Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1672/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ÓRGÃO ACTUANTE DA SOCIEDADE
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto;

II. É sobre a administração tributária, enquanto exequente e titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência;

III. Resultando da prova testemunhal que não era o revertido quem determinava os destinos da sociedade originária, que nada decidia sobre a vida societária, figurando como mero “testa de ferro” do gerente de facto;

IV. Não sendo o revertido o órgão actuante da sociedade, impõe-se declarar a sua ilegitimidade para os termos da execução.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa de 4 de Maio de 2018, que julgou procedente, por provada, a oposição deduzida por J....., com os sinais nos autos, à execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade A....., Lda., dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I – Os autos à margem identificados visam reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção da execução fiscal revertida contra o Oponente e, a respectiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas,

II – Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a mesma incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade do ora Oponente, radicam, tão somente, no facto da AT, não ter provado, através dos documentos que carreou ao processo, que o Opoente era parte legítima para a reversão, como era seu ónus.

III –Defende o tribunal “a quo” que não conhece quanto ao ónus da culpa, no que tange à insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais (art. 8.º do RGIT) atendendo a que não foi questão levantada pelo oponente.

V – Alega, também, o mesmo tribunal que a convicção da presente decisão se formou no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, e na inquirição das testemunhas. VI - Porém, da prova testemunhal produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

VII - No caso em apreço, e quanto à razão de ciência das testemunhas arroladas pelo Oponente, aqueles não tiveram conhecimento directo dos factos, ao invés foi um depoimento de ouvir dizer ao Oponente, já que eram seus amigos, à excepção da testemunha M....., que foi sua colega quer na empresa C..... quer na I..... quer na devedora originária

VIII – Ora, as testemunhas não tiveram conhecimento directo dos factos, aquelas falaram pela boca do ora Oponente.

IX – Desconhece-se, também, o invocado desfasamento do tempo, quando o tribunal “a quo” refere que as declarações de IVA respeitam aos anos de 1995 e 1996, ou mesmo que a declaração de substituição foi entregue em 1999, o que a Fazenda Pública prova com a junção desses documentos, é que o ora Oponente, já desde a constituição (17.MAR.1994), foi sempre sócio e gerente, da devedora originária.

X - Mas não se compreende que possa ser invocado esse desfasamento no tempo, uma vez que, é o próprio tribunal “a quo” que reconhece que, no ano de 2008 o ora Oponente emitiu cheques, assinou uma procuração em nome da devedora originária.

XI - Mas mais, carreados para os autos existe, também prova de que no dia 27/03/2007, no PEF n.º ..... (cfr. fls. 56 e 57 dos autos) o ora Oponente assinou o mandado de citação em nome e como gerente da devedora originária.

XII - Assim, como assinou, também, em 7/8/2008, nessa mesma qualidade os mandados de citação nos PEF´s n.ºs ....., ....., ..... (cfr. fls. 63 e 65 dos autos).

XIII - Pelo que, com a devida vénia, não compreende a Fazenda Pública que o tribunal “a quo”, refira que «em contradição com essa prova resultou evidenciado que a relação do oponente era meramente nominal ficando tal reforçado pelos depoimentos das testemunhas». ou quando refere que o Oponente fazia todo o trabalho administrativo junto da Repartição de Finanças (inquirição das testemunhas).

XIV- Nunca é demais reforçar que, não é no mínimo credível, que um normal empregado de escritório, que faça, apenas, um trabalho administrativo [(al. E) dos factos provados], detenha um conhecimento profundo sobre a vida societária da devedora originária, dirigindo-se ao SF para tomar decisões em matérias tão delicadas como negociar o pagamento em prestações quer das dívidas quer decidir sobre a venda de bens do imobilizado da devedora originária, agindo, sempre, como sócio e gerente, quer de direito quer de facto;

XV - Enquanto que, a outra sócia e gerente - E..... (filha do Sr. F.....), pese embora detivesse os mesmos 50% do ora Recorrido na devedora originária, se limitasse, a fazer, essa sim, um trabalho meramente administrativo.

XVI - Por último, em sede de alegações do artigo 120.º, mormente no seu ponto 15., é o próprio Mandatário que refere que «Janeiro de 2010 foi o último mês de trabalho do ora Oponente, que saiu da empresa com “uma mão à frente e outra a trás”, uma vez que nem teve direito a subsídio de desemprego por ter sido sócio gerente de tal sociedade».

XVII - Ora se foi o próprio recorrido que reconhece ter sido sócio e gerente da devedora originária e, por esse facto não pôde ter direito ao subsidio de desemprego, só nos resta concluir, como supra se referiu desde a sua constituição até ao fim, ele foi o responsável de direito e de facto, já que a outra sócia e gerente, fez sempre serviço administrativo.

XVIII - Pelo que, tendo presente o que dispõe o art. 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, mormente a expressão «quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, prova que, não logrou provar.

XIX - Assim e, tendo presente o decidido pelo tribunal “a quo” mormente quando refere não conhecer quanto ao ónus da culpa, no que tange à insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais (art. 8.º do RGIT), atendendo a que não foi questão levantada pelo oponente, motivo pelo qual, também, aqui, não se pronuncia a Fazenda Pública, quanto ao predito ónus.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso.

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Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, porquanto, conforme conclui:

A AT reporta-se a indícios ainda não suficientes ou confirmados.
As conclusões que retira são assim insuficientemente provadas.
Inexistindo novos argumentos ou questões a apreciar, concluímos que a mui douta
DECISÃO deverá manter-se na Ordem Jurídica.



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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir:

i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao considerar que a AT não efectuou a prova do exercício da gerência pelo revertido, ora recorrido;

ii) se foi feita errada valoração da prova testemunhal e documental junta aos autos.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« Dão-se por provados os seguintes factos:
A) Em períodos não concretamente apurados J..... (ou oponente) trabalhou na sociedade C....., que tinha como sócio e gerente J..... (inquirição das testemunhas);
B) Por volta do ano de 1993 a sociedade identificada em A) deixou de ter actividade (inquirição das testemunhas);
C) Consta do registo da Conservatória do Registo Comercial de Torres Vedras como sócios e gerentes da sociedade A....., Lda (devedora originária), cujo contrato foi registado em 17-03-1994, o oponente e E..... (fls 39 e 40 dos autos);
D) Consta ainda do mesmo registo:
Foram de obrigar: as assinaturas dos dois gerentes;
Estrutura da gerência: será assinada pelos dois gerentes.
E) O oponente exercia as funções de empregado de escritório em ambas as sociedades identificadas em A) e C) e na devedora originária fazia todo o trabalho administrativo e inclusive junto das repartições de finanças (inquirição das testemunhas);
F) O oponente apôs a sua assinatura nas declarações de IVA relativas aos 1º, 2º e 3º trimestres do ano de 1995 e 1º trimestre do ano de 1996, na qualidade de gerente (fls 51 a 58, dos autos);
G) O oponente apôs a sua assinatura na declaração de substituição relativa ao período de 01-01-1996 a 31-12-1996, em 31 de Maio de 1999, na qualidade de gerente (fls 59, dos autos);
H) Em 27-03-2007 o oponente, apôs a sua assinatura na certidão de citação no processo de execução fiscal nº ..... (fls 61, dos autos);
I) Com data de 4 de Março de 2008 o oponente e E..... assinaram o cheque para efectuar o pagamento por conta no processo de execução fiscal nº ..... (fls 62, dos autos);
J) O oponente apôs a sua assinatura na nota de citação nos processos de execução fiscal nº s ..... e ....., na qualidade de sócio gerente (fls 59 a 66, dos autos);
K) A procuração forense que consta do processo de execução fiscal nº ..... está assinada pelo oponente e por E..... na qualidade de sócios gerentes (fls 67 a 69, dos autos);
L) As decisões relativas a pessoal, clientes e fornecedores da devedora originária eram tomadas por J.....;
M) J..... era visto pelos clientes e fornecedores da devedora originária como o “dono” (inquirição das testemunhas);
N) Em 16-03-2009 contra a devedora originária foi instaurado o processo de execução fiscal nº ....., referente a coimas, do ano de 2009, no montante total de €1.360,41 (informação de fls 18 e fls 22 a 35, dos autos);
O) Em 08-04-2010 o oponente foi notificado para audição prévia (reversão) (fls 41, dos autos);
P) Em 06-05-2010 foi proferido despacho de reversão contra o oponente (fls 45, dos autos);
Q) Em 14-05-2010 o oponente foi citado (fls 48 a 50, dos autos);
R) A presente oposição deu entrada em 14-06-2010.
S) Por sentença de 23-06-2010 a sociedade A....., Lda foi declarada insolvente, no processo nº 1572/10.7TBTVD (fls 116 a 122, dos autos);»


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Consta ainda da mesma sentença que
«A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas.
Da inquirição das testemunhas resultou, em suma:
Declarações de parte de J....., era empregado de escritório tendo trabalhado primeiro na C..... onde foi requerida a falência e posteriormente criada a executada, com o mesmo objecto, a conselho do advogado e em que constam como sócios e gerentes a filha do J..... (dono da C.....) e o oponente. Referiu ainda que em 2008 a 2010 a empresa ficou com problemas de dinheiro e em 2010 acabaram por pedir a insolvência. Em termos de trabalho na sociedade executada referiu que emitia facturas, tratava de todo o expediente, sempre sob as ordens do Sr. F......
L....., disse que foi colega de trabalho do oponente na C..... que faliu e foi criada a A...... Mais referiu que fez alguns transportes para a A..... e foi contratado pelo J....., sendo que era ele que tratava dos negócios, ele era o patrão, era quem contratava.
A..... viticultor, amigo do oponente, disse que lhe deu muitas vezes boleia para ir tratar de assuntos da A......
J....., avicultoir e conhece o oponente há 20 anos, esclareceu que o oponente era empregado de escritório e nos seu negócios com a A..... esclareceu que quando queria comprar “estilha” ou “serrim” eram a filha do dono ou com o dono que tratava. Tendo identificado “o dono” como sendo J......
A....., motorista e conhece o oponente por ter sido seu colega de trabalho na A....., tendo igualmente trabalhado na C...... Esclareceu que o seu patrão era o J..... e que o oponente trabalhava no escritório
M....., trabalhou primeiro na C..... e depois na A....., desde o seu início e até ao seu fim. Referiu ainda que trabalhava com maquinas a fazer caixas e paletes de madeira e quem mandava era o J..... ou a filha a E....., sendo que era deles que recebia as ordens.
M..... funcionaria da ATA e conhece a empresa de nome e era o oponente que fazia pedidos, fazia pagamentos, pedia informações.
M..... funcionária da ATA, referiu que conhece o oponente por ir ao SF com frequência
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III – 2. De direito

A reversão operada no caso que nos ocupa resulta de dívida proveniente de coimas e custas de 2009 no valor de € 1 360,41.

O tribunal a quo julgou procedente a acção de oposição deduzida pelo recorrido, na qualidade de revertido, ao abrigo dos artigos 23.º, n.º 2 da LGT e 8.º, n.º 1 alínea b) do RGIT por ter concluído que dos autos não resultava a prova do efectivo exercício das funções de gerência pelo recorrido, e assim sendo, julgou-o parte ilegítima para os termos da execução.

Para apreciarmos se a discordância da recorrente tem fundamento, vejamos o discurso fundamentador da sentença, tendo presente que a dívida em cobrança coerciva são coimas de 2009:

«Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente. Para atestar a gerência de facto do oponente a AT juntou declarações de IVA relativas aos 1º, 2º e 3º trimestres do ano de 1995 e 1º trimestre do ano de 1996, declaração de substituição relativa ao período de 01-01-1996 a 31-12-1996, em 31 de Maio de 1999, certidão de citação no processo de execução fiscal nº ....., cheque para efectuar o pagamento por conta no processo de execução fiscal nº ..... e nota de citação nos processos de execução fiscal nº s .....e ..... , onde o oponente apôs a sua assinatura, na qualidade de sócio gerente. Todavia, provou-se que JoJ..... era conhecido como sendo “o dono” da sociedade, devedora originária, não permitindo que o oponente decidisse sobre questões relativas a clientes, fornecedores e funcionários, sendo ele próprio um dos funcionários, tratando de todo o trabalho administrativo da empresa quer no escritório, quer junto da repartição de finanças (o que nesta parte é confirmado pelas testemunhas da AT). Na realidade dirigir os destinos da sociedade é muito mais do que apor assinaturas em declarações de IVA ou em notas de citação em processos de execução fiscal

E, desde logo verifica-se que as declarações de IVA respeitam aos anos de 1995 e 1996, a declaração de substituição foi entregue em 1999 são documentos que se mostram desfasados no tempo.»

Resulta assim, claramente que o tribunal a quo considerou que a prova apresentada pela recorrente se reporta a anos anteriores à data que aqui está em causa. A junção de documentos que datam de 1995 a 1999 não provam que no ano de 2009 o recorrido exercia as funções de gerente efectivo.

Também relativamente às notas de citação nos processos de execução fiscal, um cheque emitido em 2008 e uma procuração emitida em 2008 em processos de execução fiscal, o tribunal recorrido analisou criticamente a prova e ponderando-a conciliou-a concluindo que: «em contradição com essa prova resultou evidenciando que a relação do oponente com a devedora originária era meramente nominal e ficando tal reforçado pelos depoimentos das testemunhas. Com efeito resultou dos pontos E), L) e M), que o oponente nunca agiu em representação da sociedade devedora originária, não tomava decisões relativas a pessoal nem contratou com clientes ou fornecedores.

Da matéria de facto decorre que o oponente não teve qualquer comportamento que determinasse os destinos da sociedade originária, não se tendo demonstrado que o oponente tenha, de facto, gerido os destinos da sociedade. toda a prova é justificada importa o recorrido parte ilegítima com fundamento na falta de prova pela AT da prática de actos de gerência pelo recorrido.

A recorrente considera que a razão de ciência das testemunhas revela que não tiveram conhecimento directo dos factos.

Contudo, não lhe assiste razão. Com efeito, da motivação da matéria de facto resulta que a relevância da prova testemunhal derivou precisamente do conhecimento directo dos factos pelas testemunhas. A título de exemplo: «L....., disse que foi colega de trabalho do oponente na C..... que faliu e foi criada a A...... Mais referiu que fez alguns transportes para a A..... e foi contratado pelo J....., sendo que era ele que tratava dos negócios, ele era o patrão, era quem contratava. (…) J....., avicultoir e conhece o oponente há 20 anos, esclareceu que o oponente era empregado de escritório e nos seu negócios com a A.....esclareceu que quando queria comprar “estilha” ou “serrim” eram a filha do dono ou com o dono que tratava. Tendo identificado “o dono” como sendo J......

A....., motorista e conhece o oponente por ter sido seu colega de trabalho na A....., tendo igualmente trabalhado na C...... Esclareceu que o seu patrão era o J..... e que o oponente trabalhava no escritório.

M....., trabalhou primeiro na C..... e depois na A....., desde o seu início e até ao seu fim. Referiu ainda que trabalhava com maquinas a fazer caixas e paletes de madeira e quem mandava era o J..... ou a filha a E....., sendo que era deles que recebia as ordens.»

Ao contrário do que alega a recorrente, o depoimento das testemunhas não constitui prova indirecta, na medida em que os depoimentos incidiram sobre factos concretos de que as testemunhas tiveram conhecimento directo, como se assinalou na sentença recorrida.

O tribunal a quo efectuou a ponderação entre a valoração de documentos que indiciam a prática de actos isolados em representação externa da sociedade executada principal, e a prova testemunhal, da qual resultou a convicção de que o recorrido não actuava com autonomia. Daí que se aluda na sentença, que na verificação da «gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade» e atendendo à prova testemunhal produzida, considerou provado que era J..... que «era conhecido como sendo o “dono” da sociedade, devedora originária, não permitindo que o oponente decidisse sobre as questões relativas a clientes, fornecedores e funcionários, sendo ele próprio um dos funcionários, tratando de todo o trabalho administrativo da empresa, quer no escritório quer junto da repartição e finanças (o que nesta parte é confirmado pelas testemunhas da AT).»

Este julgamento não é abalado pela estranheza manifestada pela recorrente relativamente ao facto do recorrido tratar dos assuntos relacionados com os impostos e demonstrar conhecimento profundo da vida da sociedade não consentâneo com as funções de mero funcionário administrativos. Nem o tratamento, pelo recorrido, das questões fiscais junto do serviço de finanças conduzem à sua consideração como gerente de facto. Por um lado, porque constitui uma função que pode ser delegada, por outro, o conhecimento da sociedade advém-lhe de trabalhar na sociedade, não implicando tal conhecimento a prova do exercício de facto das funções de gerência.

Ainda que tais actos isolados pudessem indiciar tal gerência, a prova testemunhal conduz a outra conclusão que esclarece a razão de ser dessa aparência.

Assim, também quanto estas conclusão das alegações não constitui fundamento suficiente para conduzir à procedência do recurso.

Compaginando o facto dos documentos apresentados pela recorrente se reportarem a um período temporal anterior ao período relevante nos autos («documentos que se mostram desfasados no tempo»), com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, mostra-se acertado julgamento efectuado na sentença, por resultar dos aludidos depoimentos todos coerentes entre si, que o recorrido não era um verdadeiro órgão actuante da sociedade, pois não actuava com autonomia, mas antes sob as ordens e orientação de J...... Esta mesma conclusão foi alcançada nos diversos processos de oposição que correram e correm termos deduzidas pelo recorrido, conforme acórdão deste TCAS proferido no processo n.º RJ 9954/16 ou 1669/10.3BELRS, no qual se julgou o recorrido parte ilegítima nas execuções ali em causa, respeitantes a dívidas de 2005: «[p]ara que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. Por outro lado, no mesmo sentido vai a prova testemunhal produzida, a qual se apresentou coerente e de atender no sentido de o opoente/recorrido apenas figurou como “testa de ferro” dos verdadeiros sócios e gerentes da sociedade devedora originária.»

Assim sendo, não ocorre erro de julgamento da matéria de facto, nem a crítica que a recorrente dirige à valoração da prova é fundada.

Por fim, pretende a recorrente retirar da afirmação efectuada na petição inicial pelo mandatário do recorrido «Janeiro de 2010 foi o último mês de trabalho do ora Oponente, que saiu da empresa com “uma mão à frente e outra a trás”, uma vez que nem teve direito a subsídio de desemprego por ter sido sócio gerente de tal sociedade» para dela extrair o reconhecimento pelo recorrido de ter sido sócio e gerente da sociedade devedora originária.

Não dispondo o mandatário constituído de poderes especiais para confessar, apenas se pode extrair de tal alegação, a expressão de uma lamentação pelas consequência na sua esfera jurídica, pelo facto de constar como gerente de direito, que não lhe permitiram beneficiar do subsídio de desemprego quando deixou de trabalhar na sociedade devedora principal, pelo que improcede também esta conclusão de recurso.


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IV – CONCLUSÕES

I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto;

II. É sobre a administração tributária, enquanto exequente e titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência;

III. Resultando da prova testemunhal que não era o revertido quem determinava os destinos da sociedade originária, que nada decidia sobre a vida societária, figurando como mero “testa de ferro” do gerente de facto;

IV. Não sendo o revertido o órgão actuante da sociedade, impõe-se declarar a sua ilegitimidade para os termos da execução.

V - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.


Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias.

Lisboa, 29 de Abril de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.


Ana Cristina Carvalho