Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:863/19.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA;
ERRO RELEVANTE.
Sumário:1. Se foi licitado imóvel com vista a utilização como escritório que não tem condições para ter licença de utilização para o efeito, existe divergência entre o anunciado e a realidade do imóvel relevante para efeitos de anulação da venda.

2. O facto de o depositário não se encontrar contactável constitui circunstância coadjuvante da eficácia invalidante da discrepância ocorrida entre o bem objecto de licitação e o bem adquirido pelo recorrido.

Votação:Declaração de voto
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
R......... veio deduzir reclamação judicial contra o acto proferido em 08/04/2013, pelo Director de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Lisboa 11, que indeferiu o pedido de anulação da venda n.º 3344.2012..., efectuada em 30.04.2012, da fracção …, do prédio sito na Rua da E........ n.º 31..., Freguesia de A........, Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3344200801074..., que dirigiu em 02/05/2012, ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 160 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 05 de Agosto de 2019, decidiu anular a venda em apreço. Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 182 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:
i) - Visa o presente Recurso reagir contra a sentença que julgou procedente a anulação da venda n.º 3344.2012..., do ano de 2012, referente a escritório para serviços, com a área de 21 m2, localizado no 2.º andar do prédio de 3 pisos, sito no n.º 31... da Rua da E........., freguesia de A........., concelho de Vial Nova de Gaia, distrito do Porto, com a consequente condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas.
ii) - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no seguinte entendimento: “(...) se não é possível aferir qual é o escritório que corresponde à fração “…", não se encontrando o mesmo preparado para ser ocupado e não constando esta informação nem do anúncio de venda, nem do edital referente à venda n.º 3344.2012..., não era possível nem ao Reclamante, nem a qualquer outro interessado nessa venda, saber em concreto as condições em que se encontrava o bem imóvel objeto da licitação”.
iii) - Prossegue o tribunal “a quo" que “(...) era sobre o Serviço de Finanças que publicitou e licitou o imóvel que recaia o dever de fazer constar do anúncio de venda e do edital as qualidades e as caraterísticas do imóvel em causa, o que não ocorreu no presente caso, cf. factos provados nas alíneas D) e E) do probatório’’ (...) defende, ainda, “(...) se nem o próprio Serviço de Finanças de Gaia -1, possuía qualquer contato do referido gerente, não se alcança como poderia o Reclamante ter tido acesso à fração autónoma em causa previamente à adjudicação, realizada em 30.ABR.2012’’.
iv) - Concluindo, deste modo que a venda em crise deve ser anulada por se verificar a existência de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade entre o bem imóvel publicitado e licitado e as características do imóvel que foi efetivamente vendido.
v) - A venda em processo de execução fiscal encontra-se regulada nos artigos 248.º a 256.º e a anulação da venda no artigo 257.º, todos do CPPT.
vi) - Em geral, a anulação da venda pode resultar da ocorrência de nulidade processual, pela prática de um ato que a lei não admita ou pela omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei, expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (vide artigo 195.º, n.º 1, por remissão do artigo 839.º, n.º 1 al. c), ambos do CPC, “ex vi’ do artigo2.º, al. e) do CPPT.
vii) - A anulação da venda, também, pode ser requerida pelo comprador (legitimidade) se existir erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado, o que se aplica ao caso vertente.
viii) - Por último e, na perspetiva do interesse na prossecução da venda de acordo com a legalidade, a AT não está obrigada a efetuar uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que faça uma descrição sumária do mesmo, descrição que resulta dos elementos divulgados nos anúncios e editais, nomeadamente qual a situação do imóvel o que é suficiente para que o potencial interessado forme uma exata e correta ideia sobre o bem que pretende adquirir.
ix) - Sobre este assunto e, no caso em apreço, defende JORGE LOPES DE SOUSA, “o erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de consubstanciar em divergência entre as qualidades do objeto e o teor dos editais ou anúncio”.
x) - Ora, o objeto subjacente à presente venda é a fração “…” do artigo matricial 323…, a que corresponde um escritório no 2.º andar, para serviços, no prédio sito na Rua E........., n.º 31..., freguesia de A........, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, com o valor patrimonial de 11.840,00 euros e, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 49… da mesma freguesia, aliás, como se pode constatar quer através da caderneta predial, constante a fls. 27vs e 28 do PEF quer através da certidão permanente da 2.a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia (vide fls. 12vs a 13vs do PEF).
xi) - Assim, analisando quer o anúncio quer o edital quer os pontos 1 e 2 da pi de reclamação, conclui-se que o objeto adquirido pelo ora Recorrido, corresponde à fração autónoma designada pela letra “…” (escritório no 2.º andar composto por uma zona ampla, como se pode verificar na certidão de teor- fração autónoma descrição, fls 27 vs do PEF), a que corresponde um escritório no 2.º andar para serviços, com WC comum a outros escritórios no mesmo andar, sito na Rua E........., n.º 31..., freguesia de A........, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, com o valor patrimonial de 11.840,00 euros e, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 49… da mesma freguesia, ou seja, existe um nexo de causalidade entre as qualidades do objeto e o teor dos editais ou anúncio, contrariando, com a devida vénia, claramente o defendido pelo tribunal “a quo”.
xii) - Concluindo-se que na venda em crise existiu um ato da vontade do ora Recorrido, uma vez que este estava consciente das condições em que o bem transacionado se encontrava, como facilmente se retira dos presentes autos, não havendo, assim, divergência entre as qualidades do objeto e o teor dos editais ou anúncio, não existindo, por isso, erro sobre as qualidades que possam conduzir à anulação da venda, devendo esta, permanecer na esfera jurídica do ora Recorrido.
xiii) - Quanto ao defendido pelo tribunal “a quo”, mormente que se nem o próprio Serviço de Finanças de Gaia -1, possuía qualquer contato do gerente da executada, como poderia o Reclamante ter tido acesso à fração autónoma em causa previamente à adjudicação, realizada em 30.ABR.2012, diremos que, a mesma «não constitui omissão que possa pôr em causa a venda do bem», na medida em que não constitui irregularidade que possa ter influenciado a venda, tanto mais que a venda foi efetuada.
xiv) - A impossibilidade de contatar o fiel depositário, apenas, podia ter determinado a eventual remoção daquele, salvaguardando, sempre, o “princípio da celeridade que norteia a execução fiscal”, sendo que o “princípio da colaboração impunha uma atuação mais pronta”, da parte do ora Recorrido, o não logrou ter, uma vez que, quer o anúncio quer o edital identificavam quer o nome quer a morada do fiel depositário – A…….., n.º 23…, r/c Dt.º Lisboa.
xv) - A lei exige que, para que fique demostrado no processo o incumprimento do fiel depositário na apresentação dos bens, tem este, com efeito, que ser notificado pessoalmente (por contacto pessoal ou por carta registada com a aviso de receção), ou ficar demonstrada a impossibilidade de se concretizar a notificação (por ter o executado ausentado para parte incerta), contudo, analisados os fatos provados e não provados, não consta que o ora Recorrido tenha feito qualquer diligência no sentido de o contatar, nem que essas diligências tenham obtido insucesso, não há, assim, qualquer factualidade provada suscetível de integrar uma recusa ou sequer uma impossibilidade de visita do imóvel penhorado, pelo que nunca poderia ponderar-se a verificação de nulidade processual com esse fundamento fáctico.
xvi) - Se o ora Recorrido pretendia conhecer todos os detalhes do bem para além dos que constavam na caderneta predial/certidão de teor, certidão da 2.a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, anúncio e edital, deveria ter efetuado todas as diligências necessárias, junto do fiel depositário, porquanto a morada da empresa/executada constava em várias elementos que tinha ao seu dispor, porém, por motivos que quedam por compreender, veio ao invés, alegar que tal fato poderia erigir-se em nulidade processual e, originar a anulação de venda, que veio a requerer.
xvii) - Face ao exposto e, contrariamente ao expendido na douta sentença, a venda n.º 3344.2012..., do ano de 2012, referente a escritório para serviços, com a área de 21 m2, localizado no 2.º andar do prédio de 3 pisos, sito no n.º 31... da Rua da E........., freguesia de A........., concelho de Vial Nova de Gaia, distrito do Porto não deve ser anulada, porquanto não só não enferma de nenhuma irregularidade, como, também, não existiu qualquer divergência entre as qualidades do objeto e o teor dos editais ou anúncio, devendo, por isso, permanecer na esfera jurídica do ora Recorrido.
xviii) Assim, é nosso convencimento que a douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento, quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.
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O recorrido, nas suas contra-alegações de fls. 204 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), concluiu pugnando pela manutenção do julgado. Formula as conclusões seguintes:
1) Não assiste qualquer razão ao Recorrente, uma vez que o Tribunal "a quo" ao decidir como fez, fundamentou a sua decisão na prova documental junto aos autos.
2) Dessa prova resulta claro e inequívoco que não existe no local uma fracção "…" e que ao ser publicitada a venda da mesma, tal venda é nula. Pois.
3) Tanto o anúncio como o edital tinham necessariamente que conter todos os elementos essenciais do imóvel.
4) Ao não se conseguir identificar o mesmo, e tal facto não ser referido tanto no anúncio como no edital, a venda é anulável. Assim,
5) Bem andou o Tribunal "a quo" ao decidir com decidiu, anulando a venda, por se verificar a existência de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade entre o bem imóvel publicitado e licitado, e as características do imóvel que foi efectivamente vendido.
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) Em 02/06/2008 foi instaurado o PEF n.º 3344200801074... contra a Sociedade I.........., Lda., pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11, por dívida de IMI no montante de €776,86 – cf. autuação constante do Processo Administrativo Tributário (PAT) a fls. 11 do SITAF;
B) Em 24/01/2011 foi registada a penhora a favor da Fazenda Pública, no PEF referido na alínea anterior, da fracção autónoma designada pela letra …, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 499/198…08-H, correspondente a escritório com a área de 21 m2, no 2.º andar, do prédio descrito sob o n.º 499/198…08, composto por casa de rés do chão e 2 andares com logradouro, para o qual foi emitida licença de utilização em 11/01/1968 – cf. cópias das certidões permanentes constantes do PAT a fls. 34-36 do SITAF;
C) Em 09/03/2012 foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-11 nos PEF´s n.º 3344200801074... e apensos, n.º 3344200901038... e apensos e n.º 3344201001103... e apensos, referente à fracção autónoma referida na alínea anterior, com o seguinte teor: “Face à inexistência de propostas, determino a venda na modalidade de leilão electrónico, nos termos do nº 4 do art.º. 248º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Para abertura das propostas designo o dia 10 do mês de Abril de 2012, pelas 10:30 horas, fixando o prazo de 15 (quinze) dias para a sua realização, pelo que as propostas poderão começar a ser apresentadas a partir de 2012/03/26. Adjudicar-se-á o bem à proposta de valor mais elevado.” – cf. despacho constante do PAT a fls. 52 do SITAF;
D) No anúncio da venda por leilão electrónico n.º 3344.2012..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido pode ler-se: “Características:
Escritório no 2º andar, para serviços, com área de 21m2, com WC comum a outros escritórios no mesmo andar, em prédio de 3 andares com 20 anos, sito na Rua da E........, nº 31..., freguesia de A........, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, fracção …, artigo matricial 323…, com o valor patrimonial de 11,840,00 euros e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 49… da mesma freguesia”. – cf. anúncio da venda constante do PAT a fls. 53 do SITAF;
E) No Edital relativo à venda referida na alínea anterior cujo teor se dá por integralmente reproduzido pode ler-se:
“Texto Integral”
(cf. edital constante do PAT a fls. 55 do SITAF);

F) Em 27/03/2012, foi enviado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11, o ofício n.º 207…, a J......., sócio-gerente da Sociedade I.........., Lda., que foi recebido em 29/03/2012, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual pode ler-se: “Fica por este meio notificado, na qualidade de sócio-gerente da empresa Sociedade I.........., Lda, NIF: 500.944…., nos termos do nº 4 do artigo 248º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que o bem penhorado por este Serviço de Finanças, o Escritório no 2o andar, para serviços, sito na Rua da E……., nº 30…, fracção “…” do artigo matricial 323…, da freguesia de A…., concelho de Vila Nova de Gaia, no Porto, nos processos de execução nºs 3344200801074... e Aps, 3344200901038... e Aps e 3344201001103..., instaurados por dívidas de IMI, na importância de €2.958,92, sem prejuízo dos demais acréscimos legais que se mostrem devidos, vai ser posto à venda por meio de leilão electrónico, de 2012/02/22, às 09:00h a 2012/03/07. às 16:00h, cuja abertura se verificará neste Serviço de Finanças no próximo dia 10 do mês de Abril de 2012, pelas 10:30 horas.
Venda nº 3344.2012..., à melhor oferta.
Fica igualmente notificado, para efeitos do disposto do art. 233º do CPPT e 854º do Código de Processo Civil (CPC), na qualidade de fiel depositário do bem penhorado, que deverá exibi-lo aos possíveis interessados, das 09:00h de 2012/03/19 até às 18:00h de 2012/04/09.
Fica também expressamente advertido que, em caso de incumprimento das funções de fiel depositário, incorrerá no crime de desobediência, nos termos do nº 1 do art.0 348º do Código Penal.” – cf. ofício, registo CTT e aviso de receção constantes do PAT a fls. 60-61 do SITAF;
G) Em 29/03/2012 foi prestada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Gaia-1 ao Serviço de Finanças de Lisboa-11, a seguinte informação: “Junto envio as fotos solicitadas, relativas à fracção … do artigo matricial 323…, da freguesia de A….. . Não foi possível concluir qual dos escritórios encontrados corresponde à fracção … . Nenhum daqueles escritórios se encontra devidamente preparado para ser ocupado. Não estão concluídas as instalações eléctricas nem de água. O acesso àqueles escritórios dá-se pela mesma entrada do nº 31… . Apesar de o gerente J......., NIF: 116421…, ter residência naquele nº da Rua da E….., na verdade ele não se encontra a residir lá, conforme informação de um familiar que, esse sim, tem ali morada. Não conseguimos qualquer contacto do referido gerente.” – cf. cópia dos e-mails constante do PAT a fls. 62 do SITAF;
H) Em 10/04/2012 foi elaborada a informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual pode ler-se: “(…) a venda por leilão electrónico nº 3344.2012..., teve 92 propostas, conforme a fls 66 dos autos, sendo que a proposta mais elevada foi efectuada por R……, NIF: 120540….., residente em Rua P….., Lt 98…, 16…-16… F…., pelo montante de €2.785,00.” – cf. informação constante do PAT a fls. 65 do SITAF;
I) Na sequência da informação referida na alínea anterior foi proferido, na mesma data, o seguinte despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-11: “Em face da informação que antecede, ADJUDICO, nos termos do nº 1 do art.º 6º da portaria 219/2011, de 2011/06/01, a venda por leilão electrónico nº 3344.2012..., ao adquirente R………., NIF: 120540…, que efectuou a proposta mais elevada, no montante de €2.785,00, nos termos do nº 2 do art.º 5º da portaria 219/2011, de 2011/06/01.” – cf. despacho constante do PAT a fls. 65 do SITAF;
J) Em 30/04/2012 foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11 auto de adjudicação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual pode ler-se:
“Texto Integral”

“Texto Integral”

(cf. auto de adjudicação constante do PAT a fls. 71-72 do SITAF);

K) Em 30/04/2012, foi emitida certidão pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11 cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual pode ler-se: “CERTIFICO que a presente certidão é cópia fiel e exacta do despacho de 2012/04/18 dos autos de execução fiscal com o n.º 3344200801074... e Aps, 3344200901038... e Aps e 3344201001103..., relativamente ao executado Sociedade I.........., Lda, NIF: 500944…, cujo teor se transcreve: “Tendo em conta que a venda nº 3344.2012..., nos processos executivos 3344200801074... e Aps, 3344200901038... e Aps e 3344201001103..., cujo executado é Sociedade I.........., Lda, NIF: 500944…, foi efectivada através do depósito do montante de €2.785,00, DUC nº 12102133447….., pago em 2012/04/13 e do pagamento de IMT, DUC nº 1609120075…, no montante de €181,03 e Imposto de Selo, DUC nº 1633120001…., no montante de €22,28, ambos pagos em 2012/04/13, pelo adquirente R........, NIF: 120540..., casado no regime de comunhão geral de bens com S.........., NIF: 126182..., relativamente ao escritório no 2o andar, para serviços, sito na Rua da E........, nº 31..., freguesia de A........, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, fracção …, artigo matricial 323… e descrita na 2a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 49… da mesma freguesia, ordeno o cancelamento da penhora a favor da Fazenda Pública, constante da AP 559, de 2011/01/24. Cumpra-se após o trânsito em julgado. Lisboa, 2012/04/18.” – cf. certidão constante do PAT a fls. 73 do SITAF;
L) Em 02/05/2012 foi apresentado requerimento pelo Reclamante junto do Serviço de Finanças de Lisboa-11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual pediu a anulação da venda nº 3344.2012... – cf. requerimento constante do PAT a fls. 74 do SITAF;
M) Em 22/02/2013 foi elaborada informação pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva, da Direção de Finanças de Lisboa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e na qual pode ler-se: “(…) da certidão permanente, consta, na Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia, inscrito o prédio retro identificado, com a AP 1782 de 2010/01/05, a autorização de utilização nº 18 com data de 1968/01/11, emitida pela Câmara Municipal, assim como, constata-se através da AP. 6 de 1992/12/31, a constituição do mesmo em propriedade horizontal. (…) a existirem divergências entre a descrição matricial e o que foi anunciado essas divergências deveriam ter sido esclarecidas numa visita ao local onde o proponente, ora reclamante, acautelaria o seu interesse não lhe restando duvidas sobre o bem que efectivamente estava a adquirir, no momento certo.
Acresce ainda que, ao proponente compete diligenciar no sentido de ver esclarecidas as eventuais dúvidas que se possam levantar num qualquer negócio, pelo que, salvo melhor opinião, não se poderá exonerar de realizar uma visita ao bem que pretende adquirir, ou, pelo menos, diligenciar nesse sentido, o que não terá acontecido.
Tal omissão, criou aparente erro na expectativa relativamente ao objecto, cuja culpa não pode ser atribuída à Administração Tributária, sendo que, em nosso entender, o reclamante não agiu com a diligência normal e esperada, de um bom pai de família.
Em face do exposto, é legítimo concluir que no caso em concreto, em nosso entender, não ocorre a nulidade do art. 201º do CPC, determinante da anulação de venda.” – cf. informação constante do PAT a fls. 118-119 do SITAF;
N) Em 08/04/2013 foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto de indeferimento do pedido de anulação de venda apresentado pelo Reclamante – cf. despacho constante do PAT a fls. 114 do SITAF.
1.2. Factos não provados
Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, atento o objecto do litígio, com relevância para a decisão da causa.
1.3. Motivação
A decisão da matéria de facto provada nas alíneas A) a N) do ponto 1.1. supra efetuou-se com base no exame dos documentos constantes do PAT apenso aos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 160 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 05 de Agosto de 2019, que decidiu anular a venda n.º 3344.2012..., efectuada em 30.04.2012, da fracção …, do prédio sito na Rua da E........ n.º 31..., Freguesia de A........, Concelho de Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3344200801074..., instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11.
2.2.2. Para julgar procedente a reclamação judicial, a sentença considerou que «se o que foi publicitado no âmbito da venda n.º 3344.2012... foi um escritório e se, não foi possível ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia concluir qual dos escritórios “encontrados corresponde à fracção …”, informando ainda que nenhum daqueles escritórios se encontrava devidamente preparado para ser ocupado, verifica-se a existência de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade entre o bem imóvel que foi licitado e adjudicado ao Reclamante e a realidade existente no local, cf. artigo 838.º, n.º 1, do CPC».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento, seja porque o alegado erro ou divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncio não se confirmaria nos autos, seja porque a alegada impossibilidade de contactar o fiel depositário não resultaria demonstrada nos autos.
2.2.4. No que respeita ao invocado erro sobre as qualidades do bem objecto de venda [(Conclusões: I a XII)], cumpre recordar que o preceito do artigo 838.º, n.º 1, do CPC (ex vi artigo 257.º/1/a), do CPPT), estatui que «[s]e, depois da venda, se reconhecer a existência … de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil».
Sobre a matéria constituem pontos firmes os seguintes.
i) «[P]ara justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, pode esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art.º [838.º] do CPC»[1] .
ii) «[O erro sobre a as características do objecto da venda tem a caracterizá-lo] quando comparado o seu regime com o regime da anulação do negócio jurídico por erro (arts.º 257.º CC e 251.º CC), a dispensa dos requisitos de que a lei a faz depender, designadamente, a essencialidade para o declarante e o seu conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário; basta por isso … que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tiverem sido anunciadas»[2] .
iii) «[O] erro sobre o objecto da venda executiva não requer que o declaratário – isto é, o tribunal ou o encarregado da venda – conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidiu o erro. A venda é anulável, mesmo que o destinatário da declaração desconhecesse que as características do bem constituem um elemento essencial da formação da vontade do comprador»[3] .
iv) «Por outras palavras, o comprador não tem de alegar, nem de provar, os pressupostos gerais da relevância do erro, designadamente o requisito da essencialidade do mesmo, previsto nos artºs.247, 251 e 252, do C.Civil»[4] .
v) «Ainda que a Administração Fiscal não esteja obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que sumarie a mesma, há que verificar caso a caso se os elementos divulgados são suficientes para que o potencial interessado forme uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo bem, nos seus aspectos quantitativos e qualitativos. // Para justificar a anulação basta o mero erro incidental e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência desse mesmo erro, podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art. 838º do novo CPC»[5].
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) No edital e anúncio da venda consta o seguinte: “Características: // Escritório no 2º andar, para serviços, com área de 21m2, com WC comum a outros escritórios no mesmo andar, em prédio de 3 andares com 20 anos, sito na Rua da E........, nº 31..., freguesia de A........, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, fracção …, artigo matricial 323…, com o valor patrimonial de 11,840,00 euros e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 49… da mesma freguesia”. (alíneas D) e E) do probatório).
ii) Em 29/03/2012 foi prestada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Gaia-1 ao Serviço de Finanças de Lisboa-11, a seguinte informação: “Junto envio as fotos solicitadas, relativas à fracção … do artigo matricial 323…, da freguesia de A…. . Não foi possível concluir qual dos escritórios encontrados corresponde à fracção … . Nenhum daqueles escritórios se encontra devidamente preparado para ser ocupado. Não estão concluídas as instalações eléctricas nem de água. O acesso àqueles escritórios dá-se pela mesma entrada do nº 31… . Apesar de o gerente J......., NIF: 116421…, ter residência naquele nº da Rua da E……, na verdade ele não se encontra a residir lá, conforme informação de um familiar que, esse sim, tem ali morada. Não conseguimos qualquer contacto do referido gerente.” (alínea G), do probatório).
Perante a matéria de facto assente referida, o adquirente/recorrido pediu a anulação da venda, invocando erro nas características do imóvel. Alegou que tentou contactar o fiel depositário, mas que tal não foi possível; que foi através de moradora no local que teve acesso ao mesmo, concretamente, ao 2.º andar do prédio em causa. Aí verificou que as várias divisões não tinham qualquer identificação; as divisões estavam em tosco, cujas paredes não tinham qualquer tipo de acabamento, o pavimento não estava revestido, encontrando-se com betão à vista, tal como o tecto, igualmente sem revestimento e com lage de betão à vista; não tinha qualquer caixilharia exterior, apresentando apenas um estore de protecção; não tinha qualquer elemento de carpintaria interior, nomeadamente, portas; não tinha um espaço físico que se identifique como WC, visto que não existem as infra-estruturas de água, esgotos e electricidade, nem as loiças sanitárias; os ramais de água e esgotos não estavam ligados à rede pública (petição inicial).
No caso em exame, tal como refere o recorrido e decorre do probatório (alínea G), o imóvel não tem condições para ter licença de utilização, como fracção afecta a escritório, pelo que o anúncio objecto da venda não traduz a verdade material do imóvel. De onde resulta que «existe divergência entre o anunciado e a realidade do imóvel licitado e que essa divergência no caso é relevante para efeitos de anulação da venda, nos termos do disposto nos artºs. 257º, nº 1 al. a) do CPPT e 838º, nº 1 do CPC»[6] . Pelo que, ao anular a venda com este fundamento, a sentença não incorreu em erro, devendo ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. No que respeita ao dever de apresentação do imóvel que recai sobre o fiel depositário (artigos 771.º e 818.º do CPC) [(conclusões XIII a XVIII)], a recorrente sustenta que o recorrido não realizou todas as diligências necessárias com vista à concretização do dever em causa.
Por seu turno, na sentença escreveu-se que, «…não obstante o facto de o sócio-gerente da executada Sociedade I.........., Lda., ter sido constituído o fiel depositário do bem penhorado pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11 e advertido, nessa qualidade, de que deveria exibir esse bem aos possíveis interessados, como resulta da matéria de facto provada na alínea F) do probatório, constatando-se que o próprio Serviço de Finanças de Gaia-1 não possuía qualquer contacto do referido gerente, não se alcança como poderia o Reclamante ter tido acesso à fracção autónoma em causa previamente à adjudicação, realizada em 30/04/2012».
Apreciando.
O dever de apresentação do imóvel recai sobre o fiel depositário (artigo 818.º do CPC). O cumprimento do dever por parte do onerado é assegurado pela entidade exequente (artigo 771.º do CPC). Do probatório resulta que os serviços da recorrente não possuem qualquer contacto do fiel depositário, o qual não reside no local (alínea G). O que constitui circunstância coadjuvante da eficácia invalidante da discrepância ocorrida entre o bem objecto de licitação e o bem adquirido pelo recorrido, dado que tal discrepância não podia ter sido dissipada através da diligência exigível a um operador médio, colocado na posição do adquirente.
Ao julgar no sentido referido a sentença recorrida não enferma de erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta)
(com declaração anexa)

(2ª. Adjunta)

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Declaração de voto
Embora entenda, como decidido, que deve ser negado provimento ao recurso, considero que o conhecimento da segunda questão se mostrava prejudicado face ao decidido quanto à primeira questão apreciada.
Lisboa, d.s.
Catarina Almeida e Sousa
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[1] Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. IV, Áreas Editores, 6.º Ed., 2011, p. 179.
[2] José Lebre de Freitas, A Acção executiva, Depois da reforma, Coimbra Editora, 5ª Edição, 2011, p. 342.
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Singular executiva, Lex, 1998, p. 396.
[4] Acórdão do TCAS, de 25.01.2018, P. 429/17.5BEALM
[5] Acórdão do STA, de 26-03-2014, P. 01716/13.
[6] Parecer da ilustre Procuradora da República de 09.02.2019.