Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3032/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FATURAS FALSAS
INDÍCIOS
Sumário:I - Se a AT não reuniu indícios sérios de que as transações tituladas por determinadas faturas não tiveram efetividade, não é cabalmente afastada a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 27.03.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por S… Lusitana, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2007.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“i. A Impugnante pretende através da presente impugnação ver sindicadas as liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos de 0703, 0704, 0705 e 0708, bem como os respetivos juros compensatórios, no valor total de €23.066,77.

ii. No essencial, a Impugnante sustenta que as faturas desconsideradas pela Administração Tributária e que determinaram as correções que deram origem às liquidações impugnadas, correspondem a serviços efetivamente prestados à Impugnante pelas sociedades constantes das faturas em causa.

iii. Apurou a AT, em sede de procedimento inspetivo, existirem indícios sérios, objetivos e consistentes de que as faturas emitidas à impugnante, pelas sociedades P…, Lda. e F…, Lda., não titulam operações reais.

iv. Estatui o artigo 75º da LGT que: "1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. 2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo...".

v. In casu, em sede de relatório de inspeção tributária, a Administração Tributária elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa tal presunção de veracidade, no que respeita às faturas em causa e descritas no referido relatório – cfr. 13 e 14 dos factos provados.

vi. Desde logo, o facto de o fornecedor em causa não ter uma estrutura técnica e recursos humanos, não se conseguir encontrar alguém responsável pela sociedade nem na sede da mesma, nem se logrando encontrar o gerente da mesma no seu próprio domicílio, aliado ao facto das missivas enviadas para essas duas moradas virem devolvidas com menção “mudou-se”, são indiciadoras de faturação falsa.

vii. Assim como o facto de indicar ter um responsável pela elaboração da sua contabilidade cujo contacto se mostra impossível, ainda que o mesmo se anuncie como marido da TOC indicada como responsável pela escrita dessa sociedade, não apresentar contabilidade, não estar na morada indicada nas faturas nem no domicílio fiscal, não existir documentação relativa a pagamentos efetuados no âmbito da sua atividade (exceto as declarações de IVA e IRC referentes ao exercício de 2007) no exercício de 2007, nem qualquer outro registo de desenvolvimento de atividade por esta sociedade configuram-se como factos que, não tendo sido postos em causa pela Impugnante, se consubstanciam como indícios suficientes para se concluir pela probabilidade séria de inexistência de correspondência entre o que teor das faturas e a realidade. Pois que os mesmos se mostram aptos a sustentar de forma fundada o juízo de que esta sociedade de facto não exerceu qualquer atividade no ano de 2007

viii. Refira-se, ainda, que a Impugnante referiu na sua petição que a inexistência de uma estrutura técnica e de recursos humanos seria natural, uma vez que a F… funcionaria como mera intermediária entre a Impugnante e os efetivos prestadores de serviços. No entanto, tal facto não resultou provado.

ix. Nessa decorrência, consequentemente, nos termos que já supra enunciámos, passa a correr sobre a Impugnante o ónus de demonstrar que as operações tituladas pelas faturas foram efetivamente realizadas

x. Ora, face à prova produzida no presente processo e o consequente acervo factual que conforma o mesmo, é de se concluir que a Impugnante não logrou provar tal efetividade das operações tituladas pelas fatura emitidas pela F….

xi. De facto, a prova testemunhal produzida foi demasiado vaga, para assegurar a materialidade das faturas, revelando apenas um conhecimento indireto sobre os factos em causa.

xii. A prova produzida centrou-se em demostrar a realização dos projetos que a impugnante tinha em mãos, mas esse facto não é controvertido.

xiii. O que está em causa é a efetiva concretização dos serviços titulados pelas faturas emitidas pela F… e isso, conforme se demonstrou, não resultou provado.

xiv. Ora, tal como já evidenciámos, em correções como as que estão em causa nos presentes autos, é fundamental a Impugnante alegar e provar a efetividade das operações cujas faturas que as titulam foram desconsideradas.

xv. Contudo, isso não ocorreu, tendo-se revelado, salvo melhor entendimento, inconclusiva a prova produzida.

xvi. Assim, não tendo a impugnante logrado demostrar, em termos concretos, a efetiva prestação dos serviços pela F…, não poderia o Tribunal ter concluído que se tratam de operações reais.

xvii. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto no art.º 74º e 75º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente Fazenda Pública, não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a Impugnação parcialmente procedente e, em consequência, determinou a anulação das liquidações do IVA relativas às facturas emitidas pela sociedade F…, Lda., veio da mesma interpor Recurso.

2. Invoca a Recorrente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 74.° e 15° da Lei Geral Tributária (LGT).

3. Considera a Recorrente que a Autoridade Tributária (AT) em sede de procedimento inspectivo, apurou existirem indícios sérios, objetivos e consistentes de que as facturas emitidas à Recorrida pela sociedade F…, Lda., não titulam operações reais, tendo assim cessado a presunção de veracidade referida no artigo 75.° da LGT, a favor da Recorrida.

4. E uma vez cessada a referida presunção de veracidade, passou a caber à Recorrida o ónus de demonstrar que as operações referidas no ponto anterior foram efectivamente realizadas.

5. Alega ainda a Recorrente que a ora Recorrida, não logrou demonstrar a efectiva prestação dos serviços pela F…, Lda., pelo que não poderia o Tribunal ter concluído que se tratam de operações reais.

6. Tal alegação da Recorrente não deve merecer qualquer acolhimento por parte do Venerando Tribunal.

7. Desde logo, o Tribunal a quo não concluiu pela veracidade das operações, não tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 15° da LGT.

8. O Tribunal concluiu, e bem, no entender da Recorrida, que a AT não logrou cumprir o seu ónus probatório, não tendo assim cessado a presunção de veracidade referida no artigo 15° da LGT.

9. E uma vez não cessada a presunção, não cabia, pois, à Recorrida a demonstração da veracidade das operações.

10. Pelo que é forçoso concluir que não houve qualquer violação dos artigos 74.° e 75° da LGT.

11. Nos termos do artigo 75.° da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramento inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

12. No entanto, a presunção de veracidade cessa nos termos da alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo 75.°, quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo...”.

13. Alega a Recorrente ter ilidido a referida presunção de veracidade ao ter demonstrado a existência de indícios sérios da falsidade das operações em causa.

14. No entanto, tal alegação não deve merecer qualquer acolhimento por parte do Venerando Tribunal.

15. Relativamente às faturas referentes aos serviços prestados pela sociedade F…, Lda., cfr. Página 27 da douta sentença, a AT apurou os seguintes indícios para sustentar a desconsideração das mesmas:

- É declarante em sede de IRC e IVA, em 2006 e 2007, encontrando-se sempre, no que respeita a IVA, em crédito de imposto, por valores residuais, e estando o lucro apurado em sede de IRC em execução fiscal, passou a não declarante em 2008;

- Nenhum contribuinte declarou ter recebido rendimentos pagos por esta sociedade, nem foi mencionada como adquirente de bens e serviços no anexo P;

- A TOC juntou documento emitido por R… (seu marido e que, segundo a TOC, fazia a contabilidade da sociedade), referindo que devolveu toda a documentação à sociedade e que os registos contabilísticos da empresa foram apagados devido a um problema informático.

16. Considera ainda a Recorrente que o prestador em causa não tem estrutura física nem técnica para a prestação dos serviços em análise.

17. Nos termos do Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.06.2018 - Processo 813/11.8, “quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74. ° da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção”.

18. “No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência ”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

19. Relativamente ao alegado facto de o fornecedor em causa ser “declarante em sede de IRC e IVA, em 2006 e 2007, encontrando-se sempre, no que respeita a IVA, em crédito de imposto, por valores residuais, e estando o lucro apurado em sede de IRC em execução fiscal, passou a não declarante em 2008”, existe uma presunção de veracidade a favor da Recorrida pelo facto de o prestador em causa ter sido declarante em sede de IRC e IVA para o ano em questão.

20. Na verdade, a entidade F…, nos termos do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), era uma entidade declarante em sede de IVA e IRC em 2007.

21. E o facto da F…, Lda. não ser declarante em 2008 não releva sobre o exercício de 2007.

22. E o mesmo se diga relativamente ao facto de o prestador de serviços em causa encontrar-se sempre, no que respeita a IVA, em crédito de imposto, por valores residuais, o que pode ter uma justificação que nada tem a ver com as operações subjacentes às facturas desconsideradas pela AT, tal como referido na douta sentença do Tribunal a quo.

23. O facto também alegado pela AT de que “Nenhum contribuinte declarou ter recebido rendimentos pagos por esta sociedade, nem foi mencionada como adquirente de bens e serviços no anexo P'\ também não deve merecer qualquer acolhimento, porquanto a falta de declaração de recebimentos ou de aquisições de bens e serviços no anexo P não é de per si conclusiva e também pode ter uma justificação que nada tem a ver com as operações em questão.

24. Também não é merecedor de acolhimento o indício relativo à TOC, uma vez que se trata de meras declarações prestadas pela TOC e, tal como referido na sentença recorrida, não se mostram confirmadas.

25. Outro indício alegado pela AT relativamente à fornecedora F…, Lda., é o facto de esta não dispor de estrutura física nem técnica para a prestação dos serviços em causa.

26. Trata-se de mais um indício que não pode pôr em causa a existência e a efectividade das operações.

27. O alegado facto de o prestador de serviços em causa não dispor de estrutura física ou técnica para prestar os serviços contratados pela Impugnante, até porque ele próprio, por sua vez, pode recorrer a outras entidades para prestá- los, não pode ser considerado um indício que coloque em causa a efectividade e existência dos serviços desconsiderados pela AT.

28. Pelo exposto, é forçoso concluir que os indícios alegados pela AT não logram cumprir o ónus da prova que sobre si impendia, ou seja, não são suficientes para que se possa concluir com elevada probabilidade, ou até certeza, que os serviços por si desconsiderados, não foram efectivamente prestados.

29. E, nos termos do Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11.07.2019 - Processo 647/09.9BELRA. LÍA mera invocação dos elementos colhidos noutras inspecções efectuadas a fornecedores, e aos respectivos fornecedores do contribuinte, que apontam no sentido de que emitem facturas falsas ou fictícias (indícios externos), não basta para afirmar a existência de facturação falsa do contribuinte inspeccionado, se não forem acompanhados de elementos obtidos junto deste (indícios internos) que justifiquem esse juízo de descredibilização.”

30. Face ao supra exposto bem andou o Tribunal a quo ao concluir que a Recorrente não logrou reunir indícios de que as operações tituladas pelas facturas emitidas pela F…, Lda. não correspondem a operações reais, decidindo pela anulação das liquidações do IVA relativas às referidas facturas, decisão essa que se impõe seja mantida.

31. Não obstante a falta de indícios, a Recorrente alega ainda que a Recorrida não logrou demonstrar a efectividade das operações.

32. Ora, aqui também não assiste razão à Recorrente e tal alegação não deve merecer qualquer acolhimento por parte do Venerando Tribunal.

33. E mesmo considerando a Recorrida - embora sem conceder - que lhe cabia o ónus da prova face aos indícios sustentados pela Recorrente, ainda assim, entende a Recorrida que logrou demonstrar a efectividade das operações em causa de um modo claro e concreto.

34. Por um lado, logrou demonstrar a existência e necessidade da realização das prestações dos serviços em causa através dos pedidos de compra das entidades contratantes (clientes finais), dos orçamentos efectuados pela Recorrida e das facturas emitidas pela Recorrida às entidades contratantes, facturas essas aceites pela AT com todas as suas implicações legais.

35. Por outro lado, logrou demonstrar a existência e efectividade das prestações de serviços em causa através dos filmes publicitários exibidos, dos depoimentos do sócio-gerente e de todas as testemunhas ouvidas, e através dos pagamentos efectuados à Recorrida pelas entidades contratantes, pagamentos esses que não se teriam verificado se os serviços prestados não se tivessem realizado nos termos descritos e orçamentados pela Recorrida.

36. Através da prova junta aos autos, não devem restar dúvidas de que a Impugnante logrou carrear prova suficiente para demonstrar a efectividade das prestações de serviços desconsideradas pela AT, independentemente da existência ou não dos indícios alegados, pelo que o presente recurso não deve proceder.

37. Por todo o exposto, bem andou o Tribunal a quo quando decidiu pela anulação das liquidações do IVA relativas às facturas emitidas pela sociedade F…, Lda., decisão essa que se impõe seja mantida.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, a douta decisão recorrida,

Assim se fazendo a costumada justiça!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de terem sido recolhidos indícios suficientes pela administração tributária (AT), quanto às faturas emitidas pela sociedade F…, e de a factualidade provada não lograr demonstrar a efetividade das operações?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante tem por objeto social a promoção, realização de filmes e suportes sonoros, execução e comercialização de campanhas publicitárias – cfr. Certidão Permanente a fls. 37 a 40 do PAT apenso aos autos;

2. Por referência ao ano de 2007, estava registado como gerente da Impugnante, J… - cfr. Certidão Permanente a fls. 37 a 40 do PAT apenso aos autos;

3. No exercício da atividade mencionada no ponto 1, a Impugnante recorria a prestadores de serviços externos para o exercício da sua atividade – prova testemunhal;

4. Foi emitida, pela sociedade “P…– Recrutamento e seleção de pessoal para prestação de serviços, Lda. (doravante P…) ”, em nome da Impugnante, a seguinte fatura:

- cfr. RIT a fls. 43 do PAT apenso aos autos;

5. Em 30.05.2007 a Impugnante emitiu o cheque n.º 5037761122, com o valor de 13.612,50€, estando o mesmo passado à ordem da “P…” – cfr. fls. 59 dos autos;

6. A Impugnante emitiu nota de pagamento, sobre a sociedade “P…”, com data de 30.03.2007, imputando o valor do cheque referido no ponto 5, ao pagamento da fatura referida em 4. – cfr. fls. 58 dos autos;

7. Foram emitidas, pela sociedade F… Lda., em nome da Impugnante, as seguintes faturas:




- cfr. fls. 42, 44, 45, 46 e 47 do PAT apenso aos autos;

8. Em 2007, foram, entre outros, emitidos os seguintes cheques, da conta bancária da Impugnante, no Banco … SA:


«Imagem em texto no original»


- cfr. fls. documentos n.ºs 3,7,14 e 19, juntos aos autos a fls. 86 a 147 no SITAF, e RIT a fls. 27 do PAT apenso aos autos;

9. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.os O1201008289 de 01.03.2011, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, realizaram uma ação inspetiva externa à Impugnante, relativamente ao exercício de 2007, tendo como origem as ações de inspeção realizadas às sociedades “P…” e “F…”, nas quais se concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de faturas falsas por parte destes sujeitos passivos, de que a Impugnante é indicada como utilizadora - cfr. RIT a fls. 17 a 36 do PAT apenso aos autos;

10. Da ação inspetiva mencionada no ponto que antecede, resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, datado de 01.08.2011, constando do mesmo, no ponto 1, o seguinte:

“(…) 1. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Da fiscalização efetuada ao exercício de 2007 resultaram correções à matéria tributável de IRC no valor de 94.450,00 €, imposto em falta de IVA, no montante de 19.384,50 € e Retenções na fonte de IRC no valor de 140.300,05 €.” - cfr. RIT a fls. 20 do PAT apenso aos autos;

11. A Impugnante procedeu à entrega das declarações de rendimentos modelo 22 (2007, 2008 e 2009), assim como ao envio das respetivas declarações periódicas de IVA – cfr. RIT a fls. 21 do PAT apenso aos autos;

12. No ponto 2.5 “Verificações e Constatações” do relatório, mencionado no ponto 10, consta o seguinte, relativamente ao fornecedor “P…”:

“(…)A empresa P…, Lda. já foi inspecionada pela D.F. de Setúbal, nos exercícios de 2006,2007 e 2008 e consta na informação produzida por essa Direção de Finanças (por nós já utilizada na inspeção à S… ao exercício de 2006) que a referida empresa está indiciada como emitente de faturação falsa. As razões apontadas constam da informação referida no ponto 2.1 e do extrato do Relatório de Inspeção efetuada a essa empresa (conforme Pág. 74 à 83 do citado anexo 2), e são as seguintes:

- não dispor de estruturas capazes de proporcionar os serviços faturados.

- não declarante em sede de IRC e IVA, para os anos em questão.

- não apresentou a contabilidade apesar de notificada para o efeito.

- não tem Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade.

- não está na morada indicada nas faturas e nem no domicilio fiscal.

- não se conhecem equipamentos ou viaturas.

- não há registos que tenha fornecedores.

No relatório da Inspeção da D.F. de Setúbal, ponto III.1.6 (pág. 136), pode lerse ainda o seguinte:

“Dos factos atrás expostos, verifica-se que existem indícios fundados de que as faturas da P…listadas no anexo 16 são falsas, nomeadamente porque:

- Os serviços nelas mencionados não podem ter sido efetuadas pelo emitente das faturas;

- Os bens nelas mencionados não podem ter sido transmitidos pelo emitente das faturas, dado que, este não dispõe de estrutura empresarial que lhe permita exercer a atividade constante nessas faturas ou qualquer outra atividade empresarial, pois não dispõe de quaisquer meios humanos ou técnicos indispensáveis para o exercício de uma atividade.

São também indícios que estas faturas são falsas, os factos de:

- A P… não ter recebido os montantes dessas faturas; e

- Os inúmeros elementos falsos constantes, tanto nas faturas como noutros documentos com elas relacionadas, tais como guias de remessas e contratos;

O Parecer do referido Relatório refere ainda que:

- Existem faturas emitidas em nome da P…, para diversos “clientes”, nos seguintes montantes: € 1.559.228,13 em 2006; € 1.162.472,35 em 2007 e € 1.370.367, 50 em 2008;

Os Serviços de Inspeção Tributária de Setúbal, relativamente às faturas emitidas à S… (pág. 42 a 47 do referido relatório), verificaram que essas faturas contêm elementos que não são verdadeiros:

- A firma do fornecedor constante nas faturas 16600, 17850 e 36850 (P… – R… p/ prest. Serv.Lda. e P… – C… de Edifícios, Lda.) não corresponde à firma da sociedade com o número de identificação fiscal 5… (P… Construção, Lda.).

- “ Apesar da morada indicada nas faturas (Est…., A…, 2… Moita ou 2…-… Alhos Vedros) corresponder à sede da P…constante do seu contrato de sociedade, nas datas das faturas, a sociedade P…, Lda., NIPC 5…não se encontrava na morada indicada, conforme referido no ponto II.3.4.”

- “ …Os serviços de telefone (2…, 2…) e fax (2…, 2… e 1…) estiveram instalados na morada da sociedade e na morada referida no ponto II.3.5 (Quinta …, 1, 2…-… Quinta …) até à inativação dos serviços em Outubro de 2002 e janeiro e fevereiro de 2004, conforme exposto no ponto III.1.2. Ou seja, na data das faturas, os serviços de telefone referentes a estes números encontravam-se inativos, verificando-se, não só que a P… nessas datas não podia ser contactada através desses números de telefone, mas também que nestas faturas constam elementos que não são verdadeiros, como sejam os números de telefone do fornecedor de bens e de serviços.”

Além das faturas, foram obtidas pela D.F. de Setúbal, os documentos relativos ao pagamento dos montantes constantes nessas faturas, da análise efetuada aos meios de pagamento a D.F. de Setúbal verificou o seguinte:

“ – Nenhum dos cheques foi pago à empresa P….

- Os cheques 7616767851 e 5425296891, além de serem cheques não nominativos (facto que constitui infração ao n.º3 do art.º 63.º - C da LGT caso se destinem a pagamento de faturas de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal), foram pagos a dois trabalhadores do sacado (S…), o Sr. P…(atual sócio da S…) e o Sr. J…(empregado da S…), não se verificando qualquer relação entre estes cheques e a P… ou as faturas da P….

- Os restantes cheques, passados à ordem da P…, foram endossados em branco (endossos em branco são endossos que consistem na assinatura do endossante e que não designam o beneficiário) e pagos, seis a P…, sócio-gerente da P…e um a António J…(gerente da A… Taurina, Lda. que também declarou ter efetuado aquisições à P…).”

Quanto às pessoas de contacto, a S… informou à D.F. de Setúbal o seguinte: ¯A S…. Lusitana, Lda. informou que a pessoa de contacto da empresa P… era o Sr. P…através dos n.°s de telefone 2…, do n.° de Fax 2… e de n.º de telemóvel que já não sabe. Informou ainda que também eram pessoas de contacto da empresa P…, o Sr. F…(Alhos Vedros) e o W…. O primeiro nome (Sr. P…) corresponde ao primeiro e últimos nomes do sócio-gerente da P…, no entanto, o serviço de telefone referente aos números 2… e 2… encontra-se inativo desde Fevereiro de 2004…ou seja, a informação dada pela S… Lusitana, Lda. não é verdadeira, dado que através destes números de telefone, nas datas das faturas, era impossível contactar a empresa P…. Aos outros dois nomes (Sr. F… (alhos Vedros) e o W…) não é possível estabelecer qualquer relação com a P…, primeiro porque através destes nomes (apenas nomes próprios) não é possível obter informação completa das pessoas a que pertencem, segundo não são conhecidas à P… nenhumas relações com trabalhadores, quer dependentes, quer independentes..." "Na análise dos factos expostos ...conclui-se que: As faturas listadas no presente ponto, não só contêm elementos que não são verdadeiros (como a firma do fornecedor (em 3 das 8 faturas), a morada do fornecedor (nas datas das faturas a sociedade com o número de identificação fiscal 5… não se encontrava na morada nelas indicada) e os números de telefone e fax do fornecedor (nas datas das faturas os números de telefone e fax indicados nas faturas estavam inativo)], como também os serviços nelas mencionados não podem ter sido efetuados pela empresa P…, dado que esta não dispõe de estrutura empresarial que lhe permita exercer a atividade constante nessas faturas. Acresce ainda o facto de não haver prova de que a P… tenha recebido os montantes dessas faturas. Ou seja, estes factos indiciam que estas faturas são falsas"…” – cfr. RIT a fls. 22 a 24 do PAT apenso aos autos;

13. Relativamente ao Fornecedor F…, Lda. NIPC 5…” consta do RIT, o seguinte:

“… A empresa tem sede na Rua …, n.º …, Quinta …, Barreiro, distrito de Setúbal, (anexo 3).

O sócio da referida empresa é: H…, NIF: 1… (não declarante em sede de 1RS e IVA) e a TOC da empresa é: R…, NIF: 2….

A empresa F…, Lda. entregou as declarações periódicas de IVA, no ano de 2007, com montantes significativos de base tributável, e simultaneamente, com montantes de imposto a entregar nulos ou quase nulos.

No entanto, encontram-se em falta todas as declarações periódicas de IVA do ano 2008 e a Modelo 22 de IRC do mesmo ano.

A empresa F…, Lda. já foi inspecionada pela D.F. de Setúbal e consta na informação produzida por essa Direção de Finanças que as faturas emitidas pela referida empresa não titulam verdadeiras prestações de serviços, pelo que se trata de faturação falsa, porque aquela não deteve em 2007 de estrutura empresarial (logística, administrativa e humana) para prestar aqueles serviços. As razões apontadas são: ¯Anexo 3)

– Todas as notificações enviadas para a F… e para o sócio-gerente terem sido devolvidas com a menção mudou-se.

– Não foi apresentada a contabilidade da F… nem nenhuns documentos referentes à sua atividade para o ano em análise.

– Não se encontrou ninguém no local da sede da empresa e do domicílio fiscal dos sócios.

– No sistema informático da DGCI, verificou-se que o NIPC da F… não consta em qualquer declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, como entidade pagadora de rendimentos.

– A F… não teve trabalhadores inscritos na Segurança Social, nem efetuou os descontos obrigatórios para essa entidade.

– É fornecedor/emitente de elevados montantes e não consta no sistema informático da DGCI como cliente de bens/serviços de outras entidades… 2.5.2.A – Contacto com a TOC da F…, na inspeção anterior ao abrigo da OI201008287

Da consulta ao sistema informático da DGCI, verificou-se que a Sra. “R…", NIF: 2…, era a TOC da empresa F…, Lda. Da conversa tida telefonicamente com a Sra. R…, foi-me dito que, nunca tinha feito a contabilidade da referida empresa, que a mesma era feita pelo seu marido R…, o qual era a pessoa indicada para prestar esclarecimentos.

Atendendo aos factos descritos, foi notificada em 02/11/2010 a TOC da empresa, ao abrigo do princípio da colaboração, nos termos do n.° 4 do artigo 59.° da Lei Geral Tributária e no n.° 3 do artigo 29.° do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, para remeter a estes serviços no prazo máximo de 8 dias, os registos contabilísticos da empresa nomeadamente Balancete de Terceiros (clientes e fornecedores) e os Balancetes de Final de ano, para os anos de 2006, 2007 e 2008.

Em resposta à notificação efectuada, veio a TOC, em 05/11/2010 juntar cópia do fax assinado pelo Sr. R…, com data de 17/11/2009, aquando de uma outra solicitação de elementos à referida empresa, onde afirma que a documentação foi toda devolvida à empresa e que os registos contabilísticos da empresa foram apagados devido a um problema informático ocorrido no início de 2009. (anexo 7).

2.5.2.B – Análise declarativa da empresa F…

Da análise às declarações Periódicas de IVA entregues pela empresa, relativas ao ano de 2007, conforme transcrição do relatório da DF de Setúbal: “Tudo leva a crer que os valores transcritos nas declarações periódicas a título de IVA dedutível tiveram como objetivo compensar o IVA liquidado levando a que o Sujeito Passivo entregasse nos cofres do Estado valores insignificantes”.

Da análise às declarações Modelo 22 de IRC entregues pelo sujeito passivo, verifica-se que o lucro apurado é reduzido. No entanto, esses pequenos valores declarados encontram-se em execução fiscal por falta de pagamento.”

.2.5.2.C – Análise dos meios de pagamento à empresa F…

Em relação aos meios de pagamento da S… à F…, o Relatório da inspeção de Setúbal refere que “Conforme se pode verificar na microfilmagem, frente e verso, dos cheques utilizados no pagamento das faturas, os mesmos foram levantados por P…, pessoa que não tem qualquer relação jurídica com a F…. A única relação conhecida que o referido senhor tem com a F… é o facto de ser sócio-gerente da empresa A…, Lda., NIPC 5…., que tem o seu domicílio fiscal da mesma morada da F….

2.5.2.D – Conclusão (…)

Quanto às faturas emitidas à S…, o Relatório da DF de Setúbal concluiu que: “Em face dos argumentos apresentados acabados de expor, conclui-se que as faturas em causa não correspondem a serviços efetivamente prestados e que portanto se está na presença de faturas falsas.”

– cfr. fls. 24 a 26 do PAT apenso aos presentes autos;

14. Do RIT consta, ainda, o seguinte:

“2.6 Análise aos Fornecedores e Meios de Pagamento”,

“ (…) Dada a necessidade de comprovar a efetividade das transações efetuadas com os fornecedores indicados no quadro acima, foi a S… notificada (Anexo 6, pág. 2), em 02/11/2010 para remeter, nos termos do art.º 63.º - B da Lei geral Tributária (LGT), no prazo de 30 dias, fotocópias dos cheques, frente e verso, relativos aos pagamentos efetuados aos referidos fornecedores, para os anos de 2006 a 2008. (Diligência efetuada na inspeção anterior, ao abrigo da OI201008287).

Em 31 de Dezembro de 2010 (entrada 132899), o S.P. enviou cópias frente e verso dos cheques emitidos (Anexo 6, pág. 1 a 28), que alegadamente serviram para liquidar as faturas em causa, conforme o seguinte quadro:


«Imagem em texto no original»


Da análise deste quadro verificou-se que:

- Não obstante o Sr. P… ser apenas sócio da P… (empresa já indiciada por faturação falsa pela D.F. de Setúbal), surge como beneficiário final da quase totalidade dos cheques emitidos pela S… às empresas: F…, G… e T…, empresas essas que de acordo com os dados recolhidos nada têm a ver com o Sr. P….

- O cheque no valor de 12.500,00 euros indicado como meio de pagamento à empresa P…, foi levantado pelo atual sócio da empresa S…, o Sr. P….

- O cheque no valor de 6.500,00 euros indicado como meio de pagamento à empresa P…, foi levantado pelo empregado da empresa S…, o Sr. J….

(…)

Consultado o sistema informático da DGCI, verificou-se que o Sr. P… nunca entregou declarações, quer em sede de IRS, quer em sede de IVA (anexo 8).

Atendendo ao exposto, foi notificado pessoalmente o Sr. J…, em 01.03.2011, na qualidade de sócio gerente da empresa S… para no prazo de 8 dias, prestar os seguintes esclarecimentos: (anexo 14)

1 – Qual o nome e contacto dos respresentantes das empresas fornecedoras (G…, T…, F…) a quem contrataram a prestação de serviços.

2 – Qual a identificação dos trabalhadores que executaram os trabalhos referidos nas faturas emitidas pelos fornecedores mencionados na pergunta anterior e quais as suas moradas e contactos.

3 – Quem é o Sr. P….

4 – Se existe alguma relação de parentesco entre o Sr. P… e a Administração da S….

5 – Porque motivo a quase totalidade dos cheuqes emitidos para as empresas supra citadas, foram endossados e posteriormente levantados pelo Sr. P….

6 – Qual o conhecimento que a S… tem da ligação do Sr. P… com esses forncedores.

7 – Nas prestações de serviços pagas por cheque a esses fornecedores a quem foram os mesmos entregues.

8 – Quem são os senhores A…, J… e A… que levantaram os restantes cheques.

No dia 22 de março de 2011 deu entrada com o n.º 28646 na DF de Lisboa (anexo 13), a resposta à notificação para prestar esclarecimento que consta do anexo 4.

Quanto à pergunta n.º1 da notificação, a S… respondeu o seguinte:

- A pessoa do contacto da empresa F… era o Sr. H…, desconhecendo quaisquer outros elementos dessa pessoa.

Cumpre-nos dizer que, a empresa F… foi inspecionada pela DF de Setúbal, que indicou esta empresa como emitente de faturas falsas, por não possuir estrutura adequada aos montantes faturados. A empresa tendo sido notificada para apresentação da escrita não o efetuou, nem foi possível localizar o seu gerente H….

A TOC (R…) afirmou que foi ela que fez a contabilidade, mas sim o Sr. R…. Mais afirmou, que a mesma não possui os documentos da firma porque foram devolvidos à empresa e que não possuía os registos contabilísticos devido a uma avaria no computador.

- O sr. H… é o sócio gerente da empresa F…, mas a S… não indicou morada e contacto do Sr. H….

Quanto à pergunta n.º2 da notificação, a S… respondeu o seguinte;

- Os colaboradores em causa não fazem parte dos quadros da S…, razão pela qual se desconhecem os nomes, moradas e contactos.

Quanto às perguntas n.º 3, 4 e 6, a S… respondeu o seguinte:

- Disse desconhecer o Sr. P…, que o mesmo não tinha nenhuma relação de parentesco com nenhum gerente da S… e que a S… desconhece qualquer ligação entre o Sr. P… e os fornecedores T…, F… G… e U….

Cumpre-nos dizer, que o Sr. P… é o sócio gerente da empresa P…, empresa indiciada pela DF de Setúbal como emitente de faturas falsas, empresa que consta como fornecedor da S… em 2006, 2007 e 2008. O Sr. P… foi o beneficiário da quase totalidade dos cheques para as empresas P…, F…, T… e G….

Quanto às perguntas n.º5 e 7, a S… respondeu o seguinte:

- Que os cheques foram enviados aos prestadores de serviços por correio para a morada das empresas.

Cumpre-nos dizer o seguinte:

Conforme se encontra referido neste relatório da DF de Setúbal, na data das faturas as empresas não se encontravam nas moradas indicadas nas mesmas, nem os telefones aí indicados se encontravam ativos, pelo que, os cheques nunca poderiam ter chegado ao seu destino, e assim levantados pelas empresas em causa, nem seria possível contactar as empresas nos telefones indicados nas faturas.

2.7 Conclusão

“(…) Há assim fundados indícios de que as faturas emitidas pelas referidas empresas à S…, no montante de € 114.284,50, não correspondem a prestações de serviços efetivas, pelo que se procede às devidas correções em sede de IRC e IVA, para o exercício de 2007. Assim, em termos de IRC e de acordo com a alínea b) do n° 3 do artigo 17° e no n° 1 do artigo 23° do CIRC, aqueles montantes não serão aceites como custos na esfera da S…, pelas razões já expostas. O IVA constante das faturas atrás identificadas (sobre as quais se concluiu não corresponderem a transações reais), não pode ser deduzido, face ao disposto no n.º3 do artigo 19.º do CIVA, aprovado pelo Decreto Lei n.º 394- B/84 de 26 de dezembro, com as alterações posteriormente introduzidas (“não pode ser deduzido imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente”). Deste modo, as deduções do IVA efetuadas no ano de 2007, no montante de € 19.834,50, por via da contabilização das faturas atrás descritas, não obedecem aos requisitos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º e no artigo 20.º do CIVA, pelo que, tais deduções de imposto não são aceites.” (…)

3.1.2 Custos não aceites fiscalmente (ano de 2007)

Perante os factos expostos no ponto 2 deste relatório, as faturas emitidas pelas sociedades P… e F…e contabilizadas como custo no sujeito passivo S…, no montante de € 94.450,00, não são aceites como custos fiscais no exercício de 2007 e deverão ser acrescidos à matéria tributável do sujeito passivo no mesmo exercício, conforme quadro seguinte:

3.2 Em sede de IVA

3.2.1 – Imposto indevidamente deduzido

Pelo exposto no ponto 2 deste relatório, conclui-se, que o IVA constante das faturas do quadro 4 (sobre as quais se conclui não corresponderem a prestações de serviços efetivamente prestadas), não pode ser deduzido, face ao disposto no n.º3 do artigo 19.º do CIVA (“não pode ser deduzido imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante, da fatura ou documento equivalente”). Deste modo, as deduções de IVA efetuadas no ano de 2007, no montante de € 19.834,50, por via da contabilização das faturas atrás descritas, não obedecem aos requisito previstos nos n.º3 e 4 do artigo 19.º e no artigo 20.º do CIVA, pelo que, tais deduções de imposto não são aceites e irão ser corrigidas, como se segue:

(…) – cfr. fls. 29 e 34 do PAT apenso aos autos;

15. Sobre o relatório, parcialmente transcrito, recaiu parecer do Chefe de Equipa e despacho concordante da Chefe de Divisão, de 11.08.2011 – - cfr. RIT a fls. 17 e 18 do PAT apenso aos autos;

16. Em 31.12.2011, na sequência da ação inspetiva e das correções efetuadas, foram emitidas, pela AT, em nome da Impugnante, as seguintes liquidações adicionais:




- cfr. fls. 49 a 52 do PAT apenso aos autos;

17. Em 29.03.2012, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações referidas no ponto que antecede – cfr fls. 3 a 8 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

18. Em 31.10.2012, por despacho do chefe de divisão, a reclamação graciosa mencionada no ponto que antecede, foi indeferida – cfr. fls. 45 a 48 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

19. A Impugnante procedeu ao pagamento do imposto liquidado conforme mencionado no ponto 16 – cfr. fls. 51 e 52 do PAT apenso aos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos:

1. A sociedade P… não prestava diretamente serviços à Impugnante, apenas agindo como intermediária entre a Impugnante e entidades que prestavam os serviços;

2. Foram prestados pela sociedade P… os serviços a que respeita a fatura mencionada no ponto 4 dos factos provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso aos autos, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.

No que se refere ao facto provado no ponto 3, a convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas M…, maquinista de cinema, J…, produtor de filmes publicitários, J…, coordenador de pós produção, que, à data dos factos eram colaboradores da Impugnante, bem como do testemunho de A…, então trabalhadora da Impugnante, na área administrativa/financeira.

Todas as testemunhas explicaram de forma objetiva, e convincente, a atividade da Impugnante, alguns dos projetos desenvolvidos que deram origem às faturas em causa e a necessidade de haver várias empresas envolvidas e contratadas para o desenvolvimento dos mesmos.

No que se refere aos factos não provados (pontos 1 e 2), os mesmos decorrem do facto de a prova produzida se ter revelado manifestamente insuficiente, não logrando as testemunhas concretizar e confirmar, com objetividade, qual a intervenção da sociedade P… no desenvolvimento dos projetos e na atividade da Impugnante.

Com efeito, apenas foi mencionado, de modo genérico, pelas testemunhas (com exceção de A…) que, nas filmagens, estiveram colaboradores da P…, identificáveis através do vestuário (coletes/camisolas), que, contudo, não lograram descrever de modo uniforme e preciso.

A Impugnante juntou aos presentes autos reproduções cinematográficas.

As mesmas não foram consideradas para o julgamento da matéria de facto porquanto, atento o seu conteúdo, mostram-se aptas a demonstrar que os filmes publicitários, a cuja produção são imputados serviços das faturas em causa, nos presentes autos, foram de facto produzidos e realizados. Todavia, não se mostra controvertido, nem questionado pela Administração Tributária, nem constitui objecto do presente processo a efetiva produção e realização de tais filmes, mas antes a intervenção das sociedades fornecedores na realização dos mesmos”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por terem sido recolhidos indícios suficientes pela AT de que as faturas emitidas pela sociedade F… eram falsas e por não ter ficado demonstrada a materialidade das operações inerentes a tais faturas.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura” (1-Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01).).

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (2-Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).). Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

In casu, ao contrário do que decorre das alegações de recurso, o Tribunal a quo nada decidiu quanto à veracidade das operações tituladas pelas faturas, porquanto entendeu que não fora afastada a presunção de veracidade referida no art.º 75.º da LGT, dada a insuficiência de indícios reunidos pela AT.

Vejamos.

Compulsado o relatório de inspeção tributária (RIT), verifica-se que, em relação à sociedade F…, foram elencados os seguintes indícios:

¾ Foi declarante, designadamente em sede de IVA, em 2007, com montantes significativos de base tributável e com montantes de imposto a entregar nulos ou quase nulos;

¾ Não foram entregues declarações de IVA e IRC de 2008;

¾ Em 2007 não deteve estrutura empresarial (logística, administrativa e humana);

¾ As notificações enviadas foram devolvidas com a menção mudou-se, não tendo sido apresentada contabilidade nem documentos relativos à atividade nem tendo sido encontrado ninguém no local da sede da empresa e no domicílio fiscal dos sócios;

¾ Não tinha trabalhadores inscritos na Segurança Social nem aí efetuou descontos;

¾ Nenhum contribuinte declarou ter recebido rendimentos pagos por esta sociedade nem foi mencionada como adquirente de bens e serviços;

¾ A TOC juntou documento emitido por R… (seu marido e que, segundo a TOC, fazia a contabilidade da sociedade), referindo que devolveu toda a documentação à sociedade e que os registos contabilísticos da empresa foram apagados devido a um problema informático;

¾ Os cheques emitidos pela Impugnante à F… foram levantados por P…, sócio-gerente de sociedade com o mesmo domicílio fiscal da F….

Há, pois, que aferir se a AT logrou reunir indícios de que as operações, tituladas pelas faturas emitidas pela sociedade F…, não correspondiam a operações reais.

Desde já se adiante que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, a resposta é negativa.

Com efeito, compulsado o RIT verifica-se que no mesmo se refere que a mencionada sociedade foi declarante, em 2007, ano pertinente in casu, para efeitos de IVA e IRC (sendo, pois, irrelevante o facto de ulteriormente ter passado a ser não declarante), tendo tido faturação considerável, apesar de estar em regra em situação de crédito de imposto para efeitos de IVA.

Logo, existe uma presunção de veracidade das declarações da mencionada sociedade para o exercício de 2007 (único que releva no caso dos autos), que não é posta em causa pela AT.

Os demais factos não se revelam suficientemente conclusivos em termos de indícios, porquanto a falta de declaração de recebimentos ou de declaração no anexo P não é per se conclusiva, não o sendo igualmente as declarações isoladas do TOC. Ademais, a própria falta de estrutura mencionada no RIT é referida de forma conclusiva, não consubstanciada. O mesmo se refira relativamente ao circuito de endosso de cheques, que, isoladamente, não é indício suficiente para abalar a presunção de veracidade, só podendo dali extrair-se algo mais com uma aferição mais detalhada do circuito, que não foi feita.

Em suma, os indícios recolhidos em relação à sociedade F… são insuficientes.

Em situações similares já decidiu este TCAS, concretamente no Acórdão de 24.11.2016 (Processo: 09956/16), atinente às mesmas partes e ao ano de 2006, e onde se refere:

“Afirmar que a F… É declarante em sede de IRC e IVA, em 2006 e 2007, encontrando-se sempre, no que respeita a IVA, em crédito de imposto, por valores residuais, e estando o lucro apurado em sede de IRC em execução fiscal; passou a não declarante em 2008” é, para os feitos aqui visados, absolutamente imprestável.

Com efeito, o facto de a sociedade ser não declarante em 2008 não releva sobre o exercício de 2006 (aqui em causa), sendo certo que para o ano que nos ocupa as declarações de IVA e IRC foram apresentadas.

Também a circunstância de o valor de imposto apurado em 2006 estar a ser exigido em sede de execução fiscal é inócua para o que nos ocupa, pois tal facto prende-se unicamente com o pagamento do imposto, nada dizendo quanto à efectividade das operações realizadas pela devedora.

O mesmo se diga em relação à circunstância de a F… se apresentar em situação de crédito de IVA, o que pode encontrar justificação em razões que nada têm a ver com as operações subjacentes à emissão de determinadas facturas.

Também a afirmação segundo a qual “Nenhum contribuinte declarou ter recebido rendimentos pagos por esta sociedade nem foi mencionada como adquirente de bens e serviços no anexo P”, não é por si conclusiva para o que aqui nos interessa.

As informações prestadas pela TOC – “A TOC juntou documento emitido por R…. (seu marido e que, segundo a TOC, fazia a contabilidade da sociedade), referindo que devolveu toda a documentação à sociedade e que os registos contabilísticos da empresa foram apagados devido a um problema informático” – pouco nos adiantam, no caso.

Com efeito, daquilo que se trata é de um documento emitido por alguém que não é TOC da sociedade (mas que a TOC diz ser o responsável pela contabilidade), do qual consta informação que não se mostra confirmada, designadamente pelos responsáveis da empresa. Note-se, de resto, que a informação segundo a qual foi devolvida à sociedade a documentação pode até compatibilizar-se com a circunstância de estar a decorrer uma acção inspectiva relativamente à dita F….

Por último, e quanto à alegação segundo a qual o beneficiário efectivo dos cheques relativos ao pagamento das facturas emitidas pela F… ser o Sr. P…, sócio-gerente da P… (…) deve salientar-se o que se segue.

Efectivamente, o circuito dos pagamentos não é, aparentemente, de apreensão imediata, ou seja, não se compreende, sem explicação adicional, a razão pela qual os cheques acabaram por ser pagos a alguém sem qualquer relação (aparente) com sociedade F….

No entanto, não deixa de ser verdade, também, como consta do relatório, que os cheques foram emitidos à ordem da F…, pelo que se admite que a emitente dos cheques (a impugnante) desconheça o circuito ocorrido com tais meios de pagamento.

No entanto, o mais importante é salientar que este elemento, por si só, sem outros indícios fortes e conclusivos, não nos adianta muito, sendo de todo incapaz de sustentar (por si só) o entendimento perfilhado pela Administração.

Quer isto dizer, que a AT, louvando-se unicamente nos elementos que fomos analisando, não estava habilitada a concluir como concluiu, relativamente às facturas emitidas pela sociedade F…. Os elementos recolhidos são, como fomos dizendo, escassos e frágeis”.

Logo, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de abril de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Maria da Luz Cardoso)

(Cristina Coelho da Silva)