Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:530/06.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - Em face da devolução das notificações das liquidações com a menção de “Encerrado” ou “Desconhecido” deveria a AT ter efectuado diligências com vista a apurar se a sociedade executada teria alterado a sua sede ou cessado a sua actividade, caso em que se impunha a localização dos seus administradores ou gerentes.
II – Para a irregularidade decorrente da falta de aviso de recepção se degradar em não essencial, era necessário encontrar-se demonstrado nos autos que a oponente tomou conhecimento da notificação apesar da mesma não ter observado a forma legalmente prescrita.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, constante de fls. 312 e sgs. (processo físico) a qual julgou procedente a oposição à execução fiscal n.° ….. e apensos, deduzida por T….., LDA., NIPC ….., com os sinais nos autos, contra a execução fiscal contra si instaurada para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRC, Coimas e Custas, dos anos de 2000, 2001 e 2003. Mais, aquela sentença, condenou a Fazenda Pública em custas.

O recurso foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por decisão liminar datada de 5 de abril de 2020 (art. 656.º do CPC), se julgou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, indicando como tribunal competente este Tribunal Central Administrativo Sul (cfr n.º 3, do art. 18.º, do CPPT).

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

a) Em nenhum dos dezanove (19) artigos da p.i., a oponente alegou que não foi notificada dos impostos dentro do prazo de caducidade;
b) Apenas peticionou que deveria ser julgada inexistente a dívida exequenda (vide alínea a)), ou, caso assim não se entenda, ser julgada operada a caducidade da liquidação do IVA e IRC vencidos nos 4 anos que precederam a citação da sociedade executada (vide art.° 18° e al. b) da pi);
c) Do n.° 1 do art.º 45.º da LGT resulta que, o prazo de caducidade não se conta até à data da citação na execução fiscal mas sim até à data da notificação da liquidação;
d) A caducidade do direito à liquidação não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, pelo que não tendo a oponente alegado que não foi devidamente notificada das liquidações dos impostos, não pode a Mm.a Juíza "a quo" decidir sobre factos não invocados pela parte;
e) Ao tê-lo feito, estamos perante excesso de pronúncia que ocorre com a pronúncia do Tribunal sobre questões que não deva conhecer (Cfr. art.º 125.° n.° 1 parte final do CPPT, art.º 668.° n.° 1 al. d), 2ª parte do n.° 2 do art.º 660.° ambos do CPC, aplicável ex ví, art.º 2.° al. e) do CPPT), já que;
f) O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras - cfr. 2.ª parte do n.° 2 do art.º 660.° do CPC;
g) No caso sub judice, a Mm.a Juíza tomou em consideração, factos não alegados pela oponente e que o Tribunal não podia conhecer oficiosamente, violando o princípio dispositivo previsto no art.º 264.° do CPC de que resulta a regra da proibição de o juiz se servir de factos não alegados pelas partes (vide art.º 264.° n.° 1 e art.º 664.° ambos do CPC);
h) A violação deste princípio consubstancia erro de julgamento, o que aqui ocorreu;
i) Face ao exposto, e salvo melhor opinião, enferma a sentença do Tribunal "a quo” de nulidade, decorrente de erro de julgamento por excesso de pronúncia, porquanto conheceu de matéria de que não podia tomar conhecimento, por não ter sido suscitada pela oponente;
j) Se assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se dirá que a presunção da notificação prevista no n.° 5 do art.° 39.° do CPPT é ilídivel, conforme decorre da parte final desta norma legal, mas tal também não ocorreu por parte da oponente, como bem se constata do teor da p.i..
k) Além disso, é Jurisprudência do STA, que às sociedades é de aplicar a regra processual civil de que o destinatário da correspondência postal se deve ter por notificado, apesar do acto tributário da liquidação de IRC ser devolvido, uma vez que tal regra tem na sua base a presunção de que, se tal não acontecer, o evento é de imputar àquele ... (vide processos n°s 0344/03 de 02/07/2003 e 0594/03 de 15/10/2003 do STA):
l) A douta sentença padece de erro julgamento quando julgou que a Administração Tributária incorreu em preterição de formalidade legal por inobservância da forma legalmente prescrita, aquando da notificação da liquidação de IRC do ano de 2000 por carta registada em vez de carta registada com aviso de recepção;
m) Contudo, além da oponente não ter invocado irregularidade formal da referida notificação, esta a existir deve considerar-se sanada, desde que a finalidade que a lei tem em vista com a imposição da formalidade tenha sido atingida, mau grado a sua preterição;
n) A consequência dessa preterição de formalidade legal não é a inexistência da notificação nem sequer a sua invalidade, mas apenas colocar a Administração Tributária perante a necessidade de provar que a notificação teve lugar, apesar dessa preterição da formalidade, prova que foi feita nos autos, não foi colocada em causa na p.i. nem impugnada aquando da junção aos autos da prova documental constante de fls. 204 a 239 dos autos, solicitada pelo Mm.° Juiz “a quo";
o) O aviso de recepção trata-se duma formalidade “ad probationem”, pelo que deve considerar-se sanada a irregularidade decorrente da sua ausência, quando, como é o caso em apreço, é incontroversa a efectivação da notificação com o cumprimento dos objectivos que legalmente a determinam;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a irregularidade decorrente da falta de aviso de recepção degradou-se em não essencial, porque foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.”
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A Impugnante, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo no sentido da improcedência do recurso, dando por reproduzido o parecer emitido pelo Ministério Público do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do qual a sentença recorrida não padece dos vícios imputados pela Recorrente.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de:
- nulidade por excesso de pronúncia;
- erro de julgamento, por a presunção da notificação prevista no nº 5 do art. 39º do CPPT ser ilidível, e por a irregularidade decorrente da falta de aviso de recepção se ter degradado em não essencial, porque foi atingido o fim que a lei visava alcançar.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A) Em 20-05-2003, foi instaurado o processo de execução fiscal n.° ….., contra a Oponente, para cobrança coerciva de coimas fiscais, selos e custas de 2003 (cfr. fls. 22 e 26 destes autos);

B) Em 22/05/2003, foi expedido aviso postal para citação da Oponente, que veio devolvido com a anotação de “encerrado” (cfr. fls. 22 dos presentes autos);

C) A Oponente foi citada em 17/05/2006, para os termos do processo de execução fiscal, relativamente às seguintes dívidas:

D) A petição inicial da presente oposição foi apresentada em 16/06/2006 (cfr. fls. 8 dos autos);

E) A notificação da liquidação de IRC, do exercício do ano 2000, da quantia de €548,32 foi enviada pelos Serviços Centrais do IRC, sob registo postal com aviso de recepção em 2004-09-27, não tendo sido devolvida (cfr. fls. 205 destes autos);

F) A notificação da liquidação de IRC, do exercício do ano 2001, da quantia de €548,32, foi enviada pelos Serviços Centrais do IRC, sob registo postal com aviso de recepção em 2005-06-20 (cfr. fls. 216 e 221 destes autos);

G) A notificação a que se refere a alínea anterior foi devolvida pelos CTT, com a menção “Encerrada” (cfr. fls. 217 dos presentes autos);

H) Em 27/06/2005, o Serviço de Finanças enviou à Oponente 2.ª notificação postal registada com AR, que foi devolvida pelos CTT, com a indicação “Encerrado”, (cfr. fls. 218 a 220 dos presentes autos);

I) A notificação da liquidação de IRC, do exercício do ano 2002, da quantia de € 506,47, foi enviada pelos Serviços Centrais do IRC, sob registo postal, em 2005-07-26, (cfr. fls. 223 e 224 dos presentes autos);

J) A notificação a que se refere a alínea anterior foi devolvida pelos CTT (cfr. fls. 224 dos presentes autos);

K) Em 2005-08-04, o Serviço de Finanças enviou à Oponente 2.ª notificação registada com AR, que foi devolvida pelos CTT, com a indicação “Encerrado” (cfr. fls. 225 a 227 dos presentes autos);

L) A notificação da liquidação de IRC, do exercício do ano 2003, da quantia de € 557,23 foi enviada pelos Serviços Centrais do IRC, sob registo postal em 2005-08-03, (cfr. fls. 230 e 231 dos presentes autos);

M) A notificação a que se refere a alínea anterior foi devolvida com a indicação de “Encerrado” (cfr. fls. 230 e 231 dos presentes autos);

N) O Serviço de Finanças procedeu a 2ª notificação postal registada com AR, em 2005-08-08, que foi devolvida pelos CTT, com a indicação “Encerrado” (cfr. fls. 232 e 233 dos presentes autos);

O) A notificação da liquidação do IVA do ano 2003, da quantia de € 1.496,40. foi enviada pelo Serviços Centrais do IVA, sob registo postal em 2005-02-14 (cfr. fls. 237 dos presentes autos);

P) A notificação a que se refere a alínea anterior foi devolvida pelos CTT, com a indicação “Desconhecido” (cfr. fls. 237 verso destes autos);

Q) O Serviço de Finanças procedeu a 2.ª notificação postal registada com AR, em 2005-03-18, que foi devolvida pelos CTT com a indicação “Encerrado” (cfr. fls. 238 e 239).”

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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”
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No que respeita à fundamentação do julgamento, refere a sentença que:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória, do qual resultou o seguinte:
A testemunha, A….., em suma, referiu que “A Oponente tinha apenas o estabelecimento na Rua …... Era um stand de carros. Foi fechado em 1997, pois, foi vendido para outro ramo, segundo acha, para um supermercado (M…..), não mais ali se venderam carros. A Oponente tinha problemas de tesouraria e havia intenção de acabar com o negócio. Depois da venda do estabelecimento a Oponente fechou, mas não foi formalmente extinta porque tinha que receber o IVA. Não sabe se o IVA já foi devolvido, mas sabe que não tiveram qualquer negócio efectivo. O depoente: vendeu a sua quota no capital da Oponente em data que não sabe precisar, mas antes da venda do estabelecimento; tinha funções de gerência na Oponente e saiu em data que não recorda, mas antes de ser vendido o estabelecimento. O Stand deixou de prestar serviços quando foi vendido, sendo o local onde funcionava entregue ao adquirente. Não sabe o que é que foi feito ao activo imobilizado pois já esteva desligado da Oponente.
A testemunha, P….., em suma, referiu que “A Oponente tinha um stand de automóveis e uma oficina na Rua …... Vendiam e reparavam carros. Em 1998, segundo pensa, o estabelecimento da Oponente foi vendido para nele ser instalado um supermercado, que nunca chegou a funcionar, ainda hoje está fechado. Naquele local nunca mais a T….. teve qualquer actividade. Em conversa com o gerente da Oponente soube que a mesma não cessou formalmente a actividade porque havia IVA para receber. O negócio não corria bem derivado da forte concorrência resultante da importação de carros usados da Alemanha. Tudo o que sabe da Oponente resulta da amizade com o sócio-gerente J….. . Embora não saiba com precisão, foi pelo ano de 1998 que a Oponente deixou de ter actividade. Não sabe o que foi feito dos materiais existentes na oficina e no stand.
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II.2. De direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente oposição.

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso alegando excesso de pronúncia [conclusões de recurso a) a e)] porque Em nenhum dos dezanove (19) artigos da p.i., a oponente alegou que não foi notificada dos impostos dentro do prazo de caducidade; Apenas peticionou que deveria ser julgada inexistente a dívida exequenda (vide alínea a)), ou, caso assim não se entenda, ser julgada operada a caducidade da liquidação do IVA e IRC vencidos nos 4 anos que precederam a citação da sociedade executada (vide art.° 18° e al. b) da pi); Do n.° 1 do art.º 45.º da LGT resulta que, o prazo de caducidade não se conta até à data da citação na execução fiscal mas sim até à data da notificação da liquidação; A caducidade do direito à liquidação não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, pelo que não tendo a oponente alegado que não foi devidamente notificada das liquidações dos impostos, não pode a Mm.a Juíza "a quo" decidir sobre factos não invocados pela parte; Ao tê-lo feito, estamos perante excesso de pronúncia que ocorre com a pronúncia do Tribunal sobre questões que não deva conhecer (Cfr. art.º 125.° n.° 1 parte final do CPPT, art.º 668.° n.° 1 al. d), 2ª parte do n.° 2 do art.º 660.° ambos do CPC, aplicável ex ví, art.º 2.° al. e) do CPPT).

Vejamos.
Dispõe o art. 125º, nº 1, do CPPT, que é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Trata-se de uma nulidade que colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância do dever imposto ao juiz, pelo art. 608º, nº 2, do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia.
Como ficou consignado no Acórdão do STA, de 7 de Março de 2012, proc nº 132/2012, as mencionadas disposições incumbem “ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para esse efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado”.

Aqui chegados, importa apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da al.d), do nº 1, do art. 615º do CPC.
Começamos por constatar que a petição inicial não é um modelo de clareza e inteligibilidade, pelo que a oponente deveria ter sido convidada ao aperfeiçoamento da mesma, o que não sucedeu.
No entanto, no artigo 18º da referida p.i., a oponente escreveu «De todo o modo, ainda que assim se não entenda, sempre se deve considerar operada a caducidade da liquidação do I.V.A. e I.R.C. vencidos nos quatro anos que precederam a citação da executada para a presente acção (art. 45º nº 1 da L.G.T.)»
O Ministério Público junto do Tribunal a quo considerou que tal pedido “apesar da sua formulação”, tem subjacente o fundamento previsto na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT – falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade, tendo promovido com base nesse juízo a realização de diligências com vista a instruir o processo com elementos de prova sobre a notificação das liquidações, cuja promoção foi deferida, cfr. fls. 138/139 do processo físico.
Mais tarde, e após várias ocorrências processuais, o Mmº Juiz a quo proferiu despacho solicitando o envio do processo executivo a título devolutivo e também a documentação relativa à notificação das liquidações (fls. 201), que foram juntos aos autos.
No mesmo sentido, foi o parecer do Ministério Público junto do STA (fls. 379 e sgs.) que refere, além do mais, que:
«De todas as formas, ainda que a condução do processo seja passível de diversas críticas já referidas supra, com reflexos na própria sentença (designadamente o fato de se ter procedido a inquirição de testemunhas cujos depoimentos foram vertidos na sentença, sem que se perceba com que objetivo), cumpre referir que a interpretação que o tribunal fez do pedido formulado pela oponente não é de todo descabida, até porque os conceitos de “caducidade do direito de liquidação” e “falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade”, ainda que sirvam de fundamento a meios processuais distintos (impugnação judicial versus oposição) enunciam realidades jurídicas muito próximas.
E assim sendo afigura-se-nos admissível a interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo” do peticionado pela recorrida, no sentido de que as liquidações dos impostos não haviam sido notificadas no prazo de caducidade (ainda que na sentença se tenha concluído que não ocorreu qualquer notificação em data anterior à citação na execução fiscal, o que configura fundamento subsumível na alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, como é entendimento consolidado da jurisprudência do STA).
Entendemos, assim, que não se verifica a nulidade da sentença por excesso de conhecimento.»

Importa, pois, aferir se o Tribunal a quo interpretou adequadamente o pedido e causa de pedir formulados pela oponente e executada.

«Ora, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado, sendo também de observar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.»[1]

Julgamos, assim, que a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo – que, aliás, já tinha sido a interpretação efectuada pelo Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância, e, posteriormente, também considerada admissível pelo Ministério Público junto do STA – foi a adequada, no sentido de que as liquidações dos impostos não haviam sido notificadas no prazo de caducidade.


Pelo que não podemos deixar de concluir que a sentença recorrida não padece do vício de nulidade por excesso de pronúncia.

Vem, também, a recorrente invocar erro de julgamento da sentença recorrida alegando [conclusões de recurso j) e K)] que sempre se dirá que a presunção da notificação prevista no n.° 5 do art.° 39.° do CPPT é ilidível, conforme decorre da parte final desta norma legal, mas tal também não ocorreu por parte da oponente, como bem se constata do teor da p.i.. Além disso, é Jurisprudência do STA, que às sociedades é de aplicar a regra processual civil de que o destinatário da correspondência postal se deve ter por notificado, apesar do acto tributário da liquidação de IRC ser devolvido, uma vez que tal regra tem na sua base a presunção de que, se tal não acontecer, o evento é de imputar àquele ... (vide processos n°s 0344/03 de 02/07/2003 e 0594/03 de 15/10/2003 do STA):
Vejamos.
Conforme resulta do probatório [alíneas F) a Q)], as notificações das liquidações de IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e de IVA de 2003 foram expedidas para o domícilio fiscal da oponente, sob registo postal com aviso de recepção, mas foram devolvidas com a menção “Encerrado” ou “Desconhecido”.
Dispõe o nº 5 e 6 do art. 39º do CPPT:
“ (…) 5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. (…)”

Ora, como é bom de ver, esta devolução com a menção de “Encerrado” ou “Desconhecido” não tem enquadramento no nº 5 do art. 39º do CPPT, pois a situação em causa nos autos é diferente das situações de devolução com a menção de “Não Reclamado”, que são as situações que estão em causa nos Acórdãos citados pela recorrente.
Assim, em face da devolução de tais notificações com a menção de “Encerrado” ou “Desconhecido” deveria a AT ter efectuado diligências com vista a apurar se a sociedade executada teria alterado a sua sede ou cessado a sua actividade, caso em que se impunha a localização dos seus administradores ou gerentes.
À data dos factos (2005), era aplicável o nº 1 do art. 41º do CPPT, que determinava que as sociedades eram notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
Ora, não resulta da factualidade provada que a AT tenha efectuado quaisquer diligências com vista à notificação da executada, nos termos previstos no nº1, do art. 41º do CPPT.
Assim, e pelos motivos expostos, relativamente à oponente não operou o funcionamento da presunção de notificação das liquidações de IRC dos anos de 2001, 2002, 2003 e de IVA de 2003, pelo que bem andou a sentença recorrida quando considerou que a oposição tinha de proceder por falta de notificação dos tributos no prazo de caducidade.

Relativamente à liquidação de IRC do ano de 2000, resulta da alínea E) do probatório, que a notificação foi enviada sob registo postal, não tendo sido devolvida.
Ora, resulta do art. 38º, nº 1, do CPPT, que «As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.»
Assim, a AT, para notificar a liquidação de IRC do ano de 2000, enviou carta registada quando a lei exige que a referida notificação seja efectuada por carta registada com aviso de recepção.
Em sede de recurso, vem a recorrente invocar [conclusão de recurso p)] que a irregularidade decorrente da falta de aviso de recepção degradou-se em não essencial, porque foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
Ora, para a recorrente poder fazer esta afirmação era necessário encontrar-se demonstrado nos autos que a oponente tomou conhecimento da notificação apesar da mesma não ter observado a forma legalmente prescrita.
Mas nem dos autos, nem da sentença recorrida, resulta que a recorrida já tivesse conhecimento da referida notificação.
Pelo que bem andou a sentença recorrida quando decidiu pela procedência total da oposição.

Termos em que improcede, na totalidade, o presente recurso.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Acórdão do STA de 08/01/2014, Proc. 032/13, disponível em www.dgsi.pt