Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09316/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/10/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO À PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, ATIVIDADE POLÍTICA E ATIVIDADE ADMINISTRATIVA, MUNICÍPIO
Sumário:I. Não se mostrando invocado que os documentos cujo acesso é requerido se traduzam em notas pessoais, esboços, apontamentos ou outros registos de natureza idêntica, é de recusar que tais documentos se incluam na fase preparatória da atividade política, por antes respeitarem ao exercício da atividade administrativa de uma pessoa coletiva de direito público, no âmbito das suas legais atribuições e no exercício das suas legais competências.

II. É de recusar a função política aos Municípios, por estes, considerando as atribuições das autarquias locais e, consequentemente, as competências dos respetivos órgãos, se reportarem apenas ao exercício da função administrativa.

III. Não se confunde o estatuto jurídico-constitucional dos Municípios, com o das Regiões Autónomas, sendo que apenas estas são dotadas de autonomia político-administrativa e de órgãos de governo próprio – vide, por confronto, os artºs 235º e segs. e o artº 225º da Constituição.

IV. Não se extrai do disposto no artº 235º da Constituição ou dos preceitos subsequentes, que os Municípios exerçam a função política ou que disponham de autogoverno ou órgãos de governo próprios, pelo que, tendo somente funções administrativas, os documentos que emanem no exercício das suas legais atribuições e das competências dos seus órgãos, são documentos administrativos e não documentos de natureza política.

V. Assistindo aos interessados o direito de, mediante o pagamento das importâncias devidas, obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos administrativos, recai sobre as entidades administrativas o correspondente dever de satisfazer as pretensões requeridas, nos termos disciplinados no artº 62º e segs. do CPA e do artº 268º da CRP, sempre que, estiverem verificados os respetivos pressupostos do exercício do respetivo direito.

VI. Apurando-se que os requerimentos apresentados se apresentam configurados no âmbito do exercício do direito ao acesso aos documentos administrativos, vindo o requerente a solicitar informação que está na disponibilidade da entidade requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse e que lhe caiba facultar, não tendo sido dada satisfação a tais pedidos, é de intimar a entidade requerida a fornecer tais elementos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Município de Lisboa, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 14/08/2012 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido por José ……………………., intimou o requerido a facultar, no prazo de dez dias, as cópias dos documentos solicitadas, por requerimentos de 18 de maio de 2012 e de 06 de junho de 2012.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 92 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(i) O presente processo teve origem num requerimento através do qual o recorrido pretendia que o Município de Lisboa fosse intimado a fornecer-lhe cópias do documento produzido pelo Senhor Vereador Fernando ……….. denominado “Obras Públicas Municipais – Sobre o Estado da Arte”, bem como dos documentos elaborados sobre aquele pelos diretores do DMPO, do DDCCE e do DCCH;

(ii) O Município de Lisboa apresentou a sua resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, pugnando, a final, pela improcedência do pedido;

(iii) O recorrente entendeu, e entende, que o documento cuja cópia o requerente pretende obter não resulta da sua atividade administrativa, mas sim do exercício de funções políticas por parte dos eleitos locais que integram o executivo camarário, estando, assim, excluído do âmbito de aplicação da LADA, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do art.° 3° daquele diploma legal, ficando afastada a aplicação do princípio do Open File ou arquivo aberto;

(iv) Efetivamente, como decorre do art.° 235° da CRP, o poder local, designadamente as autarquias locais, exercem, para além da atividade administrativa, o poder político;

(v) O exercício da atividade administrativa e do poder político por parte das autarquias locais caracteriza-se por ser, antes do mais, autónomo, dentro das suas competências e atribuições, não constituindo uma qualquer forma de administração indireta do Estado;

(vi) Como ensina Marcelo Rebelo de Sousa, a função política “corresponde à prática de atos que exprimem as opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da coletividade, e que não se traduzem em atos legislativos”;

(vii) Deste modo, pode afirmar-se que o exercício da função política consiste na escolha das grandes opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento de um determinado modelo económico e social, por forma a que os seus cidadãos se possam sentir mais seguros e, livremente, possam alcançar os bens, materiais e espirituais, que o mesmo é suscetível de proporcionar e que o exercício da função administrativa se traduz na materialização dessas opções;

(viii) A atividade administrativa funciona, assim, a jusante da função política, com uma função complementar pois que se destina a pôr em prática as orientações gerais traçadas por aquela tendo em vista assegurar em concreto a satisfação necessidades coletivas de segurança e de bem estar das pessoas. – vide Marcelo Caetano e Sérvulo Correia nas Obras e locais identificados;

(ix) Atendendo a que, como já vimos, certos órgãos do Estado e das Autarquias Locais para além da função política exercem também funções administrativas e executivas, urge traçar com clareza a fronteira entre a função política e a função administrativa que tem potenciado a perigosa e nefasta tendência, hoje infelizmente cada vez mais comum, de, na tentativa de se obterem ganhos imediatos, se procurar judicializar a função política e legislativa;

(x) Assim, é fundamental estabelecer um conceito de função política e, convergentemente, de ato político que não abra caminho a que se permita sindicar judicialmente todas ou quase todas as decisões do poder político, bem como os documentos em que as mesmas se materializam, esvaziando de conteúdo a exceção preconizada na alínea b) do n.° 2 do art.° 3° da LADA, tal como aconteceu na sentença em crise;

(xi) Que tem como consequência direta a violação do princípio constitucional da autonomia do poder local ínsito no art° 235° da CRP, já que a judicialização das questões e documentos políticos irá condicionar fortemente a tomada de opções políticas e produção de documentos de cariz político;

(xii) A verdade é que o documento a que o recorrido pretende ter acesso não consubstancia documento administrativo ou documento nominativo nos termos prescritos no n.° 1 do art. 3.° da LADA;

(xiii) Já que não decorreu da atividade administrativa do recorrente, configurando, ao invés, uma nótula preparatória para reuniões com o Presidente da CML e com o executivo municipal subjacentes às opções políticas que vieram a ser ponderadas e refletidas na nova estrutura orgânica municipal;

(xiv) Com efeito, o relatório elaborado em finais de 2010 pelo Senhor. Professor Fernando ……………., à época, Vereador com o Pelouro das Obras Municipais, consubstancia um mero documento preparatório daquelas reuniões, onde foram analisadas as várias perspetivas políticas de reestruturação organizacional manifestadas, de resto, por todos os Vereadores, que antecederam a reestruturação dos serviços municipais efetuada em 2011;

(xv) Por conseguinte, não estamos perante qualquer documento que releve da atividade administrativa;

(xvi) O documento em causa tratou de definir alguns contornos globais dessa política reformista na reestruturação dos serviços municipais e indicar o rumo geral que considerou correto para a sua concretização enunciando uma série de medidas que em sua opinião seriam as melhores para atingir tal finalidade, que, por isso, previsivelmente, iriam ser adotadas;

(xvii) Com efeito, é do domínio da política de cada executivo municipal proceder às reformas que considere necessárias para os seus serviços, como a ele pertence escolher livremente as melhores – ou as que ele considera melhores – formas de tal se concretizar, colhidos os contributos dos seus membros;

(xviii) A reestruturação, bem como todos os documentos que foram tidos em conta na mesma, como o dos autos, tem subjacente o exercício da função política a fim de prosseguir nas reformas que entenda necessárias em ordem à concretização do seu programa governativo. O qual, como se sabe, é resultado da apreciação política que se faça sobre o estado do Município e sobre as suas necessidades mais prementes;

(xix) Inserindo-se o documento na definição e implementação da política de reestruturação do executivo camarário, é forçoso concluir que o mesmo decorre da sua função política, estando, assim, excluída a sua classificação como documento administrativo, cfr. resulta da alínea b) do n.° 2 do art° 3° da LADA e afastada a aplicação do princípio do Open File;

(xx) O mesmo se dizendo, mutatis mutandis, relativamente às restantes cópias de documentos pretendidos pelo recorrido, já que os mesmos referem-se a um documento que, como vimos, está excluído do âmbito de aplicação da LADA;

(xxi) Pelo que não podem, assim, ser considerados documentos administrativos nos termos e para os efeitos da LADA, também não deverá ser facultada a sua consulta ou disponibilizada a sua reprodução, para efeitos do direito de acesso consagrado no art. 5.° daquele diploma legal, conforme é pretensão do recorrido e se decidiu na sentença em crise, sendo manifesto que ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, errou na interpretação e aplicação da alínea b) do n.° 2 do art.° 3° da LADA, que impunha uma decisão diversa daquele que foi tomada, mais concretamente o indeferimento da intimação requerida pelo recorrido;

(xxii) A interpretação que foi feita pelo Meritíssimo Juiz das disposições constantes da alínea b) do n.° 2 do art.° 3°, art.° 40 e art.° 5° da LADA viola o preceito constitucional que institui o Princípio da Autonomia do Poder Local – art.° 235° da CRP – na sua vertente da liberdade de conformação do poder político;

(xxiii) É que a sentença em crise ao não reconhecer que também os eleitos das autarquias locais, que exercem funções executivas, exercem também eles o poder político à semelhança do órgão do Estado Governo, tomando opções políticas que consequentemente vão conformar a sua atividade administrativa, abre caminho a que todas as decisões politicas e documentos que as corporizam fiquem sujeitos ao escrutínio público e, eventualmente, judicial, o que irá conduzir, inevitavelmente, à diminuição/perda da autonomia que deve caracterizar o exercício do poder político;

(xxiv) Desta forma, temos que considerar que a (errada) interpretação e aplicação da alínea b) do n.° 2 do art.° 3° da LADA, plasmada na sentença recorrida, é, em si mesma, violadora do princípio da autonomia local ínsito no ait° 235° da CRP, na sua vertente da liberdade de conformação do poder político.”.

Conclui, pedindo a procedência do recurso.


*

O ora recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, mas sem formular conclusões.

Pede que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, por proceder a correta aplicação do direito.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação dos artºs 3º, nº 2, alínea b), 4º e 5º da LADA, por o documento que se pretende aceder não resultar da atividade administrativa, mas antes do exercício de funções políticas, em violação do princípio da autonomia do poder local, previsto no artº 235º da Constituição.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) José António …………… dirigiu em 18 de maio de 2012 ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa requerimento com o seguinte teor:

“(…)”

Cfr. documento de folhas 9 dos autos.

2) José ………………. dirigiu em 6 de junho de 2012 ao presidente da Comissão para a Promoção das Boas Práticas da Câmara Municipal de Lisboa requerimento com o seguinte teor:

“(…)”

Cfr. documento de folhas 10 dos autos.

3) A Comissão para a Promoção de Boas Práticas da Câmara Municipal de Lisboa tomou em 19 de junho de 2012 deliberação com o seguinte teor:

“(…) “

Cfr. documento de folhas 11 e 12 (frente e verso) dos autos.

4) O requerimento inicial relativo à presente intimação deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 26 de junho de 2012. Cfr. carimbo aposto a folhas 3 dos autos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação dos artºs 3º, nº 2, alínea b), 4º e 5º da LADA, por o documento que se pretende aceder não resultar da atividade administrativa, mas antes do exercício de funções políticas, em violação do princípio da autonomia do poder local, previsto no artº 235º da Constituição

Segundo as conclusões do presente recurso, enferma a sentença recorrida do vício de erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Alega o recorrente que se encontram violados os artºs 3º, nº 2, alínea b), 4º e 5º da LADA, por o documento que se pretende aceder não resultar da atividade administrativa, não estando em causa um documento administrativo, a que se aplique o princípio geral do livre acesso aos documentos administrativos, por antes resultar do exercício de funções políticas, sendo uma nótula preparatória para reuniões com o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e com o executivo municipal, subjacente às opções políticas que vieram a ser ponderadas e refletidas na nova estrutura orgânica municipal.

Nesse documento foram analisadas as várias perspetivas políticas de reestruturação organizacional manifestadas por todos os Vereadores que antecederam a reestruturação dos serviços municipais efetuada em 2011, pelo que não estamos perante qualquer documento que releve da atividade administrativa.

A reestruturação dos serviços municipais surge na sequência da publicação do D.L. nº 305/2009, de 23/10, que estabeleceu o novo regime jurídico da organização dos serviços das autarquias locais, implicando várias opções, designadamente, quanto ao número de unidades ou equipas a respetivas tarefas, que não podem deixar de ser consideradas de cariz político.

O suscitado, que se traduz, em suma, nos fundamentos do presente recurso jurisdicional, respeita a saber se os documentos em causa podem ser qualificados como “documento administrativo” para efeitos da Lei nº 46/2007, de 24/08, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de novembro (revogando a Lei nº 65/93, de 26/08, com a redação introduzida pelas Lei nºs 8/95, de 29/03, e 94/99, de 16/07), relativa à reutilização de informações do setor público, regulando o exercício do direito de acesso aos documentos da Administração (LADA), ou se, pelo contrário, estão em causa documentos preparatórios de uma decisão de natureza política.

Vejamos.

Vem o recorrente a juízo insurgir-se contra a sentença recorrida que julgou procedente o pedido de intimação requerido, por considerar que o relatório intitulado “Obras Públicas Municipais – Sobre o Estado da Arte”, elaborado pelo vereador da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando …………., no início do ano de 2011 e os documentos elaborados sobre o mesmo relatório, pelos diretores do DMPO, do DDCCE e do DCCH, não podem deixar de ser qualificados como “suporte de informação sob forma escrita”, na posse de órgãos de uma autarquia local, pelo que, são documentos administrativos.

Em face da factualidade demonstrada, decorre que o direito invocado pelo requerente nos requerimentos apresentados é o direito ao acesso a documentos administrativos, consagrado nos nºs 1 e 2, do artº 268º da CRP.

No nº 1 consagra-se o direito e garantia dos administrados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, o que constitui a vertente procedimental do direito à informação; no nº 2 consagra-se o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, correspondendo à vertente não procedimental do direito à informação.

O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (artº 61º), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (artº 62º).

O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (artº 65º).

Nos termos do nº 2 do artº 268º da CRP, os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, só podendo haver restrições a esse direito de acesso quando, fundamentadamente, tal se mostrar obstaculizado pela aplicação da lei em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas e aos segredos comerciais e industriais.

Por isso, nos termos do preceito constitucional, os cidadãos têm o direito de conhecer os processos em que sejam diretamente interessados, assim como o de acesso aos arquivos e registos administrativos, só podendo haver restrições a esses direitos quando, fundamentadamente, tal se mostrar obstaculizado pelo facto de a elaboração dos documentos não relevar da atividade administrativa, por respeitar a reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação, ou da aplicação da lei em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas e aos segredos comerciais e industriais – cfr. artº 3º, nº 2, al. b) e artº 6º da LADA.

O direito à informação procedimental, segundo entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina, pertence aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, estando, por isso, sujeito ao regime previsto no artº 18º da Constituição – neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no DR, I Série-A, de 14/05/1996.

Sobre o disposto em tal preceito constitucional, remete-se para o acórdão do TCAS nº 4841/09, de 17/09/2009, que reproduz a doutrina, “(…) A utilização neste nº 2 do advérbio “também” denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração. Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o “segredo administrativo”, algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjetivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.”.

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA, tratando do primeiro os artºs. 61º a 64º e do segundo o artº 65º.

Todos esses artigos do CPA regulam o direito de acesso à informação contida em processos e procedimentos em curso, assim como o direito à informação que assiste a todos os cidadãos, de acordo com o sistema de arquivo aberto ou open file, isto é, independentemente de serem ou estarem interessados no procedimento administrativo em causa, a que se refere o artº 65º do CPA.

O artigo 65º do CPA consagra, pois, o chamado princípio da administração aberta, facultando a qualquer pessoa o acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Transpondo o princípio constitucional contido no nº 2 do artº 268º da CRP, dispõe o artº 65º do CPA, ora aplicável:
1 – Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
2 – O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado em diploma próprio.”.

Contudo, importa analisar se a pretensão requerida apresentada pelo ora recorrente à entidade recorrida se insere no direito à informação invocado.

Tendo presente, por um lado, o teor dos requerimentos assentes no probatório e, por outro, a resposta que os mesmos mereceram por parte da entidade requerida, decorre que a informação a que o requerente pretende ter acesso é uma informação não procedimental, inserida no âmbito do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Por outro lado, nos termos do disposto no artº 5º da Lei nº 46/2007, de 24/08, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Face ao teor da norma em causa, a lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando a mera solicitação por escrito, através de requerimento, do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (cfr. artº 13º da LADA).

No caso sub judice, os documentos não foram disponibilizados ao requerente, invocando-se na fase administrativa que não cabia a um dos serviços da orgânica do Município disponibilizar tais documentos e, depois, já em juízo, vem alegado que os documentos requeridos não se inserem no exercício da atividade administrativa, mas antes traduzem opções de cariz político do Município.

Além disso, decorre que a Administração não distingue qualquer dos documentos solicitados, tratando um e outros por igual, isto é, como tendo a mesma natureza.

Importa reafirmar que o direito à informação deve ser interpretado de acordo com o disposto no artº 268º da CRP, apenas podendo sofrer restrições quando estejam em causa, com relevo, alguma das situações previstas no artº 6º da LADA ou quando seja de recusar a classificação de “documento administrativo”, nos termos do nº 2 do artº 3º da LADA.

No probatório nada resulta do qual se possa extrair o conteúdo ou teor dos documentos ou sequer a sua natureza.

Segundo a sentença recorrida, quer o relatório, quer os demais documentos requeridos, não podem deixar de ser qualificados como “suporte de informação sob forma escrita” na posse de órgãos de uma autarquia local, pelo que, integram o conceito de “documento administrativo”.

E bem, por ser de recusar ao caso o disposto na alínea b) do nº 2 do artº 3º da LADA, como invoca o recorrente.

Tal preceito determina que:

2 – Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei:

(…)

b) Os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação.”.

Assistindo aos interessados o direito de, mediante o pagamento das importâncias devidas, obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processo a que tenham acesso, recai sobre as entidades administrativas o correspondente dever de satisfazer as pretensões requeridas, nos termos disciplinados no artº 62º do CPA e artº 268º da CRP, sempre que, estiverem verificados os respetivos pressupostos do exercício do respetivo direito.

Cabendo ao requerente que invoca o direito, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, incumbe à entidade requerida não só alegar, mas também provar que procedeu à emissão da certidão ou da informação que foi requerida ou então demonstrar que os documentos solicitados não são documentos administrativos, para efeitos do CPA, da LADA e do CPTA.

No caso, mostra-se suficientemente caracterizado o direito à informação por parte do requerente.

A questão de saber se cabe à Administração facultar tais elementos prende-se com a natureza dos documentos em causa.

Nos termos do disposto no nº 2 do artº 342º do CC, cabe à Administração alegar e demonstrar o facto impeditivo do direito à informação invocado pelo requerente, não bastando alegar a natureza política dos documentos em causa.

Nos autos nada consta que permita concluir pela natureza política dos documentos.

Além disso, também não se mostra invocado que os documentos em causa se traduzam em notas pessoais, esboços, apontamentos ou outros registos de natureza idêntica.

Por outro lado, é de recusar que tais elementos se incluam na fase preparatória da atividade política, por antes respeitarem ao exercício da atividade administrativa de uma pessoa coletiva de direito público, no âmbito das suas legais atribuições e no exercício das suas legais competências, como consiste o Município de Lisboa.

Ao contrário do que alega o recorrente, é de recusar a função política aos Municípios, por estes, considerando as atribuições das autarquias locais e, consequentemente, as competências dos respetivos órgãos, se reportarem apenas ao exercício da função administrativa.

Não se confunde o estatuto jurídico-constitucional dos Municípios, com o das Regiões Autónomas, sendo que apenas estas são dotadas de autonomia político-administrativa e de órgãos de governo próprio – vide, por confronto, os artºs 235º e segs. e o artº 225º da Constituição.

Assim, não se extrai do disposto da norma constitucional invocada, o artº 235º da Constituição ou sequer dos preceitos subsequentes, que os Municípios exerçam a função política ou que disponham de autogoverno ou órgãos de governo próprios, pelo que, tendo somente funções administrativas, os documentos que emanem no exercício das suas legais atribuições e das competências dos seus órgãos, são documentos administrativos e não documentos de natureza política.

Seguindo o pensamento de Jorge Miranda, a função política (abarcando as atividades legislativa e governativa stricto sensu) traduz-se na “direção do Estado”, isto é, na “definição primária e global do interesse público, na interpretação dos fins do Estado e na escolha dos meios mais adequados para os atingir”, enquanto a função administrativa visa a “satisfação constante e quotidiana das necessidades coletivas e a prestação de bens e serviços” – cfr. “Manual de Direito Constitucional”, Tomo V, Atividade Constitucional do Estado, Coimbra Editora, 2000, pág. 7 e segs..

Para Diogo Freitas do Amaral a administração pública em sentido material é a atividade de administrar e que pode “ser definida como a atividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes” – videCurso de Direito Administrativo”, 2ª ed., Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 39.

Nos termos do Acórdão do STA, proferido em 23/08/2006, processo nº 816/06, “o exercício da função política consiste na escolha das grandes opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento de um determinado modelo económico e social”, enquanto “o exercício da função administrativa se traduz na materialização dessas opções”.

Cai, por isso, por terra toda a argumentação do recorrente, sendo de recusar que os documentos requeridos pelo requerente correspondam ao exercício da atividade ou função política, de que os Municípios não possuem.

Assim, os documentos solicitados não sendo elaborados no exercício da função política, são documentos administrativos, por serem produzidos no exercício e por causa do exercício da função administrativa do Município, ora recorrente, sendo uma decorrência desse exercício.

Cabe ao Município elaborar e aprovar a sua respetiva lei orgânica, assim como estruturar os seus respetivos serviços ou unidades orgânicas, nada obstando que documentos em que se analisem, proponham ou definam as linhas estratégias da respetiva orgânica, elaborados por titulares de órgãos ou pelos seus trabalhadores, como no presente caso, sejam do acesso geral, por tal ainda se inserir no âmbito da atividade administrativa do Município.

Coisa diferente é se tais opções são sindicáveis contenciosamente por quaisquer interessados, o que ora não está em causa, nem constitui objeto do presente processo.

Além disso, não é de olvidar que nos termos da alegação do recorrente, nenhum procedimento de reestruturação orgânica se encontra em curso, tendo sido já adotada a nova estrutura orgânica municipal, pelo que, o acesso aos documentos requeridos não é de molde a poder perturbar qualquer atuação administrativa que se encontre em curso ou a ser implementada.

Por isso, nem sequer tem sentido convocar para o caso, o diferimento no acesso à informação requerida, nos termos do disposto no nº 3 do artº 6º da LADA, quanto ao estabelecimento de restrições ao direito de acesso aos documentos administrativos, segundo o qual “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração”.

Conforme a alegação expressa do recorrente então em causa documentos preparatórios de reuniões e das decisões que vieram a ser tomadas, o que não se subsume à noção do exercício da atividade política.

In casu, vale a definição constante na alínea a) do nº 1 do artº 3º da LADA, segundo a qual se considera “«Documento administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome”.

Conforme defende a doutrina (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação X ao artº 268º, da “Constituição da República Portuguesa”, vol. II, 4ª ed., revista, pág. 824), o conceito de documento administrativo deve ser amplamente entendido, nada impedindo que documentos contendo propostas ao Governo ou emanados no âmbito do Poder Regional ou Local, como no caso, sejam do acesso geral, conquanto não se trate de matéria que em si mesma seja secreta ou confidencial, por relevar a tutela de um direito fundamental, com assento constitucional.

De resto, ainda que assim não fosse, mesmo quando esteja em causa documento respeitante à atividade político-legislativa, “não se conclui que tais documentos são reservados”, pois, “em geral, estão sujeitos a publicidade” – cfr. José Renato Gonçalves, “Acesso à Informação das Entidades Públicas”, Almedina, Coimbra, 2002, pág 35 e segs..

Pelo que, ainda que a matéria sobre que versam tais documentos, quer o da autoria do vereador Fernando Nunes da Silva, sob designação “Obras Públicas Municipais – Sobre o Estado da Arte”, quer os demais solicitados, elaborados pelos Diretores do DMPO, DDCCE e DCCH, se traduzissem em documentos preparatórios, contendo propostas ou valorações relativas à orgânica dos serviços municipais, sempre é de recusar que se traduzam em valorações de cariz ou natureza política.

Por outro lado, ainda que as opções consideradas nesses documentos se considerassem no âmago da reserva do “foro íntimo” ou do “foro reservado” da Administração, o que em momento algum não foi invocado, à data em que o acesso à informação foi requerido pelo requerente, já tais opções se encontravam tomadas, não estando em causa matéria a coberto de segredo, de cariz nominativa ou contendo dados pessoais.

De resto, a própria Comissão para a Promoção de Boas Práticas da Câmara Municipal de Lisboa, enquanto estrutura inserida na sua orgânica, nos termos assentes no ponto 3) do probatório, nunca pautou a sua atuação como considerando tais documentos excluídos do conceito de “documento administrativo”, mas antes como não sendo a entidade, no âmbito da estrutura da edilidade, que deva dar “resposta aos requerimentos formulados em matéria de acesso aos documentos administrativos”, o que traduz uma atuação em que, pelo menos, implicitamente, o recorrente assume que estão em causa documentos administrativos.

No caso, releva o facto de a entidade requerida e ora recorrente, à luz do quadro constitucional e legal vigente, não ser titular da função política, antes sendo uma entidade administrativa, cujos documentos são administrativos, em face da Constituição, do CPA, da LADA e do CPTA e de estar em causa o exercício de um direito fundamental, que apenas pode ser limitado nos casos expressamente previstos na lei.

Assim, porque os documentos solicitados nos requerimentos apresentados estão na disponibilidade da entidade requerida, estando na sua posse e cabendo-lhe facultar, porque não foi dada satisfação a tais pedidos de acesso a documentos administrativos e porque o requerente tem direito de acesso, é de concluir, tal como entendeu a sentença recorrida, pela intimação da entidade requerida, ora recorrente, a disponibilizar os elementos pretendidos.

Pelo que, improcedem in totum as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida.


*

Pelo exposto, será de julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.

*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não se mostrando invocado que os documentos cujo acesso é requerido se traduzam em notas pessoais, esboços, apontamentos ou outros registos de natureza idêntica, é de recusar que tais documentos se incluam na fase preparatória da atividade política, por antes respeitarem ao exercício da atividade administrativa de uma pessoa coletiva de direito público, no âmbito das suas legais atribuições e no exercício das suas legais competências.

II. É de recusar a função política aos Municípios, por estes, considerando as atribuições das autarquias locais e, consequentemente, as competências dos respetivos órgãos, se reportarem apenas ao exercício da função administrativa.

III. Não se confunde o estatuto jurídico-constitucional dos Municípios, com o das Regiões Autónomas, sendo que apenas estas são dotadas de autonomia político-administrativa e de órgãos de governo próprio – vide, por confronto, os artºs 235º e segs. e o artº 225º da Constituição.

IV. Não se extrai do disposto no artº 235º da Constituição ou dos preceitos subsequentes, que os Municípios exerçam a função política ou que disponham de autogoverno ou órgãos de governo próprios, pelo que, tendo somente funções administrativas, os documentos que emanem no exercício das suas legais atribuições e das competências dos seus órgãos, são documentos administrativos e não documentos de natureza política.

V. Assistindo aos interessados o direito de, mediante o pagamento das importâncias devidas, obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos administrativos, recai sobre as entidades administrativas o correspondente dever de satisfazer as pretensões requeridas, nos termos disciplinados no artº 62º e segs. do CPA e do artº 268º da CRP, sempre que, estiverem verificados os respetivos pressupostos do exercício do respetivo direito.

VI. Apurando-se que os requerimentos apresentados se apresentam configurados no âmbito do exercício do direito ao acesso aos documentos administrativos, vindo o requerente a solicitar informação que está na disponibilidade da entidade requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse e que lhe caiba facultar, não tendo sido dada satisfação a tais pedidos, é de intimar a entidade requerida a fornecer tais elementos.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a decisão proferida, embora com diferente fundamentação.

Custas pelo recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)