Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1630/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/13/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DESPESAS ILÍCITAS
ILÍCITO DISCIPLINAR
FATURAS FALSAS
INQUISITÓRIO
MÉTODOS INDIRETOS
CUSTOS INDEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
Sumário:I. O CIRC não admite a dedução de despesas ilícitas, sendo que estas não se circunscrevem às situações passíveis de configurar um ilícito penal.

II. Se, para um dos alegados prestadores de serviços, a AT reuniu indícios sérios de que as transações tituladas pelas faturas não tiveram efetividade, revelando tais indícios que há uma probabilidade séria de não terem sido feitas as prestações de serviço em causa, o ónus da prova da efetividade de tais transações é do sujeito passivo.

III. O princípio do inquisitório não pode ser interpretado de forma a subverter as regras do ónus da prova.

IV. Não sendo provada a efetividade das prestações de serviços tituladas pelas faturas, não há que apelar ao disposto no art.º 100.º do CPPT, porquanto a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário não se confunde com inércia probatória do administrado/impugnante.

V.O recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável exige, entre outras situações, que haja uma impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.

VI. Dado o caráter subsidiário da aplicação de métodos indiretos, deve a AT lançar mão de métodos diretos sempre que a impossibilidade referida em V. não se verifique.

VII.Por referência ao exercício de 2008, quando a AT, de forma sustentada, ponha em causa a indispensabilidade de um custo, cabe ao administrado o ónus da prova de tal indispensabilidade.

VIII. Estando nós perante custos não cabalmente documentados e não sendo feita qualquer prova pela Impugnante que supra tal circunstância, essa inércia probatória reverte contra si.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Acórdão

I. RELATÓRIO

J......... ………….. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 12.10.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2008.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I - A liquidação impugnada, tive origem numa acção de inspecção promovida pela Inspecção Tributária – Área B – Divisão VI - Equipa 64 da Direcção de Finanças de Lisboa de que resultou o Relatório elaborado em 28-02-2011 anexo à petição inicial de Impugnação.

II - A Inspecção Tributária levou a efeito correcções em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) no montante de €280.487,38 (duzentos e oitenta mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) que deram origem à liquidação n.º 2011 5000092369, no montante de €71.473,31 (setenta e um mil, quatrocentos e setenta e três euros e trinta e um cêntimos), objecto da Impugnação em análise.

II - Tal liquidação tem por base as correcções apuradas pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, que não logrou demonstrar a existência dos indícios que mencionou no seu Relatório de Inspecção, nem alcançou prova das suas alusões à existência de operações que configurem qualquer tipo de ilícito fiscal, nomeadamente facturação falsa ou operação simulada.

III – No que concerne às facturas números 8003 e 8004, emitidas pela empresa S......... – Compra ……………….. S A, alega a Inspecção Tributária que as mesmas se referem a prestações de serviços que configuram despesas ilícitas e assim afastadas do conceito de custos não dedutíveis para efeitos fiscais ex vi alínea d) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

IV – Por se tratarem de despesas por angariação de clientes, procedimento que estaria vedado à RECORRENTE por força do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto – Lei número 26/2004 de 04/02, o que não corresponde totalmente à verdade.

V - Já que, pese embora a Douta Sentença Recorrida venha invocar a norma da alínea d) do n.º 1 do art. 2.º-A do antes indicado Estatuto, pretendendo fazer vencer a tese de que a na mesma norma o adjectivo “ designadamente” apenas pretende indicar uma das situações, a saber “as que decorram de comportamento que fundadamente indiciem violação de legislação penal portuguesa”, mas em verdade a pretensa ilicitude no caso vertente estriba-se num Estatuto de uma Ordem Profissional, o qual não tem força legal para punir indícios penais.

VI – O que leva a considerar que, o vertido na parte antes citada do Relatório da Inspecção Tributária, como a arauto da Douta Sentença Recorrida sobre esta matéria, apenas poderá configurar um procedimento meramente disciplinar por força do artigo 23.º do indicado Estatuto do Notariado, nunca comparável ou compatível com uma “violação de legislação penal portuguesa”, nem poderá validar o entendimento da Inspecção Tributária no que concerne à sua posição, ou mesmo o que sobre esta matéria está vertido na Douta Sentença Recorrida.

VII - O que à partida fragiliza a argumentação de ilicitude, já que não é competência da Inspecção Tributária aferir ou classificar como ilícitas as questões disciplinares ínsitas no Estatuto do Notariado, para nelas suportar qualquer correcção tributária, ainda que meramente aritmética.

VIII - Da parte final do segundo parágrafo a pagina 37 da Douta Sentença Recorrida, vem alegado que “Desta norma resulta que os Notários que exercem funções em Portugal solicitar ou angariar cliente por si ou por interposta pessoa e uma conduta contrária ao dispositivo legal é em si própria uma conduta ilícita, geradora, nomeadamente de responsabilidade disciplinar”, sendo que o adjectivo “nomeadamente” está mal enquadrado na frase já que, como bem sabe a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, o procedimento da RECORRENTE apenas poderá, no limite, ser passível de procedimento disciplinar e nada mais do que isso, contrariamente ao que se pretende insinuar no trecho da Douta Sentença antes transcrito.

IX - “A ilicitude consiste na ofensa de uma norma ou de um dever imposto por uma norma. Um acto é ilícito quando infringe ou contraria o disposto na lei, traduzindo-se no incumprimento de um dever legalmente imposto ou numa prática legalmente proibida.” (in Dicionário Jurídico, Ana Prata, 1995, pág. 509), podendo classificar-se, quanto à estrutura da infracção legal cometida, em três tipos: ilicitude simples, abuso do direito e fraude à lei.

X - A ilicitude simples é a qualidade do acto jurídico que viola directamente um comando jurídico, já o abuso do direito consiste no modo de exercer um direito subjectivo que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito, enquanto que a fraude à lei pressupõe a obtenção de um resultado que a lei proíbe, mediante a conjugação de actos ou formas jurídicas em si lícitos, mas praticados intencionalmente com o fim de obter tal resultado.

XI – Atentos ao caso vertente não se vislumbra ilicitude de forma a que seja colocada em crise a aplicação do normativo do art.º 23.º do CIRC e desconsiderada esta prestação de serviços como um gasto e custo do exercício suportado pela RECORRENTE para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRS, nem se entende qual a razão de ciência que leva a Inspecção Tributária e Aduaneira a extravasar as suas competências inspectivas ínsitas no RCITA, e pretender utilizar a norma do Estatuto do Notariado para alcançar uma ilicitude fiscal, ou mesmo penal, pois que, certamente que o legislador fiscal ao introduzir na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, a inibição de se considerar como gastos e assim como custos, as despesas ilícitas, não teria em mente penalizar senão os actos que constituem graves ilícitos, nomeadamente os criminais, e nunca as situações, como a presente, que apenas configura um procedimento meramente disciplinar.

XII - A Inspecção Tributária coloca ainda em crise a efectiva prestação dos serviços facturados nos documentos supra, sem lograr provar que os mesmos não foram prestados, o mesmo se dizendo quanto à Douta Sentença Recorrida, pelo que A RECORRENTE pugna pelo direito ao reconhecimento como custo do exercício as verbas decorrentes das facturas números 8003 e 8004, emitidas pela empresa S......... – Compra ……………… S A – Compra ………………… SA, convicta de que não foi cometido qualquer ilícito que possa estribar a aplicação da alínea d) o n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

XIII - “Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo”. (Acórdão de 2017-02-09 Processo n.º 06423/13 do TCA SUL).

XIV - Do mesmo Acórdão, “Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão.” “E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito.”

XV – Tal jurisprudência vem corroborar o que antes se vem alegando, o que se acompanha nestas alegações de recurso.

XVI - O mesmo se dirá quanto à factura emitida pela B......... – Engenharia …………… Lda, no montante de €148.290,94, que faz parte integrante do referido Relatório, bem como a despesa com custos de câmbio dessa operação, no montante de €5.077,69, pois, quer quanto à sua ilicitude e à desconsideração como custo fiscal do exercício do montante pago a esta prestadora de serviços, as bases em que assentam quer o Relatório da Inspecção Tributária quer a Douta Sentença Recorrida, são iguais às utilizadas quanto à facturas emitidas pela S......... – Compra ……………. S A, pelo que aqui se reitera o anteriormente alegado para suporte do recorrido no que concerne à factura emitida pela B......... – Engenharia ……………. Lda,

XVII - A RECORRENTE não pode conceder tudo o que da Douta Sentença Recorrida vem referido de páginas 36 a 38, no que diz respeito às facturas, emitidas pela S......... – Compra e …………. S A, já que são levantadas questões, iguais às do Relatório da Inspecção Tributária, que salvo Douta melhor opinião não nos parecem ter apoio probatório, quer em sede de Relatório ou Contestação à Impugnação quer na própria Sentença Recorrida.

XVIII -Quanto à falta de estrutura empresarial da prestadora dos serviços, retirada pela Inspecção Tributária dos elementos contabilísticos da mesma cabe referir, como anteriormente já se fez em sede de PI e Alegações finais, que estávamos perante um trabalho que não exigia conhecimentos técnicos avançados, era de grande volume mas repetitivo, envolvendo o manuseamento e organização de um elevado número de documentação, não se estranha, ou pode ser colocado em causa, que o mesmo pudesse ser efectivamente realizado por quem tivesse poucos conhecimentos eminentemente técnicos, como aconteceu, e o contrário, com o devido respeito, não ressalta da Douta Sentença Recorrida.

XIX – O mesmo se retira do esclarecimento prestado pela S......... – Compra ……………….. S A, que constitui folhas 616 a 650 do Anexo 6 ao Relatório da Inspecção Tributária, ficando inequivocamente demonstrado que os serviços foram efectivamente prestados e pagos, contrariamente ao que é defendido e não provado pela Impugnada.

XX - Reiterando-se em sede de Recurso a impossibilidade da eventual aplicação da norma do artigo 23.º-A do CIRC, já que não se está perante um gasto ou custo de possível afastamento da sua concorrência para a formulação do resultado final do exercício e o contribui para obter e garantir os rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS.

XXI – Matéria sobre a qual foi prestada prova testemunhal, sendo que do depoimento das testemunhas Dr.ª R ………….. e Dr.ª ………………., se afere a necessidade dessa prestação de serviços pela tomadora, aqui RECORRENTE, pois as mesmas foram contactadas para o prestarem, bem como se retira o seu o seu conhecimento de que o mesmo foi prestado pela S......... – Compra ………………. S A., e inquiridas sobre quem teria efectivamente efectuado esta prestação de serviços, testemunharam que foram os membros da Administração desta SA que o fizeram e que um deles possuía formação jurídica, o que inequivocamente o habilitava a prestar consultoria jurídica como descritivo das facturas.

XXII - Nesta matéria, como noutras objecto da acção inspectiva, a Inspecção Tributária não pugnou pelo cumprimento do determinado no artigo 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária não apurando a verdade material, tendo apenas lançado mão a parcos elementos que foi coligindo na análise da Contabilidade da RECORRENTE, para construir, e debilmente sustentar, a sua tese de operação inexistente ou simulada, que cai pela base com o que se vem alegando e provando.

XXIII - Refere o penúltimo parágrafo a folhas 38 da Douta Sentença recorrida que “… sendo que a prova testemunhal se revelou insuficiente, demasiado genérica e nada elucidou”, o que leva a crer que, salvo melhor Douta opinião, o Tribunal a quo não intuiu aquilo que foi o testemunho claro e coerente das testemunhas Dr.ª R ………….. e Dr.ª C ……………, senão não teria consignado tal opinião sobre o depoimento das mesmas.

XXIV - Sobre todas as matérias sobre que foram inquiridas, as testemunhas supra indicadas demonstraram um conhecimento directo, inequívoco e coerente sobre as mesmas, nunca manifestando qualquer dúvida às questões que lhe foram colocadas em Tribunal, quer pela Meritíssima Juíza, quer a instâncias do Mandatário da RECORRENTE ou do Representante da Fazenda Pública, pese embora os factos em análise se reportarem aos anos de 2007 e 2008, não se vislumbrando qualquer motivo real e sólido para que o Tribunal a quo tivesse desvalorado os depoimentos das testemunhas, não constando da Douta Sentença Recorrida qualquer indício de justificação para tal procedimentos.

XXV - O caso vertente, como se vem referindo, não reveste sequer indícios de uma operação inexistente ou mesmo simulada, como quer fazer vencer a Inspecção Tributária, posição que a Douta Sentença Recorrida acompanha.

XXVI - Como foi sempre defendido pela RECORRENTE em todo o procedimento, e continua a sê-lo em sede deste Recurso, os serviços prestados titulados pelas facturas analisadas pela Inspecção Tributária foram realizados, sendo certo que não deveriam ter gerado quer a correcção à matéria colectável quer a liquidação impugnada, negando-se desde logo a classificação atribuída pela Impugnada quanto às facturas serem falsas e titularem uma qualquer operação simulada como bem se demonstrou no articulado deste Recurso.

XXVII - Para tal foram bastamente tratados em sede do presente Recurso as questões jurídicas inerentes quer à simulação de negócio jurídico como acto ilícito, quer quanto à simulação de negócio jurídico, pugnando a RECORRENTE pela revogação da Douta Sentença Recorrida, e reposição da verdade fiscal.

XXVIII - Resultando do exposto que, contrariamente ao que parece ser o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, cabe a esta fazer prova que da inexistência das operações subjacentes às facturas emitidas pelos fornecedores, prova que não logrou produzir ao longo de toda acção inspectiva ou nas diligências que lhe couberam no procedimento impugnatório, pois, conforme já anteriormente referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a descrever um suposto “esquema” sem nunca demonstrar, ou sequer indiciar, a inexistência operações subjacentes às referidas facturas.

XXIX - Ora, contrariamente ao que pretende insinuar a Autoridade Tributária e Aduaneira, todas as operações económicas realizadas entre a ora RECORRENTE e os seus fornecedores ocorreram nos termos em que foram formalizadas pelas facturas, e os preços constantes das mesmas foram, efectivamente, pagos pela ora RECORRENTE – tudo factos demonstrados, sendo pois, ininteligível o motivo que leva a Autoridade Tributária e Aduaneira a sustentar, sem nunca demonstrar como lhe competia, que os serviços não foram prestados ou que os bens não foram adquiridos ao seu fornecedor, matéria sobre a qual se chama à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Maio de 2003, proferido no âmbito do Recurso n.º 26.806/02, cujo excerto se reproduziu nestas Alegações.

XXX – Atento a tudo quanto supra se expôs, deverá concluir-se que todas as transacções efectuadas entre a ora RECORRENTE e os respectivos fornecedores consubstanciam operações reais, e não simuladas, pelo que, tendo em consideração que o custo real foi suportado pela RECORRENTE, a correcção, em causa, consubstanciam vício de violação de lei e assentam em erro de facto e de direito sobre os pressupostos, dado que não se aplica, à presente situação, a previsão legal invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e assim o acto tributário de liquidação adicional de IRS, só pode ter como escopo a respectiva anulação, por violação expressa do disposto nos art.ºs 23.º e 23.º-A do CIRC.

XXXI - E deverá a Douta Sentença Recorrida ser revogada, por erro de julgamento, consequentemente, os actos de liquidação que constituem objecto da impugnação judicial que antecede, ser anulados porque praticados em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, consequentemente, ilegais.

XXXII - Acresce à data a RECORRENTE tinha efectivamente picos de trabalho e que, não possuindo uma estrutura de meios humanos que suportasse mais do que resultava do normal funcionamento do exercício da sua actividade era obrigada a recorrer à prestação de serviços de terceiros para honrar os seus compromissos, o que levou à contratação de prestação de serviços extraordinários consubstanciados na sua quase totalidade na promoção de registos oriundos de escrituras de cessão de créditos entre entidades bancárias, o que, envolvia carteiras de créditos com centenas de clientes e consequente necessidade de milhares de registos.

XXXIII – A testemunho da Dr.ª C …………….. a mesma indicou ter sido na altura contactada pela RECORRENTE com vista à possibilidade de conjuntamente com colegas do escritório de Advogados onde colaborava, poderem assegurar a prestação de serviço pretendida, a mesma testemunhou ainda que conjuntamente com os colegas de Escritório, apresentou uma proposta de custos, que não foi aceite por elevada tendo-lhe sido comunicado posteriormente pela RECORRENTE que tinha encontrado um prestador para esse serviço e lhe referiu ser a empresa S......... – Compra e Venda de Imóveis S A.

XXXIV – Esta prova testemunhal, salvo devido respeito, não foram valoradas, como deveriam ter sido, na apreciação e formulação da convicção que levou à Douta Sentença Recorrida, o que se afigura não ter sido o procedimento mais correcto.

XXXV - Sobre o ónus da prova, a Douta Sentença recorrida, refere no quinto parágrafo a folhas 38 que “A AT cumpriu o ónus de demonstrar a existência de factualidade, susceptível de abalar a credibilidade da contabilidade da Impugnante e cessa presunção de veracidade das operações descritas nas facturas, ficando a impugnante onerada com o ónus da prova da veracidade e efectiva realização das operações”.

XXXVI - Salvo melhor Douta opinião e com o devido respeito, não se retira da Douta Sentença recorrida prova inequívoca prestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pela sua Inspecção Tributária da existência de indícios sérios, fundados e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada da existência de irregularidades que promovam percas para a Autoridade Tributária, e correlação causal entre a existência desses indícios e a realidade fiscal, o mesmo se dizendo quanto ao que vem plasmado no Relatório da Inspecção Tributária, no Processo Administrativo junto aos Autos ou na Contestação da Fazenda Publica.

XXXVII - Ao invés, a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se, num percurso argumentativo tortuoso, repetitivo e desconexo, a expor e a identificar a situação tributária irregular de alguns dos fornecedores da RECORRENTE, a referir as relações comerciais que em determinado momento esta estabeleceu com os mesmos e a concluir que essas relações mais não são do que a aparência de legalidade de um conluio fraudulento, o que se contesta.

XXXVIII - Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter identificado, nas relações da RECORRENTE com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatório, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado – o que, obviamente, não logrou fazer. A inversão do ónus da prova, no caso vertido, é um ponto fulcral para a apreciação e decisão, e condição objectiva para a mesma inversão, pelo que em sede deste Recurso se chama à lide para merecida apreciação.

XXXIX - Da Douta Sentença Recorrida se retira que existiu a convicção formulada pelo julgador que as operações não foram efectivamente realizadas e de que existem indícios sérios de que não ocorreram, depreendendo-se assim, que a falsidade das facturas em crise apenas é sustentada num único indicio, a saber a falta de estrutura empresarial para realização do serviço por parte da S......... – Compra ………………. SA, o que manifestamente não pode operar por si só para preencher os indícios sérios, fundados e objectivos necessários à inversão do ónus da prova e à classificação da falsidade das facturas ou simulação de negócio expressa pela emissão das mesmas.

XL - Pois, salvo melhor Douta opinião, nada mais consta em toda a Douta Sentença Recorrida quanto aos motivos que levam a considerar as facturas em análise como falsas e inibidoras de serem tidas como custos do exercício nos termos plasmados no art.º 23.º do CIRC.

XLI - Na nota i)-8 em do Relatório, a Inspecção Tributária desenvolve a teoria da “estrutura empresarial” ou inexistência da mesma, concluindo tão somente que “Em conclusão, não é perceptível qual a estrutura empresarial que permitiu suportar os serviços descriminados nas facturas nº 8003 e 8004...”.sendo notório que a própria Inspecção Tributária apenas apurou uma “imperceptibilidade” e nada mais, não logrando provar como ou mesmo levar ao Relatório a certeza da inexistência de tal estrutura, o que se mantem ao longo da Douta Sentença recorrida dada a falta de prova feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

XLII - Fundamentação e demonstração que deveria ter sido logo ínsita no Relatório Fiscal de Inspecção, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, todos os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

XLIII - A Inspecção Tributária nunca alcançou prova da existência de indícios sérios, fundados e objectivos que traduzissem uma probabilidade elevada de que o negócio jurídico celebrado não correspondesse à realidade, mas antes que tivessem por fim o pagamento de menos imposto ou qualquer outra vantagem fiscal.

XLIV – O art.º 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, prevê o ónus da prova e quem incumbe, e o art.º 58.º, da mesma Lei determina que a Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra vinculada à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, onde se inclui a investigação da situação tributária dos contribuintes.

XLV - Deve ser retido que não se exige à Autoridade Tributária e Aduaneira a prova da falsidade das facturas ou do negócio mas sim prova da existência de elementos indiciários que levem a concluir que se está perante indícios sérios, fundados e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que o negócio jurídico celebrado não corresponde à realidade, o que ao não ser feito impede o afastamento da norma do n.º 1 do art.º 75.º da LGT, no que concerne ao ónus da prova.

XLVI - “A AT não tem que demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) fatura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT» Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão de 23 de março de 2017 – Proc. n.o 665/09.8BELRA.

XLVII - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira reputa de operações simuladas um acto de comércio, tem obrigatoriamente de aplicar as regras do ónus da prova plasmados no art.º 74.º da LGT, incumbindo-lhe a produção da prova da verificação dos indícios sérios e fundados de que as operações em causa não correspondem à realidade, o que não fez em sede do seu Relatório nem nas várias peças processuais apresentadas em sede desta Impugnação ou utilizando qualquer outra forma legalmente aceite como meio de prova à sua disposição.

XLVIII – Uma coisa é a prova da operação simulada, coisa diferente é a prova dos indícios sérios, credíveis e fundados a indicar e provar pela Inspecção Tributária caso pretenda afastar o ónus da prova que sobre si impende ex vi n.º 1 do art.º 75.º da LGT.

XLIX - O Relatório padece de falta de provas inquestionáveis que permitam, sem margem de erro, considerar como demonstrados os aludidos indícios sérios e fundados de que a operação em causa não corresponde à realidade e é simulada, e nada de novo foi trazido à lide pela Impugnada, em sede de Impugnação que permita fazer essa prova.

L – A Inspecção Tributária, ao desconsiderar a contabilidade da Impugnante retirando-lhe a presunção de veracidade ínsita no ordenamento jurídico fiscal, ficava obrigada a utilizar para as correcções o método das correcções por presunção ou método indirecto, o que não fez, certamente porque, ao enveredar por essa modalidade, teria dificuldades em provar as suas presunções.

LI - Em sede de processo judicial tributário, “(…) relativamente a informações oficiais relativas a factos concernentes à existência e quantificação do facto tributário, não é necessário provar o contrário, mas apenas gerar dúvidas fundadas, para que a decisão sobre a respectiva matéria de facto tenha de ser processualmente desfavorável à administração tributária (art. 346.º do Código Civil) (…).” (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Comentada e anotada, pág. 377).

LII - Extrapolando a ratio da regra concebida e prevista especificamente para os processos judiciais tributários, somos de concluir que a RECORRENTE não se limitou apenas a gerar dúvidas sobre a factualidade aduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, logrando inclusive a refutação dos mesmos e, consequentemente, a prova contrária do que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende quanto à existência e quantificação dos actos tributários, não podendo os factos por esta alegados a ela aproveitar. Como letra do art.º 100.º, n.º 1, do CPPT, “(…) sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. (…)”.

LIII - Nestes termos, a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Tribunal a quo procederam à errónea qualificação e quantificação dos factos tributários, e como a sua decisão viola as regras vigentes quanto à distribuição do ónus da prova e padece de vício na fundamentação legalmente exigida.

LIV - A Inspecção Tributária pretende a exclusão como custos do exercício, os justificados indicados e contabilizados como tal e referentes a ofertas, que constam do mapa inserido a folhas 34 da Douta Sentença Recorrida, suportando a sua razão no facto de as mesmas “respeitam a artigos de natureza marcadamente pessoal...”, não sendo imprescindíveis para o exercício da actividade, afastando-as da inclusão no normativo art.º 23º do CIRC.

LV - Tendo ora RECORRENTE sido notificada para justificar a imprescindibilidade destas despesas, veio responder em 2010-08-09, indicando e esclarecendo a forma como essas ofertas eram feitas e bem assim os destinatários das mesmas, o que foi confirmado por depoimento das testemunhas Dr.ª R ……….. e Dr.ª C ……………, as quais, nos respectivos depoimentos, confirmaram que a RECORRENTE habitualmente fazia ofertas aos seus clientes, e até mesmo que as próprias tinham recebido alguns desses presentes/ofertas e tinham conhecimento que, pelo menos quanto ao Escritório onde se encontravam à data dos factos, também eram feitas ofertas a outros colaboradores.

LVI - A posição assumida pela Inspecção Tributária vem demonstrar a sua incapacidade de ajuizar aquilo que é uma despesa, inserida na necessidade de gestão empresarial, que está directamente ligada à obtenção de resultados positivos, tributáveis em sede de IRS, e não um gasto que presume, erradamente, ser uma despesa de carácter pessoal, com vista a obter uma qualquer vantagem fiscal. (excerto das Alegações da RECORRENTE em sede de Impugnação)

LVII - As compras de artigos destinados a ofertas, poderão e deverão ser aceites como custos do exercício, quando destinadas a clientes ou fornecedores, desde que se verifique que as mesmas não são estranhas à gestão da empresa e que a sua aquisição esteja devidamente documentada e evidenciada nos elementos contabilísticos, como no caso vertido.

LVIII – Não se conhecendo norma ou instrução emanada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que regule ou limite o valor das ofertas ou a sua possibilidade, no exercício legitimo da gestão da sua actividade, pela qual é tributada em função dos resultados, utilize para obter melhores resultados finais, o sistema de ofertas aos seus melhores clientes, na óptica de uma gestão racional de rentabilização, nem a Inspecção Tributária, logrou provar o contrário, ou se retira o contrário da Douta Sentença Recorrida.

LIX - Tais custos provenientes da aquisição de ofertas para melhores clientes, constituem custos com relevância fiscal, a serem considerados para obtenção do resultado do exercício, já que estão directa e imediatamente relacionados com a obtenção de proveitos da actividade exercida pela Impugnante, proveitos esses que são objecto de tributação em sede de IRS, e no caso vertido constituem apenas a 1,8% dos proveitos do exercício o que é manifestamente aceitável em termos de gestão empresarial e mais é admissível em termos fiscais.(Excerto das Alegações da RECORRENTE em sede de Impugnação)

LX - Devem as referidas despesas serem consideradas como custos, para todos os efeitos e todas as legais consequências, designadamente no que se refere à apreciação da liquidação impugnada, uma vez que são despesas imprescindíveis para obtenção dos proveitos tributados em sede de IRS, e existe inequívoca conexão com a actividade exercida e a inquestionável relação entre estes custos e a boa gestão que conduz à obtenção de melhores resultados.

LXI – Não se vislumbrando razão para a decisão de improcedimento patente na Douta Sentença Recorrida já que, salvo melhor Douta opinião, tais despesas enquadram-se no preceituado no art.º 23.º do CIRC, e assim constituem custos elegíveis para a determinação do rendimento do exercício.

LXII – No que respeita à regularidade da emissão das facturas analisadas pela Inspecção Tributária, e elementos que dela devem constar, na Douta Sentença Recorrida é reconhecida a diferença existente entre os requisitos legalmente exigidos na emissão de factura no que toca ao IVA e ao IRC, mesmo assim não poderá deixar de chamar à lide a questão da exigência formulada pela Inspecção Tributária quanto aos elementos a constar das facturas para que possam ser consideradas custos em sede de IRS.

LXIII - Tal diferenciação entre os requisitos exigíveis em sede de IVA e de IRC não foi tido em considerarão pela Inspecção Tributária, desconsiderando a diferença substancial entre as exigências documentais em sede de IVA e em sede de IRC e IRS, pois que enquanto naquele se exige que o documento (factura) respeite determinados requisitos, expressos no número 5 do artigo 36º do CIVA, já ao nível dos impostos sobre o rendimento esta formalidade não é tão exigente.

LXIV – Para consideração como custo basta que o documento que suporta esse gasto revista “uma qualquer forma externa de representação da operação (que não uma factura, por não incluir as imperativas e específicas solenidades documentais, como a numeração ou o timbre da empresa) (...) desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)» Tomás de Castro Tavares, in Ciência e Técnica Fiscal nº 396 a pág. 123”.

LXV – Entendimento que se retira do Resumo do Acórdão de 2011-06-01 do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo número 06392/02, in JusNet 2840/2011, “ Os custos ou perdas da empresa são os elementos negativos da conta de resultados... É imprescindível, portanto, que os custos sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais, mas, no caso, o facto das facturas apresentadas não preencherem os requisitos legais exigíveis para a dedução do IVA, terá apenas efeitos subsequentes para esse efeito, não podendo daí resultar que se considere os custos inerentes como não documentados. Ademais provando-se que a empresa efectuou o pagamento dos serviços efectivamente realizados e indispensáveis para a obtenção de proveitos, aceita-se que os respectivos custos não estejam documentados por aquelas facturas, mas sim provados por outro meio admissível, nomeadamente a prova testemunhal”.

LXVI – Tal prova testemunhal foi prestada em sede de Audiência de inquirição de testemunhas, pelos depoimentos Dr.ª R …………. e Dr.ª C …………….., como já antes se referiu, os quais, estranhamente, não foram valorados pelo Tribunal a quo.

LXVII – No Relatório da Inspecção Tributária e transcrição do mesmo na Douta Sentença Recorrida refere a relação familiar entre a RECORRENTE e os restantes accionistas da S......... – Compra ……………….. SA, insinuando-se que a RECORRENTE detinha na SA uma quota maioritária e assim conhecimento privilegiado sobre as prestações de serviço da empresa e do modo como eram efectuadas.

LXVIII – Porque se afigura que tal situação contribuiu negativamente para a boa decisão da causa, aqui se esclarece que a S......... – Compra ………… S A, existe por transformação em Sociedade Anónima em 2006, tendo na altura sido nomeada Administrador Único – Presidente, a RECORRENTE, a qual veio a renunciar ao cargo em 10-09-2007.

LXIX - Por alteração do Contrato de Sociedade as acções da S......... – Compra …………… S A., passaram a ser Nominativas, o que aconteceu em 2017, pelo que desde a sua transformação em Sociedade Anónima, ano de 2006, até ao ano de 2017 presente data as suas acções eram ao portador.

LXX - Pelo que, a partir da transformação da S......... – Compra ……………. S A em Sociedade Anónima não existem elementos registrais ou outros que indiciem quem são os seus accionistas ou quem detém as acções, apenas se podendo alvitrar, embora sem certeza, que uma das accionistas seria a Impugnante uma vez que exerceu o cargo de Administrador Único.

LXXI - E só o foi até 10-09-2007, data em renunciou ao cargo, e assim sendo, com o respeito devido, a Douta Sentença recorrida não espelha a verdade quando refere que a Impugnante foi sócia maioritária da S......... – Compra ……………… SA pelo menos desde 2006, o que também se aplica ao que a mesma Sentença indica quanto à testemunha C …………………………. quando refere que a mesma possuía uma quota de €1000,00 na S......... – Compra e Venda de Imóveis SA.

LXXII - O que, conjuntamente com tudo o anteriormente referido quanto ao registo comercial da S......... – Compra e …………… SA e sequência temporal dos seus averbamentos, comprova o equívoco patente na Douta Sentença recorrida quando pretende colocar em causa a idoneidade comercial e fiscal dos intervenientes S......... – Compra …………………. SA e a RECORRENTE, direccionando no sentido da existência de uma qualquer relação privilegiada ou intenção de operar manobras que levassem a defraudar a Impugnada, através da emissão de facturas falsas.

LXXIII - Acresce que, o que está a ser analisado neste processo de Impugnação é a liquidação de IRC referentes ao ano de 2008 período em que a RECORRENTE já não era Administradora Única da S......... – COMPRA ………………. S A, como anteriormente se provou.

LXXIV - De todo este procedimento iniciado por uma acção da Inspecção Tributária à RECORRENTE que deu origem ao Relatório e respectivas liquidações, nomeadamente a que se impugna, passando por todo o processo e de Impugnação e suas fases, se retirará que o procedimento inspectivo se centrou não apenas no sujeito passivo tomador do serviço mas maioritariamente quanto aos sujeitos passivos prestadores dos serviços, os quais sempre prestaram voluntariamente todos os esclarecimentos que lhes foram solicitados ao longo de todo o procedimento inspectivo.

LXXV – Quanto à RECORRENTE cumpriu atempadamente as suas obrigações declarativas e inscreveu na sua declaração de IRS os valores apurados nos seus elementos contabilísticos, os quais não foram postos em causa quer no Relatório final da Inspecção e não furtou quaisquer elementos ao conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, colocando-os à disposição da Inspecção Tributária, colaborando com a mesma e promovendo esclarecimentos quando lhe foram solicitados.

LXXVI - Quanto à Autoridade Tributária e Aduaneira a não fazer prova dos indícios, sérios, fundados e objectivos, não pode inverter o ónus da prova para a Impugnante, outrossim cabe-lhe o probatório da veracidade do conteúdo do Relatório e de todos os seus articulados no processo de Impugnação.

LXXVII – Contrariamente a RECORRENTE vem pugnando pela verdade material e apresentando probatório sólido nesse sentido.

Nestes termos e nos mais de Direito, se requer a V.as Ex.as, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por provado e, em consequência, ser a Douta Sentença recorrida, revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue procedente a Impugnação nos precisos termos em que foi peticionado, tudo com as devidas e legais consequências, como é de Direito e de Justiça”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, quanto às faturas emitidas pela S......... – Compra e …………. SA (doravante, S.........), quer porque a administração tributária (AT) não cumpriu com o seu ónus da prova nem atuou em respeito pelo princípio do inquisitório, quer porque há erro nos pressupostos de facto e de direito?

b) Há erro de julgamento, quanto à fatura emitida pela B......... – Engenharia e ………… Lda (doravante B.........), porquanto o pressuposto legal em que se sustentou a correção não se aplica a tal situação?

c) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de a AT não ter lançado mão de métodos indiretos?

d) Há erro de julgamento no tocante aos custos com ofertas, dado que a Recorrente explicou de que forma as ofertas eram feitas e respetivos destinatários, sendo um custo dedutível?

e) Verifica-se erro de julgamento, quanto às irregularidades das faturas, dada a menor exigência probatória em sede de IRC?

II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção de documentos na presente instância.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente juntou certidão permanente da sociedade S........., certidão essa em cujo cabeçalho vem aposta a data 21.11.2019.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (1), não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2).

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere:

“[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…).

(…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.).

Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”.

Ora, no caso dos autos, o documento e factos nele atestados (o último de 2019) datam de momento no qual ainda estava a decorrer a instrução do processo (a audiência de inquirição de testemunhas foi a 12.02.2020).

Logo, nada nos permite concluir que a sua apresentação não pudesse ter sido feita em momento anterior.

Por outro lado, respeita a situação que já estava a ser discutida nos autos e era referida no relatório de inspeção tributária (RIT), de maneira que não se pode considerar que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Como tal, não se admite a junção do documento, devendo o mesmo ser desentranhado e devolvido à sua apresentante, com a consequente condenação em custas da Recorrente pelo presente incidente, o que será feito a final.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) J…………………….. (ou impugnante) encontra-se inscrita para o exercício da actividade de notário (facto aceite por confissão);

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201000334, emitida em 18-01- 2010, a impugnante foi alvo de um procedimento externo com início em 18-01- 2011, de âmbito geral, aos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido elaborado o Relatório Final e onde se destaca:

III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Colectável

De acordo com o estipulado no artigo 32.º do Código do IRS, ao sujeito passivo em análise aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC na determinação dos rendimentos provenientes da actividade de Notário. Após uma análise das demonstrações financeiras e de alguns documentos de suporte aos registos contabilísticos, procedeu-se à selecção e análise exaustiva das contas em que se verificaram existir documentos que não justificavam integralmente o custo contabilizado e deduzido fiscalmente, analisando-se em simultâneo os registos contabilísticos do IVA dedutível.

III.1.IRS

III.1.2008

A. Análise do Anexo C – Rendimento da categoria B

i) Da análise efectuada verificou-se a existência de despesas cuja elegibilidade como custo fiscal não se encontrava devidamente demonstrada, o que implica que não possam ser consideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável, de acordo com os artigos 23º e 42º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos em análise, pelo que se propõem custos não aceites fiscalmente correcções aritméticas no montante de €280.487,38. No quadro seguinte sintetizam-se as correcções propostas e no anexo 3 podem ser observadas cópias dos extractos dos diários de lançamento e dos diários de lançamento e dos documentos de suporte referentes às correcções propostas.

«Imagem no original»

i)-1 Custo registado decorre do pagamento de juros cobrados pela Caixa Geral de Aposentações. Face ao disposto no artº 42º nº 1 al d) do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos em análise, este custo não é aceite fiscalmente.

i)-2 Ofertas – os documentos de suporte lançados na conta 62218 – Artigos para Oferta, mencionados no quadro anterior, respeitam a artigos de natureza marcadamente pessoal, como é o caso de jóias, vestuário, perfumes e outros de idêntica natureza. O contribuinte foi notificado para justificar a imprescindibilidade destes encargos para o exercício da actividade, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC. Respondeu genericamente, conforme parágrafo 23.º da exposição que pode ser observada no anexo 5, que “é prática corrente em sectores onde se realizam transacções económicas em volume e montantes consideráveis, proceder a ofertas aos clientes.” Nas ofertas a clientes aqui analisadas, não são identificados os beneficiários dos artigos ofertados, de forma a aferir a quem se destinaram e qual a sua relação com o sujeito passivo em análise. Havendo a contribuinte considerado em custos uma verba a título de ofertas, não é possível aferir da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos quando o documento de suporte de tal verba é incompleto na identificação dos seus intervenientes. Face ao exposto, propõe-se a correcção dos custos registados conforme documentos relacionados, por não se demonstrar provada a indispensabilidade dos mesmos, em conformidade com o artigo 23.º do Código do IRC. Propõe-se a correcção enquadrável no artigo 42º nº 1 alínea g) do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos em análise.

i)-3 Despesa não devidamente documentada. Documentos não cumprem os requisitos enunciados no artigo 36.° do código do IVA. Ao contrário do que alegou a contribuinte, em resposta ao pedido de esclarecimentos que lhe foi remetido, a justificação de encargos suportados com documentos que não se apresentam com os elementos essenciais da factura ou documento equivalente (artigo 36.° do Código do IVA), não são suficientes para justificar um custo fiscalmente considerado elegível. A noção de “encargos não devidamente documentados”, expressão usada no artigo 42.°, n.° 1, alínea g) do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos cm análise, correspondem aos encargos cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, mas permite identificar os beneficiários e a natureza da operação. Como no artigo 36.° do Código do IVA se encontram definidos os requisitos essenciais da factura ou documento equivalente, é esta a norma utilizada para se aferir da dedutibilidade do custo registado na contabilidade, caso contrário não estaria garantido o acesso a informação suficiente para proporcionar uma eficaz verificação e controlo das operações económicas e dos sujeitos passivos que as praticaram. Nos termos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos em análise, os encargos não estão devidamente documentados.

De realçar que, no caso específico dos serviços de vigilância (guarda nocturno), a identificação fiscal do prestador do serviço consta de alguns documentos emitidos, tendo-se verificado que o mesmo não se encontra registada, no cadastro da DGCI, para o exercício de qualquer actividade económica.

i)-4 Custo contabilizado como diferença de câmbio desfavorável. Na génese deste custo está uma factura emitida por uma sociedade angolana designada por B......... – Engenharia …………….., Lda, apresentando a seguinte designação para os serviços prestados: “Comissão por divulgação do cartório Notarial e angariação de clientes nos mercados de Luanda e Lobito durante o ano de 2007. Fee de negociação conforme acordo”. Foram pedidos esclarecimentos acerca deste registo contabilístico, tendo a mandatária da contribuinte em análise dedicando os parágrafos 24º e 25º da exposição remetida a estes serviços ao documento em análise, bem como a alguns outros documentos respeitantes a serviços contratados externamente (ver anexo 5). Genericamente alegou que “(…) tais facturas referem-se a serviços relacionados com a realização de consultoria, elaboração e preparação de documentos e apoio técnico, tudo no que diz respeito aos clientes do Cartório”. De salientar que o documento em análise menciona um acordo que não foi remetido junto dos esclarecimentos mencionados. Acresce que na designação dos serviços prestados pela sociedade angolana é expressamente referida a angariação de clientes nos mercados de Luanda e Lobito, aprovado pelo Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro. Considerando o disposto no artigo 23º do Código do IRC, estamos perante uma despesa ilícita, pelo que, não pode o valor registado como custo ser considerado fiscalmente elegível para apuramento do lucro tributável.

i)-5 Despesas relacionadas com a viatura Opel Astra, matrícula ……………… - A viatura identificada não está registada no imobilizado, conforme consulta ao mapa respectivo no anexo 2 a fls. 10 a 12, nem foi identificado qualquer contrato que titulasse a sua utilização. Nos esclarecimentos constantes da exposição remetida pela mandatária da contribuinte em análise, não foi prestado qualquer esclarecimento sobre este registo contabilístico. Propõe-se correcção nos termos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos em análise, uma vez que os encargos não estão devidamente documentados…

i)-6 Os documentos em análise referem-se às facturas com os nºs 8003 e 8004 emitidas pela sociedade S......... - Compra ………………, SA, contribuinte n.º 504.667.017, durante o ano de 2008. A factura nº 8003 emitida em 2008.10.31, apresenta como descrição dos serviços prestado “Prestação de Serviços Jurídicos e Elaboração de Minutas durante o exercício de 2008”. Os referidos serviços foram valorizados em €78.500,00. A factura nº 8004, emitida em 2008.12.31, apresenta como descrição dos serviços prestados “Prestação de Serviços de Aconselhamento Jurídico e Angariação de Clientes”. Contém duas parcelas, uma referente ao período de Setembro a Dezembro de 2008, cujos serviços foram valorizados em €33.500,00 e outra referente ao período de Janeiro a Abril de 2009, cujos serviços foram valorizados em €45.000,00. Na designação dos serviços prestados pela referida sociedade na factura 8004 é expressamente mencionada a angariação de clientes, prática contrária ao disposto no artigo 23º nº 1 alínea l) do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro. Considerando o disposto no artigo 23º do Código do IRC, estamos perante uma despesas ilícita, pelo que, não pode o valor registado como custo ser considerado fiscalmente elegível para apuramento do lucro tributável. No anexo 1, a fls 161 inclui-se a demonstração de resultados apresentada pela S.........e, SA. Constata-se que para um volume de negócios de €112.000,00, com uma componente significativa de intervenção humana (aconselhamento jurídico e elaboração de minutas) não apresenta quaisquer custos com pessoal, sendo que o valor dos encargos suportados com Fornecimentos e Serviços Externos, apresenta o montante de €50.407,60, de entre os quais constam €30.871,00 classificados como Trabalhos Especializados (conforme balancete remetido pela S.........e, SA, em resposta a um pedido de esclarecimento – ver anexo 6). Consultada a declaração modelo 10, que respeita a rendimentos sujeitos a retenção na fonte, não se encontram declaradas quaisquer remunerações, quer trabalhadores por conta de outrem, quer a trabalhadores independentes. Em conclusão não é perceptível qual a estrutura empresarial que permitiu suportar os serviços descriminados nas facturas 8003 e 8004, emitidas em 2008.10.31 e 2008.12.31, que constituem os únicos proveitos obtidos pela prestação de serviços durante o ano de 2008, sendo certo que o tipo de serviços descrita implica intervenção de profissionais habilitados (aconselhamento jurídico, angariação de clientes, serviços jurídicos e elaboração de minutas). Constata-se ainda quer os proveitos obtidos pela S........., SA, deram origem a uma colecta de €9.003,42 em sede de IRC, valor manifestamente inferior ao que seria suportado na esfera do sujeito passivo em sede de IRS (para validação do valor da colecta, veja-se o extracto informático da declaração modelo 22 de S........., SA, constante da base de dados da DGCI, no anexo 1 a fla 157 a 160), de realçar ainda que a contribuinte em análise detém uma participação do capital desta sociedade superior a 70%, conforme consta do registo da Conservatória do Registo Comercial (ver anexo 1 a fls 162 e 163). Foram pedidos esclarecimentos acerca deste registo contabilístico, tendo a mandatária da contribuinte em análise dedicado os parágrafos 24º e 25º da exposição remetida a estes serviços aos documentos em análise (ver anexo 5), bem como a alguns outros documentos respeitantes a serviços contratados externamente. Genericamente alegou que “(…) tais facturas referem-se a serviços relacionados com a realização de consultoria, elaboração e preparação de documentos e apoio técnico, tudo o que diz respeito aos clientes de Cartório”. Perante os factos anteriormente expostos, que indicam que os serviços descritos nas facturas em análise não foram efectivamente prestados, os custos contabilizados não reúnem as condições para serem considerados indispensáveis para a prossecução da actividade económica do sujeito passivo, contrariando o disposto no artº 23º do Código do IRC.

i)-9 O documento em análise refere-se a uma factura emitida durante o ano de 2009, por uma sociedade angolana designada B......... – Engenharia ……………, Lda, apresentando a seguinte designação para os serviços prestados: “Comissão por divulgação do Cartório Notarial e angariação de clientes nos mercados de Luanda e Lobito durante o ano de 2008. Fee de negociação conforme acordo”. Foram pedidos esclarecimentos acerca deste registo contabilístico. Foram pedidos esclarecimentos acerca deste registo contabilístico, tendo a mandatária da contribuinte em análise dedicando os parágrafos 24º e 25º da exposição remetida a estes serviços ao documento em análise, bem como a alguns outros documentos respeitantes a serviços contratados externamente (ver anexo 5). Genericamente alegou que “(…) tais facturas referem-se a serviços relacionados com a realização de consultoria, elaboração e preparação de documentos e apoio técnico, tudo no que diz respeito aos clientes do Cartório”. De salientar que o documento em análise menciona um acordo que não foi remetido junto dos esclarecimentos mencionados. Acresce que na designação dos serviços prestados pela sociedade angolana é expressamente referida a angariação de clientes nos mercados de Luanda e Lobito, aprovado pelo Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro. Considerando o disposto no artigo 23º do Código do IRC, estamos perante uma despesa ilícita, pelo que, não pode o valor registado como custo ser considerado fiscalmente elegível para apuramento do lucro tributável. Acrescente-se ainda que o documento é emitido por uma sociedade angolana, mas o pagamento foi feito através de uma instituição financeira na Suíça…

iv) Resumo das propostas de correcção baseadas na análise dos Registos Contabilísticos

Perante o anteriormente exposto, as propostas de correcção ao lucro tributável apurado para o ano de 2008, são as seguintes:

iii)Custos não aceites fiscalmente: €280.487,38…

C) Na sequência da inspecção e correcções a AT efectuou a liquidação nº ……………….369, no valor de €71.473,31, respeitante a IRS do ano de 2008 e juros compensatórios – cfr. fls 29, dos autos;

D) A Impugnante registou na sua contabilidade a factura n.º 8003/2008, datada de 31/10/2008, emitida pela S......... – COMPRA E ………………….. S.A. com a seguinte descrição: «Prestação de Serviços de Jurídicos e Elaboração de Minutas durante o Exercício de 2008.» - cfr. fls. 475 dos autos e 719 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E) A Impugnante registou na sua contabilidade a factura n.º 8004/2008, datada de 31/12/2008, emitida pela S......... – COMPRA E ………………. S.A. com a seguinte descrição: «Prestação de Serviços de Aconselhamento Jurídico e Angariação de Clientes de setembro a dezembro de 2008 de janeiro a abril de 2009» - cfr. fls. 476 dos autos e 719vº do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) Notificada pelos SIT para prestar esclarecimentos, em 05/08/2010, a sociedade S......... – COMPRA E ……………. S.A., apresentou relativamente ao exercício de 2008, 5 extractos de conta corrente e balancete geral, juntos a fls. 618 a 680, dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G) Dos esclarecimentos prestados referidos em I) destaca-se o seguinte:

«(…) 4. Em complemento ao descritivo das facturas, refira-se que houve lugar à realização de serviços, acondicionamento, catalogação, identificação e gestão do acervo documental do Cartório bem como o tratamento de toda a documentação referente à Contabilidade, recursos humanos e serviços administrativos.

5. A título informativo, no que concerne à parte final do n.º 2, do referido oficio, indicam-se os seguintes prestadores de serviços: - N ……………, com domicílio na Av. …………., n.º 10, 5.º esq. em ………..; P ………….. com domicílio na Av. …., n.º 10, 5.º esq. em ………..(…)»(fls 646 e 647, dos autos);

H) A sociedade S......... não declarou para efeitos fiscais, na respectiva declaração anual quaisquer custos com pessoal – cfr. fls. 213 a 220 dos autos;

I) Na declaração modelo 10 entregue pela S........., não foram declaradas quaisquer remunerações quer a trabalhadores por conta de outrem, quer a trabalhadores independentes - facto não impugnado;

J) O montante das prestações de serviços discriminados nas faturas n.º 8001, 8002, 8003 e 8004, constituem os únicos proveitos declarados pela S........., nos exercícios de 2007 e 2008 – cfr. fls.213 a 220, dos autos;

K) A Impugnante iniciou a sua actividade de Notário em 16/02/2005, esteve enquadrada em IVA no regime normal mensal desde 01/01/2007 e em sede de IRS estava enquadrada no regime de determinação dos rendimentos com base na contabilidade organizada – cfr. fls. 35 dos autos;

L) Em 2008, a Impugnante dispunha entre 10/11 colaboradores – cfr. depoimento da 2.ª testemunha;

M) Em 2008, os colaboradores da Impugnante tinham muito trabalho – cfr. depoimento da 2.ª testemunha;

N) A SOCIEDADE S......... – COMPRA E ……………… S.A. tinha a partir de 2006, como objecto: «Exploração salineira, agrícola, pecuária piscícola, compra e venda de prédios rústicos e urbanos de adquiridos para esse fim, consultoria, prestação de serviços jurídicos equiparados, podendo ainda explorar qualquer outro ramo de comércio ou industria que a sociedade delibere, com a excepção daquelas que por lei (…)» - cfr. 717 do PA;

O) Em 28/12/2006, relativamente à sociedade referida em O), foi registado na respectiva Conservatória do Registo Comercial o “aumento de capital, transformação em sociedade anónima e designação de membros (s) de órgão(s) social(ais) – cfr. fls. 717 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

P) O aumento do capital social referido em O) foi realizado na seguinte modalidade e forma de subscrição: «Realizado em dinheiro e pelos sócios da seguinte forma: 32 250,00 Euros pela sócia J…………………; 5 375,00 Euros pelo sócio A ………………………; 5 375,00 Euros pelo sócio A ………………………….; pela entrada da nova sócia C ……………………….. com a quantia de 1000,00 Euros e ainda pela entrada do novo sócio António …………….» - cfr. fls. 717 do PA;

Q) A Impugnante foi designada “Administrador único – Presidente” da sociedade S......... para o quadriénio 2006/2009, por deliberação de 12/12/2006 – cfr. fls. 717 do PA;

R) A sociedade S......... foi constituída como veículo de os filhos da Impugnante estarem a trabalhar – cfr. depoimento da 1ª testemunha.

S) A impugnante registou na sua contabilidade a factura nº 31/09 emitida pela B…………– Engenharia …………, Lda, no montante de 175.000,00 US$, onde consta como descritivo “Comissão por divulgação do Cartório Notarial e angariação de clientes nos mercados de Luanda e Lobito durante o ano de 2008.//Fee de negociação conforme acordo” - cfr. fls 479, dos autos;

T) A impugnante registou na sua contabilidade diversas facturas de fornecimento de electricidade relativos à sociedade T… – Sociedade ……………., SA, com morada de fornecimento na Rua …………….., 36, 1º esqº, em …………, que totalizam o montante de €1.353,34 – cfr fls 489 a 411, dos autos

U) Para efeitos de IRS do ano de 2008 a Impugnante declarou como custos incorridos nesse exercício o montante global de 120,00€ referentes a 12 documentos que apresentavam o seguinte conteúdo ¯Serviço de Vigilância… € 10,00… Exmo.(s) Sr.º (s) Notário Dra. J......... ……..… Rua: Sap. 158 – 3º… contribui para o vigilante, com a quota mensal acima referida… Telefone… M ………………..… – cfr. docs. juntos a fls. 535, 538, 539, 545, 550, 554, 560, 563, 574, 579, 580, dos autos;

V) Dos documentos referidos em U) não consta em nenhum deles o Número de Identificação Fiscal ou outro número oficial de identificação do signatário dos mesmos – cfr. docs. juntos a fls. 535, 538, 539, 545, 550, 554, 560, 563, 574, 579, 580, dos autos;

W) A impugnante contabilizou a factura/recibo nº FR19211/08, em 17-12-2008, no valor de €16,50 – cfr.fls 613, dos autos;

X) A impugnante contabilizou a despesa com a indicação xerox no valor de €7,50, sem documento comprovativo;

Y) A impugnante contabilizou a despesa do valor de 24,09 sem a respectiva factura;

Z) Dão-se por reproduzidos os documentos constantes de fls 42, 44, 46, 47, 50, 58, 61, 62, 65 a 97, 111, 113, 114, 120 a 124, 128, 130, 132 a 134, 139, 142, 148, 149, 150, 152, 157 e 160, do Anexo 3, do RI”.

III.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Dos factos alegados, com interesse para a decisão da causa, atentas as soluções plausíveis de direito, nada mais se deu como provado”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam.

Os factos constantes dos pontos L), M)) e S), no mais o depoimento das testemunhas revelam-se contraditórios, quando confrontados com os documentos e generalistas. Dos depoimentos, destaca-se o seguinte:

1ª testemunha – C ……………………, Advogada, referiu conhecer a Impugnante quer por força da actividade profissional de ambas quer por uma relação de amizade. Não obstante, nada ter referido quanto a ter sido sócia da S......... a partir de 2006, participação que vendeu em 2007, o seu depoimento foi credível e circunstanciado quanto ao trabalho do cartório da Impugnante, bem como quanto à proposta de trabalho de o cartório da Impugnante assegurar centenas de registos de Bancos: volume grande de escrituras e cessão de créditos. Mais tendo referido que o trabalho não foi feito no Cartório por, à data os funcionários da Drª J......... não terem tempo e que a Drª J......... “arranjou” pessoas para fazer o trabalho e disse ainda que o trabalho era feito pelos filhos da Drª J......... e que podia ser feito por qualquer pessoa. Quanto à data em que terá ocorrido essa proposta, referiu Dezembro de 2006. Relativamente ás ofertas disse que a Drª J......... sempre presenteou os seus clientes em alturas de Natal e aniversários, tendo dito que chegou a receber.

2ª testemunha – R ………………………., Advogada, que referiu que o recurso ao Cartório da Drª J........., era na data quase diário, que tinha cerca de 10 ou 11 funcionários e como não tinha capacidade para dar resposta foi feita uma proposta ao escritório onde exercia as suas funções que não foi aceite, pelo que, foi a S......... a fazer o trabalho. Quanto às ofertas a clientes eram feitas em certas datas: Natal, aniversários, … tendo também recebido”.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, sublinhe-se que, ao longo das suas alegações, a Recorrente vai fazendo menção à prova testemunhal produzida. No entanto, tais menções não configuram impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (3).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (4).

Ora, in casu, o que foi efetuada foi uma mera manifestação de discordância face ao constante da sentença recorrida, sem que estejam minimamente cumpridas as exigências supramencionadas, motivo pelo qual se considera não ter havido qualquer impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nada havendo, por consequência, a referir no tocante às conclusões em que se fazem interpretações de meios probatórios.

Prosseguindo.

IV.A. Do erro de julgamento, quanto à correção atinente às faturas emitidas pela sociedade S.........

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, no que respeita às faturas n.ºs 8003 e 8004:

a) A AT sustentou-se numa norma legal que apenas pode conduzir a eventual ilícito disciplinar, o que não é admissível pelo art.º 23.º-A, n.º 1, al. d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), que apenas se refere a ilícitos penais

b) A AT não pugnou pelo respeito pelo princípio do inquisitório;

c) Não foi demonstrada a existência de simulação;

d) Não foram recolhidos indícios de que as operações não ocorreram;

e) Será sempre uma situação de fundada dúvida da existência do facto tributário.

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que estamos perante liquidações de IRS atinentes ao ano de 2008.

Como tal, a redação do CIRC a aplicar, ex vi art.º 32.º do Código do IRS (CIRS), no tocante aos pressupostos de aceitação de custos, é a vigente em 2008 – o que implica, desde logo, que não seja de chamar à colação o art.º 23.º-A do mesmo código, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro. Nessa sequência, toda a análise será feita considerando a redação do art.º 23.º do CIRC vigente à data, e não o alegado pela Recorrente quanto ao ulterior art.º 23.º-A.

Assim, em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que, desde logo, atentar no referido art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente” (5).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal (6).

Como referido por António Moura Portugal (7), “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis” (8).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal) (9), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Revertendo ao caso dos autos, temos que:

a) Foram emitidas duas faturas pela S.........;

b) A fatura n.º 8003 tinha como descritivo “prestação de serviços jurídicos e elaboração de minutas durante o exercício de 2008” e a fatura n.º 8004 “prestação de serviços jurídicos de aconselhamento jurídico e angariação de clientes”;

c) A S........., não obstante registar volume de negócios atinente a serviços com intervenção humana (aconselhamento jurídico e elaboração de minutas), não tinha quaisquer custos com pessoal, não tendo declarado quaisquer remunerações seja a trabalhadores por conta própria ou a trabalhadores independentes, sendo que as faturas em causa foram os únicos proveitos obtidos;

d) A Recorrente, por referência ao exercício em causa, era titular de participação equivalente a 70% do capital social da S......... (sendo irrelevante ocorrências ulteriores alegadas pela Recorrente), como resulta dos elementos registrais.

Na correção relativa a estas duas faturas, temos dois aspetos considerados:

a) Um, referente a parte de uma delas respeitar a despesas ilícitas;

b) O outro, atinente a ambas, concernente à consideração, por parte da AT, de que existem indícios de que as mesmas não respeitam a serviços efetivamente prestados (vulgo, faturas falsas).

Em relação ao primeiro aspeto, carece de razão a Recorrente.

Com efeito, nos termos do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC, na redação então vigente, “[n]ão são aceites como custos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação”.

Um ato ilícito é um ato contrário ao direito, valorado negativamente pela ordem jurídica, podendo, a este respeito, estar-se, por exemplo, perante ilicitude penal ou perante ilicitude disciplinar.

Não é posto em causa que o que a fatura 8004 titulava em parte era uma alegada prestação de serviços de angariação de clientes.

Nos termos do Estatuto do Notariado (DL n.º 26/2004, de 4 de fevereiro), na redação à época, é dever dos notários o de “[n]ão solicitar ou angariar clientes, por si ou por interposta pessoa” [cfr. art.º 23.º, n.º 1, alínea l)], cuja violação configura infração disciplinar (cfr. art.º 61.º).

Ao contrário do que defende a Recorrente, o CIRC não exclui apenas os atos passíveis de ser considerados ilícitos penais, como resulta do teor do n.º 2 do art.º 23.º, no qual os ilícitos penais surgem a título exemplificativo, o que se extrai do advérbio “designadamente”. A interpretação restritiva defendida pela Recorrente não tem sustentação na letra da lei.

Bem se compreende esta opção do legislador, porquanto refletiria mesmo um entendimento antitético a um Estado de Direito a admissibilidade, enquanto custo ou gasto, de despesas que expressamente a lei considera que configuram, de alguma forma, despesas ilícitas.

Assim, as despesas ilícitas não são aceites como custos para efeitos de IRC, independentemente de estarmos perante um ilícito penal ou de outra natureza.

Foi este o entendimento que o Tribunal a quo explanou [nunca havendo qualquer referência ao art.º 2.º-A, n.º 1, al. d), do Estatuto do Notariado, mas sim ao mencionado art.º 23.º], com o qual concordamos, não assistindo razão à Recorrente nesta parte.

Quanto à segunda vertente da correção, a mesma respeita ao facto de a AT ter considerado, globalmente, existirem fundados indícios de que as faturas em causa não titulavam efetivos serviços prestados.

A Recorrente insurge-se, considerando que nunca foi demonstrada pela AT qualquer simulação nem que os serviços não foram prestados.

Vejamos, então.

Nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (10). Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Naturalmente que, na sua atuação, a AT deverá atentar às exigências de fundamentação do ato tributário.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (11), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Como tal, há que verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada (fundamentadamente) a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa, legitimando a desconsideração dos custos, por não se enquadrarem no âmbito do art.º 23.º do CIRC.

Considerando este enquadramento, adiantamos que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, desde logo, tudo o invocado no sentido de que cabia à AT a demonstração da efetiva simulação e de que os serviços não foram prestados carece de sustentação. Como já referimos, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando a AT reúna indícios fundados de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem à realidade. Reunidos tais indícios, cabe ao administrado provar a efetividade das operações.

Entendemos, por outro lado, que tais indícios recolhidos pela AT são suficientes.

Esta apreciação é sempre casuística e depende das próprias caraterísticas concretas do caso. O que é certo é que estamos perante a emissão de faturas por parte de uma sociedade, com a qual, aliás, a Recorrente tinha uma relação próxima (nunca tendo sido valorado o facto de ter chegado a ser sua presidente do conselho de administração, ainda que tenha renunciado ao cargo em 2007, como alega, sendo certo que, como resulta dos elementos anexos do RIT, ainda em 2008 celebrou escrituras em representação de tal sociedade – cfr. Anexo 3 junto ao RIT), sendo titular da maioria do seu capital social (o que é referido no RIT e nunca foi posto em causa em sede de petição inicial, momento oportuno para o efeito), sociedade essa que não espelhava qualquer estrutura, nomeadamente ao nível de pessoal (quer trabalhadores dependentes, quer independentes), quando os serviços referidos nas faturas em causa eram serviços que implicavam intervenção de profissionais especializados.

A própria Recorrente, mesmo em sede de procedimento inspetivo, tendo sido questionada sobre a situação, limitou-se a referir que as prestações foram feitas. A emitente das faturas, na mesma sede, limitou-se a afirmar que as prestações foram feitas e a alegar que o ónus da prova cabia à AT, referindo-se a duas pessoas como prestadores de serviços, o que está em completa contradição com o facto de não haver qualquer registo de pagamentos a prestadores de serviços. Consideramos, pois, que, no concreto caso, a AT logrou carrear indícios suficientes de que as prestações tituladas pelas faturas não corresponderam a transações reais efetuadas pela respetiva emitente – o que se encontra espelhado, em termos de fundamentação, no RIT, em cumprimento das exigências constitucional e legalmente impostas a esse respeito.

Refira-se que não houve qualquer violação do princípio do inquisitório, por parte da AT, inerente ao art.º 6.º do RCPIT e ao art.º 58.º da LGT, porquanto esta fez todas as diligências que lhe cabia fazer, quer junto da Recorrente, quer junto da emitente das faturas, para concluir pela existência dos mencionados indícios, invertendo-se o ónus da prova nos termos que já referimos. O princípio do inquisitório não pode ser interpretado de forma a subverter as regras do ónus da prova.

Nestas situações, como já mencionado, o ónus da prova cabe ao administrado, sendo que, atenta a prova produzida, da mesma não resulta a efetividade das operações tituladas pelas faturas. A prova aqui exigida é não só a prova de que os serviços foram prestados, mas que os mesmos o foram pela emitente das faturas, diretamente ou por recurso a terceiros. E tal prova não sucedeu, sendo que tudo o alegado pela Recorrente a esse respeito não encontra respaldo na decisão proferida sobre a matéria de facto, não impugnada.

Não há que apelar, nesta situação, ao disposto no art.º 100.º do CPPT, porquanto a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário não se confunde com inércia probatória do administrado/impugnante, que é o caso dos autos.

Como tal, nesta parte, não assiste razão à Recorrente.

IV.B. Do erro de julgamento, quanto à fatura emitida pela B......... – Engenharia e ………… Lda

No tocante à fatura emitida pela B......... e respetivos custos de câmbio, entende a Recorrente ser de estender o alegado a propósito das faturas emitidas pela S..........

Vejamos.

Está em causa um custo atinente a fatura emitida pela B........., respeitante a angariação de clientes nos mercados de Angola e Lobito, que a AT considerou serem de desconsiderar, por se tratar de despesas ilícitas. É este o único fundamento constante do RIT, sendo só, pois, em parte coincidente a fundamentação relativa às faturas emitidas pela S..........

Neste caso, como já referido a propósito da fatura n.º 8004 emitida pela S........., estamos perante fatura (e custos de câmbio associados) atinente a angariação de clientes, o que não vem posto em causa.

Nos termos já explanados no ponto IV.A. supra, para onde se remete, a dedutibilidade de tais despesas é afastada pelo então art.º 23.º, n.º 2, do CIRC.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV.C. Do erro de julgamento, em virtude de a AT não ter lançado mão de métodos indiretos

Considera, por outro lado, a Recorrente que a AT, ao desconsiderar a contabilidade da Impugnante e respetiva presunção de veracidade, ficava obrigada a lançar mão de métodos indiretos de determinação da matéria coletável.

Vejamos.

A aplicação de métodos indiretos de fixação da matéria tributável é subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas (12).

Apelando às palavras de Casalta Nabais (13), “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas ou manifestos desfasamentos entre o valor real e o valor de mercado, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação (14).

Assim, nos termos do art.º 87.º da LGT (redação à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível lançar mão de métodos presuntivos de determinação da matéria tributável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP (15) [segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”].

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização.

Portanto, e em suma, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta (16). Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como não é posto em causa pela Recorrente, não obstante ter havido um afastamento da presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante, estavam expressamente mensuradas e identificadas as situações que levaram a tal afastamento.

Aliás, no caso das faturas 8003 e 8004 emitidas pela S........., rigorosamente a contabilidade estava formalmente correta, sendo, sim, posta em causa a sua adesão à realidade.

Não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Ou seja, neste caso estava claramente identificado e quantificado o valor suscetível de ser corrigido.

Logo, in casu, não se verifica qualquer motivo que sustentasse a necessidade de recurso a métodos indiretos, carecendo de razão a Recorrente.

IV.D. Do erro de julgamento, no que respeita aos custos com ofertas

Entende, por outro lado, a Recorrente que se verifica erro de julgamento no tocante aos custos com ofertas, dado que explicou de que forma as ofertas eram feitas e respetivos destinatários, sendo um custo dedutível.

Como já referimos supra, no ponto IV.A., para onde se remete, o então art.º 23.º do CIRC previa que eram custos fiscais os que fossem considerados imprescindíveis para a manutenção da fonte produtora.

Quando a AT, de forma sustentada, ponha em causa essa indispensabilidade, cabe ao administrado o ónus da prova da mesma.

No caso, estamos perante custos com joias, vestuário, perfumes e outros de idêntica natureza, em relação aos quais a AT notificou a Impugnante para explanar a tal indispensabilidade, o que não foi feito, na medida em que a Impugnante se limitou a referir que era prática do setor proceder a ofertas aos clientes.

Ora, sendo certo que podem ser consideradas custos abrangidos pelo art.º 23.º do CIRC as ofertas a clientes, é relevante sublinhar que estamos, in casu, perante produtos, prima facie, com uma forte componente de utilização pessoal e que conduz a dúvidas sobre a indispensabilidade dos custos aos mesmos referentes.

Essas dúvidas não foram sanadas pela Recorrente, como decorre da decisão proferida sobre a matéria de facto, que, como já referido, não foi efetivamente impugnada, desconhecendo-se, aliás, ao contrário do que refere a Recorrente, quem foram os destinatários de tais ofertas. Ou seja, nada foi provado e nem sequer alegado que permita a aferição da indispensabilidade dos custos em causa para a manutenção da força produtora.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

IV.E. Do erro de julgamento, quanto à regularidade das faturas

Considera, ademais, a Recorrente que as irregularidades com as faturas reportadas pela AT não têm as consequências extraídas, dado que, em sede de imposto sobre o rendimento, as exigências documentais são inferiores às exigências para efeitos de IVA e estão cumpridas.

Está em causa a correção relativa a encargos não devidamente documentados, mencionados de T) a Y) da matéria de facto provada.

Como já referido supra, no ponto IV.A., para onde se remete em termos de enquadramento, a admissibilidade de um custo fiscal pressupõe que o mesmo esteja comprovado.

Não é posto em causa pela Recorrente o decidido quanto à falta de reunião dos requisitos das faturas exigidos pelo art.º 36.º do Código do IVA. É, sim, posta em causa a suficiência da prova produzida.

Ora, é certo que, como refere a Recorrente, em termos de imposto sobre o rendimento, é admissível a prova, documental ou testemunhal, que permita concluir pela efetiva existência dos custos em causa, como já referimos supra.

In casu, as situações que a AT considerou insuficientemente documentadas [cfr. ponto i)-3 do RIT e respetivo Anexo 3, nas folhas indicadas no relatório] respeitam a:

a) 12 documentos particulares, no valor individual de 10,00 Eur., referindo ser atinente a contribuição para vigilância, com a assinatura Manuel …………….;

b) Documento interno, no valor de 25,00 Eur., com descrição gratificação carteiro;

c) Um registo de 7,50 Eur., a título de xerox;

d) Uma fatura de 16,50 Eur., emitida pela conservatória do registo civil de Lisboa, indicando-se o nome de requerente G …………...

Com efeito, como referido pelo Tribunal a quo, todos os documentos apresentados apresentam-se deficitários, ou por nem serem faturas, como é o caso do documento interno e, bem assim, os documentos relativos ao vigilante, que nem permitem identificar com segurança quem é o vigilante, ou por não permitirem sequer perceber que serviço está subjacente, como é o caso da fatura de 16,50 Eur. Ademais, a situação no valor de 7,50 Eur. não está de todo documentada.

Ora, nestes casos, as insuficiências da documentação de suporte impedem que se consiga sequer aferir da indispensabilidade do custo.

Podia e devia, nestes casos, a Recorrente ter demonstrado, por qualquer meio de prova, a efetividade e indispensabilidade do custo, o que não fez – não tendo, como já referimos, impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, limitando-se a mencionar a existência de prova testemunhal, mas não lançando mão do expediente previsto no art.º 640.º do CPC, nos termos que já explanamos supra.

Como tal, as insuficiências da documentação de suporte aos custos não foram supridas por qualquer prova produzida pela Recorrente.

Assim sendo, não lhe assiste igualmente razão nesta parte.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Não se admitir o documento junto pela Impugnante, determinando-se o respetivo desentranhamento e devolução à Recorrente;

b) Custas do incidente pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;

c) Negar provimento ao recurso;

d) Custas pela Recorrente;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de setembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242.
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786.
(3) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(4) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(5) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
(6) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
(7) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
(8) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
(9) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
(10)Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).
(11) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
(12) Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
(13) Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 389.
(14) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
(15) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
(16) V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, ob. cit., pp. 867 e 888.