Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05275/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IVA. NULIDADE DA SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
ÓNUS DA PROVA. DEDUÇÃO DE IMPOSTO.
Sumário:I) A sentença deve ter uma estrutura argumentativa lógica, no sentido de que as premissas precedem a conclusão, que delas deve decorrer naturalmente, pelo que, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, sob pena de nulidade da decisão, sendo que só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
II) A divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
III) Para que o contribuinte possa deduzir o IVA que suportou por serviço prestado a uma entidade, torna-se necessário que tenha na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do respectivo imposto, tudo nos termos do disposto no art. 71º nº 5 do CIVA, o que evidencia o carácter formalista do IVA, com vista a evitar a fuga e a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
Federação de Andebol de Portugal, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 02-08-2011, que julgou improcedente a pretensão deduzida pela mesma no âmbito da presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com liquidação adicional de IVA, referente ao 4º trimestre de 2002 e dos respectivos juros compensatórios, nos montantes, respectivamente, de € 25.733,22 e de € 3.519,46.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 109-123) nas quais conclui no sentido da procedência do presente recurso, por provado, declarando-se nula a decisão recorrida, atendendo à contradição entre os fundamentos (Al. C dos factos provados e facto não provado) e a decisão final por clara violação do disposto no art. 125º n.º1 do CPPT, com as demais consequências processuais ulteriores, para o que enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A. Como decorre dos autos, em 28 de Março de 2000, a ora Recorrente e a A... - A..., SA, NIPC: ..., acordaram por escrito na cedência dos direitos, designadamente, de publicidade, de transmissão audiovisual e de patrocínio.
B. No decurso da execução do contrato a ora Recorrente emitiu duas notas de crédito: uma com referência à cessação contratual com o n.º 153 datada de 30/12/2002, no montante de € 61.411,62, correspondendo € 51.606,40 ao valor e € 9.805,22 ao valor do IVA.
C. E outra também com referência à cessação contratual com o n.º 154 datada de 30/12/2002, no montante de € 99.759,58, correspondendo € 83.831,51 ao valor de serviços e € 15.928 ao valor do IVA.
D. Posteriormente, em 16 de Julho de 2003, a A... - A..., SA, dirigiu uma carta à ora Recorrente segundo a qual referiu no seu teor: “De acordo com as conversações mantidas e com vista à regularização do acerto de contas entre a FAP e a A..., somos a devolver vossas notas de crédito n.º 2001-154 e 2001-153 e notas de débito n.º 2001-1 e 2001-2 (…)”
E. Na sequência da ordem de serviço n.º OI200500939 a ora Recorrente foi submetida a uma inspectiva relativa ao exercício de 2002, no âmbito da qual resultou a notificação adicional n.º 06349910 efectuada pela Direcção-Geral de Impostos – Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA (Serviço de Finanças de Lisboa – 7) Doc. Cobrança 102906634991008, donde resultou a liquidação de imposto referente ao ano de 2002 – 4º trimestre, no montante de € 25.733,22, acrescida de juros compensatórios donde resultou a liquidação da quantia de 3.519,46€.
F. Como se sabe, a Federação não se conformando com as liquidações supra identificadas, deduziu tempestivamente, em 23 de Abril de 2007, a competente reclamação graciosa.
G. Que foi objecto de indeferimento liminar, e notificada, na pessoa do seu mandatário, em 23 de Maio de 2007.
H. Tendo tempestivamente apresentado a respectiva Impugnação Judicial em 06/06/2007 que foi indeferida e de que ora se recorre.
I. 10 – Com efeito, no entender da Administração Tributária aquando “… da cessação de um contrato com a A... - A..., SA, NIPC: ..., com a emissão de Notas de Crédito n.ºs 153 e 154 (Fls. 35 e 36 do ANEXO 15 e Fls. 11 do ANEXO 16), sem que se verifiquem as condições exigidas para a sua regularização”.
J. Prosseguindo que: “… a devolução dessas Notas de Débito e das Notas de Crédito n.ºs 2001 – 153 e 2001 – 154, ocorreu apenas em Julho do ano de 2003 (Carta com devolução de documentos datada de 16 de Julho de 2003).
K. Desta forma, poder-se-á concluir que não foram cumpridas todas as condições determinadas no art. 71º do CIVA, nomeadamente, quanto ao facto da rectificação do imposto só pode ser efectuada pelo sujeito passivo, quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, conforme refere expressamente seu nº 5. Como o sujeito passivo regularizou o imposto a seu favor em Dezembro de 2002 e só reuniu as hipotéticas condições para tal em Julho do ano seguinte, mantêm-se as correcções propostas” – a fls. 15 do Relatório da Inspecção Tributária.
L. Sendo certo que encontra-se adjacente a toda esta questão o contrato celebrado entre a Impugnante e a Sociedade A... - A..., SA, através do qual lhe cedeu a exploração, em regime de exclusividade, de diversos direitos, tais como, publicidade estática, transmissão áudio-visual, nacionais e internacionais, em directo e em diferido, merchandising, imagem das selecções nacionais e de patrocínio de equipamentos das mesmas, tudo conforme consta do contrato constante dos autos.
M. Convém assim recordar e explicar que ao abrigo e ao longo da execução do referido contrato, foram sendo emitidas diversas facturas correspondendo aos serviços prestados, sobre os quais incidia IVA, à taxa legal então em vigor.
N. No ano de 2002, fruto de alteração da política comercial da ora Recorrente relativamente à exploração do direitos cedidos à A..., foram encetadas negociações com aquela Sociedade, que conduziram à rescisão da existente relação contratual e, numa primeira fase, à emissão de duas Notas de Crédito.
O. A Nota de Crédito n.º 153 datada de 30/12/2002, do montante de € 61.411,62, correspondendo € 51.606,40 ao valor de serviços e € 9.805,22 a IVA e a Nota de Crédito n.º 154 datada de 30/12/2002, do montante de € 99.759,58, correspondendo € 83.831,51 ao valor de serviços e € 15.928,00 ao IVA.
P. As referidas Notas de Crédito em questão foram entregues à Sociedade A..., SA e por este recebidas e aceites no final do ano de 2002.
Q. De facto em 18 de Julho de 2003, e no âmbito do acordo global e final, celebrado entre a Recorrente e a referida A..., SA esta afirma em documento por si elaborado e dado como provado na douta sentença recorrida (al. C), enviado à Federação que: “De acordo com as conversações mantidas e com vista à regularização do acerto de contas entre a FAP e a A..., somos a devolver vossas notas de crédito n.º 2001-154 e 2001-153 e notas de débito n.º 2001-1 e 2001-2”
R. Tendo estes factos sido referidos em todos os depoimentos das testemunhas arroladas e que prestaram o depoimento na audiência, que inequivocamente afirmaram do envio das aludidas Notas e do conhecimento das mesmas pela A... no final do ano de 2002.
S. Com efeito, estes factos foram relatados ao pormenor pela testemunha Sr. B... anterior Presidente da ora Recorrente, que detalhou exaustivamente como é que a A... chegou a ter conhecimento das Notas enviadas pela Federação, e como se processou a cessação do contrato entre aquela empresa e a ora Recorrente.
T. Sendo certo que não é possível vislumbrar, como é que as aludidas Notas poderiam ser devolvidas pela aludida Sociedade em Julho de 2003, se a Federação não tivesse anteriormente enviado as referidas notas e a referida Sociedade tivesse conhecimento delas.
U. Não existindo dúvidas que, a A..., desde o final de 2002, teve conhecimento e reteve na sua posse as aludidas Notas até ao momento em que as devolveu, apenas em Julho de 2003.
V. O que levou por consequência, à ora Recorrente a não considerar na Declaração de IVA, que entregou no último trimestre de 2003, nem o valor referente aos serviços, nem o valor referente ao correspondente IVA.
W. Pelo que, a elaboração, entrega e aceitação das duas Notas de crédito anulam os serviços descritos nas facturas que subjazem àquelas, que assim deixaram de existir para efeitos de tributação.
X. De que resulta, inequivocamente não serem as mesmas passíveis de incidência de IVA.
Y. Uma vez que a liquidação adicional que serviu de base à decisão recorrida, assenta numa errónea quantificação dos rendimentos, e ou lucros, e ou dos valores patrimoniais envolvidos e dos próprios factos tributários.
Z. E foi prova em audiência de julgamento do conhecimento das aludidas notas pela A....
AA. Como dispõe o art. 71º nº 5 do CIVA: “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”.
BB. Ora, a lei não exige exclusivamente a prova documental para demonstrar o aludido conhecimento da referida empresa.
CC. Tendo as testemunhas em audiência, em especial, o Sr. B..., demonstrado como, e em que altura, a A... chegou a ter conhecimento das Notas enviadas pela Federação.
DD. Pelo que, a prova feita na referida audiência, e os documentos juntos na mesma, no nosso entendimento, foram mais do que suficientes para que o Tribunal decidisse de forma distinta do que fez.
EE. Não tendo sido posta em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, que esclareceram de forma inequívoca o Tribunal sobre a forma como a referida empresa tomou posse das mesmas, nem os aludidos documentos.
FF. Discordando-se totalmente da douta decisão recorrida, relativamente à conclusão de não ter sido produzida prova acerca do conhecimento das Notas pela A..., constatando-se um erro notório na apreciação da prova produzida.
GG. Por outro lado, face à referida prova produzida, também não faz sentido, na douta decisão, dar-se como provado o facto constante da al. C) e, posteriormente, como facto não provado, que a ora Recorrente não demonstrou que a A... não tinha conhecimento das aludidas Notas.
HH. Pelo que, salvo o devido respeito, no nosso entendimento, a douta decisão recorrida é nula, por clara violação do disposto no art. 125º do CPPT padecendo de uma contradição insanável da respectiva fundamentação e a decisão final, evidenciando-se um erro notório na apreciação da prova em que a mesma consubstancia.
II. Com efeito, atendendo ao teor da douta sentença proferida padece de um vício de contradição entre os factos constantes da al. C) dada como provada, e a constante do n.º1 do facto dada como não provado.
JJ. Face à prova produzida, constatamos que atendendo ao teor da sentença, existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa, uma vez que a fundamentação aponta num determinado sentido, e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, uma direcção diferente.
KK. O vício de contradição entre os fundamentos da decisão e a conclusão nela alcançada, conducente à declaração de nulidade, como vício formal que é, reconduz-se a uma falta de consequência lógico-formal entre as suas premissas e a conclusão alcançada, num encadeado lógico e consequente, em que os fundamentos mais não são do que esteio, o suporte, lógico e coerente, que a tal conduz, sendo aferida por ela própria, que não por outros fundamentos que dela não constam;
LL. Conduzindo logicamente os fundamentos invocados pela decisão recorrida, verifica-se no nosso entendimento, uma real contradição entre aqueles fundamentos (AL. C dos factos provados e facto não provado) e a decisão final, pois a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue outro, consubstanciando a nulidade prevista no artº 125º do CPPT consistente na oposição dos fundamentos com a subsequente decisão final.
MM. Pelo que, urge repor a justiça, revogando-se a decisão recorrida, com os ulteriores termos legais.”.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

A Ex.ma Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
A questão suscitada pela recorrente resume-se, em suma, para além da matéria da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, em apurar da bondade da decisão recorrida que sancionou a posição assumida pela AF ao considerar como indevida a dedução de IVA então efectuada com referência às Notas de Créditos descritas nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
“A) Em 28/03/2000, a Federação Portuguesa de Andebol e a A...– A..., S.A., acordaram, por escrito, a cedência dos direitos, designadamente, de publicidade, de transmissão audiovisual e de patrocínio - cf. De fls. 16 a 21 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) A Impugnante emitiu duas notas de crédito, a saber: uma com referência à “cessação contratual” com o n.º 153 e data de 30/12/2002, no montante de € 61.411,62, correspondendo € 51.606,40 ao valor dos serviços e € 9.805,22 ao valor do IVA. Outra, também com referência à “cessação contratual” com o n.º 154 e data de 30/12/2002, no montante de € 99.759,58, correspondendo € 83.831,51 ao valor de serviços e € 15.928 ao valor do IVA - cf. fls. 22 e 23 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) A A...– A..., S.A., dirigiu uma carta, datada de 16/07/2003, à ora Impugnante segundo a qual: “De acordo com as conversações mantidas e com vista à regularização do acerto de contas entre a FAP e a A..., somos a devolver vossas notas de crédito n.º 2001-154 e 2001-153 e notas de débito n.º 2001-1 e 2001-2 (…) - cf. fls. 24 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Na sequência da ordem de serviço n.º OI200500939, a Impugnante foi submetida a uma acção inspectiva, relativa ao exercício de 2002, da qual resultou um relatório, cujo conteúdo, em parte, segue:
«Enquadramento Fiscal da Actividade
O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, com direito à dedução de acordo com um dos métodos constantes do art. 23.º do IVA (…)
Análise Documental
B.8.6 – Conforme determina o n.º 5 do Art.º 71 do CIVA, quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. Esta situação ocorreu aquando da cessação de um contrato com a A... - A..., S.A., NIPC: ..., com a emissão das Notas de Créditos n.ºs 153 e 154 (…), sem que se verifiquem as condições exigidas para a sua regularização (…)
C – Quantificação dos valores das correcções
C.3 - IVA
Em função dos factos relatados no Ponto B.8.6, apurámos imposto deduzido indevidamente (n.º 5 do artigo 71.º do CIVA), por critérios objectivos e meramente aritméticos (Art.ºs 19.º a 26.º e 40.º do CIVA), na importância global de €: 25.733,22 (…), referente ao período de 02-12T.
Direito de Audição (…)
Analisada a audição ao Projecto de Relatório, cumpre-nos responder ao seguinte:(…)
Itens: Capítulo II – B 8.6 e C.3
Alega o sujeito passivo que a carta da empresa A..., mencionada no exercício do direito de audição (Folhas 216 do Anexo 26), verifica «…o pressuposto legalmente exigido» para a regularização do imposto.
Dissecada a aludida missiva verificam-se os seguintes factos:
- que as operações em causa foram iniciadas no ano de 2001, conforme Notas de Débito n.º 2001-1 e 2001-2;
- que a devolução dessas Notas de Débito e das Notas de Crédito n.ºs 2001-153 e 2001-154, ocorreu apenas em Julho do ano de 2003 (Carta com devolução de documentos datada de 16 de Julho de 2003).
Desta forma, poder-se-á concluir que não foram cumpridas todas as condições determinadas no Art.º 71 do CIVA, nomeadamente quanto ao facto da rectificação do imposto só poder ser efectuada pelo sujeito passivo, quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, conforme refere expressamente o seu n.º 5. Como o sujeito passivo regularizou o imposto a seu favor em Dezembro de 2002 e só reuniu as hipotéticas condições para tal em Julho do ano seguinte, mantêm-se as correcções propostas.
Propostas
C – Imposto sobre o valor acrescentado
A fim de se proceder à liquidação adicional prevista na alínea n.º 3 do Art.º 82 do CIVA, será elaborado o correspondente documento de correcção única, para o ano de 2002:
IVA – Período: 02-12T – 25.733,22 (…) - cf. fls. 27 a 62 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Sobre este Relatório e um Parecer do Chefe de Equipa recaiu o despacho, de 28/06/2006, que ora se transcreve: «Concordo (…)»
F) A Impugnante tomou conhecimento do “Relatório de Inspecção Tributária” e do teor do despacho que sobre o mesmo recaiu - cf. fls. 51 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) A Impugnante tomou conhecimento da liquidação adicional (n.º 06349910) de IVA, referente ao período “02-12 T”, no valor de €: 25.733,22, cujo limite de pagamento era o dia 31/01/2007 - cf. fls. 14 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Bem como da liquidação (n.º 06349911) dos juros compensatórios, referentes ao período “02-12 T”, no valor de €: 3.519,46, cujo limite de pagamento era o dia 31/01/2007 - cf. fls. 15 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) A Impugnante apresentou reclamação graciosa, que veio a ser indeferida por despacho de 17/05/2007 - cf. De fls. 2 a 58 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Factos não Provado
1. Não provado que, em Dezembro de 2002, a Impugnante tinha em seu poder um comprovativo assim como a A...– A..., S.A., tomou conhecimento da rectificação dos valores, referentes ao IVA, em virtude da emissão das notas de crédito n.º 153 e n.º 154.
*
A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se nos documentos para os quais remete o probatório, atenta não só a fé que merecem, mas também por não terem sido impugnados, além de versarem sobre factos sobre os quais há consenso das partes.
Já quanto ao facto não provado, importa referir que o mesmo resultou da falta de elementos de prova que confirmassem o seu teor, não bastando para formar a convicção do Tribunal sobre a veracidade do aí questionado, os meios de prova - designadamente, a testemunhal -, para o efeito, produzidos.”.
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:
J) No ano de 2002, a Impugnante Federação de Andebol de Portugal, com o NIPC 501 361 375 encontrava-se colectada em I.R.C. no regime geral e, em I.V.A., no regime normal de periodicidade trimestral ( fls. 33 do PAT apenso ).
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que atendendo ao teor da douta sentença proferida padece de um vício de contradição entre os factos constantes da al. C) dada como provada, e a constante do n.º1 do facto dada como não provado e face à prova produzida, constatamos que atendendo ao teor da sentença, existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa, uma vez que a fundamentação aponta num determinado sentido, e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, uma direcção diferente, sendo que o vício de contradição entre os fundamentos da decisão e a conclusão nela alcançada, conducente à declaração de nulidade, como vício formal que é, reconduz-se a uma falta de consequência lógico-formal entre as suas premissas e a conclusão alcançada, num encadeado lógico e consequente, em que os fundamentos mais não são do que esteio, o suporte, lógico e coerente, que a tal conduz, sendo aferida por ela própria, que não por outros fundamentos que dela não constam, conduzindo logicamente os fundamentos invocados pela decisão recorrida, verifica-se no nosso entendimento, uma real contradição entre aqueles fundamentos (AL. C dos factos provados e facto não provado) e a decisão final, pois a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue outro, consubstanciando a nulidade prevista no artº 125º do CPPT consistente na oposição dos fundamentos com a subsequente decisão final.
Neste ponto, cumpre notar que esta causa de nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto, ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído. “A lei refere-se, na alínea c) do nº 1 do art. 668, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente. ... Nos casos abrangidos pelo art. 668º, nº 1, al. c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pags. 689 e 690.).
Por outras palavras, e socorrendo-nos do conceito de silogismo, temos que a sentença deve ter uma estrutura argumentativa lógica, no sentido de que as premissas precedem a conclusão, que delas deve decorrer naturalmente. Pelo que, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, sob pena de nulidade da decisão.
Como decorre do texto daquela norma, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
No caso em apreço, a alegação da Recorrente tem como pano de fundo a invocada contradição entre os factos constantes da al. C) dada como provada, e a constante do n.º1 do facto dada como não provado e face à prova produzida, considerando que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue outro,
Nesta medida, e perante estes elementos e a análise da decisão recorrida, não se detecta qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, mas, eventualmente, contradição entre fundamentos da sentença que, a existir, não implicará nulidade desta, mas sim erro de julgamento.

Em momento anterior, a Recorrente começou por afirmar que as referidas Notas de Crédito em questão foram entregues à Sociedade A..., SA e por este recebidas e aceites no final do ano de 2002, sendo que em 18 de Julho de 2003, e no âmbito do acordo global e final, celebrado entre a Recorrente e a referida A..., SA esta afirma em documento por si elaborado e dado como provado na douta sentença recorrida (al. C), enviado à Federação que: “De acordo com as conversações mantidas e com vista à regularização do acerto de contas entre a FAP e a A..., somos a devolver vossas notas de crédito n.º 2001-154 e 2001-153 e notas de débito n.º 2001-1 e 2001-2”, tendo estes factos sido referidos em todos os depoimentos das testemunhas arroladas e que prestaram o depoimento na audiência, que inequivocamente afirmaram do envio das aludidas Notas e do conhecimento das mesmas pela A... no final do ano de 2002.
Com efeito, continua a Recorrente, estes factos foram relatados ao pormenor pela testemunha Sr. B... anterior Presidente da ora Recorrente, que detalhou exaustivamente como é que a A... chegou a ter conhecimento das Notas enviadas pela Federação, e como se processou a cessação do contrato entre aquela empresa e a ora Recorrente, sendo certo que não é possível vislumbrar, como é que as aludidas Notas poderiam ser devolvidas pela aludida Sociedade em Julho de 2003, se a Federação não tivesse anteriormente enviado as referidas notas e a referida Sociedade tivesse conhecimento delas, não existindo dúvidas que, a A..., desde o final de 2002, teve conhecimento e reteve na sua posse as aludidas Notas até ao momento em que as devolveu, apenas em Julho de 2003, o que levou por consequência, à ora Recorrente a não considerar na Declaração de IVA, que entregou no último trimestre de 2003, nem o valor referente aos serviços, nem o valor referente ao correspondente IVA, pelo que, a elaboração, entrega e aceitação das duas Notas de crédito anulam os serviços descritos nas facturas que subjazem àquelas, que assim deixaram de existir para efeitos de tributação, de que resulta, inequivocamente não serem as mesmas passíveis de incidência de IVA, uma vez que a liquidação adicional que serviu de base à decisão recorrida, assenta numa errónea quantificação dos rendimentos, e ou lucros, e ou dos valores patrimoniais envolvidos e dos próprios factos tributários e foi feita prova em audiência de julgamento do conhecimento das aludidas notas pela A..., até porque a lei não exige exclusivamente a prova documental para demonstrar o aludido conhecimento da referida empresa, tendo as testemunhas em audiência, em especial, o Sr. B..., demonstrado como, e em que altura, a A... chegou a ter conhecimento das Notas enviadas pela Federação, pelo que, a prova feita na referida audiência, e os documentos juntos na mesma, no nosso entendimento, foram mais do que suficientes para que o Tribunal decidisse de forma distinta do que fez, de modo que, não tendo sido posta em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, que esclareceram de forma inequívoca o Tribunal sobre a forma como a referida empresa tomou posse das mesmas, nem os aludidos documentos, discorda-se totalmente da douta decisão recorrida, relativamente à conclusão de não ter sido produzida prova acerca do conhecimento das Notas pela A..., constatando-se um erro notório na apreciação da prova produzida.

Neste domínio, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC - na redacção anterior ao DL n.º 303/07, de 24.08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690.º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, tem de entender-se que a Recorrente não seguiu o melhor caminho no sentido de lograr sucesso na sua demanda, pois que, lidas as alegações e conclusões de recurso, este Tribunal não pode deixar de concluir que, a este propósito, a Recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem procedeu ao enquadramento dos meios de prova que impunham uma decisão diferente daquela que foi feita na sentença recorrida.
Com efeito, e com referência à matéria descrita no probatório, impunha-se à Recorrente apontar qual a alínea ou alíneas onde estão vertidos os pontos de facto incorrectamente julgados, na medida em que os concretos pontos de facto impugnados devem ser apontados nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão, sendo que quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.
Assim, no caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, especificamente quanto à concreta factualidade deficientemente julgada e constante dos articulados das p.i. que o mesmo chama à colação.
Apesar de tudo o aludido supra, e do que mais à frente será exposto, sempre se dirá que no âmbito das suas alegações, a Recorrente alude a elementos que se verifica terem sido ponderados pelo Tribunal (depoimento das testemunhas apontadas e documentos descritos), não se retirando da alegação da Recorrente elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que, como se disse, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Além disso, cabe notar que o facto constante da al. C) do probatório não está, efectivamente, em contradição com a matéria considerada como não provada.
Na al. C) do probatório aponta-se que a A...– A..., S.A., dirigiu uma carta, datada de 16/07/2003, à ora Impugnante segundo a qual: “De acordo com as conversações mantidas e com vista à regularização do acerto de contas entre a FAP e a A..., somos a devolver vossas notas de crédito n.º 2001-154 e 2001-153 e notas de débito n.º 2001-1 e 2001-2 (…) - cf. fls. 24 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, ou seja, o facto descrito traduz o envio de uma missiva com o conteúdo descrito.
Quanto à matéria não provada, refere-se que “não provado que, em Dezembro de 2002, a Impugnante tinha em seu poder um comprovativo assim como a A...– A..., S.A., tomou conhecimento da rectificação dos valores, referentes ao IVA, em virtude da emissão das notas de crédito n.º 153 e n.º 154”.
Trata-se de realidades distintas, sendo de notar o enquadramento temporal que envolve o facto não provado, situação que retira qualquer virtualidade à pretensão da Recorrente, não podendo existir qualquer contradição entre estes dois elementos.
E mesmo considerando que o dito facto não provado alude a dois elementos diferentes, o que aconselha a sua descrição em separado, e admitindo que a língua portuguesa poderia ter sido utilizada de forma mais cuidada para traduzir a matéria em apreço, é manifesto que os elementos em apreço respeitam a Dezembro de 2002 e a realidade que emerge da missiva aludida em C) respeita ao enquadramento da mesma, não existindo aqui qualquer elemento que possa ser apontada em abono da tese da Recorrente.
Improcedem, deste modo, estas conclusões das alegações de recurso neste domínio.

Sobre a matéria em crise, diga-se que a sentença considerou que era necessário que a ora Recorrente tivesse, em Dezembro de 2002, na sua posse prova de que a A... tomou conhecimento da rectificação do imposto em causa, sendo que se impunha à ora Recorrente a prova de tal realidade.
Neste domínio, cabe referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 8/10/2002, proc.6180/02).
Por último, dir-se-á que tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do I.V.A. do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04).
Avançando para o caso dos autos, dispõe o artº 71º, nº 5 do CIVA que “quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução”.
Decorre do referido preceito legal que a ora recorrente podia deduzir o IVA em apreço, sendo que para isso, era necessário que tivesse na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do respectivo imposto.
Ora, tal como se decidiu, é para nós seguro que, no caso dos autos, não se perfila que estejam verificados estes pressupostos.
Desde logo, como bem refere a sentença recorrida, era necessário que a ora Recorrente tivesse, em Dezembro de 2002, na sua posse prova de que a A... tomou conhecimento da rectificação do imposto em causa, sendo que se impunha à ora Recorrente a prova de tal realidade.
Pois bem, nenhuma prova foi encontrada na disponibilidade da impugnante - e era sobre ela que recaía esse ónus ex vi do citado preceito legal - que nos permita concluir que a A... tomou conhecimento em tempo oportuno da rectificação por aquela efectuada, em virtude da emissão da nota de crédito ou que foi reembolsada do imposto, sendo certo que essa prova podia ter sido feita através de qualquer documento idóneo.
Além disso, deparamos com uma situação que teria de ser tratada de forma peculiar, dado que, as notas de crédito em apreço foram emitidas em 30 de Dezembro de 2002, não existindo uma única palavra da Recorrente sobre este elemento, quando seria natural que a situação tivesse sido tratada de forma diferente e existisse prova mais cabal sobre a situação, em função dos contornos da mesma.
Até porque, como também se aponta na decisão recorrida, estamos perante uma situação que evidencia bem o carácter formalista do IVA, com vista a evitar a fuga e a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem.
Em consequência, bem andou a Administração Tributária ao considerar como indevida a dedução então efectuada.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 13 de Março de 2012

PEDRO VERGUEIRO
PETREIRA GAMEIRO
JOAQUIM CONDESSO