Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1373/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TRANSPARÊNCIA FISCAL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA
REMUNERAÇÕES DOS MEMBROS DE ÓRGÃOS ESTATUTÁRIOS
TRIBUTAÇÃO CATEGORIA A
Sumário:I-A nulidade da sentença por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o juiz não conhece qualquer questão, que não argumento, colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em ordem à solução conferida e adotada no litígio.
II- As sociedades transparentes são um caso de não sujeição a IRC quanto à obrigação principal (pagamento de imposto) e sujeição a IRC quanto às obrigações acessórias (deveres de cooperação).
III-Em termos de tributação há que ter presente a natureza do rendimento, e a concreta distinção entre as quantias pagas por conta de, ou como, lucros, de quaisquer remunerações pagas aos sócios que estejam a exercer funções de gerência/administração, e isto porque, nesta última situação, demonstrando-se a sua realidade e natureza remuneratória, as mesmas serão tributadas enquanto rendimento da Categoria A (artigo 2.º, nº3, alínea a), do CIRS).
IV-O ónus da prova de que as quantias visadas assumem uma quantia distinta da declarada compete, inequivocamente, ao Recorrente, em ordem ao consignado no artigo 74.º da LGT e 342.º do CC.
V-Circunscrevendo-se a prova carreada aos autos à junção da certidão do registo comercial, ter-se-á de concluir que a mesma é, manifestamente, insuficiente para demonstrar que os visados rendimentos correspondem ao exercício, exclusivo, de funções enquanto administrador da sociedade de advogados, não podendo lograr mérito a convocação do princípio do in dúbio contra fiscum consignado no artigo 100.º do CPPT, na medida em que o mesmo não é passível de aplicação quando resida em inércia probatória da parte investida com o ónus.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:



Tribunal Central Administrativo Sul 22/24
Av. 5 de outubro, n.º 202, 1050 - 065 Lisboa
( 21 7922300 Fax: 21 7960295
E-mail: lisboa.tca@tribunais.org.pt


I-RELATÓRIO

J…, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), e respetivos Juros Compensatórios (JC) respeitantes aos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor global de €23.983,23.


***

O Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“1. A sentença recorrida teve como objeto a licitude das liquidações de IRS e respetivos juros relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009.

2. Está em causa a qualificação fiscal dada aos rendimentos auferidos pelo Recorrente nesses períodos, resultantes do exercício do cargo de administrador de uma sociedade de advogados, que não devem ser confundidos com os por si auferidos da prestação de serviços de advocacia.

3. Tendo detetado que estes rendimentos foram erroneamente declarados pela sua contabilista como resultantes de prestações de serviços, o Recorrente promoveu a correção das suas declarações de IRS, tendo posteriormente reclamado e impugnado as liquidações que lhe foram notificadas, por não tributarem os rendimentos sob análise como legalmente devido.

4. Entende porém a sentença recorrida que o Recorrente não fez prova bastante de que estes rendimentos resultaram do exercício das funções de administrador.

6. Ora, não só tal prova foi junta aos autos, como o ónus probatório invocado não cabe ao Recorrente.

7. Quanto à prova, o único elemento idóneo a demonstrar a qualidade de administrador remunerado é a Certidão de Registo de Inscrição da Sociedade de Advogados, que foi oportunamente carreado pelo Recorrente.

8. Por força dos princípios da justiça e razoabilidade, deveria esta certidão ser tida, por si só, como bastante para demonstrar a administração remunerada.

9. Sendo este o único documento adequado a provar o facto controvertido, impor- se a necessidade de apresentar outros-com fundamento em remissão para uma norma que não existe (al e) do n.º 2 do art.º 25.º do CIRS) - implicaria exigir ao Recorrente uma prova inalcançável, vedada pela natureza das coisas.

10. No que toca ao ónus probatório, prevê o artigo 74.º da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

11. Esta norma deve ser articulada com o artigo 75.º da LGT, que estabelece a presunção de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes.

12. Da articulação das duas normas resulta um princípio de in dúbio contra fisco, já que se as declarações dos contribuintes se presumem verdadeiras e de boa-fé (artigo 75.º, n.º 1), é à AT que cabe o ónus de provar que não se verificam as condições de aplicação dessa presunção (artigos 74.º, n.º 1 e 75.º n.º 2).

13. Tendo o Recorrente declarado que os rendimentos sob análise eram resultado do exercício das funções de administrador, é à AT que cabe o ónus de demonstrar que a declaração não tem correspondência com a realidade.

14. A decisão recorrida levou igualmente em conta argumentos que não poderiam ser atendidos como fundamento válido, por serem irrelevantes à decisão.

15. Em causa está (i) o modo como é contabilizada a remuneração pela empresa e (ii) não ter sido feita menção ao pagamento dos descontos obrigatórios.

16. Ora, o modo como é feita a contabilização pela empresa - que recorre à mesma contabilista que o Recorrente - respeita à empresa e apenas a esta, não tendo nem podendo ter qualquer impacto ou ingerência no IRS do Recorrente.

17. Acresce que os elementos contabilísticos da empresa são dados protegidos por sigilo fiscal, não podendo ser divulgados salvo nas condições legalmente previstas, que não se verificam neste caso.

18. Quanto à relação contributiva em si (descontos), esta em nada impacta a relação tributária, muito menos a qualificação a atribuir aos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo.

19. Ademais, os descontos invocados pela AT não são obrigatórios para o Recorrente, já que por descontar para a respetiva Caixa de Previdência, a efetivação de descontos para a Segurança Social é meramente facultativa.

20. Por último, cumpre notar que a decisão recorrida não se pronuncia sobre o pedido de pagamento de juros compensatórios e moratórios, questão esta que, por integrar o objeto do pedido do Recorrente, deveria ter sido apreciada.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“A) F…, Sociedade de Advogados RL, é uma sociedade profissional de advogados, que iniciou a sua actividade em 09-01-2001 e possui o CAE 069101 – actividades jurídicas, e tem como sócios T… e J… (ou impugnante) é sócio da sociedade de advogados (fls 173, do pa);

B) Nos print’s informáticos da AT consta que a sociedade se encontra no regime de transparência fiscal e, de acordo com a declaração anual, anexo J, Modelo 10, respeitante ao anos de 2007, 2008 e 2009 os rendimentos em causa vêm qualificados como sendo da categoria B, sem menção de terem sido efectuados quaisquer descontos obrigatórios (fls 172 1 175, do pa);

C) Consta do doc nº 5 da pi, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, nomeadamente:

(…).

D) O impugnante na declaração Modelo 3 de IRS dos anos de 2007, 2008 e 2009 fez constar o rendimento de €25.451,00, de €29.946,00 e €29.946,00, respectivamente, no campo 403 (outras prestações de serviços e outros rendimentos) do Anexo B (fls 42, do pa);

E) O impugnante foi notificado da liquidação nº 2008 5004483823, com imposto a pagar de €7.794,12, para o ano de 2007, da liquidação nº 2009 5004802062, com imposto a pagar de €5.622,71, para o ano de 2008 e da liquidação nº 2010 5004918023, com imposto a pagar de €734,08, para o ano de 2009;

F) Em 17-08-2010 o impugnante foi notificado da existência de Divergências (doc nº 10, da pi);

G) Foram entregues declarações de substituição onde foi feito constar que os montantes obtidos e identificados em D) foram colocados no campo 420 (serviços prestados por sócios a sociedades profissionais do Regime de Transparência Fiscal) (doc nº 11, 12 e 13, da pi);

H) Em consequência da entrega das declarações de substituição, em 27-09-2010 foram efectuadas as seguintes liquidações (doc nº 1, da pi):

Ano de 2007

Liquidação de IRS nº 2010 5004988463, com imposto a pagar de €3.047,05

Liquidação de juros nº 2010 00001573860

Demonstração da compensação nº 2010 00006586681

Demonstração do acerto de contas nº 2010 00001930068

Ano de 2008

Liquidação de IRS nº 2010 5004989274, com imposto a pagar de €3.469,68

Liquidação de juros nº 2010 00001573934

Demonstração da compensação nº 2010 00006586785

Demonstração do acerto de contas nº 2010 00001930169

Ano 2009

Liquidação de IRS nº 2010 5004981395, com imposto a pagar de €3.320,79

Liquidação de juros nº 2010 00001569276

Demonstração da compensação nº 2010 00006532511

Demonstração do acerto de contas nº 2010 00001909571

I) Em 23-02-2011 o impugnante intentou Reclamações Graciosas (RG) a que foram atribuídas os números (doc nºs 2, 3 e 4, do pa):

RG nº 3247201104001290, referente ao ano de 2007

RG nº 3247201104001311, referente ao ano de 2008

RG nº 3247201104001303, referente ao ano de 2009

J) Por despacho de 21-06-2011, do Chefe da Divisão da Justiça Administrativa, por subdelegação, com base na informação nº 435/11, as RG foram indeferidas:

(…).

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(…).

K) Em 09-11-2010 os montantes constantes das liquidações, identificadas em H), foram pagos (doc nº 14, da pi);

L) A impugnação deu entrada em 11-07-2011 (carimbo aposto no rosto de fls 2).


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Consta na decisão recorrida como “Factos não provados” o seguinte:

“Não se fez qualquer prova dos factos constantes dos artºs 14º, 15º, 19º (até “… legislativa”), 57º (no que respeita a “erradamente”).

Igualmente não foi feita prova que o ora impugnante enquanto administrador da sociedade, é remunerado pelo exercício dessas funções.”


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A motivação da matéria de facto assenta no seguinte:

”A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS, e respetivos Juros, respeitantes aos anos de 2007 a 2009.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de:

i. Nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou sobre o pedido de reembolso do imposto, acrescido dos respetivos juros;

ii. Erro de julgamento de facto, na medida em que foi erroneamente ponderada como matéria de facto não provada, realidade que se encontra suportada por prova documental idónea;

iii. Erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito no concernente:

a. à enumeração e concreta densificação do ónus probatório;

b. à qualificação e tributação das quantias auferidas pelo Recorrente, porquanto as mesmas deveriam ter sido enquadradas como rendimentos da Categoria A, e não como rendimentos da Categoria B, atenta a prova carreada aos autos e que permite atestar nesse sentido.

Apreciando.

Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.

O Recorrente alega que peticionou a devolução do tributo pago, acrescido de juros compensatórios e moratórios, e o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia sobre tal pedido, incorrendo, assim, em nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, então.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143..

Vejamos, então.

Atentando no pedido constante na petição inicial resulta, expressamente, o seguinte: “requer-se ainda a devolução do tributo já pago, acrescido de juros compensatórios, moratórios e indemnizatórios e ainda custas e encargos associados ao processo.”

Dimana, assim, inequívoco que o Recorrente peticionou o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos aludidos juros, sendo que analisando a decisão recorrida verifica-se, efetivamente, que a mesma não se pronunciou sobre esse pedido.

Mas a verdade é que, tal questão não foi analisada pela simples circunstância de ter sido decretada a improcedência global da pretensão do Recorrente. Noutra formulação, dir-se-á que sendo pressuposto basilar para o reembolso da quantia paga acrescido dos respetivos juros que a decisão seja favorável ao contribuinte (cfr. artigo 43.º da LGT), sendo julgada totalmente improcedente a impugnação resulta, necessariamente, prejudicada a sua apreciação

(2) Vide, designadamente, Ac.TCAS, proferido no processo nº79/01, de 04.06.2020..

Com efeito, “[s]ó pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. (3) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07.11.2012.”.

Improcede, por conseguinte, a arguida nulidade isto sem prejuízo, naturalmente, de o Tribunal ad quem apreciar o pedido de reembolso do imposto pago acrescido dos correspondentes juros, caso a solução de mérito assim o determine.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (4) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013..

O Recorrente aduz que a cópia da certidão de Registo de Inscrição da Sociedade de Advogados, é prova documental suficiente para demonstrar a sua qualidade de administrador remunerado da visada sociedade de advogados, razão pela qual o facto não provado que consigna tal asserção deveria constar, inversamente, como provado.

Assim, face ao supra expendido entende-se que se encontram cumpridos, em termos de exigência mínima, os aludidos pressupostos competindo, assim, aferir se há que materializar a requerida supressão do facto não provado e em sua substituição consignar tal realidade como factualidade provada.

Atentando no teor dos factos não provados resulta que a decisão recorrida consignou enquanto tal o seguinte: “não foi feita prova que o ora impugnante enquanto administrador da sociedade, é remunerado pelo exercício dessas funções.”

Ponderemos, ora, o teor do meio probatório convocado pelo Recorrente e se o mesmo permite extrair que aufere remuneração pelo exercício de funções enquanto administrador da sociedade de advogados.

Ora, analisando o teor do aludido documento, e inversamente ao propugnado pelo Recorrente, o mesmo não permite inferir a realidade fática por si aduzida, na medida em que do mesmo apenas é possível extrair factos atinentes à constituição da sociedade de advogados, à firma por si adotada, à sua sede e ulteriores alterações, ao seu objeto social, às inerentes participações de capital, à nomeação da administração, à forma de vinculação societária e inerentes depósitos de contas.

Logo, relativamente à realidade fática atinente à remuneração dos administradores nada se extrai do teor do aludido documento, apenas se consegue aferir que o ora Recorrente é titular de uma participação social a que corresponde uma quota com o valor nominal de cinco mil euros, que participa na sociedade com a sua indústria e que a administração é formada por todos os sócios.

Donde, a prova documental a que é feita alusão para efeitos da competente supressão e alteração do probatório não permite concretizar as visadas alterações, improcedendo, assim, a aduzida impugnação da matéria de facto.

Analisemos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que o mesmo não fez prova bastante de que os visados rendimentos resultaram do exercício das funções de administrador, donde teriam de ser tributados enquanto Categoria A, não só porque, por um lado, o ónus probatório, in casu, se circunscreve na esfera jurídica da AT, atento, desde logo, o princípio da verdade declarativa, e por outro lado, porque foi produzida prova bastante para se validar a aludida qualificação.

Mais consigna que, a fundamentação da decisão assenta, inclusive, em norma jurídica inexistente, concretamente artigo 25.º, nº2, alínea e), do CIRS, e que não era, de todo, exigível qualquer outra prova atinente ao efeito, mormente, a aludida contabilização na sociedade em ordem, desde logo, ao sigilo fiscal.

Sustenta, adicionalmente, que a relação contributiva em si, nada impacta na relação tributária, muito menos na qualificação a atribuir aos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo, na medida em que, in casu, os descontos não são obrigatórios porquanto já desconta para a respetiva Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a improcedência, convocando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica:

“Tendo em consideração a noção de facto tributário e os princípios da capacidade contributiva e da justiça, face à matéria de facto assente, que não é possível afirmar que os rendimentos obtidos pelo impugnante constituem remunerações obtidas pelo exercício da função de administrador da sociedade, como é pretensão do mesmo.
Com efeito, não basta, o impugnante, alegar que os rendimentos em questão constituem remunerações pelo exercício da função de administrador da sociedade, é necessário que o prove documentalmente como dispõe o artº 74º da LGT e al e) do artº 69º do CPPT.
Para apoio da sua tese o impugnante juntou, aos autos, uma fotocópia do livro de registos da sociedade, onde consta que, conjuntamente com o outro sócio exerce a administração da sociedade, mas não juntou aos autos qualquer documento que o prove como, por exemplo a acta da assembleia geral da sociedade, onde conste a designação e destituição de administradores e fixação das respectivas remunerações, conforme se encontra previsto na al e) do nº 2 do artº 25º do CIRS, ou juntou, qualquer documento donde se possa concluir no sentido da natureza daquele rendimento como retribuição pelo exercício da função de administrador da dita sociedade, como sendo da categoria A, como é referido pela AF.
Não se pode olvidar que, existindo o pagamento pela sociedade de uma remuneração aos sócios pelo exercício de uma determinada função dentro da sociedade, nomeadamente pela gerência/administração da sociedade, esse encargo deve ser considerado como um gasto com o pessoal, sendo contabilizado como tal, e aí teria o tratamento fiscal de um rendimento da categoria A de IRS.
E, como é salientado pela FP que os print’s informáticos da AT consta que a sociedade se encontra no regime de transparência fiscal e, de acordo com a declaração anual, anexo J, Modelo 10, respeitante ao anos de 2007, 2008 e 2009 os rendimentos em causa vêm qualificados como sendo da categoria B, sem menção de terem sido efectuados quaisquer descontos obrigatórios.”

Apreciando.


Comecemos, então, por convocar o regime jurídico que para os autos releva traçando os inerentes considerandos de direito reputados de relevo e com concatenação com o regime da transparência fiscal.


De relevar, ab initio, que à data da prática dos factos tributários as sociedades profissionais de advogados, se encontravam subordinadas ao Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, plasmado no Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de dezembro, atualmente, revogado pelo Decreto-Lei nº 145/2015, de 09 de setembro, e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados.


Sendo que as relações societárias são determinadas em ordem ao preceituado no CSC, optando-se pela constituição de sociedade em nome coletivo, ou com base no regime das sociedades civis.


No domínio tributário, e em ordem ao consignado no artigo 6.º, nº4, do CIRC, resulta que as sociedades de profissionais, quando constituídas por sócios que exerçam profissões constantes da lista anexa ao Código do IRS (CIRS) -na qual todos os sócios -pessoas singulares- sejam profissionais dessa atividade- as mesmas subsumem-se no regime de tributação de transparência fiscal.


Com efeito, preceituava, à data, o artigo 6.º do CIRC que:

“1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros (…)

b) Sociedades de profissionais;

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

4 - Para efeitos do disposto no nº 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais - a sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;

b) Sociedade de simples administração de bens - a sociedade que limita a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras atividades e cujos proveitos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus proveitos;

c) Grupo familiar - o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adoção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha recta ou colateral até ao 4º grau, inclusive.”

Mais consignando o artigo 20.º do CIRS, sob a epígrafe de “imputação especial” que:

“1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constantes.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.

3 - Constitui rendimento dos sócios que sejam pessoas singulares o resultante da imputação efetivada nos termos e condições do artigo 60º do Código do IRC, aplicando-se para o efeito, com as necessárias adaptações, o regime aí estabelecido.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos casos em que a participação social esteja afeta a uma atividade empresarial e profissional, ou na categoria E, nos demais casos.”

Por seu turno, na lista anexa com a Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, o exercício da advocacia encontra-se previsto no ponto 6 “juristas e solicitadores”, sob a menção “6010 Advogados”.


O que, desde logo, implica que a matéria coletável apurada não está sujeita a IRC, sendo imputada aos sócios na proporção da sua quota, se outro critério não for definido no contrato de sociedade, para ser tributado em sede de IRS, como Categoria B, juntamente com os restantes rendimentos destes.


“Tal como consta do nº1 do artigo 6.º do CIRC, para as sociedades transparentes, o resultado a imputar aos sócios será a matéria coletável determinada nos termos do CIRC: é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades, com sede ou direção efetiva em território português. Assim, relativamente a estas, somente os valores positivos serão imputados. Os prejuízos serão imputados e forma indireta por meio da sua dedução, no âmbito da sociedade, aos lucros tributáveis nos exercícios seguintes (5) Micaela Andreia Monteiro Lopes, A Transparência Fiscal, Contributo para a compreensão do artigo 6.º do CIRC, Vida Económica, março 2018, pp. 125 e 126..”


Com efeito, como doutrinado por Saldanha Sanches, as sociedades transparentes são um caso de não sujeição a IRC quanto à obrigação principal (pagamento de imposto) e sujeição a IRC quanto às obrigações acessórias (deveres de cooperação) (6) Cfr. Saldanha Sanches « Sociedades Transparentes: alguns problemas no seu regime », Fisco nº 17, página 36..


Sendo certo que, há, desde logo, que estabelecer a concreta distinção entre as quantias pagas por conta de, ou como, lucros, de quaisquer remunerações pagas aos sócios que estejam a exercer funções de gerência/administração, e isto porque, nesta última situação, demonstrando-se a sua realidade e natureza remuneratória, as mesmas serão tributadas enquanto Categoria A (artigo 2.º, nº3, alínea a), do CIRS).


Como doutrinado por José Guilherme Xavier de Basto (7) IRS Incidência Real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 61 e 62., “[n]a alínea a) do nº3, resolve-se o problema de enquadramento das remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas e entidades equiparadas. Segundo esta alínea, tais remunerações, com excepção dos rendimentos de pessoas que naqueles órgãos participem como revisores oficiais de conta (ROC), são rendimentos da categoria A. A norma é necessária já que, sem ela, não seria claro que tais rendimentos caíssem na hipótese da norma geral de incidência do artigo 1.º. na verdade, é muito discutida a natureza jurídica do vínculo que une os titulares dos órgãos estatutários das pessoas colectivas com essas mesmas pessoas colectivas, sendo, porém, dominante na doutrina a ideia de que esse vínculo não tem natureza laboral. Os membros dos órgãos estatutários (conselho de administração, assembleia geral, conselho fiscal, conselho geral…) não são trabalhadores subordinados da pessoa colectiva. A lei, pois, teve de expressamente proceder, para efeitos fiscais, à equiparação das respectivas remunerações a rendimentos do trabalho dependente, a fim de os enquadrar na categoria A.”


Sendo, outrossim, de relevar neste concreto particular que nas aludidas situações de remunerações pagas ou pagar em relação a funções exercidas na Sociedade por algum dos sócios, concretamente de administração, as mesmas deverão ser registadas como "Gastos com pessoal", com o inerente tratamento contabilístico, fiscal e de Segurança Social previsto para qualquer remuneração de trabalho dependente.


De adensar, adicionalmente, que podem beneficiar de dispensa de contribuições para a Segurança Social, na medida em que o Advogado já efetua descontos para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, cuja inscrição, como é consabido, é obrigatória para efeitos de exercício da atividade de advogado (cfr. artigo 5.º e 9.º, nº1, do Regulamento da CPAS).


Ora, uma vez concretizado o respetivo regime normativo e inerentes considerandos de direito, atentemos, então, no que resulta do recorte probatório dos autos.

Da factualidade assente resulta que o Recorrido é sócio da sociedade “F…, Sociedade de Advogados RL”, -sociedade profissional de advogados-, com o CAE 069101-atividades jurídicas, a qual se encontra sujeita ao regime da transparência fiscal.

Dimanando, igualmente, provado que num primeiro momento apresentou Declaração Modelo 3 de IRS , respeitante aos anos de 2007, 2008 e 2009, tendo declarado no campo 403 (outras prestações de serviços e outros rendimentos do Anexo B) os seguintes rendimentos: €25.451,00, €29.946,00 e €29.946,00, respetivamente.

E, ulteriormente e na sequência de notificação da existência de divergências, apresentou declarações de substituição onde passou a declarar os aludidos montantes no campo 420 (serviços prestados por sócios a sociedades profissionais do Regime de Transparência Fiscal).

Promanando, igualmente, assente que o, ora, Recorrido foi nomeado Administrador da aludida sociedade de advogados, juntamente com o outro titular de participação social, e bem assim que a visada sociedade apresentou a competente declaração anual, respeitante aos anos de 2007, 2008 e 2009, dos quais se atestava, no anexo J, Modelo 10, os aludidos rendimentos qualificados enquanto rendimento da categoria B.

Sendo ainda de relevar que, o Recorrente apresentou reclamação graciosa, peticionando o reenquadramento de tais quantias enquanto rendimentos da Categoria A, na medida em que foram auferidos pelo exercício da função de administrador da sociedade de advogados, em ordem ao consignado no artigo 2.º, nº3, alínea a), do CIRS, a qual foi indeferida face à ausência de prova cabal atinente ao efeito.

Ora, atentando na realidade fática supra expendida e tendo presente o regime jurídico atinente ao efeito, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça dos erros de julgamento que lhe são assacados, tendo refletido acertadamente a concreta enumeração e ulterior ponderação e densificação do ónus probatório.

Senão vejamos.

De relevar, desde logo, que contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente o ónus da prova de que as quantias visadas assumiam uma quantia distinta da declarada, concretamente, de rendimentos dimanantes do exercício da função de administrador, que não de advocacia, competia, inequivocamente, ao Recorrente.

Note-se que, no caso vertente, não nos encontramos no âmbito de uma correção aritmética dimanante de uma ação inspetiva, no âmbito do qual a AT tem de demonstrar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, porquanto foi o Recorrente que, alegadamente, em erro declarou tais rendimentos como Categoria B, quando, em rigor, os mesmos não se coadunam com tal subsunção normativa e de tributação.

Não podendo, de todo, granjear efeito útil a alegação atinente à presunção da verdade declarativa, na medida em que é o próprio que, expressamente, reconhece que declarou uma realidade desconforme com a realidade tributária vigente.

Com efeito, e atentando, desde logo, no seu articulado inicial verifica-se que é o próprio que, expressamente, evidencia e reconhece que “tem, ao longo dos anos, erradamente, confiado nos conselhos da contabilista que o assiste, passando recibos verdes e consequentemente sendo remunerado ao abrigo de uma prestação de serviços inexistente. Assim, a Declarações de IRS (Modelo 3), bem como a Declaração de Substituição apresentadas e submetidas no âmbito do exercício de 2007, 2008 e 2009, foram sempre efectuadas como se o ora Impugnante prestasse serviços à Sociedade e não na sua qualidade de Administrador remunerado da Sociedade.”

Competia, portanto, ao Recorrente demonstrar a factualidade que alega (em ordem ao consignado no artigo 74.º da LGT e 342.º do CC), ou seja, de que os rendimentos visados não correspondem, efetivamente, a uma prestação de serviços de advocacia mas antes ao exercício da atividade de administração na aludida sociedade.

Mas, a verdade é que no sentido ajuizado pelo Tribunal a quo essa prova não foi feita.

Note-se que, no caso importava provar não só que o Recorrente era Administrador remunerado da sociedade, mas, essencialmente, que as quantias objeto de contenda respeitavam ao exercício de tais funções, donde passíveis de qualificação, subsunção e tributação na Categoria A.


E o certo é que a única prova carreada aos autos se coadunou com a certidão atinente aos registos da sociedade de advogados, a qual -como visto e já devidamente evidenciando anteriormente em sede de impugnação da matéria de facto e para qual, ora, remetemos- é manifestamente insuficiente, não permitindo, de todo, atestar a realidade que alega e essencial para a presente lide.


Conforme já evidenciámos anteriormente, sendo os visados rendimentos decorrentes, exclusivamente, do exercício da atividade de administrador, os mesmos deveriam ser contabilizados enquanto custos com o pessoal, logo podia/devia o Recorrente atestar tal realidade juntando o respetivo extrato e registo contabilístico.


Não podendo, de todo, lograr mérito o aduzido pelo Recorrente quanto ao sigilo fiscal, na medida em que, por um lado, nos encontramos perante um sócio e administrador da visada sociedade de advogados, donde, com acesso aos elementos contabilísticos da mesma e sem que possa apelar-se a uma ingerência injustificada, e por outro lado, tal realidade relevaria para efeitos de prova de um rendimento auferido no seio dessa sociedade transparente, podendo/devendo o Recorrente envidar esforços e diligências atinentes ao efeito.


Em nada podendo demandar e fundar, como é bom de ver, qualquer devassa da privacidade e extrapolação do alcance e efeitos probatórios.


Por outro lado, poderia/deveria o Recorrente ter junto a Ata da Assembleia Geral que permitisse atestar que a administração era remunerada e qual o valor fixado, para que se pudesse estabelecer o concreto nexo. Carecendo, portanto, do relevo que lhe é conferido pelo Recorrente a questão atinente ao valor e ao facto de o mesmo, alegadamente, não ser controvertido na medida em que a questão é a montante, radicando, desde logo, na sua natureza e qualificação.


Note-se, neste concreto particular, que o próprio artigo 25.º, nº2, alínea e), do Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de dezembro, sob a epígrafe de “Assembleias Gerais”, estatui que:

“2 - Dependem de deliberação dos sócios os seguintes atos, além de outros que o presente diploma ou o contrato indicarem:

e) Designação e destituição de administradores e fixação das respetivas remunerações”.

Logo, ter-se-á de secundar o aduzido pelo Tribunal a quo quanto à enunciação e densificação da prova. É certo que há, efetivamente, um lapso na identificação do respetivo diploma legal, na medida em que se evidenciou CIRS, quando, em rigor, se pretendia convocar o aludido Decreto-Lei, porém, como é bom de ver, tal consubstancia um lapso manifesto, sem que possa, naturalmente, subverter o regime probatório e alcançar a procedência.


É certo, outrossim, que se aquiesce que a questão atinente aos descontos para a Segurança Social não têm a virtualidade e o alcance atribuído na decisão recorrida, na medida em que os mesmos, como visto, não revestem caráter obrigatório, no entanto, face ao supra expendido tal em nada permite alterar o sentido decisório.


Ademais, há que, efetivamente, ter presente que a Declaração Anual da sociedade atesta no sentido da qualificação dos rendimentos enquanto Categoria B, não tendo o Recorrente apresentado qualquer outra prova documental atinente a essa realidade societária e que permite apartar a qualificação enquanto tal.


E por assim ser, circunscrevendo-se a prova carreada aos autos à aludida Certidão, ter-se-á de concluir que a mesma é, manifestamente, insuficiente para demonstrar que os visados rendimentos correspondem ao exercício, exclusivo, de funções enquanto administrador da sociedade de advogados.


Não podendo, in casu, lograr mérito a convocação do in dúbio contra fiscum consignada no artigo 100.º do CPPT, na medida em que a mesma não é passível de aplicação quando resida em inércia probatória da parte investida com o ónus, como in casu. Logo, nenhuma ilegalidade pode ser assacada aos atos impugnados, e consequentemente atenta a relação de prejudicialidade, aos respetivos atos de liquidação de juros.


Duas notas finais, a primeira para evidenciar que não se vislumbra que tal juízo de entendimento possa traduzir qualquer violação do princípio da proporcionalidade, desde logo, porque não devidamente substanciado, sendo certo que, em nada se infere que tal esteira de razão exorbite com um juízo de necessidade e adequacidade subjacente ao mesmo.


E uma segunda nota, para relevar que os princípios da razoabilidade, da justiça e da substância sobre a forma em nada podem desvirtuar ou subverter o ónus probatório que impende a montante sobre as partes.


Destarte, improcede, na íntegra, o presente recurso, mantendo-se, por conseguinte, na ordem jurídica a decisão recorrida que assim o ajuizou, resultando, naturalmente, prejudicada a apreciação da questão atinente à devolução do imposto e condenação no pagamento dos respetivos juros.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida, com todas as legais consequências.
Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 22 de junho de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)