Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 817/17.7 BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | IRS MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO EFEITO SUSPENSIVO JUROS COMPENSATÓRIOS |
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Sumário: | I. Estando sedimentado na ordem jurídica o ato de fixação da matéria tributável, efetuado ao abrigo do disposto no art.º 89.º-A da LGT, não pode o contribuinte, em reação à liquidação que daquele primeiro ato resulte, invocar vícios que redundem na apreciação dos pressupostos daquele ato de fixação.
II. Na impugnação das liquidações referidas em I., podem ser invocados outros vícios, designadamente vícios de falta de fundamentação e erro sobre os pressupostos da liquidação de juros compensatórios. III. Por determinação legal, os rendimentos apurados no âmbito do procedimento previsto no art.º 89.º-A da LGT são enquadrados na categoria G de IRS. IV. O n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso ali previsto, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até ao trânsito em julgado da decisão, com os consequentes efeitos em termos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação [art.º 46.º, n.º 2, al. a), da LGT]. V. A liquidação de juros compensatórios tem subjacente a existência de uma conduta censurável do sujeito passivo, a título de dolo ou negligência. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I. RELATÓRIO N. A., por si e na qualidade de representante fiscal de A. R. (doravante Recorrentes ou Impugnantes), veio recorrer da sentença proferida a 24.05.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2012. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “a) O recorrente A. R., não auferiu rendimentos [incrementos patrimoniais]enquadráveis na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS, nem na parte 5 do quadro a que se refere o nº 4 do art.º 89ºA da LGT, pois, o que se está a tributar é apenas o dinheiro depositado em contas bancárias, que não são suprimentos [articulados 4º a 11º]; b)Verifica-se a caducidade do direito à liquidação [articulados 12º e 13º]; c)A liquidação tributou por imposto relativo a tributações autónomas, uma coisa que não é, e nem sequer seria uma tributação a taxas especiais [articulado 14º]; d)Os juros compensatórios: 1.Não foram objeto de direito de audição [articulado 16º]; 2.Não foram comunicados os elementos essenciais estabelecidos no nº 9 do artigo 35º da LGT [articulado 17º]; 3.Não foi fundamentada a culpa do aqui recorrente [RIT]; 4.Não consta da declaração m/3 de IRS a obrigação de declarar os incrementos patrimoniais relativos a valores depositados em contas bancárias, razão pela qual não lhe poderia ser imputável qualquer culpa; e)O apuramento de matéria coletável pelo método indireto, não era aplicável a A. R., por que é residente no estrangeiro [articulado 18º]; f)O recurso da decisão por métodos indiretos, não faz caso julgado para a questão da residência, e isso não foi decidido; g)A inconstitucionalidade da alínea b) do nº 4 e 5 do artigo 64º da LGT é uma inconstitucionalidade orgânica, o que torna a liquidação ilegal [articulados 9º e 20º]; h)Deverá, pois, ser apreciado o pedido na sua totalidade, e; Do pedido: Ser anulada a sentença recorrida, por erro de julgamento e ilegalidades descritas, e em consequência, seja proferido acórdão que anule a liquidação eivada de vício, que se encontra impugnada. Pede Deferimento”. A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro de julgamento, na medida em que o Recorrente não efetuou suprimentos de valor superior ao rendimento declarado, estando fora da aplicação do n.º 4 do art.º 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT) e, bem assim, fora do âmbito do n.º 1 da mesma disposição legal, devendo a determinação do valor apurado ser apreciada, bem como os seus pressupostos objetivos e subjetivos? b) Há erro de julgamento, na medida em que há erro na qualificação dos rendimentos? c) Verifica-se erro de julgamento, quanto à caducidade do direito à liquidação? d) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que a liquidação de juros compensatórios padece de vícios? e) Há erro de julgamento, dada a inconstitucionalidade orgânica de normas atinentes ao levantamento do sigilo bancário?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1) No dia 19 de abril de 2013, N. A. e A. R., ora impugnantes, apresentaram uma declaração de rendimentos de IRS, relativa ao ano de 2012, a que coube o n.º 2070 - J0713 - 41, indicando que o impugnante auferiu um total de € 24.907,00, a título de rendimentos da “ categoria A ” pagos pela entidade patronal “M. B. C., LDA.” e a impugnante auferiu um total de € 8.476,48, de rendimentos da categoria A, pagos pela “M. B, C., LDA.” e pela “F. U., LDA.” – facto não controvertido e cfr. informação constante do documento de fls. 88 do processo administrativo (“PA”); 2) No dia 17 de dezembro de 2013, os impugnantes apresentaram uma segunda declaração de rendimentos de IRS (declaração de substituição), relativa ao mesmo ano de 2012, em que alteraram os rendimentos declarados, acrescentando o “ANEXO J” onde declararam o montante de € 495.305,28 relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro , daqui resultando uma alteração ao rendimento coletável , que passou a ser de € 518.866,60 – facto não controvertido cfr. documento de fls. 42 do suporte físico dos autos e informação de fls , 89 do PA ; 3) Os impugnantes foram objeto de um procedimento inspetivo externo, credenciado pela Ordem de Serviço OI201500576, de âmbito parcial, incindindo sobre o IRS do ano de 2012 – cfr. documento de fls. 40 a 42 do suporte físico dos autos e documento de fls. 88 do processo PA; 4) A ação de inspeção tributária iniciou-se no dia 13 de abril de 2015 – cfr. documento de fls. 42 do suporte físico dos autos; 5) A ação inspetiva referida em 3) foi motivada pelo facto de se ter detetado uma alteração significativa entre os valores inicialmente declarados na primeira declaração modelo 3 do IRS entregue para o ano de 2012 e a segunda declaração (declaração de substituição) – cfr. documento de fls. 42 do suporte físico dos autos e informação constante de documento de fls. 88 do PA ; 6) Atenta a divergência significativa de valores declarados na primeira e segunda (declaração de substituição) declarações de rendimentos de IRS, com referência ao ano de 2012, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a derrogação do sigilo bancário relativamente ao impugnante A. R. – cfr. documento de fls. 44 do suporte físico dos autos e informação constante de fls. 89 do PA; 7) A Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou, através de decisão datada de 21 de maio de 2015, o acesso aos documentos bancários existentes nas instituições bancárias, relativos a todas as contas tituladas pelo impugnante A. R. – cfr. informação constante do documento de fls. 44 do suporte físico dos autos; 8) Na sequência da decisão referida na alínea precedente, os Serviços de Inspeção Tributária analisaram os extratos bancários das contas tituladas pelo impugnante e constataram que o valor total da entrada de fluxos financeiros ascendeu a € 3.246.025,20 – cfr. informação constante de fls 44 do suporte físico dos autos; 9) Os Serviços de Inspeção Tributária notificaram o mandatário dos impugnantes para justificar cada um dos movimentos a crédito nas contas bancárias analisadas, tendo concluído que “os valores depositados nas suas contas bancárias são muito superiores aos valores declarados, não tendo sido oferecida nenhuma explicação demonstrativa de que estes depósitos e transferências não constituem rendimento s a tributar ” – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 44 a 46 do suporte físico dos autos; 10) Os Serviços de Inspeção Tributária recorreram a métodos indiretos para a determinação da matéria coletável dos impugnantes, em sede de IRS, com referência ao ano de 2012, com base nos seguintes argumentos: “(...) Ora, um dos pressupostos para a realização de uma avaliação indireta assenta na: “Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100.000,00 verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (conforme alínea f) do artigo 87.º da LGT). Primeiramente, no que concerne a esta divergência não justificada com os rendimentos declarados, há que distinguir entre a primeira declaração de rendimentos de 2012 submetida em 2013.04.25, onde figurava um rendimento coletável de € 25.175,48 e a segunda declaração, submetida em 2013.12.17, onde esse rendimento coletável ascendeu a € 518.866,60, um valor 20 vezes superior ao previamente declarado. Foram depositados ou transferidos para as contas à ordem do S.P. A. o valor de € 3.246.025,20 , no ano de 20 1 2 , quando o rendimento declarado em termos líquidos (considerando a segunda declaração) foi de € 518.866,60, sem que tivessem sido indicadas outras fontes de rendimentos que permitissem demonstrar a que se deviam as transferências e os depósitos efetuados nas suas contas , tendo somente justificado que o valor de € 113.482,94 não eram rendimentos seus. Assim, não restam dúvidas que esta divergência não é justificada com os rendimentos declarados, quer a primeira, quer na segunda declaração de rendimentos. O valor apurado resulta de um procedimento de derrogação do sigilo bancário, como prescreve o n.º 11 do artigo 89.º - A do mesmo diploma legal (...) É este valor que tem de ser considerado como rendimento de Categoria G, tal como é enunciado pela alínea d) do artigo 9.º do Código do IRS, em consonância com a alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º - A do mesmo diploma legal (...) Finalmente, salienta-se que estes rendimentos deverão ser tributados à taxa especial prevista no n.º 11 do artigo 72.º do CIRS: “Os acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, de valor superior a (euro) 100.000,00 são tributados à taxa especial de 60%”. Face ao exposto estão reunidos os pressupostos e verificados os requisitos que pautam o recurso a avaliação indireta da matéria coletável, não tendo, de todo o modo, sido cumprido o ónus que cabia aos sujeitos passivos, em conformidade com o postulado no n.º 3 do artigo 74.º da LGT (...)” - cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária, de fls. 46 do suporte físico dos autos; 11) A impugnante, por si e como representante fiscal do impugnante, interpôs recurso da decisão de derrogação do dever do sigilo bancário, num processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria sob o n.º 1039/15.7 BELRA – cfr. informação constante de fls. 91 do PA; 12) Através do ofício n.º 5503, de 5 de outubro de 2015, os impugnantes foram notificados da prorrogação da ação de inspeção tributária (credenciada pela Ordem de Serviço OI201500576) por mais três meses, “a contar do dia 13 de outubro de 2015, estando a conclusão da mesma prevista para o dia 13 de janeiro de 2016” – cfr. documento 10 junto com a p.i., de fls. 21 do suporte físico dos autos; 13) O recurso referido em 11) correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sob o n.º 1039/15.7BELRA, no qual foi proferida sentença, no dia 17 de outubro de 2015 (e que transitou em julgado), que julgou verificada a exceção perentória da caducidade do direito de ação, absolvendo a recorrida do pedido – facto não controvertido e cfr. informação constante do processo n.º 1039/15.7BELRA, disponível para consulta na plataforma SITAF; 14) No âmbito do levantamento do sigilo bancário do impugnante A. R., os Serviços de Inspeção Tributária constataram a existência de entradas de dinheiro no montante de € 3.246.025,20, quando na declaração de rendimentos apresentada foi inscrito o valor de € 518.866,60 e justificados € 736.772,09, encontrando-se por justificar a quantia de € 2.509.253,11 – cfr. informação do relatório de inspeção tributária constante de fls. 48 a 53 do suporte físico dos autos ; 15) A ação de inspeção tributária (credenciada pela Ordem de Serviço OI201500576) ficou concluída no dia 18 de novembro de 2015 – cfr. documento 11 junto com a p.i., de fls. 22 do suporte físico dos autos; 16) No dia 6 de janeiro de 2016, o Diretor de Finanças de Santarém proferiu despacho determinando a fixação da matéria coletável do IRS, do ano de 2012, com recurso a avaliação indireta – cfr. documento de fls. 40 do suporte físico dos autos; 17) No dia 8 de janeiro de 2016, através do ofício n.º 105, de 6 de janeiro de 2016, os impugnantes foram notificados do relatório final de inspeção tributária do qual resultou uma correção à matéria tributável, com recurso a métodos indiretos, com referência ao IRS de 2012, no montante de € 2.509.253,11 – cfr. documento de fls. 39 do suporte físico dos autos e documento de fls. 37 a 80 do PA; 18) Na sequência da notificação do relatório final da inspeção tributária, no dia 18 de janeiro de 2016, a impugnante N. M., por si e na qualidade de representante fiscal de A. J., deduziu recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, do despacho do Diretor de Finanças de Santarém que determinou a fixação de rendimentos por avaliação indireta, tendo corrido termos sob o n.º 74/16.2BELRA – cfr. informação constante de fls. 32 e 90 do PA; 19) Por sentença datada de 11 de março de 2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente o recurso referido em 18 ) – cfr. informação constante de fls. 32 e 90 do PA; 20) A impugnante interpôs recurso da sentença referida em 19), o qual foi julgado totalmente improcedente, por acórdão do TCA Sul, proferido no dia 10.11.2016, no âmbito do processo 09882/16 – cfr. informação constante de fls. 32 e 90 do PA; 21) No dia 17 de março de 2017, com base nas correções efetuadas no relatório final de inspeção tributária, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2017 5000037925, referente ao ano de 2012, resultando num valor a pagar de € 1.865.341,98, nos seguintes termos: Imagem: original nos autos - cfr. documento 1 junto com a p.i., de fls. 17 do suporte físico dos autos; 22) No dia 13 de abril de 2017, a Administração Tributária emitiu “Demonstração de Acerto de Contas”, com o n.º de compensação 2017 00005576685, de onde resultou um saldo apurado de € 1.660.295,02, nos seguintes termos: Imagem: original nos autos - cfr. documento 2 junto com a p.i., de fls. 18 do suporte físico dos autos; 23) A liquidação de IRS relativa ao ano de 2012, foi enviada aos impugnantes por carta registada de 20 de abril de 2017, indicando como data limite de pagamento voluntário o dia 24 de maio de 2017 – facto não controvertido e cfr. informação constante de fls 92 do PA e documentos de fls. 17 e 18 do suporte físico dos autos”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes dos autos e do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade da parte do Tribunal. A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem de qualquer reparo pelas partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, aplicando-se aqui o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”. O tribunal analisou, ainda, o depoimento das testemunhas J. R. (motorista de táxis, que conhece os impugnantes há 20 anos), V. F. (técnica oficial de contas que trabalha nas empresas dos impugnantes, desde 2011) e P. R. (engenheiro civil, funcionário da empresa dos impugnantes desde 2003 até à presente data, com exceção dos anos de 2014 a 2016), prestado em sede de audiência contraditória de inquirição de testemunhas, bem como a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados . As testemunhas inquiridas depuseram com isenção, de modo objetivo, coerente, fluído, claro, circunstanciado e com conhecimento direto dos factos sobre que depuseram. No entanto, estes depoimentos não assumiram grande interesse para decisão de mérito da causa , uma vez que se prenderam essencialmente com as viagens, negócios e permanência do impugnante em Angola, o que, conforme se verá adiante, em nada contende com vícios alegados pelos impugnantes, suscetíveis de serem conhecidos e apreciados na presente impugnação. Por razões de economia processual e evitando repetir a descrição dos factos vertidos em cada um dos depoimento s das três testemunhas inquiridas, por eles se mostrarem consentâneos e sem quaisquer divergências/discrepâncias, vejamos o que dos mesmos foi possível extrair. A testemunha J. R. afirmou que o impugnante começou a fazer prospeção de negócio em Angola, a partir do ano de 2008, e deslocou-se para aquele país, fixando-se lá , em 2010, onde passou a residir. Por seu turno, a testemunha V. F. afirmou que conheceu o impugnante em 2011, ano em que foi admitida na empresa M. B. C., Lda., na qualidade de técnica oficial de contas. À semelhança do depoimento da testemunha anterior, também confirmou que o impugnante, desde 2010, tem a sua vida estabelecida em Angola e que a declaração de substituição de IRS foi por si preenchida e entregue pelos impugnantes, por sua indicação. Nela integrou o “Anexo J”, que não figurava na anterior declaração de rendimentos, para declarar os rendimentos auferidos pelo impugnante em Angola, tendo sido mantidos todos os outros anexos. Por fim, P. R. também confirmou que o impugnante se estabeleceu em Angola, em 2010, após dois anos marcados por sucessivas viagens àquele país. Atentas as considerações acima expendidas, os depoimentos das testemunhas inquiridas não foram valorados na fixação do elenco dos factos provados, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova, por que os factos sobre que incidiram não eram relevantes para a decisão de mérito (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT) , conforme infra se verá”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Antes de mais, sublinhe-se que as primeiras 123 páginas das alegações de recurso consubstanciam-se na transcrição de uma petição inicial, absolutamente alheia aos presentes autos, pelo que nada há a referir a esse respeito.
III.A. Do erro sobre os pressupostos, relativamente aos rendimentos da categoria G Consideram os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o Recorrente não efetuou suprimentos de valor superior ao rendimento declarado, estando fora da aplicação do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT e, bem assim, fora do âmbito do n.º 1 da mesma disposição legal, entendendo que a determinação do valor apurado e os seus pressupostos objetivos e subjetivos podem ser apreciados. A este respeito, o Tribunal a quo sustentou o seu entendimento no facto de a alegada violação ter sido apreciada no âmbito dos autos n.º 74/16.2BELRA, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT, não podendo, nesse sentido, conhecer da falta de pressupostos alegada. Vejamos então. Nos termos do art.º 81.º da LGT, a avaliação da matéria tributável efetuada pela administração tributária (AT) pode ser feita direta ou indiretamente, sendo certo que a avaliação indireta tem caráter subsidiário da avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, do mesmo diploma) e apenas pode ser feita nos casos e condições expressamente previstos na lei. Bem se compreende esta opção legislador, reflexo do respeito pelo princípio da capacidade contributiva, princípio esse basilar do nosso ordenamento jurídico-tributário e com assento na Lei Fundamental (cfr. art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - CRP). Nos termos do art.º 87.º da LGT: “1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: (…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; (…) d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A; (…) f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. 2 - No caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do número anterior, a avaliação indireta deve ser efetuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A”. Consagrou, pois, o legislador o recurso à avaliação indireta nas situações em que a capacidade declarada (ou mesmo completamente não declarada) difere, considerando os limites legalmente previstos, da capacidade manifestada, configurando-se, assim, como situações de manifestações de fortuna e de acréscimos patrimoniais ou despesas efetuadas não justificados. Neste caso, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, consagrada no art.º 75.º, n.º 1, da LGT, considerando que as manifestações de fortuna refletem níveis de rendimento desproporcionados face aos rendimentos declarados. O regime concreto da avaliação indireta da matéria tributável em situações de manifestações de fortuna ou outros acréscimos patrimoniais não justificados está previsto no art.º 89.º-A da LGT, nos termos do qual: “1 - Há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela. (…) 3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada. 4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte: 5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º: a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação; b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada; c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado; d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos. (…) 11 - A avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos.” Reunidos, pois, os pressupostos elencados no art.º 89.º-A da LGT, lido em consonância com o art.º 87.º, n.º 1, als. d) e/ou f), do mesmo diploma, considerados pelo legislador como manifestação de fortuna ou acréscimo patrimonial não justificado, cabe à AT despoletar um procedimento, sendo possível no seu âmbito ou a regularização da situação ou o esclarecimento da natureza dos valores em causa. Caso não se verifique nenhuma das situações mencionadas, procederá a AT à avaliação indireta, atentos os elementos de que disponha. Naturalmente que estando nós no âmbito de aplicação de presunções, há sempre alguma compressão do princípio da tributação pelo rendimento real, que, aliás, a própria CRP admite (cfr. art.º 104.º da CRP). O rendimento que se venha a apurar, por recurso a este método, é enquadrável na categoria G do IRS (incrementos patrimoniais), como decorre do art.º 9.º, n.º 1, al. d), do Código do IRS (CIRS). A decisão de avaliação da matéria tributável neste contexto é autonomamente impugnável, como resulta expressamente do n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT, através de recurso dirigido ao tribunal tributário competente, com efeito suspensivo, recurso esse com caráter de urgência. Não se lançando mão deste meio processual, forma-se, quanto aos pressupostos de avaliação indireta, caso decidido ou caso resolvido. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. In casu, os Impugnantes foram objeto de ação inspetiva externa, no âmbito da qual houve uma fase correspondente a derrogação do sigilo bancário e, a final, se calculou a matéria coletável com base em métodos indiretos, fruto da aplicação do disposto no art.º 89.º-A da LGT, tendo, a 06.01.2016, sido proferido o despacho determinando a fixação da matéria coletável. Esta decisão foi objeto de recurso, que deu origem ao processo n.º 74/16.2BELRA, tendo, em 1.ª instância, sido indeferida a pretensão dos ora Recorrentes, decisão que foi confirmada neste TCAS, em Acórdão de 10.11.2016. Ora, foi nesse contexto que foram apreciados os pressupostos de avaliação de fixação da matéria coletável postos em causa pelos Recorrentes, pois era esse o momento e a forma oportuna para a sua apreciação. Tendo sido indeferida a sua pretensão em tal sede, sedimentou-se definitivamente o ato de fixação da matéria tributável em todos os seus pressupostos (subjetivos e objetivos), não podendo vir, ulteriormente, em sede de impugnação do ato de liquidação, novamente colocar em causa esses mesmos pressupostos. Pode, é certo, alegar outros vícios, que não estejam relacionados com este ato de fixação, mas, repetimos, os pressupostos, subjetivos (onde se inclui a questão da residência do Impugnante) e objetivos, deste ato de avaliação estão definitivamente sedimentados. Como tal, não assiste razão aos Recorrentes.
III.B. Do erro de julgamento, quanto à qualificação dos rendimentos Considera, por outro lado, o Recorrente que não auferiu rendimentos [incrementos patrimoniais enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 9.º do CIRS, nem na parte 5 do quadro a que se refere o n.º 4 do art.º 89.ºA da LGT], pois o que se está a tributar é apenas o dinheiro depositado em contas bancárias, que não são suprimentos. Como já referido, sedimentada que esteja a decisão de fixação da matéria coletável, o rendimento tributável apurado enquadra-se na categoria G, ope legis – cfr. art.º 89.º-A, n.º 5, al. a) e art.º 9.º, n.º 1, al. d), n.º 3 e n.º 4 do CIRS. Pelo que, nos termos já explanados supra, o que é pretendido pelos Recorrentes é uma nova apreciação da decisão proferida ao abrigo do art.º 89.º-A da LGT, decisão essa que foi apreciada e decidida no âmbito do processo 76/17.2BELRA. Como se refere no Acórdão deste TCAS, de 10.11.2016 (Processo: 09882/16), ali proferido: “Vem ainda a Recorrente nesta instância recursiva, alegar e concluir, sem impugnar a matéria de facto fixada, pela revogação da sentença por erro de julgamento por entender que o artigo 89º -A não tem aplicação ao caso concreto e nunca deveria ter sido autorizada a avaliação indirecta. Diz que interpretando a norma se verifica que, não está em causa qualquer: Acréscimo de património, porquanto os rendimentos, e assim, os suprimentos não podem ser tributados, mais diz que não houve aumento de património por que não foram adquiridos bens imóveis, qualquer despesa, não foi feita aquisição ou qualquer liberalidade, não se verificam liberalidades, muito menos superior a € 100.000,00; (…) Ora, conforme consta do probatório, a Recorrente e A... apresentaram para o ano de 2012 uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, fazendo contar da mesma um rendimento colectável de 518.866,60€, sendo 495.305,28€, rendimentos obtidos no Estrangeiro. Levantado o sigilo bancário a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou entradas em dinheiro em 2012, no montante de 3.246.025,20€; No apuramento da matéria colectável foram atendidos 736.772,09 €, justificados pela aqui Recorrente e A..., encontrando-se por justificar a quantia de 2.509.253,11€. Considera por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira, que está em causa um acréscimo de património subsumível na alínea f) do artigo 87.º da LGT, enquadrando-se tal montante como rendimentos de categoria G, atento o disposto no n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT e alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS. (…) Tal como resulta do probatório a AT verificou no âmbito do levantamento do sigilo bancário de A... a existência de entradas de dinheiro no montante de 3.246.025,20€ quando, na declaração de rendimentos apresentada foi inscrito o valor de 518.866,60€, e justificados 736.772,09 €, encontrando-se por justificar a quantia de 2.509.253,11€. Tal valor por justificar determinou a aplicação do disposto no artigo 87.º n.º 1 al. f) da LGT e o recurso ao método indirecto de determinação da matéria tributável. A evidência de um acréscimo de património em medida superior a um terço dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período, permite concluir pela objectiva divergência não justificada, entre o património evidenciado e o rendimento declarado, pelo que tem fundamento legal a realização da avaliação indirecta da matéria colectável em IRS do ano de 2012, nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT. Perante tal cenário resta concluir que a AT procedeu conforme as supra mencionadas disposições legais. Importa agora saber se a Recorrente em representação legal do sujeito passivo A... conseguiu elidir a presunção em que se baseou a AT, ou seja, se demonstraram que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património verificado. Ora, vista a petição inicial, os elementos constantes do probatório, constata-se que a recorrente se limitou a fazer a sua interpretação do regime das manifestações de fortuna acima descrito, sem alegar e muito menos demonstrar o que lhe competia. As únicas referências que são feitas no probatório a elementos levados pelo sujeito passivo ao procedimento estão previstas nas alíneas E) e I). Os cheques e ordens de transferência bancárias em nome de A... que foram remetidos à Direcção de Finanças de ... e o exercício do direito de audição pedindo o arquivamento do procedimento. Os cheques e a lista de justificações foram devidamente analisadas pela AT que aceitou as justificações dadas, no entanto as mesmas apenas perfazem um total de €140.804,77 (…) Quanto ao exercício do direito de audição, compulsado o seu teor, verifica-se que do mesmo apenas constam afirmações de direito quanto à ilegalidade da avaliação de direito por falta de verificação dos fundamentos a que se refere a alínea f) do artigo 87º da LGT e a única alegação constante do articulado demonstrando a justificação dos valores em causa é a de que: “O Estado angolano não permite transferências normais de capitais (…) e, Portugal, por falta de segurança de avultados valores monetários, ainda nos aconselha o deposito em contas bancárias. Os trabalhadores e os outros operadores terão de utilizar todos os meios para que os seus valores adquiridos em território angolano sejam pelos seus familiares residentes no território” Ora, esta afirmação é demasiado vaga e insuficiente para demonstrar a origem do capital aqui em causa e fazer a devida correspondência. Nada mais consta dos autos. Cabia pois à Recorrente e ao seu representado, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, demonstrar cabalmente, não só através de uma alegação circunstanciada mas sobretudo documentada sobre a origem e o alegado destino das quantias pecuniárias existentes na sua conta bancária, ou seja, demonstrar o nexo causal entre a alegada fonte e o incremento patrimonial constatado pela AT. Efectivamente, como resulta do enquadramento acima efectuado deste regime de tributação e face aos elementos de prova carreados pela AT para o procedimento inspectivo, impunha-se que os Recorrentes apresentassem em Tribunal prova documental suficiente para contrariar a factualidade apurada, por forma a demonstrar que, afinal, fora outra a fonte das manifestações de fortuna e que o recorrente in casu não se encontrava obrigado a declará-las. Com[o] acima se deixou exposto, competia à Recorrente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, o ónus da prova de que os valores declarados são reais e que declararam todas as situações a que estavam legalmente vinculados, prova essa que não fizeram. Assim, e concluindo como na sentença, verifica-se por um lado que a AT enquadrou a situação em causa nestes autos, nos termos do n.º 5 do art.º 89.º-A e na alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º, ambos da LGT, resultante da divergência, muito superior a € 100.000,00, entre os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e o acréscimo de património evidenciado nas suas contas bancárias, divergência essa que não foi devidamente justificada e, em consequência, tem fundamento legal a realização da avaliação indirecta da matéria colectável em IRS do ano de 2011 do Recorrente nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT, improcedendo assim as alegações e conclusões de recurso”. Considerando, pois, esta decisão e, bem assim, a circunstância de o regime legal prever que os acréscimos patrimoniais em causa são tributados enquanto categoria G, carecem de razão os Recorrente.
III.C. Do erro de julgamento, quanto à caducidade do direito à liquidação Consideram, ademais, os Recorrentes que se verificou caducidade do direito à liquidação, dado que o efeito suspensivo da liquidação adveniente do recurso previsto no n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT não pode ser superior a 3 meses e não os 297 dias referidos na sentença. Vejamos. O direito de a AT liquidar impostos não pode ser exercido a todo o tempo, estando limitado pelo respetivo prazo de caducidade. Nos termos do art.º 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contado, no caso dos impostos periódicos, desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário. In casu, estamos perante IRS do ano de 2012, cujo prazo de caducidade se conta a partir de 31.12.2012. Assim, tal prazo, não ocorrendo quaisquer causas de suspensão, completar-se-ia quatro anos depois. Resulta, de relevante, provado que: a) A ação inspetiva se iniciou a 13.04.2015 e terminou a 18.11.2015; b) A 18.01.2016, foi objeto de recurso a decisão que determinou a avaliação da matéria coletável por métodos indiretos; c) Foi proferida sentença no mencionado processo a 11.03.2016; d) A referida sentença foi objeto de recurso, que veio a ser decidido por Acórdão deste TCAS de 10.11.2016; e) A liquidação foi emitida em março de 2017 e notificada em abril do mesmo ano. Ora, o n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT confere efeito suspensivo ao recurso em causa, implicando que, legalmente, a AT esteja impedida de liquidar o tributo até à resolução do pleito. Por outro lado, a alínea a) do n.º 2 do art.º 46.º da LGT prevê que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende “[e]m caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”. Trata-se, pois, do caso dos autos, sendo que entre 18.01.2016 e até ao trânsito do acórdão mencionado em 20), proferido a 10.11.2016, tal prazo esteve suspenso. Ora, considerando o exposto, o prazo de caducidade esteve suspenso durante cerca de 11 meses, motivo pelo qual a notificação da liquidação, efetuada em abril de 2017, foi-o dentro do prazo de caducidade. Com efeito, tal suspensão do prazo de caducidade mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão em causa e não apenas durante três meses, como defendido pelos Recorrentes. Na verdade, o art.º 146.º-D, n.º 2, do CPPT (aplicável, considerando o disposto no n.º 5 do art.º 146.º-B do CPPT) define que a decisão judicial (de primeira instância) deve ser proferida no prazo de três meses, prazo meramente ordenador e que não se confunde com a data do trânsito em julgado dessa mesma decisão, expressamente consagrada quer no art.º 89.º-A, n.º 7, quer na al. a) do n.º 2 do art.º 46.º, ambos da LGT. Face ao exposto, carecem de razão os Recorrentes.
III.D. Do erro de julgamento, relativamente aos juros compensatórios Consideram, por outro lado, os Recorrentes que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, uma vez que do relatório da inspeção tributária (RIT) nada consta a propósito dos juros compensatórios e da sua fundamentação e que nunca foi ouvida em matéria de juros compensatórios, ao arrepio do disposto no art.º 60.º da LGT. Vejamos. À data da emissão da liquidação em crise, os juros compensatórios estavam previstos, desde logo, no art.º 35.º da LGT. Assim, atenta esta disposição legal: “1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. 2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido. 3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação. (…) 5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou. 6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais. 7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão. 8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados. 9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. 10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”. A liquidação de juros compensatórios, como ato tributário que é, deve estar cabalmente fundamentada. Já quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos em geral, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Ainda que se admita que a fundamentação da liquidação dos juros compensatórios se limite ao mínimo (atendendo a que, sobretudo em relação ao elemento subjetivo, a mesma advém, em regra, de um procedimento inspetivo ou de fiscalização, onde, à partida, estará evidenciado tal elemento, por referência à situação de retardamento do imposto), essa mesma fundamentação tem, no entanto, de dotar o administrado de toda a informação pertinente para a sua cabal compreensão. Apliquemos os conceitos mencionados in casu. Antes de mais, refira-se que, na presente sede, a Recorrente imputa erro de julgamento ao Tribunal a quo, em matéria de juros compensatórios, considerando que: a) Foi violado o direito de audição; b) Não foram comunicados os elementos essenciais previstos no art.º 35.º, n.º 9, da LGT; c) Não foi fundamentada a culpa do Recorrente, que inexiste. Estamos, pois, perante três vícios, sendo que apenas a falta de preenchimento do pressuposto subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios foi suscitada no momento oportuno, ou seja, na petição inicial. Com efeito, em tal articulado, no que respeita aos juros compensatórios, é apenas posta em causa a falta de imputação ao contribuinte do retardamento na liquidação. Não tendo sido se não alegado este erro sobre os pressupostos quanto à componente subjetiva, o demais alegado consubstancia questão nova, que não é possível ser conhecida. Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que na presente instância foram efetivamente invocadas as já referidas questões novas, que, como já referimos, não foram oportunamente invocadas. Assim, sendo questões novas e não respeitando a questão que seja do conhecimento oficioso, as mesmas não podem ser aqui apreciadas, votando ao insucesso o alegado pelos Recorrentes a este propósito. Cumpre, pois, apreciar apenas o alegado quanto à falta de preenchimento do pressuposto subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios Quanto à culpa, como referido, a liquidação de juros compensatórios tem subjacente a existência de uma conduta censurável do sujeito passivo, a título de dolo ou negligência. A conduta censurável pode, portanto, sê-lo a título de mera negligência, o que remete desde logo para o critério da pessoa média (“bom pai de família”, na expressão legalmente adotada), previsto no art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil, que determina que a referência a este critério ocorra quando não haja na lei outro critério determinador. Ora, essa conduta censurável encontra-se evidenciada no RIT, na medida em que foram detetados incrementos patrimoniais nas contas bancárias analisadas e não foram declarados rendimentos que as evidenciassem nem demonstrada a origem de tais incrementos, nada tendo sido provado pelos Recorrentes em sentido diverso. Como tal, a componente subjetiva inerente à liquidação dos juros compensatórios está demonstrada, carecendo de razão os Recorrentes.
III.E. Do erro de julgamento, dada a inconstitucionalidade orgânica de normas atinentes ao levantamento do sigilo bancário Consideram os Recorrentes que o art.º 64.º, n.º 4, al. b) e n.º 5, da LGT padecem de inconstitucionalidade orgânica, por extravasarem o âmbito da autorização legislativa constante da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto. Antes de mais, refira-se que o invocado carece de manifesto lapso de escrita, porquanto inexiste qualquer alínea b) do n.º 4 do art.º 64.º da LGT e inexiste igualmente qualquer relação entre o disposto no art.º 64.º da LGT e a matéria em apreciação in casu. No entanto, uma vez que, no corpo das alegações, os Recorrentes remetem para os art.ºs 72.º a 84.º da petição inicial, perceciona-se que o invocado respeita ao art.º 63.º da LGT, concretamente: a) Ao número com a seguinte redação: “Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado pela administração tributária” – atual n.º 6, correspondente, até à alteração operada pela Lei n.º 37/2010, de 02 de setembro, ao seu n.º 5; b) Ao número que prevê que a falta de cooperação só será legítima quando as diligências impliquem a consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do titular – atual n.º 5, al. b), correspondente, até à alteração operada pela Lei n.º 37/2010, de 02 de setembro, ao seu n.º 4, al. b). Portanto, resulta do alegado que os Recorrentes invocam tal vício de inconstitucionalidade orgânica. Como se extrai do invocado, o que os Recorrentes pretendem atacar é a decisão de levantamento de sigilo bancário. Ora, a este respeito o Tribunal a quo considerou que não era possível apreciar tal inconstitucionalidade, na medida em que o que os Recorrentes, pretendendo atacar com tal alegação a decisão de derrogação do dever de sigilo bancário, estão a impugnar decisão consolidada na ordem jurídica, que foi objeto de impugnação noutro processo que correu termos no TAF de Leiria (Processo: 1039/15.7BELRA), já objeto de decisão. A decisão do Tribunal a quo, neste segmento, não foi minimamente atacada pelos Recorrentes. Sempre se acrescente, no entanto, que não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica. Concretizando. Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras. Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes. O que defendem os Recorrentes é que as normas mencionadas padecem de inconstitucionalidade orgânica, por extravasarem o âmbito da autorização legislativa. Antes de mais, cumpre referir que a redação das normas aplicada in casu não é a redação invocada pelos Recorrentes, mas sim a em vigor em 2015, data em que foi proferida a decisão mencionada em 7) – uma vez que se tratam de normas procedimentais. Chamamos, a este respeito, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 490/2011, de 24.10.2011, e ampla jurisprudência no mesmo citada. Aí se refere: “[I]nvoca o recorrente que a referida norma padece de uma outra inconstitucionalidade, também orgânica, já que a lei n.º 41/98, de 4 de Agosto não havia autorizado o Governo a regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes podia ser autorizado, conforme seria imposto pelo artigo 165.º, n.º1, alíneas b), i) e s) da CRP. Por esse efeito, seriam também violados os artigos 26.º, 103.º, n.º2 e 212.º da CRP. (…) Também aqui não assiste razão ao recorrente. Desde logo, da análise dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto pode considerar-se que a matéria relativa à quebra do sigilo bancário se encontrava incluída na referida autorização legislativa. De facto, os objectivos referidos na lei de luta contra a evasão fiscal e a prossecução do interesse público, bem como o desenvolvimento dos princípios da igualdade, da imparcialidade, e da cooperação dos contribuintes pode implicar a eventual quebra do sigilo bancário quando a descoberta da verdade material das situações tributárias dos contribuintes inspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas consultas não forem autorizadas pelos contribuintes. Assim se pronunciou, de resto, o Tribunal Constitucional no já citado Acórdão n.º 602/2005: "(…) poderia sustentar-se que dos acima transcritos números do artº 2º da Lei nº 41/98 sempre resultaria que o legislador parlamentar previu que na lei geral tributária editanda pelo Governo se haveriam de gizar procedimentos de onde resultasse o apuramento da real situação tributária do contribuinte, o combate à simulação tributária e à evasão fiscal, a prossecução do interesse público e da igualdade equitativa nos encargos tributários e ao estabelecimento do princípio do inquisitório; e, desta sorte, não poderia deixar de ser cogitada por aquele legislador, em face da indesmentível dificuldade de se obter uma visão da realidade tributária sem o conhecimento dos dados resultantes das operações bancárias dos contribuintes, a possibilidade de, no diploma credenciado, entre os vários procedimentos a adoptar, se contarem os adequados à aquisição daquele conhecimento que, em caso de recusa do visado, só seriam cognoscíveis por determinação judicial”. 9.2. Mesmo que assim não se entenda, ainda assim não se concluiria pela inconstitucionalidade orgânica da norma impugnada. De facto, a LGT, aprovada pelo Decreto-lei n.º 398/98, veio a ser revista pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro. Assim, a LGT passou a fazer parte integrante dessa mesma Lei. As normas porventura organicamente inconstitucionais que da LGT constassem teriam assim sido confirmadas – e ratificadas – pela Assembleia da República, deixando, assim, de poder ser invocada tal inconstitucionalidade. De contrário, poderia ter-se por inconstitucional por falta de autorização legislativa da Assembleia da República determinado preceito de um diploma integrante de uma Lei da própria Assembleia da República. Assim o afirmou já o Tribunal Constitucional, entre outros, no Acórdão n.º 368/2002 (publicado no DR IIª Série, de 25 de Outubro de 2002): “O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre os efeitos da aprovação de uma lei de emendas (…) Fê-lo nos Acórdãos n.ºs 415/89 e 786/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol., tomo I, pág. 507, e 34.º vol., pág. 23, respectivamente. No primeiro, depois de se citar as diversas doutrinas defendidas sobre o estatuto da ratificação de decretos-leis (na versão originária da Constituição) na perspectiva do efeito da ratificação expressa de decretos-leis organicamente inconstitucionais por invasão governamental das matérias de exclusiva competência da Assembleia da República (Rui Machete, “Ratificação de decretos-leis organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a Constituição, vol. I, pp. 281 e segs.; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 1980, pp. 347/348; Jorge Miranda, “A ratificação no direito constitucional português”, in Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 547 e segs.; Luís Nunes de Almeida, “O problema da ratificação parlamentar de decretos-leis organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 619 e segs.), bem como a jurisprudência produzida quer pela Comissão Constitucional (Parecer n.º 7/79, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7.º, p. 308) quer pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 174/87 e 266/87 in Diário da República, II Série, de 14 de Julho de 1987, e I Série, de 28 de Agosto de 1987, respectivamente) e de referidas as profundas alterações introduzidas nos artigos 172.º e 165.º, alínea c), da Constituição, com a revisão constitucional de 1982 – designadamente o facto de ter deixado de existir um acto positivo de ratificação, pois apenas se passou a prever a recusa de ratificação e a alteração do decreto-lei – dando lugar a uma orientação doutrinal dominante no sentido da não convalidação de decretos-leis organicamente inconstitucionais (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., p. 654; Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp. 231/232; António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República Portuguesa, p. 203; Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 222 e Jorge Simão, Da ratificação dos Decretos-Leis, p. 32), escreveu-se: “Não se afigura indispensável para a solução do caso dos autos resolver expressamente questões como a de saber se, face ao texto constitucional saído da revisão de 1982, ainda se pode falar de ratificação expressa, ou, até, se no caso de ser aprovada uma lei de alteração ao decreto-lei ratificando, tal lei tem como efeito, genericamente, inviabilizar que, para o futuro possa ser invocada a eventual inconstitucionalidade orgânica de qualquer das suas normas. Na verdade, ainda que se admita que a figura da ratificação expressa deixou de ter assento constitucional – como parece resultar do que se escreveu no citado Acórdão n.º 266/87 – e que a mera aprovação de uma lei de alterações, na sequência de um processo desencadeado ao abrigo do artigo 172.º da Constituição, não pode ter como efeito impedir a invocação, a partir da entrada em vigor dessa lei, de eventuais inconstitucionalidades orgânicas que afectassem originariamente normas do decreto-lei ratificando, a questão não fica inteiramente resolvida para todos os casos. Com efeito, sempre será necessário ressalvar, pelo menos, a hipótese de a lei de alterações reproduzir as normas organicamente inconstitucionais do decreto-lei submetido à sua apreciação. Em tal caso, é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte». (…) “Da jurisprudência transcrita – que se não vê razão para inflectir e aqui se reitera – retira-se que, tendo em conta “a função de controlo parlamentar da decisão legislativa”, a aprovação de uma lei de emendas, ao abrigo do antigo artigo 172.º da Constituição, tem como efeito a ininvocabilidade futura da inconstitucionalidade orgânica de, pelo menos, as seguintes normas constantes do decreto-lei alterado por essa mesma lei de emendas: a) As normas reproduzidas na lei parlamentar; b) As normas que a Assembleia da República não pode ter deixado de querer manter inalteradas, porquanto constituem um pressuposto logicamente necessário e indispensável de todas as restantes normas contidas no decreto-lei originário e na própria lei de alteração; c) As normas que, durante o especial processo legislativo parlamentar, foram objecto de propostas de alteração rejeitadas. Ora, no que toca à norma em análise, há que ter presente que a Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro revogou todo o título V da LGT e alterou o artigo 63º. O n.º 5 do artigo 63º não foi, porém, alterado, tendo sido substituído por ponteado. Ora, os números não alterados da referida norma devem ser tidos como confirmados e adoptados pela Assembleia da República. Assim, se alguma inconstitucionalidade orgânica existia em relação a qualquer dos preceitos do Decreto-lei n.º 398/98 que não foram alterados, tal inconstitucionalidade desapareceu com a confirmação dos mesmos pela Assembleia da República. Foi, esse, de resto, o juízo do Tribunal Constitucional no já referido Acórdão n.º 602/2005: “depois da entrada em vigor da Lei nº 30-G/2000 – o eventual vício de inconstitucionalidade orgânica de que padeceria se terá de ter como ultrapassado. Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela Lei, não só alterou a redacção dos próprios números 2 e 4, alínea b) do artº 63º da Lei Geral Tributária, como lhe aditou os números 6 e 7, indubitavelmente ligados ao procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, como ainda introduziu o artº 63º-B. Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse respeito se suscitem, que assumiu o competente órgão legislativo – o Parlamento – como válido aquele procedimento, pois manteve inalterado o nº 5 do aludido artº 63º (quando, com as alterações que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse preceito se não justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou. Como se referiu no Acórdão deste Tribunal nº 321/2004 (in Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração e um decreto-lei vier a reproduzir normas organicamente inconstitucionais, “é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte”. A doutrina extraível daquele aresto é aplicável ao caso agora em apreço, pois que, como resulta do seu próprio texto, no artº 13º da Lei nº 30-G/2000, que determinou, por entre outras, alteração ao artigo 63º da Lei Geral Tributária, consignou que este passaria a ter a seguinte redacção: – Artigo 63.º Inspecção 1 – ……………………………………………………………………………… 2 – O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização. 3 – ……………………………………………………………………………. 4 – ……………………………………………………………………………. a) ……………………………………………………………………………… b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos; c) ……………………………………………………………………………… d) ……………………………………………………………………………… 5 – ……………………………………………………………………………… 6 – A notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, para efeitos de permitirem o acesso elementos cobertos pelo sigilo bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruído com os seguintes elementos: a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para o efeito de assegurar a sua audição prévia; b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte não interpôs recurso no prazo legal; c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de recurso com efeito devolutivo. 7. As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção tributária. Vale isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da forma como deu a nova redacção ao artº 63º, de forma inequívoca, «fez seu» (ou seja, assumiu como manutenção inalterada), no que agora importa, o nº 5, que, por isso, novou como vontade legislativa. O raciocínio agora efectuado não se ancora, pois, na mera republicação da Lei Geral Tributária (a que o recorrente alude, mas visando a Lei nº 15/2005)”. Esta mesma orientação foi seguida no também já citado Acórdão n.º 675/2006, que confirmou que o teor da norma impugnada foi expressamente recebido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, “tendo-se verificado, assim, uma novação da respectiva fonte”. Termos em que se considera que o n.º 5 do artigo 63.º da LGT, ao regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes pode ser autorizado, não padece de inconstitucionalidade orgânica” (sublinhados nossos). Aderindo, pois, ao entendimento plasmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional citada, sublinhando-se ademais que a redação aplicável do mencionado art.º 63.º da LGT foi ainda alvo de ulteriores alterações através de leis da Assembleia da República, decorre que não padecem as normas em crise da alegada inconstitucionalidade orgânica. Como tal, não assiste razão aos Recorrentes.
Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso). Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face às caraterísticas das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face aos aspetos concretos dos autos, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 300.000,00 Eur.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pelos Recorrentes, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 300.000,00 Eur.; c) Registe e notifique.
Lisboa, 13 de julho de 2023
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) 1) Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 259. 2) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 283. 3) V. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pp. 147 e 148. 4) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676. 5) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454. 6) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119. 7) António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120. |