Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 554/21.8BEALM |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/13/2022 |
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Relator: | SUSANA BARRETO |
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Descritores: | SIGILO BANCÁRIO INTERESSE EM AGIR NULIDADE DEFICIT INSTRUTÓRIO |
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Sumário: | I - O pressuposto processual do interesse em agir deve ser apreciado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça. II - Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve o Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório R…, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que no recurso judicial por si deduzido, contra a decisão de derrogação do dever de sigilo bancário proferida em 2021.08.05, pela Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre as contas bancárias de que era titular M…, e em que ele próprio também seja titular, cotitular ou autorizado a movimentar, referente, ao período entre 2014.07.15 e 2015.12.31, julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente, formulou as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida nos autos, que decidiu o recurso apresentado contra a decisão de derrogação de sigilo bancário, pelo período de 1.1.2013 a 14.7.2014, proferida pela AT sobre contas bancárias de I..., que faleceu em 14.7.2014. B. Esta decisão foi proferida no âmbito de um procedimento de inspeção instaurado ao Recorrente, que é sobrinho da titular das contas visadas na decisão de derrogação. C. A decisão abrange contas bancárias da exclusiva titularidade da tia do sujeito inspecionado, ou seja, em que este último não é cotitular das mesmas. D. No entanto, nos termos da referida decisão, a AT entendeu que o disposto nos n.ºs 2 e 5 do artigo 63.º-B da LGT, que versa sobre a derrogação do sigilo bancário das contas da titularidade de familiares ou terceiros do contribuinte inspecionado, não era aplicável ao caso em apreço, após a data da morte do familiar / terceiro, não elaborando um projeto de decisão e não conferindo o direito de audição a ninguém. E. E entendeu desta forma única e simplesmente porque a titular das contas bancárias em causa morreu, tendo ficado abrangido pela decisão de derrogação o período entre o dia seguinte à sua morte (14.07.2014) e o final desse ano de 2014. F. Isto resulta evidente da comparação da decisão sub judice com a decisão de derrogação do sigilo proferido para o período imediatamente anterior à morte do familiar do sujeito inspecionado (de 01.01.2013 a 14.07.2014), onde – aí sim – foi elaborado um projeto de decisão e conferido o direito de audição ao ora Recorrente, na qualidade de testamenteiro da titular das contas, sua tia. G. Ora, se as contas bancárias em causa eram da titularidade de um familiar/terceiro até ao dia da sua morte, não se compreende que a AT entenda que estas contas deixaram de ser da titularidade de um familiar/terceiro após essa data, sendo certo que as contas bancárias nem sequer passaram alguma vez a ser da titularidade do ora Recorrente. H. Ou seja, as contas bancárias em questão nunca passaram a ser da titularidade do sujeito inspecionado, pelo que, por definição, têm de ser consideradas da titularidade de um terceiro, para efeitos do n.º 2 e do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT. I. Confrontado com o incumprimento desta formalidade essencial e o não preenchimento dos critérios materiais exigidos na lei, o Recorrente, enquanto sucessor legal e testamenteiro do terceiro/familiar, impugnou junto do Tribunal a quo a decisão de derrogação de sigilo bancário das contas da sua tia. J. Porém, perante a petição inicial apresentada pelo Recorrente, enquanto testamenteiro e legatário da sua tia, o Tribunal a quo proferiu a sentença sub judice, considerando procedente a exceção invocada pela AT de falta de interesse em agir, por alegadamente estar em causa “a protecção de direitos e interesses de outros que não o próprio Recorrente”. K. Isto, note-se bem, quando o aqui Recorrente foi notificado pela AT da decisão de derrogação do sigilo na qualidade de testamenteiro da herança da titular das contas bancárias. L. A afirmação do Tribunal a quo é difícil de compreender, pois o Recorrente agiu enquanto herdeiro, legatário e testamenteiro da titular das contas, que foi, aliás, a qualidade em que foi notificado da decisão administrativa recorrida. M. Tal como se afigura incorreto concluir que o Recorrente está a intervir neste processo em interesse próprio, uma vez que o mesmo intervém enquanto sucessor dos direitos “desses familiares ou terceiros”, i.e. do sujeito passivo alvo da decisão de derrogação do sigilo bancário que faleceu, que era e foi titular de contas bancárias em questão até ao final de 2014 e que neste momento não pode, evidentemente, intervir no processo porque faleceu. N. Assim, sendo certo que os direitos de personalidade, nos quais se inclui o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, não cessam com a morte do seu titular, afigura-se inequívoco que o Recorrente tem interesse em agir para pugnar pela salvaguarda deste direito relativamente à sua tia, já falecida, da qual é legatário e testamenteiro. O. A conclusão pela falta de interesse em agir pelo Tribunal a quo apenas poderá decorrer de uma grande confusão entre (i) a intervenção do Recorrente nos presentes autos como legatário/herdeiro/testamenteiro de I… quanto a uma decisão de derrogação de sigilo bancário das contas desta última e (ii) a sua qualidade de sujeito passivo inspecionado. P. O Recorrente intervém nos presentes autos, não em nome próprio, mas sim como legatário de I…, como sucessor de um direito fundamental da sua tia já falecida. Q. Ora, sendo jurisprudência assente que “Os sucessíveis legais, mesmo que não recebam património, nem por isso deixam de ser as partes legítimas para representar o falecido numa acção pendente em que este estivesse a intervir, a menos que este pudesse e tivesse instituído alguém como seu herdeiro universal, afastando aqueles. II. Os herdeiros continuam a ser as pessoas que na acção passarão a ocupar o lugar do falecido, quer para defender a sua memória e seus interesses imateriais”, não poderá subsistir qualquer dúvida de que o Recorrente, herdeiro e legatário de I…, sujeito passivo visado da derrogação de sigilo bancário, tem interesse em agir, tendo ou não recebido legados em dinheiro. R. Acresce que, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, o que está em causa nos presentes autos não são “bens integrados na esfera patrimonial de outros que não o próprio”, estamos sim a discutir os requisitos formais e materiais associadas à violação de um direito fundamental de I…, já falecida. S. Em face do tudo o exposto, ficou amplamente demonstrado que o mesmo, na qualidade de testamenteiro e legatário da sua tia, tem interesse em agir no presente processo, para salvaguardar o respeito por direitos fundamentais da sua tia que já faleceu e que não se pode apresentar em juízo. T. Uma interpretação dos artigos 63.º a 63.º-B da LGT, segundo a qual as contas bancárias da titularidade do de cujus não merecem a tutela do sigilo bancário enquanto proteção da reserva íntima da vida privada, após a morte do titular, não ficando a Recorrida obrigada a seguir o procedimento aí previsto, é manifestamente inconstitucional, por violação do direito de personalidade consubstanciado na reserva sobre a intimidade da vida privada. U. Uma interpretação das normas que estabelecem o pressuposto processual do interesse em agir, segundo a qual o direito de recorrer judicialmente, ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, contra uma decisão de derrogação do sigilo bancário de contas de pessoa falecida, quando esta é uma mera familiar do sujeito inspecionado, não pode ser exercido pelo herdeiro legatário e testamenteiro após a herança deixar de estar indivisa, por este ser o sujeito passivo inspecionado, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito, e do direito de personalidade consubstanciado na reserva sobre a intimidade da vida privada. V. Uma interpretação das normas que estabelecem o pressuposto processual do interesse em agir, segundo a qual o direito de recorrer judicialmente, ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, contra uma decisão de derrogação do sigilo bancário de contas de pessoa falecida, quando esta é uma mera familiar do sujeito inspecionado, só pode ser exercido pelos legatários que passaram a ser titulares dessas contas bancárias, não podendo ser exercida pelo herdeiro legatário e testamenteiro após a herança deixar de estar indivisa, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito, e do direito de personalidade consubstanciado na reserva sobre a intimidade da vida privada. W. Por fim, uma interpretação das normas que estabelecem o pressuposto processual do interesse em agir, segundo a qual o direito de recorrer judicialmente, ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, contra uma decisão de derrogação do sigilo bancário de contas de pessoa falecida, quando esta é uma mera familiar do sujeito inspecionado, tem de ser exercido pela herança indivisa, não podendo ser exercida pelo herdeiro legatário e testamenteiro após a herança deixar de estar indivisa, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito, e do direito de personalidade consubstanciado na reserva sobre a intimidade da vida privada. X. Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, anulando-se a Decisão posta em crise. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas., se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando-se a mesma.
ii) Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantida a douta sentença proferida. iii) O “interesse em agir” constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção, determinando o Art.º 9.º do CPPT que tem legitimidade para intervir tanto no procedimento tributário como nos processos judiciais tributários, para além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido (a este propósito veja-se o entendimento do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, Volume I, pág. 113, anotação 2 ao art.º 9.º). iv) Acresce que, o n.º 4 do art.º 9.º do CCPT, in fine, ao remeter para o n.º 1 do mesmo artigo, atribui ainda, legitimidade para intervenção no procedimento tributário àqueles que provem “interesse legalmente protegido”, sendo que em matéria tributária, é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadão nas decisões que lhes disserem respeito em harmonia com o disposto no n.º 5 do art.º 267.º da CRP, como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica. v) Assim, interesse em agir, enquanto pressuposto processual do processo só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida, destinando-se, a assegurar a utilidade da tutela jurisdicional. vi) O recurso interposto pelo Recorrente visava a decisão da Diretora Geral da Autoridade Tributária que autorizou o acesso a todas as contas bancárias existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo "M…" em que “R…" também seja titular, cotitular ou autorizado a movimentar, com referência ao período compreendido entre 15 de Julho de 2014 e 31 de Dezembro de 2014. vii) Tal período ao qual foi autorizada o acesso às contas bancárias reporta ao intervalo entre 15 de Julho de 2014 e 31 de Dezembro de 2014, ou seja, após o falecimento do sujeito passivo "M…", que ocorreu no dia 14 de Julho de 2014, resultando igualmente do despacho recorrido procedeu à derrogação do dever de sigilo bancário relativamente às contas bancárias em que seja titular a “M…” e, simultaneamente, o sobrinho “R…" como titular, cotitular ou autorizado a movimentar. viii) As heranças indivisas poderão ser partes em processos judiciais tributários, que tenham por objecto relações jurídicas tributárias que as envolvam, cabendo a sua representação ao cabeça de casal, por a ele lhe estar atribuída a administração da herança até a respectiva partilha, nos termos do disposto nos art.ºs 16.º n.º 3 da LGT e 1 do CPPT, e do art.º 2079.º do Código Civil. ix) Estando em causa o exercício de direitos que extravasem os limites da administração da herança, determina o art.º 2091.º do Código Civil, que eles só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, pelo que também a representação da herança em processos judiciais tributários, deverá caber, nestes casos, à totalidade dos herdeiros. x) Conforme aquilatou a sentença o Recorrente alega mesmo, no ponto 19, que a herança permaneceu sem ser totalmente partilhada até final de 2014, e nesse desiderato, a partir de então, por efeito dessa partilha, deixou de existir qualquer herança indivisa a administrar, passando os bens que a constituíam a integrar o património de cada um dos até então herdeiros e legatários. xi) Logo, deixou de existir qualquer herança indivisa por óbito da I…, como aqueles que até então eram herdeiros ou legatários deixaram de o ser por efeito da partilha daquela herança, entendendo a sentença que o Recorrente, e, portanto, a parte activa no mesmo é ele próprio, e os pressupostos processuais, designadamente, a legitimidade activa, terá que ser aferida em função da relação dele próprio com o objecto do processo, de acordo com os termos em que a relação material controvertida, por ele próprio, foi delineada, na petição inicial. xii) Não há nem pode haver, por isso, qualquer ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, em virtude de a acção não ter sido interposta por todos os herdeiros da herança de I…. xiii) Neste desiderato e à revelia do alegado pelo Recorrente, este só tem interesse em agir ou interesse processual, enquanto pressuposto processual autónomo distinto da legitimidade processual prevista no art.º 9.º n.º 1 e n.º 4 do CPPT, quando necessite realmente da tutela judicial solicitada, para salvaguardar a sua situação jurídica (v.d. Acórdão do TCA Sul de 27.02.2020). xiv) Pelo que, não assiste razão ao Recorrente pois como determinado na sentença os bens protegidos pelo sigilo bancário, invocados pelo Recorrente e, alegadamente violados pela decisão recorrida, serão também eles bens integrados na esfera patrimonial de outros que não o próprio, pelo que também uma eventual procedência da acção com base nos fundamentos concretos invocados, nenhuma vantagem directa e pessoal traria à esfera jurídica do Recorrente. xv) Por fim, acerca da questão em análise e sobre o Recorrente já foi proferido Acórdão por esse Colendo Tribunal Processo nº 779/21.6BESNT, de 14.07.2022. xvi) Por fim, vem o Recorrente peticionar que esse Venerando Tribunal reconheça e declare o efeito suspensivo do presente recurso, ao abrigo da 2ª parte do n.º 5 do Art.º 63.º-B da LGT. xvii) Todavia, também aqui não lhe assiste razão. xviii) Com efeito, sobre idêntico pedido já se pronunciou o referido Acórdão citado tendo aquilatado o seguinte; “Resta, por último, a fixação dos efeitos do recurso. Sobre isto, requer a Recorrente que este Tribunal declare o efeito suspensivo do presente recurso, ao abrigo da 2ª parte do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, efeito este que foi requerido pela Recorrente na p.i. mas sobre o qual o Tribunal a quo não se pronunciou, com manifesto prejuízo dos interesses jurídicos que a lei visou salvaguardar.» Também aqui a razão não assiste à Recorrente, pois que o efeito suspensivo do recurso, nos termos previstos na 2ª parte do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT está reservado para as situações em que está em causa recurso que tem como objeto da derrogação do sigilo bancário contas tituladas por terceiro, o que, face ao que aqui ficou explanado sobre a falta de interesse em agir da Recorrente relativamente ao acesso às contas de M…, não se verifica. Fixa-se, pois, efeito devolutivo ao recurso”. xix) Neste desiderato são manifestamente improcedentes os argumentos aventados pelo Recorrente.
Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo manter-se a douta sentença recorrida.
* Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), dão-se por provados os seguintes factos:A) Em 12 de Agosto de 2014, perante o notário do Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, foi outorgada escritura de Habilitação de Legatários constante de doc. nº 3 junto com a pi , a fls. 16 e seguintes dos autos– doc. nº 004556724, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve: (…) - Que, têm perfeito conhecimento de que no dia catorze de Julho de dois mil e catorze, (…), faleceu M…, no estado de viúva (…). - Que a autora da herança M…, faleceu sem descendentes nem ascendentes vivos, e fez dois testamentos públicos que se encontram em vigor, outorgados neste Cartório: - Um, celebrado em dez de Dezembro de dois mil e doze, lavrado a folhas setenta e cinco, do respetivo livro catorze – T; e - um, celebrado em vinte e oito de Maio de dois mil e treze, lavrado a folhas trinta e sete, do respetivo livro Quinze – T; pelos quais: - I: designou como testamenteiro, o sobrinho, R…, (…); e - II: fez vários legados, com os quais distribuiu toda a herança, não se lhe conhecendo quaisquer outros bens que não os mencionados nos referidos testamentos, a favor dos legatários: - R… (…)”; - Maria L… (…)”; - S… (…)”; - A… (…)”; - M… (…)”; - M… (…)”; - F… (…)”; - J… (…)”; - M…, (…)”; - J… (…)”; - A sociedade F…, Lda., (…)”; - Que, não há outras pessoas que segundo a lei e os testamentos, prefiram aos indicados legatários ou com eles possam concorrer na sucessão à mencionada herança. (…)” [cfr. doc. 3 do requerimento inicial]; B) A coberto da Ordem de Serviço nº OI202100160, de 2021.03.09, ao ora Recorrente foi instaurado procedimento de inspeção de âmbito parcial de Imposto de Selo, para controlo de transmissões gratuitas ocorridas no ano de 2014 em que o mesmo intervém na qualidade de testamenteiro e legatário de I…, realizado pela Divisão de Pessoas Singulares da Unidade de Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária – cf. doc. nº 004556724, a fls. 16 e seguintes dos autos. C) No decurso da ação inspetiva a que se refere a alínea que antecede, foi elaborada, em 2021.05.21, informação constante de doc. nº 004556724, a fls. 16 e seguintes dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve: (IMAGEM, VER NO ORIGINAL) D) Seguidamente foi proferida a informação nº 99-2021, de 2021.06.18, constante de doc. nº 004556724, a fls. 16 e seguintes dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve: (IMAGEM, VER NO ORIGINAL) E) Em 2021.07.19, na informação identificada na alínea que antecede, foi exarado parecer o seguinte parecer (Id.): (IMAGEM, VER NO ORIGINAL) F) Em 2021.11.15, pela Diretora Geral dos Impostos foi proferido o seguinte despacho (Id.): (IMAGEM, VER NO ORIGINAL) G) Esta decisão foi comunicada ao ora Recorrente através de ofício junto pelo Recorrente como documento nº 1, do qual se transcreve: (IMAGEM, VER NO ORIGINAL) H) Em 2021.09.27, a presente ação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cfr. fls. 1 dos autos). Como já referido supra, os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e identificados em cada uma das alíneas do probatório. II.2 Do Direito Notificado da decisão da Diretora Geral dos Impostos de derrogação do sigilo bancário relativamente às contas bancárias de que era titular M…, veio o ora Recorrente, na qualidade de herdeiro e testamenteiro, interpor recurso judicial, com efeito suspensivo. Preliminarmente, cumpre precisar que apesar de na parte final das alegações de recurso se pedir que este Tribunal reconheça e declare o efeito suspensivo do presente recurso, ao abrigo da 2ª parte do n.º 5 do artigo 63.º-B da LGT, efeito este que foi requerido pelo Recorrente na p.i. mas sobre o qual o Tribunal a quo não se pronunciou, com manifesto prejuízo dos interesses jurídicos que a lei visou salvaguardar, tal afirmação não é exata porquanto logo no primeiro despacho proferido pelo Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, o recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão de derrogação de sigilo bancário recorrida. Temos assim que, contrariamente ao alegado, o Tribunal a quo não só se pronunciou sobre o requerido como atribuiu ao recurso efeito suspensivo, como peticionado. Também na conclusão C) das alegações de recurso diz: A decisão abrange contas bancárias da exclusiva titularidade da tia do sujeito inspecionado, ou seja, em que este último não é cotitular das mesmas. Todavia, esta singela afirmação necessita de ser melhor enquadrada, porquanto no despacho recorrido está bem patente ter sido autorizado o acesso a contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular o sujeito passivo M… (…) em que [o ora Recorrente] R… também seja titular, cotitular ou autorizado a movimentar no período temporal nele identificado e referenciado supra. Ora, se poderá ter sido autorizado o acesso a contas bancárias em que o ora Recorrente não era cotitular, apenas foi autorizado o acesso a contas e documentos bancários de contas em que este estivesse autorizado a movimentar, ou seja, com as quais o Contribuinte inspecionado, ora Recorrente, tivesse alguma conexão. Feitos estes considerandos, vejamos, então: No processo de derrogação de sigilo bancário ora em recurso o ora Recorrente alegou preterição de formalidades essenciais no procedimento, nomeadamente do direito de audição prévia dos herdeiros/legatários e não estarem reunidos nem verificados os pressupostos legais para a decisão de levantamento do sigilo bancário. A decisão recorrida, porém, não conheceu do mérito julgando procedente a alegada exceção dilatória de falta de interesse em agir do Recorrente. Todavia, e de acordo com os documentos existentes nos autos, o Recorrente é que é o visado no procedimento, configurando o presente recurso como de levantamento do sigilo bancário de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte. Apesar de não ter sido junta certidão de óbito, é referido pelo próprio que o período temporal em causa compreende o dia seguinte ao falecimento da tia do Recorrente até ao final desse ano civil, período esse em que lhe estaria confiada a administração do património, como testamenteiro e cabeça-de-casal. Podendo, pois, movimentar as contas bancárias até para poder prover às despesas que tenha que assumir e cumprir algumas obrigações expressamente prescritas na lei, como sejam as que vêm elencadas nos artigos 2090º nº 2, 2092º e 2093º nº 3, todos do CCivil ( Acórdão do TRPorto, de 2022.05.04, Proc nº 48/21.1T8MCN.P1) Não obstante, apesar de na sentença recorrida se ter concluído não se verificar preterição de litisconsórcio necessário ativo, considerou-se, todavia, existir falta de interesse em agir por parte do Recorrente, que se apresentou em juízo na qualidade de testamenteiro e legatário da sua tia [cf. conclusão J) das alegações de recurso]. Pese embora o bem fundado da decisão no que respeita à caraterização do interesse em agir, não foi, porém, devidamente ponderada a carência de tutela jurisdicional e garantia de acesso ao direito e à justiça, tal como defende. Com efeito, como é consabido, o pressuposto processual do interesse em agir deve ser apreciado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça. Tanto mais assim é que este Tribunal Central Administrativo Sul decidiu já no acórdão proferido no processo que correu termos sob o nº 779/21.6BESNT, ainda inédito, que os demais herdeiros/legatários não teriam interesse individual em agir. Isto sem esquecer que o visado no procedimento inspetivo é precisamente o ora Recorrente. Esta questão foi recentemente apreciada no acórdão deste Tribunal Administrativo Sul de 2022.09.15, Proc. nº 742/21.7BEALM, disponível em www.dgsi.pt, do mesmo Recorrente, com o qual concordamos e para cuja fundamentação remetemos aqui, na qual se sufragou o entendimento, perante os dados fáctico-normativos recenseados na sentença recorrida que o recorrente é parte legitima no recurso judicial e que tem interesse em agir, porquanto «[o] período em questão reporta-se a cerca de um ano e meio antes do falecimento de I…, que ocorreu, como resultou assente, no dia 14/07/2014. Ora, com respeito àquele período já o testamenteiro era co-titular das contas da falecida e é justamente com esse fundamento que a decisão que autoriza o acesso às contas bancárias é proferida. Isto porquanto, conhecendo a Autoridade Tributária o recebimento de dividendos no ano de 2013 os mesmos não foram declarados em sede de declaração de IRS e ainda em sede de Imposto de Selo, sendo a obrigação declarativa um encargo do cabeça de casal, isto é, do Recorrente. Mais, não resulta igualmente de ambas as declarações o pagamento de um conjunto de ações que o Recorrente adquiriu à falecida I… ainda em vida da mesma». Ponderou, por outro lado, que «[n]ão carreando o Recorrente qualquer meio de prova apto a esclarecer tais dúvidas - que se afiguram efetivamente insanáveis - o acesso aos movimentos das contas bancárias tituladas pela I… e seu cabeça-de-casal mostra-se necessário, adequado e proporcionado com o fim último que constitui o de descoberta da verdade e, se for o caso, repor a verdade tributária subjacente». A sentença que assim não decidiu, não se pode, pois, confirmar. Termos em que procedem as alegações de recurso nesta parte. Cumpre agora apreciar as questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio. A primeira questão, como já referido supra, dirá, pois, respeito à preterição de formalidades essenciais no procedimento administrativo de levantamento do sigilo bancário, nomeadamente, quanto à notificação para exercício do direito de audição prévia consagrado nas alíneas 2) e 5) do artigo 63-B da LGT. Diz o artigo 63-B da Lei Geral Tributária: Artigo 63.º-B Acesso a informações e documentos bancários 1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: (…) 2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder diretamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte. (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) (…) 5 - Os atos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são suscetíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e, sem prejuízo do disposto no n.º 13, os atos previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são suscetíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes. (…) Alega o Recorrente que foi ouvido, na qualidade de testamenteiro e cabeça-de-casal, apenas quanto ao levantamento do sigilo bancário no período compreendido entre 2013.01.01 e 2014.07.14, mas que não teria sido notificado do projeto de decisão de levantamento do sigilo bancário para o período compreendido entre 2014.07.15 e 2014.12.31, para se pronunciar. Para o efeito, com a petição juntou documentos relativos à notificação para o exercício do direito de audição prévia no período compreendido entre 2013.01.01 e 2014.07.14. Na oposição apresentada a Entidade Recorrida alega no artigo 23º que a herança foi validamente notificada na pessoa do seu representante (cabeça-de-casal), defendendo que a decisão recorrida não enferma de qualquer ilegalidade (cf. artigo 27º da referida peça processual). Todavia, com a oposição não juntou, como devia, os elementos de prova (cf. nº 4 do artigo 146-B CPPT). Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer. Devia, assim, ter sido dada oportunidade à ora Recorrida para comprovar o que afirma, convidando-a a comprovar ter também procedido à notificação para exercício do direito de audição prévia relativamente ao período aqui em causa e compreendido entre 2014.07.15 e 2014.12.31. Consideramos, aliás, que outros elementos também deveriam ter sido solicitados às partes, nomeadamente a já referida certidão de óbito e os testamentos outorgados, para melhor se apurar qual a extensão dos poderes atribuídos ao testamenteiro/herdeiro e ora Recorrente. Assim se concluindo que os autos não contêm os elementos necessários ao conhecimento em substituição. Em face do exposto, necessário se torna ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo para serem devidamente instruídos com os elementos em causa, nomeadamente os relativos à notificação do ora Recorrente do projeto de despacho para exercer o direito de audição prévia, que devem ser solicitados à ora Recorrida, bem como instruir o processo com outros elementos que repute necessários, nomeadamente a certidão do óbito da autora da herança e cópia dos testamentos por ela outorgados. Em face do exposto, tendo-se já concluído pela procedência do recurso e revogação da sentença, não dispondo os autos os elementos necessários ao conhecimento em substituição, impondo-se a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser apurada e fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença. Sumário/Conclusões: I. O pressuposto processual do interesse em agir deve ser apreciado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça. II. Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve o Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer III - DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica. Custas pela Recorrida, que decaiu Lisboa, 13 de outubro de 2022 Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês |