012, tendo a testemunha sido inquirida sete anos depois.

17. Apesar de os depoimentos das testemunhas não haverem sido credíveis no entender do tribunal recorrido, a verdade é que as mesmas foram absolvidas do crime de falsidade de depoimento, nos autos de processo comum com intervenção de tribunal singular que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 2, sob o n.º 244/20.9T9ALM (doc. 1).

18. Conclui-se assim, nesta parte, que inexistem nos autos quaisquer elementos que infirmem o teor dos depoimentos das testemunhas.

19. A apelante entende que a douta promoção do Ministério Público, efetuada nos termos do artigo 121.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, extravasou os poderes conferidos ao Ministério Público nesta matéria, a qual se haveria de ter cingido às questões de legalidade.

20. O requerimento probatório do Ministério Público é, portanto, ilegal e extemporâneo, já que foi deduzido após a produção da prova.

21. Conclui assim a apelante pela invalidade da prova na parte tocante aos extratos bancários, pelo que não deveria a mesma ter sido tida em consideração.

Nestes termos, deve a presente apelação merecer provimento, revogando-se a douta decisão recorrida e:

a) Ser verificada a caducidade do direito à liquidação;

b) Ser verificada a prescrição das dívidas tributárias;

Caso assim não se entenda,

c) Declarar-se a nulidade da sentença recorrida por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes – artigos 605.º e 195.º do Código de Processo Civil, devolvendo-se os autos ao tribunal recorrido para prolação de nova sentença proferida pela Ex.ma Senhora Juiz que conduziu a instrução ou, sendo tal impossível, repetirem-se as diligências de instrução;

Subsidiariamente,

d) Concluir-se pela ilegalidade da promoção do Ministério Público quanto aos extratos bancários e invalidando-se toda a prova documental junta na sequência de tal promoção;

e) Ser considerada assente a matéria relativa aos empréstimos concedidos pela testemunha Â. C. e ser proferida decisão de procedência da impugnação judicial,

Como é de JUSTIÇA!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, relativamente à caducidade do direito à liquidação?

c) A dívida está prescrita?

d) Foi violado o princípio da plenitude da assistência dos juízes?

e) A promoção efetuada pelo IMMP, junto do TAF de Almada, extravasa os poderes de que o mesmo dispõe?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) A sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.” foi constituída em 6 de Janeiro de 2011 com o CAE 56105-R3 “Restauração, Churrasqueira, casa de pasto, snack, organização de eventos”. [cfr. “Certidão Permanente de fls. 1976 dos autos];

B) Em 18 de Novembro de 2013 foi registada a designação de M. R. como gerente da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.”. [cfr. “Certidão Permanente de fls. 1976 dos autos];

C) Em 28 de Abril de 2014 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.”. [cfr. “Certidão Permanente de fls. 1976 dos autos];

D) A sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.” foi objeto de uma ação de inspeção efetuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201300222, de âmbito geral - IRC e IVA com respeito aos anos de 2011 e 2012. [cfr. de fls. 39 a 55 do PA apenso];

E) Através do ofício de 13 de Janeiro de 2015 foi enviado a “M. R., na qualidade de representante da Cessação da empresa L. R. Unipesssoal, Lda.” o projeto de correções do Relatório de Inspeção Tributária. [cfr. de fls. 904 do PA junto aos autos a fls. 938 e ss.];

F) Notificada do projeto do Relatório de Inspeção, foi apresentado requerimento de audiência prévia, em nome da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.”, subscrito por C. C., advogada, com procuração outorgada por “M. R.”. [cfr. de fls. 40 do PA-RG apenso, cujo teor se dá por integralmente transcrito];

G) Com o requerimento de audiência prévia, referido na alínea antecedente, foram juntos 5 documentos e arroladas 2 testemunhas “para prova dos factos alegados e para o caso de eventualmente se tornar necessário”. [cfr. de fls. 40 do PA-RG apenso];

H) Em 23 de Fevereiro de 2015, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no âmbito do qual foram efetuadas correções em sede de IRC e IVA com respeito aos anos de 2011 e 2012, com a fundamentação que se reproduz, por extrato:

“(…) III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

Conforme já foi referido no ponto II.2 em 2011 e 2012 o motivo que levou à abertura da presente ordem de serviço foi:

- O custo das mercadorias vendidas ser igual ou superior ao valor de vendas / prestações de serviços,

- Prejuízos sucessivos;

As situações descritas denotam uma possível omissão de rendimentos, situação também pactuada pelo T.O.C. ao referir que o apuramento do valor das receitas levadas à conta de vendas / prestação de serviços, era feito sem que ele tivesse acesso aos registos da máquina registadora, nem tão pouco acesso aos extractos bancários da empresa. O total de receitas era enviado via email para o TOC, após este enviar por email também o total dos custos do período.

O levantamento do sigilo bancário ao SP e respectivos sócios visou apurar se o total de rendimentos declarados na IES, Mod.22 e DP's IVA tinham sido tributados em sede de IRC e IVA pela sua totalidade.

Do levantamento do sigilo bancário ao sócio e ao gerente de facto, foi apurado que nas contas tituladas por um ou por ambos existiam movimentos de entradas quer de depósitos, quer de TPA não poderiam ter outra origem senão nas receitas do estabelecimento, por falta de outras fontes de rendimentos. Aliás os TPA(s) só têm razão de existir quando localizados em estabelecimentos.

Uma vez que o gerente de facto era à data trabalhador dependente do Ministério da Defesa (Marinha), não sendo conhecidos outros rendimentos declarados, todas as entradas de dinheiro quer através de depósitos quer através de TPA, foram consideradas como rendimentos provenientes da actividade da empresa L. R. Unipessoal, Lda.

Quanto à única sócia da empresa e uma vez que os únicos rendimentos conhecidos são provenientes da actividade da referida empresa, igualmente as entradas nas suas contas tem como origem as receitas do restaurante.

Assim apuram-se de seguida, quer para 2011 quer para 2012 o total de depósitos e TPAs que correspondem aos rendimentos gerados no restaurante explorado pela empresa L. R. Unipessoal, Lda.

Da comparação entre o total de depósitos em dinheiro e TPA's com os rendimentos declarados nas Declarações fiscais - IES, Mod. 22 IRC e DP’s IVA dos períodos objecto de análise, apuraram-se as correcções a seguir referidas.

III.1. - Período de 2011

O IVA liquidado e não entregue nos cofres do estado, constitui infracção ao n.° 1 do artigo 27.°, artigo 29.° e artigo 41.º todos do CIVA.

III.1.2 - IRC (Apuramento do Lucro Tributável)

Quanto ao apuramento do Lucro Tributável e analisado o Anexo A da IES verificou-se que o sujeito passivo declarou rendimentos no montante de 362.740,70€ referentes a vendas e prestações de serviços e um prejuízo fiscal de 121.396,82€, declarado na DR Mod. 22 do período de 2011 (anexo X).

Os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo foram apurados no ponto III.1, sendo o seu valor 740.089,50€, pelo que é proposta uma correcção ao prejuízo fiscal declarado, no montante de 377.348,80€ (740.089,50€ - 362.740,70€), pela omissão de rendimentos, situação que constitui uma infracção aos art°s 17.° e 20.° do CIRC:




III.1. - Período de 2012

À semelhança do ocorrido no período de 2011, também no período de 2012, detetou-se que o sujeito passivo auferiu rendimentos decorrentes da sua actividade, que não foram contabilizados, situação descrita no ponto III.1.

Assim para o período de 2012 foi apurada a seguinte receita proveniente do somatório das diferentes contas bancárias (da empresa, sócia e gerente de facto), conforme quadro seguinte:


Imagem: original nos autos

III.2.1 - IVA liquidado - art°s 27° e 41° do CIVA

Há semelhança de 2010 os valores apurados de rendimentos/receita contêm IVA, pelo que se desdobraram os valores recebidos conforme quadro seguinte:

O IVA liquidado e não entregue nos cofres do estado, constitui infracção ao n.° 1 do artigo 27.°, artigo 29.° e artigo 41.° todos do CIVA.

III.2.2 - IRC (Apuramento do Lucro Tributável)

Quanto ao apuramento do Lucro Tributável analisado o Anexo A da IES verificou-se que o sujeito passivo declarou rendimentos no montante de 311.373,09€ referentes a vendas e prestações de serviços e um prejuízo fiscal de 174.492,71€, declarado na DR Mod. 22 do período de 2012 (anexo XII).

Os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo foram apurados no ponto III.2, sendo o seu valor 622.533,45€, pelo que é proposta uma correcção ao lucro tributável, no montante de 194.751,67€ (622,533,45€ - 311.373,09€), pela omissão de rendimentos, situação que constitui uma infração aos art°s 17.° e 20.° do ClRC:




IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

Notificado o Sujeito Passivo através do oficio n° 665 de 2015-01-13 para querendo exercer o direito de Audição, o mesmo foi recebido no dia 16 de janeiro de 2015, conforme anexo XIII. No dia 13-02-2015 deu entrada neste Serviço resposta ao notificado.

Neste sentido veio a Sociedade exercer o seu direito de audição, já decorrido o prazo de 15 dias concedido, na pessoa da sua Advogada Dra. C. C., tendo sido alegado e em resumo o seguinte, tudo conforme o anexo XIV:

Ano de 2011

- Foi indevidamente incluído como rendimentos do ano em causa as verbas de 100.000,00€ (verba 1) e 46.250,83€ (verba 2). A primeira verba porque resultaria de um empréstimo bancário pessoal aos sócios, e a segunda teria a sua origem numa indeminização paga pela antiga entidade patronal da D. L. R., resultante da extinção da entidade para a qual trabalhava e consequente fim do vinculo laboral.

Ano de 2012

- Foram incluídos 49.660,00€ de depósitos bancários imputados à actividade da sociedade, que seriam resultado de pagamentos faseados de um empréstimo pessoal feito pela irmã do Sr. T. C. a este para fazer face a alguns pagamentos.

Da análise por parte deste Serviço ao referido direito de Audição resulta que:

Ano de 2011

- Quanto à verba 1 (100.000,00€), não foram apresentados em sede de direito de audição qualquer documento que de uma forma inequívoca fosse susceptível de justificar a proveniência da quantia em questão, entrada em conta no dia 3 de agosto de 2011. A descrição no extracto bancário de “entrega de valores”, sem apresentação do documento concreto, não justifica a verdadeira origem de tal depósito. Acresce ainda que em momento algum foram efectuadas correcções baseadas em entradas em conta, quando essas entradas são provenientes de outras contas dos sócios, desde que esse descritivo venha no extracto. Ainda relativamente à verba 1 e em relação à sua explicação apresentada em direito de audição, verifica-se ainda o facto de ser apresentada a entrada dos 100.000,00€ na conta do BPI no dia 2/08/2011, como oriundos da conta do banco S. através de cheque, sendo que porém a saída desse cheque no S. apenas se dá no dia 03/08/2011.

Quanto à verba 2, deu-se como provada que a entrada de 40.000,00€ na conta …869-00001 titulada pela D. L. R., como parte proveniente da indeminização recebida por esta no total de 46.250,83€, entrada na conta do M., e que de forma ainda não perceptível, o extracto dessa conta não chegou ao conhecimento destes serviços, como seria natural acontecer após a derrogação de sigilo bancário.

O comprovativo da entrada da indemnização acima descrita, constitui o anexo XV do presente relatório.

Assim e, uma vez que do total recebido a titulo de indemnização relativa ao fim do vinculo laboral, apenas tinham sido incluídos 40.000,00€ como valor de correcção aos proveitos da sociedade, é este valor que será retirado às correcções do ano de 2011 e do período de imposto IVA 1103T.

Conclusão:

Após a análise ao direito de audição será de retirar 40.000,00€ (35.398,23€ a base tributável corrigido e 4.601,77€ ao IVA corrigido), às correcções propostas para o ano de 2011.

Temos assim as seguintes correcções para o ano de 2011, sendo que este ponto IX.1 substitui o ponto III.1 do presente relatório:

IX.1. - Período de 2011

Para o período de 2011 foi apurada a seguinte receita/rendimento proveniente do somatório das diferentes contas bancárias (da empresa, sócia e gerente de facto), conforme quadro seguinte:

Imagem: original nos autos

IX.1.1 - IVA liquidado - art°s 27° e 41° do CIVA

A sociedade “L. R. Unipessoal, Lda." é um sujeito passivo de IVA (regime normal de periodicidade trimestral) e os seus clientes são consumidores finais, os valores recebidos através de TPA, cheques e transferências incluem, para além do valor da prestação de serviços, o valor do IVA, pelo que se desdobraram os valores recebidos conforme quadro seguinte:

Face aos rendimentos apurados, temos um imposto (IVA) recebido e incluído nos recebimentos através de TPA, depósitos de cheques e transferências e não entregue nos cofres do Estado, no período de 2011, no montante de 44.477,85€, conforme quadro que se segue:

O IVA liquidado e não entregue nos cofres do estado, constitui infracção ao n.° 1 do artigo 27.°, artigo 29.° e artigo 41° todos do CIVA.

IX.1.2 - IRC (Apuramento do Lucro Tributável)

Quanto ao apuramento do Lucro Tributável e analisado o Anexo A da IES verificou-se que o sujeito passivo declarou rendimentos no montante de 362.740,70€ referentes a vendas e prestações de serviços e um prejuízo fiscal de 121.396,82€, declarado na DR Mod. 22 do período de 2011 (anexo X).

Os rendimentos auferidos peio sujeito passivo foram apurados no ponto IX. 1, sendo o seu valor 704.691,27€, pelo que é proposta uma correcção ao prejuízo fiscal declarado, no montante de € (704.691,27€ - 362.740,70€), pela omissão de rendimentos, situação que constitui uma infracção aos art°s 17° e 20° do CIRC:




Os factos invocados preenchem os objectivos de fraude qualificada e ocultação de valores, tipificados no n° 1, al, a) e b) do artigo 103.° do RGIT, conjugado com o n° 2, al, b) do artigo 104° do RGÍT dado que a conduta do sujeito passivo ao ocultar rendimentos obtidos da sua actividade empresarial, no montante de 341.950,57€, que conduziram ao apuramento de um Lucro Tributável de 220.553,75€, visou obter uma vantagem patrimonial superior a € 50.000,00.

Ano de 2012

Quanto às justificações vertidas em sede de direito de audição, não foram as mesmas atendidas, uma vez que em sede de direito de audição não foi apresentada qualquer prova documental susceptível de justificar o montante expresso no direito de audição, ou seja, os 49.660,00€.

Conclusão:

Após a análise ao direito de audição será de manter as correcções propostas para o ano de 2012. [cfr. de fls. 39 a 55 do PA apenso];

I) Na sequência das correções efetuadas foram emitidas, em nome da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.” as liquidações adicionais de IVA e IRC melhor identificadas no quadro infra, as quais foram enviadas para a caixa postal eletrónica do Via CTT (adesão em 1 de Fevereiro de 2012) da sociedade nas seguintes datas:

[cfr. de fls. 1887 a 1912 dos autos];

J) Em 1 de Julho de 2015 foi apresentada RECLAMAÇÃO GRACIOSA, subscrita por C. C., advogada, em nome da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.”, contra as liquidações adicionais de IRC e IVA dos exercícios de 2011 e 2012. Com o pedido e requerimento probatório que se transcreve:

“Termos em que, muito respeitosamente, se requer a V. Exa. se digne rever os valores tributários em causa, IRC e IVA dos exercícios de 2011 e 2012 e, em consequência, efetuar-se o apuramento do real valor dos impostos e juros a regularizar pelo SP, sendo que o mesmo pretende fazê-lo voluntariamente evitando, desse modo, os correspondentes procedimentos.

Da Prova

A) Para prova dos factos alegados e para o caso de eventualmente se tornar necessário, o requerente indica as seguintes testemunhas (…)

Junta 400 documentos.” [cfr. a fls. 1 a 16 do PA-RG apenso (do suporte físico)];

K) Em 4 de Fevereiro de 2016 foi proferido despacho de deferimento parcial do pedido da RECLAMAÇÃO GRACIOSA – n.º 36972015040002571, apresentada por “L. R. Unipessoal, Lda.” em conformidade com o Parecer que se reproduz, em parte:

“Parecer:

ANO de 2011

-TRANSFERENCIAS BANCÁRIAS

Analisando os extractos bancários que constituem o anexo IX do relatório da inspeção (anexo 1 à presente informação) e os doc. 5 a 10 da reclamação, verifica-se que o gerente de facto, Sr. T. transferiu em 29/07/2011 para o banco S. o montante de 100 000,00€ de uma conta a prazo que possuía no BPI e, em 2011/08/02, emitiu um cheque s/ S. no montante de 100000,00€, cheque que foi depositado na conta …63-0..-..1 do BPI, tendo este montante sido considerado como proveito da sociedade.

Considerando que o depósito efetuada na conta do BPI em 2011/08/02 teve como proveniência uma conta do S., entende-se que este montante não deve ser considerado como proveito.

Porém no apuramento dos proveitos apenas este montante de 100.000,00€, foi considerado indevidamente, e não o montante de 200.000,00€ que a reclamante alega, o que é visível pela análise do quadro 15 do relatório (fls 59 da reclamação), uma vez que os montantes dos depósitos considerados no apuramento dos proveitos com exceção do mês de agosto são sempre bastante inferiores a 100.000,00€

ANO de 2012

1 - EMPRÉSTIMO DE 49 660,00€

Vindo a reclamante alegar, que o montante de 49.660,00€ corresponde a empréstimos, e não a proveitos gerados pela empresa, compete-lhe provar o que alega, com documentos de valor probatório face ao disposto no art.º 74° da LGT que refere "O ónus da prova de factos constitutivos de direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e no art.º 342° do Código Civil que dispõe no mesmo sentido, o que não logrou fazer, sendo assim impossível confirmar a veracidade do alegado.

2 - Mútuos no montante 73 000,00€ (40 000,00€+20 000,00€+13 000,00€)

Analisados os extractos bancários que constituem o anexo XI do relatório (anexo 2 à presente informação), através dos quais foram apurados os proveitos, verifica-se que no meses de março, abril e dezembro a conta da empresa, 4592167-000-001, foi creditada pelos montantes de 40.000,00€ (dia 27/03), 20 000,00 €(dia 16/04) e 13000,00€ (dia19/12), porém tais valores não contribuíram para o apuramento dos proveitos, uma vez nestes meses os valores dos depósitos considerados desta conta foram de:

• Março - 15 200,00€ (=390,18+2.220,00+4.890,00+920,00+5.800,00, depósitos em numerário efectuados dias 05/03, 08/03, 14/03, 15/03 e 21/03) '

• Abril - 5 000,00€ (depósito efectuado dia 04/04)

• Dezembro - 0,00€

conforme 1.º mapa da página 12 do relatório da inspeção (fls. 27 da reclamação)

3- Facturas não contabilizadas

Solicitadas ao TOC da reclamante, as contas correntes dos fornecedores (que constituem ao anexos 3 a 13 da presente informação) a quem respeitam as faturas e as contas correntes que constituem os doc de fls. 15 a 399 (fls. 72 a 455), que alegam não estarem contabilizadas e que se referem às seguintes empresas:

(…)

verifica-se que todas as faturas que lhe foram emitidas por estes fornecedores estão contabilizadas, contribuindo assim para o apuramento do lucro tributável, uma vez que foram considerados todos os custos contabilizados.

Face ao exposto entendemos ser de corrigir o lucro tributável de 2011, para 120.553,75€ (220.553,75€ - 100.000,00€), não procedendo o alegado quantos aos demais factos e propõe-se o deferimento parcial do pedido. Superiormente, porém, melhor se decidirá.” [cfr. a fls. 28 a 36 do PA apenso (do suporte físico)];

L) Em 4 de Fevereiro de 2016 foi proferido despacho de deferimento parcial do pedido da RECLAMAÇÃO GRACIOSA – n.º 36972015040002580, apresentada por “L. R. Unipessoal, Lda.” em conformidade com a proposta de decisão:

“Parecer: (…) Face ao exposto entendemos ser de corrigir o valor da base tributável de IVA do período 1109T, para 154.728,30€, não procedendo o alegado quantos aos demais factos e propõe-se o deferimento parcial do pedido. Superiormente, porém, melhor se decidirá.” [cfr. a fls. não numeradas do PA – RH apenso (do suporte físico)];

M) Por carta registada com o n.º RM …47 5PT, foi enviado o ofício n.º 2912 de 4 de Fevereiro de 2016 para «C. C., na qualidade de representante de “L. R. Unipessoal, Lda.”» com vista à notificação do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa – n.º 36972015040002571. [cfr. a fls. não numeradas do PA-RG apenso (do suporte físico)];

N) Através de carta registada, foi enviado o ofício n.º 2913 de 4 de Fevereiro de 2016 para «C. C., na qualidade de representante de “L. R. Unipessoal, Lda.” com vista à notificação do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa – n.º 36972015040002580. [cfr. a fls. não numeradas do PA-RG apenso (do suporte físico)];

O) Em 14 de Março de 2015 foi apresentado RECURSO HIERÁRQUICO, subscrito por C. C., advogada, contra as decisões que indeferiram parcialmente a Reclamação Graciosa, relativa à correção do IRC/IVA do ano de 2011/2012, no qual foi deduzido o seguinte pedido:

“Face ao exposto, requer a V. Exa. que revogue totalmente o acto recorrido por força da nulidade invocada e, em sua substituição, determine que a quantia de €49.660,00 seja abatida à matéria colectável por não se tratar de rendimentos obtidos pela Recorrente.

B. E, consequentemente, que seja abatido o correspondente valor do IVA alegadamente não relativo ao ano liquidado, económico de 2012.” [cfr. a fls. 1 a 17 do PA-RH apenso (do suporte físico)];

P) Em 31 de Outubro de 2016 foi proferido despacho pela Diretora de Serviços do IVA a indeferir o RECURSO HIERÁRQUICO - 3697201510000089 (IVA de 2012). [cfr. a fls. 11 do PA apenso (do suporte físico)];

Q) Em 4 de Novembro de 2016 foi proferido despacho pela Diretora de Serviços de IRC a indeferir o RECURSO HIERÁRQUICO - 3697201510000090 (IRC de 2012). [cfr. a fls. 15 do PA apenso (do suporte físico)];

R) A presente Impugnação, deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, via SITAF, em 6 de Junho de 2017. [cfr. a fls. 1 dos autos];

Mais, ficou provado,

S) Dos extratos da conta bancária de Â. C., que abrangem o período entre Janeiro e Dezembro de 2012 resulta que foram efetuados os seguintes “levantamentos CA”:

[cfr. de fls. 1847 a 1863 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Factos não provados:

1. Não resultou que “o pedido de empréstimo à sua irmã Â. C., teve de ver com a intenção do gerente de facto de não utilizar aplicações pessoais a prazo”. [atenta a ausência total de prova não foi possível ao Tribunal dar como provado o facto alegado no ponto 13.º da pi. Acresce, outrossim, que da prova testemunhal produzida nada foi referido quanto à questão da existência de aplicações pessoais, pelo contrário o depoimento das testemunham revelou a existência de problemas financeiros da empresa.];

2. Não está provado que “os empréstimos de Â. C. ao gerente de facto T. C. ascenderam ao montante de €49.660,00”. [do depoimento da testemunha Â. C. em confronto com a informação resultante dos extratos bancários juntos pela testemunha do qual se extraiu o facto Q) não foi possível ao Tribunal dar como provado este facto. Mais, considerando os montantes dos depósitos faseados efetuados nas contas bancárias dos gerentes da sociedade “L. R. Unipessoal, Lda.” e reproduzidos no ponto III.1 do RIT]”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos – que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal em conjugação com a livre apreciação da prova.

No que respeita à prova testemunhal, a testemunha Â. C., contabilista, aos costumes disse ser cunhada da Impugnante, referiu que na sequência de um incêndio ocorrido no restaurante emprestou dinheiro à Impugnante e ao seu irmão. Mais, anuiu, que os empréstimos decorreram, de forma faseada, nos primeiros 6 meses do ano de 2012. A testemunha respondeu de modo titubeante, não conseguindo precisar o valor de casa empréstimo, mas por outro lado, recordava-se do valor total do mesmo - €49.500,00. Da análise da prova documental junta aos autos, mormente os extratos bancários da testemunha [al. Q)] não resulta comprovado o seu depoimento, pelo contrário, durante os primeiros 6 meses do ano, somente, foram efetuados levantamentos no valor de €1.800,00. E, por outro lado a prova dos depósitos no valor de €49.660,00.

Posto isto, o depoimento da testemunha mostrou-se pouco credível e em contradição com os documentos que a própria junta aos autos, razão pela qual o mesmo não foi valorado.

Também o testemunho de E. S., amiga da Impugnante há 46 anos, se mostrou titubeante. A testemunha disse que viveu “praticamente” em casa da Impugnante durante o primeiro semestre de 2012, altura em que ocorreu um incêndio no restaurante da Impugnante, justificando assim a sua razão de ciência. Quanto aos empréstimos disse que foram feitas várias entregas em dinheiro pela “Â. C.”, ao qual assistiu, mas não conseguiu precisar os montantes de cada entrega.

Ambas as testemunhas fizeram referência ao “recebimento de uma indemnização” em virtude da cessação do contrato de trabalho por parte da testemunha “Â. C.”, todavia dos autos, designadamente, da petição inicial e da documentação junta, não resulta comprovado tal alegação. Não obstante, do teor do ponto 4.º das conclusões do requerimento com a audiência prévia apresentada em sede de procedimento inspetivo [al. f)] resulta o seguinte: “III – Em conclusão: 4.º A sócia M. L. recebeu a quantia global de €46.250,83, resultante da cessação do contrato de trabalho que detinha com a C.”.

Ambos os depoimentos, não se mostraram credíveis, nem imparciais, revelando algumas incongruências entre os mesmos e os factos alegados na petição inicial e, ainda, nos documentos – extratos bancários da testemunha “Â. C.”, juntos aos autos na sequência da douta promoção da DMMP, razão pela qual não foram valorados.

Quanto à motivação dos factos não provados, como já referido, dada a ausência de prova documental comprovativa dos mesmos, acrescida da falta de credibilidade das testemunhas arroladas pela Impugnante, como ali se demonstrou, não foi possível ao Tribunal dar como provados os factos 1. e 2”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sendo certo que a Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, questão que, por regra, apreciamos em primeiro lugar, nos presentes autos são invocadas diversas questões que podem, de alguma forma, se procedentes, condicionar tal impugnação – designadamente as questões atinentes à violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes e aos limites dos poderes do MP em sede de impugnação judicial tributária.

Como tal, a ordem de conhecimento das questões será a mencionada supra, em sede de relatório, exceto a da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que será conhecida em último lugar.

III.A. Do erro de julgamento, relativamente à caducidade do direito à liquidação

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que se verifica caducidade do direito à liquidação.

Vejamos.

O direito de a administração tributária (AT) liquidar impostos não pode ser exercido a todo o tempo, estando limitado pelo respetivo prazo de caducidade.
Como referido por Saldanha Sanches,(1) “[o] principal limite temporal para a exigibilidade das obrigações fiscais e para a atribuição de responsabilidade ao contribuinte coincide com o fim do poder de aplicação da lei a um certo facto tributário: a caducidade do poder de liquidar”.
A caducidade do direito à liquidação, prevista no art.º 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), implica que a AT só possa proceder à liquidação dos tributos num determinado prazo.

É ainda de ter em consideração o disposto no art.º 46.º do mesmo diploma, relativo a causas de suspensão da caducidade.

A caducidade do direito à liquidação é uma ilegalidade ou um vício que inquina o ato de liquidação, não sendo do conhecimento oficioso.

A este propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2009 (Processo: 0761/09), onde se refere:

“[A] caducidade aqui em causa não é a adjectiva, do direito à propositura de acção, mas a substantiva, do direito à liquidação, e que consiste no decurso do prazo que o Estado tem para exercer o direito à liquidação de tributos. O decurso desse prazo impede o Estado de proceder à liquidação, pelo que é cometida uma ilegalidade quando o acto de liquidação é efectuado depois de consumada a caducidade, isto é, quando é liquidado um tributo após o decurso do prazo que o Estado detinha para exercitar esse direito.

Deste modo, a liquidação feita depois de esgotado o prazo de caducidade é ilegal, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei. Como se reconheceu no acórdão de 7 de Julho de 2004 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal «a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99.° do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso».

(…) Nesta conformidade, e em consonância, aliás, com o entendimento há muito dominante nesta Secção de Contencioso Tributário do STA Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 18 de Junho de 2003, no recurso n.º 503/03; de 7 de Julho de 2004, no recurso n.º 546/02; de 18 de Maio de 2005, no recurso n.º 1178/04. E os seguintes acórdãos da Secção: de 2 de Novembro de 2005, no recurso n.º 361/05; de 18 de Janeiro de 2006, no recurso n.º 680/05; de 29 de Outubro de 2008, no recurso n.º 458/08; de 13 de Maio de 2009, no recurso n.º 264/09., a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, não existindo razão justificativa para que se submeta o seu conhecimento a um regime diferente do geral, pois que se trata de vício que não importa mais à ordem pública do que os outros de que pode enfermar a liquidação.

(…) [E]ra necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT)”.

Mais recentemente, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2020 (Processo: 0227/18.9BEFUN), de 23.06.2021 (Processo: 01866/05.3BEPRT 01448/13) e de 12.10.2022 (Processo: 02026/15.0BESNT), no quais se reitera o entendimento no sentido de a caducidade do direito à liquidação não ser de conhecimento oficioso.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que na mesma, e bem, nunca foi conhecida a caducidade do direito à liquidação. E tal sucedeu porque tal questão nunca foi invocada pela ora Recorrente no momento oportuno, ou seja, na petição inicial.

Com efeito, como refere o Tribunal a quo, em sede de petição inicial foi apenas invocada a falta de notificação. A única menção que o Tribunal a quo faz à caducidade é no sentido de que a falta de notificação não comporta a ilegalidade do ato, sendo apenas pertinente, deste ponto de vista, quando alegada a caducidade do direito à liquidação, o que não sucedeu. Trata-se, pois, de um obiter dictum, na medida em que o essencial era que a Recorrente apenas alegou falta de notificação e esta não conduz à ilegalidade do ato.

Logo, não tendo a caducidade do direito à liquidação sido oportunamente suscitada, não poderia ser conhecida, como não foi.

Assim, a questão referida trata-se de questão nova (ius novorum).
Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais,(2) sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.
Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação, (3) o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes.
“Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”.(4)

In casu, verifica-se, pois, que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente invocada.

Assim, sendo questão nova e não sendo a mesma do conhecimento oficioso, não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pela Recorrente a este propósito.

III.B. Da prescrição

Considera a Recorrente, por outro lado, que a dívida está prescrita.

A prescrição da dívida tributária contende com a sua exigibilidade e não com a legalidade das liquidações que lhe estão subjacentes.
Sendo certo que, na impugnação judicial, o objeto é a legalidade do ato tributário, é entendimento pacífico da jurisprudência que a prescrição da obrigação tributária é de conhecimento oficioso, no âmbito de tal espécie processual, em virtude de a ocorrência da mesma poder determinar a inutilidade superveniente da lide.(5)

No entanto, é também entendimento da jurisprudência que tal conhecimento só deve ocorrer caso os autos contenham todos os elementos pertinentes para o efeito, sem necessidade de averiguações adicionais [cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.07.2018 (Processo: 01433/17) e de 22.01.2020 (Processo: 0571/06.8BEPRT 0662/18) e os Acórdãos deste TCAS de 04.07.2020 (Processo: 79/01.8BTLRS) e de 08.07.2021 (Processo: 6765/13.2BCLSB)].

Ora, compulsados os autos, verifica-se que não constam dos mesmos todos os elementos que permitam uma apreciação segura da prescrição da dívida, designadamente elementos relativos à sua cobrança coerciva, motivo pelo qual não se conhece o alegado. Com efeito, conseguimos identificar causas de interrupção da prescrição de efeito duradouro (desde logo a presente impugnação – cfr. art.º 49.º, n.º 1, da LGT). No entanto, não dispomos de elementos que permitam, com segurança, definir qual a primeira causa de interrupção ocorrida.

Logo, não constando dos presentes autos todos os elementos que permitam, com a certeza que é imposta, apreciar a questão incidental da prescrição, não pode este TCAS conhecê-la, nos termos já mencionados (sendo certo que sempre poderá o contribuinte suscitar perante o órgão de execução fiscal a prescrição da dívida, com eventual reclamação para o tribunal, se for caso disso, nos termos dos art.º 276.º e ss. do CPPT).

III.C. Da violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes

Considera, por outro lado, a Recorrente que foi violado o princípio da plenitude da assistência dos juízes.

Vejamos.

Cabe, em regra, ao titular do processo administrar a justiça no mesmo, nos termos consignados no art.º 152.º, n.º 1, do CPC.

Em matéria de processo civil, esta regra sempre foi temperada pelo princípio da plenitude da assistência dos juízes, com assento no art.º 605.º do CPC.

No entanto, sempre foi considerado, em matéria de processo tributário, que tal princípio não é um princípio absoluto.

Chama-se a este respeito à colação o Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em formação alargada, a 03.07.2019 (Processo: 0499/04.6BECTB 01522/15), onde se refere:

Já no processo tributário, ainda que o CPC, seja aplicável aos processos pendentes por força do disposto no já referido art° 2o al. e) do CPPT, importa considerar que se manteve até hoje inalterado o regime, supra descrito, que regula o processo judicial tributário pelo que permanecem válidos os fundamentos de direito apresentados no referido acórdão do Pleno de 2012, para afastar a aplicação do princípio da plenitude da assistência dos juízes em situações, justificáveis, como a dos autos. Assim, por enquanto, e até á concretização de iniciativas legislativas já desencadeadas ( no âmbito da revisão do CPPT em curso, foi apresentada a Proposta de Lei n.° 168/XIII da Presidência do Conselho de Ministros (…)), reitera-se, é válida tal fundamentação nas circunstâncias concretas em apreciação”.

Refere-se, ainda, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.2020 (Processo: 0259/10.5BELRS):

“Sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz, no âmbito do contencioso tributário, já este Supremo Tribunal se pronunciou nos seus acórdãos datados de 12.12.2012, recurso n.º 01152/11 e mais recentemente no acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 01522/15.

Em ambos se concluiu que no processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.

É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente.

Porém, e face, como se disse, à singularidade do processo tributário, a questão colocada já se encontrava resolvida pela doutrina deste Supremo Tribunal e veio mesmo a ser confirmada pelo legislador, na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13°, n.º 1 e alínea a).

Ou seja, não só a doutrina deste Supremo Tribunal sempre foi no sentido de que, no processo judicial tributário, o juiz competente para a elaboração da sentença era aquele a quem o processo se encontrava atribuído, como o próprio legislador apenas pretendeu que se fizesse de modo diferente nos processos entrados em juízo após a entrada em vigor da referida Lei n.º 118/2019[v. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 0272/14.3BEVIS) e de 07.04.2021 (Processo: 0503/13.7BEAVR)].

I.e., até às alterações efetuadas ao art.º 114.º do CPPT, em 2019, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, decorre do regime legal que o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído, que pode ou não ser aquele que presidiu às diligências de prova.

Apenas aos processos instaurados após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro [cfr. art.º 13.º, n.º 1, al. a), e art.º 14.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro] é aplicável nova redação do art.º 114.º do CPPT.

Ora, tendo a presente impugnação dado entrada no TAF de Almada, via SITAF, em 6 de junho de 2017, não é aplicável a nova redação do art.º 114.º do CPPT.

Assim, face ao exposto, não existe óbice a que a sentença dos presentes autos tenha sido proferida pelo seu titular, mesmo não coincidindo este com o juiz que presidiu à diligência de inquirição de testemunhas, motivo pelo qual não se verifica a nulidade invocada pela Recorrente, não lhe assistindo, pois, razão nessa parte.

III.D. Da ilegalidade do requerimento probatório do IMMP

Considera, por outro lado, a Recorrente que a promoção do IMMP junto do TAF de Almada, efetuada nos termos do art.º 121.º do CPPT, extravasou os respetivos poderes.

Vejamos.

Compulsados os autos, verifica-se que, a 21.06.2019, foi promovida, pelo IMMP, a junção aos autos de elementos documentais, concretamente identificados. Nesse seguimento, foi proferido despacho, no sentido de se promover à realização da diligência referida. Face ao silêncio do notificado, foi feita nova promoção, a 18.09.2019. Nesse seguimento, foi proferido despacho, no sentido de se promover à diligência referida. Finalmente, no parecer de 26.11.2019, o IMMP ainda fez, em parte, uma promoção, também objeto de despacho no sentido proposto.

Vejamos.

Nos termos do art.º 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “ao Ministério Público compete (…) defender os interesses que a lei determinar (…) e defender a legalidade democrática”.

Por seu turno, nos termos do art.º 1.º do Estatuto do Ministério Público (EMP – Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, em vigor à data da realização das promoções em causa, ulteriormente revogada pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), “o Ministério Público (…) defende os interesses que a lei determinar (…) e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei”.

O MP pode intervir nos processos a título principal ou acessório (cfr. o art.º 5.º do EMP então em vigor).

A intervenção do MP em sede de processo de impugnação judicial tributária é uma intervenção acessória.

O art.º 6.º, n.º 1, do EMP consagrava, no seu n.º 1, que “[q]uando intervém acessoriamente, o Ministério Público zela pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente” – o que se mantém no EMP atualmente em vigor, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, concretamente no n.º 2 do seu art.º 2.º.

Especificamente no que respeita à intervenção do MP no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, é ainda de chamar à colação o art.º 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), nos termos do qual “compete ao Ministério Público (…) defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere”.

Também o art.º 14.º do CPPT prevê, no seu n.º 1, que “[c]abe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes”.

Em situações como a dos autos, de impugnação judicial na qual houve produção de prova testemunhal e apresentação das alegações previstas no art.º 120.º do CPPT, a primeira intervenção do MP ocorre nos termos consignados no art.º 121.º do mesmo código, cujo n.º 1 prescreve que “apresentadas as alegações ou findo o respetivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais”.

Cabendo, pois, ao MP, em sede de contencioso tributário, a defesa da legalidade e a promoção do interesse público, pode o mesmo promover que sejam realizadas diligências instrutórias, visando alcançar a verdade material, quando intervenha nos autos [cfr., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.11.2012 (Processo: 01176/11)].

Como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 190 e 191):

“Quando intervém no exercício da sua missão de defesa da legalidade, não há no CPPT uma norma que indique globalmente os poderes do Ministério Público, nos processos em que não é parte.

No entanto, como base em disposições do CPPT e do EMP é possível indicar alguns poderes processuais do Ministério Público no processo judicial tributário:

o de promover o que tiver por conveniente, que abrangerá a possibilidade de suscitar a regularização da petição, excepções, arguir nulidades, suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido e requerer a realização de diligências, que constitui um poder genérico do Ministério Público, mesmo quando é parte acessória (art. 6°, n° 1, do EMP), que se confirma no processo judicial tributário pelo disposto nos arts. 16°, n° 2, e 121°, nºs. 1 e 2, do CPPT;

o de se pronunciar sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo (art. 121°, n° 1, do CPPT); e

o de arguir novos vícios do acto impugnado [que se infere do preceituado na alínea b) do n° 2 do art. 124° do CPPT] (…)

Isto significa que, relativamente aos processos judiciais tributários a que se aplicam estas normas, nem é necessário fazer apelo a aplicação subsidiária do CPTA, ao abrigo do art. 2°, alínea c), do CPPT, para reconhecer ao Ministério Público os poderes processuais que naquele Código lhe são atribuídos, nas acções administrativas especiais, pelo art. 85°, nºs. 2, 3 e 4.
(260) [Prevê-se nestas normas, no que é susceptível de aplicação nos processos tributários, que o Ministério Público solicite a realização de diligências instrutórias, se pronuncie sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes,
invoque causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição e suscite quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do acto impugnado.]”.

Estas promoções podem ser ou não acolhidas pelo juiz da causa, sendo certo que a este assiste sempre o direito a ordenar diligências que afigure necessárias ao conhecimento da verdade material, mesmo quando se prepare para a elaboração da sentença (cfr. art.º 13.º do CPPT e art.º 607.º, n.º 1, in fine, do CPC).

Logo, as promoções levadas a cabo pelo IMMP, no sentido de serem realizadas diligências instrutórias adicionais, cabem nos respetivos poderes, motivo pelo qual carece de razão a Recorrente, não havendo qualquer invalidade da prova referida. Aliás, como melhor veremos infra, a prova efetuada pela Impugnante não era de molde a obter o resultado por si pretendido, pelo que esta promoção sempre seria, em abstrato, a seu favor, caso a prova que da mesma resultasse confirmasse o que foi afirmado pela testemunha.

Como tal, nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.E. Do erro na decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter julgado não provado que “os empréstimos de Â. C. ao gerente de facto T. C. ascenderam ao montante de €49.660,00”, porquanto tal decorre da prova testemunhal produzida. Por outro lado, quanto à prova junta, na sequência da promoção do IMMP, desconhece-se se a testemunha alcançou o teor da notificação.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(6)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(7)

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram minimamente cumpridos, pelo que se passará à apreciação.

In casu, está, como referido, em apreciação o facto não provado 2, no sentido de que não está provado que “os empréstimos de Â. C. ao gerente de facto T. C. ascenderam ao montante de €49.660,00”.

Trata-se de facto alegado pela Impugnante, na sua petição, cabendo-lhe a si o ónus da prova.

Ora, desde já se adiante que se concorda com o julgamento feito pelo Tribunal a quo (nada havendo a acrescentar, quanto ao invocado a propósito do princípio da plenitude da assistência dos juízes, questão já decidida supra), uma vez que, com efeito, o depoimento da testemunha Â. C., cunhada da Impugnante, foi lacónico e pouco detalhado, afirmando, de facto, que emprestou o valor total mencionado, ao longo de um período de meio ano, sem conseguir precisar que concretos valores emprestou em que concretos momentos e afirmando igualmente que não tinha qualquer registo documental dos empréstimos em causa e que os valores eram entregues em dinheiro ao seu irmão, depois de a testemunha os ir levantar.

Esta prova é, per se, insuficiente, sendo imprescindível haver prova que, de alguma forma, permita traçar inequivocamente o circuito financeiro. Se a testemunha afirma ter havido levantamentos, tem de existir tal registo. Foi justamente nessa sequência que houve as promoções do IMMP junto do TAF de Almada, a que já nos referimos. Ou seja, se, com a mera prova testemunhal, nunca seria possível dar como provado o alegado pela Impugnante, seria, ainda assim, possível atestar o afirmado, através dos elementos bancários que provassem os levantamentos. Não obstante a Impugnante não ter juntado qualquer prova documental, o IMMP junto do TAF de Almada promoveu tal junção, no uso dos poderes de que dispõe – questão já apreciada supra.

A promoção que foi efetuada é clara (e, por consequência, o despacho que a deferiu): o que se solicitou à testemunha foi que a mesma juntasse extratos bancários que provassem os levantamentos a que fez menção.

Ora, como bem refere o Tribunal a quo, os extratos bancários não permitem provar o alegado. Com efeito, os mesmos revelam apenas levantamentos de valores relativamente baixos, em regra de 100,00 Eur., que não permitem, pois, atestar que houve o levantamento do valor total de 49.660,00 Eur. e sua entrega ao marido da Impugnante. Ou seja, não estão provados os alegados levantamentos.

Carece de qualquer relevância o que é mencionado na conclusão 17., dado que absolvição em causa se sustenta na falta de preenchimento do elemento subjetivo do crime.

Assim, nada há a apontar ao julgamento de facto efetuado pelo Tribunal a quo, o que implica que, mantendo-se a decisão proferida sobre a matéria de facto nos exatos termos ali exarados, se conclua que a Impugnante, ora Recorrente, não logrou demonstrar o que alegou, o que conduz ao insucesso da sua pretensão.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)














1) Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 259
2) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454.
3) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119.
4) António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120
5) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2011 (Processo: 01004/10).
6) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
7) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.