Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:776/08.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
PRESUNÇÃO DE VENDA DE BENS NÃO ENCONTRADOS NO LOCAL
Sumário:A invocação da presunção de vendas, para efeitos de liquidação do IVA em falta, exige a prova, concludente, de que os registos de inventários não são credíveis e de que a base tributária do imposto é outra, diversa da espelhada na contabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
A Fazenda Pública não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 05/01/2022 e inserta a fls. 630 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a impugnação judicial intentada pelo P………. D………… – Distribuição …………., Lda., visando a anulação das liquidações adicionais do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2004, bem como as associadas liquidações de juros compensatórios, na parte correspondente a € 520.589,22 de imposto e 77.870,82, de juros compensatórios.
A Recorrente rematou a sua alegação recursória, incorporada a fls. 644 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), com as seguintes conclusões:”
I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 com os nºs ……….. (0401), ……….. (0402), …………. (0403), ……….(0404), ………….. (0405), ……….. (0406), ………….. (0407), ………….. (0408), ………. (0409), …………….(0410), …………. (0411) e ……….. (0412), na parte da correção relativa à presunção prevista no artigo 80º do CIVA no valor de 520.589,22€ de imposto e 72.870,82€ de juros compensatórios.
II) As liquidações em causa resultam de ação inspetiva que, relativamente ao IVA, logrou levar a cabo uma correção a uma parte das Quebras nas Existências de Produtos Alimentares e Não Alimentares, denominada, Diferenças em Inventários, sobre as quais relativamente aos produtos adquiridos, importados ou produzidos se desconhece a origem dessas diferenças, e, concomitantemente, do motivo pelo qual esses bens não se encontram no local onde o sujeito passivo exerce a sua atividade económica, presumindo-se, por essas razões, a sua transmissão, à luz do art 80º do CIVA - e liquidado o IVA correspondente.
III) Reconhecendo-se que foi sancionada a possibilidade de, mediante a incrementação de um sistema organizativo os custos destas quebras poderem ser aceites, dependendo, naturalmente, da análise das situações concretas em que ocorreram e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o setor de atividade - apurou-se em sede inspetiva, constituindo fundamentação do RIT, que, por um lado, não há evidência de que a Impugnante tenha desenvolvido procedimentos de controlo interno que minimizassem a ocorrência deste tipo de divergências que a própria assume serem reais.
IV) Uma coisa é reconhecer que, mesmo com um sistema organizativo, não é possível eliminar integralmente estes fenómenos. Coisa diferente é não ter um sistema de controlo interno que permita dar resposta à origem deste tipo de quebras permitindo que no universo das Quebras alimentares e Não Alimentares de € 13.950.470,42, este particular tipo de quebra sobre o qual se desconhece a origem possa corresponder a € 5.738.956,25, ou seja, que fique por apurar a origem de mais de 41% do total das Quebras (Facto provado em C).
V) Far-se-á justiça à Recorrente se reconhecermos que os SIT até foram coerentes face ao entendimento vertido no Parecer nº 63/92 do Centro de Estudos Fiscais, e na Informação Vinculativa sufragada no despacho de 29-06-2009 processo A……………009 proferido pela Direção Geral dos Impostos quando cita uma informação do IRC que dá conta da insipiência do sistema de controlo interno relativamente a este tipo de quebras, para o qual não basta o cumprimento do pressuposto formal quando falha o pressuposto substancial.
VI) Não é consistente que um tribunal possa afirmar ou trazer à colação a credibilidade da contabilidade da Impugnante (ou a falta dela) porque podemos estar perante uma insuficiência qualitativa da própria contabilidade (desconhece-se a origem da quebra) face aquilo que o sujeito passivo inventariou fisicamente, sem que isso coloque em causa a presunção de boa fé declarativa ou sequer colocou em causa a própria quantificação deste tipo de quebra.
VII) A Impugnante foi questionada sobre os factos que estão na base das diferenças de inventário em termos contabilísticos - não tendo dado resposta concreta ao assunto. Em sede inspetiva nada referiu aos SIT, e, nos presentes autos - supõe que possam ser lapsos, mas sem o afirmar ou provar concretamente.
VIII) Manifestamente, em termos quantitativos a diferença de inventário lançada, qual seja... não é irrelevante... Como já afirmámos supra este particular tipo de quebra sobre o qual se desconhece a origem corresponde a € 5.738.956,25, ou seja, mais de 41% do total das Quebras.
IX) Afirmar-se, pois, que a AT não colocou em causa a credibilidade da escrita é apenas uma forma de menosprezar a fundamentação que sobressai do Relatório de Inspeção Tributária, não obstante as detetadas insuficiências associadas a um sistema de controlo interno insipiente na identificação da origem deste tipo de quebras conforme o próprio sujeito passivo provou a partir da inventariação física que fez.
X) Em todo o caso, afigura-se-nos claro que a correção a este tipo de quebras não está necessariamente dependente de qualquer tomada de posição por parte dos SIT no sentido de invocar a falta de credibilidade da escrita da Impugnante, pois que é esta quem reconhece e evidencia a referida discrepância a partir da inventariação física dos bens e os registos contabilísticos permitindo concluir pela falta física daqueles no que respeita ao preenchimento dos pressupostos da sua transmissão.
XI) Não há uma real necessidade de ter de ser a AT a promover uma inventariação física dos bens e a evidenciar a discrepância entre ela e os registos contabilísticos, quando o próprio sujeito passivo já está legalmente obrigado a manter um inventário permanente e que o obriga, a pelo menos uma contagem física dos bens no fecho de cada exercício.
XII) Dando-se provado estes factos, ocorre-nos desde já detetar uma contradição insanável entre estes (N e O) e a fundamentação da sentença recorrida que assenta o seu discurso no facto da AT se ter alicerçado apenas em factos registados na contabilidade, o que, não corresponde precisamente à verdade - pois que esse registo é lançado na sequência da inventariação física levada a cabo pela Impugnante.
XIII) A AT não evidenciou qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens e os registos contabilísticos porque, simplesmente, não precisou. É a própria Impugnante, obrigada que está a deveres legais (à adoção do inventário permanente) e por via da sua atividade económica (inventariações físicas no fecho de cada exercício), quem apura discrepâncias de bens não detetados no armazém e que não são divergências meramente contabilísticas.
XIV) Este facto axiomático se não rebate, de forma decisiva, a própria premissa do entendimento jurisprudencial que tem vindo a ser sufragado por este Venerando TCA Sul citado na sentença recorrida no sentido de exigir inutilmente à AT que seja ela a realizar essas inventariações físicas - torna-a, pelo menos inaplicável ao caso em apreço em virtude dos deveres legais a que a Recorrida está sujeita em termos de inventário e ao modo como esta realiza periodicamente os seus inventários físicos.
XV) Interessa-nos, perceber de que forma é que a AT, no seio da ação inspetiva, pode proceder à verificação ou contagem física das existências e aí constatar a falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados - aproveitando assim a presunção do art. 86º do CIVA.
XVI) A AT quando procede a ações inspetivas, fá-lo tendo por objeto anos anteriores, sem ter qualquer possibilidade de inventariar fisicamente os bens em armazém desses anos.
XVII) O inventário do sujeito passivo não é propriamente a lista de compras de uma qualquer ida ao supermercado depois de detetada a falta do produto na despensa. Os bens estão constantemente a entrar e a sair do armazém. No ano em que se vai lá... e levando a quase totalidade das equipas de inspeção tributária... é possível que a AT consiga proceder a uma contagem física do inventário do sujeito passivo, mas, o objeto da correção reporta-se a anos anteriores - pelo que a única forma que tem de apurar as diferenças em inventário de anos anteriores é, a partir do inventário físico do ano O, proceder à reconciliação, a partir da contabilidade de anos anteriores até chegar ao ano da correção.
XVIII) Mas a reconciliação pressupõe que a partir de certa altura essa reconstituição se faça por via da análise documental e contabilística - pois que já não é possível inventariar fisicamente o passado. A mercadoria já não está lá para se confirmar.
XIX) A partir do ano anterior àquele a que a AT se desloca para inspecionar o que se apura já só pode decorrer do registo contabilístico e extra contabilístico do contribuinte. Situação que a jurisprudência deste TCA Sul não aceita.
XX) A única hipótese seria espoletar uma ação inspetiva de verificação ou contagem física das existências no fecho do exercício..., exercício... para o qual ainda não há sequer, obviamente, a possibilidade de ocorrerem eventuais divergências declarativas no capítulo do apuramento da matéria tributável porque o sujeito passivo tem até maio do ano seguinte para apresentar a sua autoliquidação
XXI) Para além da evidente falta de legitimidade com que AT podia partir para uma inspeção tributária, à AT cabe observar e corrigir a realidade tributária do sujeito passivo, não as divergências contabilísticas, cujos efeitos fiscais até podem ser supridos até ao termo da entrega da Mod 22.
XXII) Vejamos então se lográmos alcançar o raciocínio... a AT, pode se prevalecer da presunção prevista no artigo 80.º do CIVA, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido - se, note-se, lograr proceder a uma qualquer contagem física do inventário do sujeito passivo desafiando as leis da física.
XXIII) E para que não haja dúvidas à Administração Fiscal de como esta é uma matéria que deve fugir à sua ação, se proceder a uma inventariação física atinente ao ano em que realizou a inspeção também não pode, por via da reconciliação, procurar apurar a referida discrepância pois que esta, logo a partir do ano anterior, já só poderá ser obtida a partir da documentação contabilística e extracontabilística - o que não é autorizado pela citada orientação jurisprudencial.
XXIV) Finalmente, se a Impugnante apurar ela própria as referidas discrepâncias a partir das contagens físicas ao inventário que realiza no seio da sua atividade económica face ao que decorre da sua contabilidade - a AT também não pode corrigir porque... abalando-se a presunção de boa fé declarativa de que beneficia o sujeito passivo à luz do art. 75º, nº 1, da LGT, invertendo-se justa e legalmente o ónus da prova nos termos do nº 2 do referido regime..., ainda assim, é do conhecimento comum e decorre das regras da experiência que as quebras de inventário nos estabelecimentos de comércio a retalho constituem fenómenos inerentes à atividade das empresas..., e, portanto, mesmo que se desconheça a origem das referidas diferenças em inventário e que o sistema de controlo interno não permita identificar a origem de quase 50% das quebras - por algum motivo deve a Impugnante ficar dispensada de cumprir o ónus que lhe cumpre provar, nos termos do art. 75º, nº 1 e 2 da LGT.
XXV) Se não se abalar a presunção de boa fé declarativa, apesar das discrepâncias terem sido apuradas pela Impugnante por via do confronto das contagens físicas que realizou face ao que tem registado na contabilidade - outra solução não sobra à Administração Fiscal senão desafiar as leis da física e proceder à contagem física dos bens existentes no armazém relativamente ao ano da correção.
XXVI) A presunção que decorre do art 80º, do CIVA não depende da ocorrência de factos suscetíveis de indiciar a prática de factos evasivos ou fraudulentos. Basta-se com a legítima discrepância apurada pelo inventário físico para a qual não há justificação
XXVII) Este entendimento é insustentável, ofende a própria racionalidade do argumento - pelo que, salvo o devido respeito, deve ser revisto, julgando-se improcedente a presente Impugnante por não se vislumbrar vício de lei no cumprimentos dos pressupostos que autorizam a Administração Fiscal a recorrer à presunção prevista no art. 80º do CIVA, a qual não foi ilidida pois que em momento algum a Impugnante consegue identificar a origem das referidas discrepâncias nem a prova testemunhal o logrou demonstrar.
XXVIII) Não se apurou nem ficaram assentes factos que terão concretamente identificado a origem das referidas diferenças em inventário. Note-se, por exemplo, que, mau acondicionamento de frescos nos locais de exposição quando muito deveria ter sido contabilizado na parte relativa a bens deteriorados, que, aliás, até foram aceites pela AT. Este é um exemplo que revela bem a ausência de conhecimento dos motivos que concorrem para o apuramento daquele tipo de discrepâncias. Semelhante raciocínio se poderia fazer relativamente a situações de prova de frutos por parte dos clientes.
XXIX) Questão curiosa e que ofende inapelavelmente a experiência comum; as regras atinentes à valoração da prova e à sua conjugação com o facto provado B, no âmbito daquela que deve ser a formação da convicção do julgador - é dar-se por provado o Facto J (As quebras nas existências de natureza não alimentar e alimentar são e têm vindo a ser uma das principais preocupações de gestão da Impugnante (...) e que as quebras detetadas no momento da inventariação periódica de bens são originadas pela suposta ocorrência de furtos não identificados - e - todavia, as diferenças de inventário correspondem a 80% do total das quebras de bens não alimentares, e a 95% das quebra não alimentares provenientes do roubo. Como explicar esta discrepância perante condutas tão semelhantes?
XXX) Entendemos, pois, que estando em causa quebras para as quais não há identificação da sua proveniência não basta à Impugnante produzir depoimentos abstratos e não basta ao tribunal a quo socorrer-se das suas suposições e generalidades para julgar ilidida a presunção prevista no art. 80º do CIVA.
XXXI) Estão em causa os seguintes erros de julgamento:
Contradição insanável entres os FACTOS dados por provados em N) e O) face a uma fundamentação que assenta na ideia de que a AT corrigiu a situação tributária da Impugnante apenas alicerçada em documentos contabilísticos e extracontabilísticos, na esteira da jurisprudência que cita e que aqui, em todo o caso, sempre seria inaplicável.
- Incorreta apreciação jurídica, a qual, com todo o respeito por este Venerando TCA Sul, se mostra assente em jurisprudência absolutamente insustentável face aos princípios, fins e atribuições que norteiam a atividade da Recorrente na observação da realidade tributária permitindo a prática da evasão e fraude fiscal
- Incorreta apreciação da prova, nomeadamente, face à fundamentação que decorre do Relatório de Inspeção Tributária, a qual não foi abalada pelos elementos apresentados.
XXXII) Mostra-se violado o disposto nos arts. 74º, 75º, nº 1 e 2, ambos da LGT; art 80º, do CIVA na redação dada à data dos factos; 607º, nº 5, do CPC e 396º do CC
Termina, pugnando pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
X
A sociedade recorrida, P………… D………….- Distribuição …………, Lda, apresentou contra-alegações (requerimento de fls. 682 e ss. numeração do processo em formato digital – sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte: “
a. Através do presente recurso pretendeu a AT reagir contra a douta decisão que julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida contra os atos tributários de liquidação ……………. (0401), …………….. (0402), ………….. (0403), ………… (0404), ……………. (0405), ………………..(0406), …………….(0407), ………… (0408), ………….. (0409), ………… (0410), …………… (0411) e ………….(0412), relativos a IVA, e, bem assim, as liquidações de juros compensatórios ............ (0401), ……………. (0402), …………… (0403), …………. (0404), …………. (0405), ………. (0406), ……………(0407), ………………..(0408), ………….(0409), …………..(0410), ………….. (0411), …………… (0412), (cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial), aqui impugnados, em resultado de uma inspeção tributária levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») ao exercício de 2004.
b. A recorrente imputa à sentença recorrida um erro na interpretação da matéria de facto e um erro na interpretação da matéria de direito, erros estes que, contudo, na perspetiva da recorrida, não se verificam de todo.
c. Na verdade, o Tribunal a quo foi colocado perante uma significativa densidade factual, toda ela suportada documentalmente e corroborada por via de depoimentos testemunhais, considerados credíveis e convenientemente contextualizados. No capítulo que dedicou à factualidade provada, o Tribunal a quo fez uma ponderação adequada da mesma, tendo nela sumariado os aspetos que considerou de maior pertinência para os efeitos da sua aplicação ao direito mobilizável.
d. À recorrida afigura-se correta e suficiente essa ponderação, sobretudo tendo em conta a matéria de direito para que a mesma foi convocada e os objetivos probatórios para que a mesma se mostra concretizada.
e. Nestes termos, é razoável considerar que o Tribunal foi influenciado, na sua decisão de direito, pelos factos que as partes aportaram aos autos, sendo a sua demonstração feita por ausência de contraditório, por via documental e por via probatória testemunhal, conforme se expos desenvolvida e circunstanciadamente.
f. Com efeito, tendo por base o enquadramento fáctico exposto – e que o Tribunal a quo considerou na respetiva fundamentação –, não pode a análise de direito deixar de revestir o sentido que a sentença recorrida lhe atribui. Um diferente sentido para o decidido estaria em frontal oposição com a realidade factual acima retratada e nunca oportunamente negada ou contraditada pela aqui recorrente.
g. Assim, a propósito da matéria de direito colocada à apreciação do Tribunal, e antes mesmo de mais desenvolvimentos, continua implícito no espírito da recorrente a ideia – aos olhos da recorrida, inaceitável – segundo a qual pode ser presumida a venda de existências que bem se reconhece terem sido objeto de inutilização, por força de um fenómeno absolutamente reconhecido e comummente admitido no setor de atividade sobre que nos detemos.
h. É, pois, evidente que os argumentos em que a recorrente entende poder continuar a sustentar a liquidação aqui impugnada, são manifestamente insuficientes – dir-se-ia mesmo, manifestamente forçados – para permitir presumir a transmissão onerosa dos bens adquiridos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade, o que se traduz num vício de fundamentação imputável aos serviços, extensível agora às alegações que dão suporte ao recurso interposto.
i. Assim: os atos impugnados fizeram impender uma obrigação sobre a recorrida, apesar de deles não ser possível retirar, concludente e fundadamente, os motivos da liquidação ou as disposições legais que se consideram violadas: o Relatório de Conclusões da Ação Inspetiva, em que assentam os atos impugnados, limita-se a mencionar que o sujeito passivo deveria ter tomado as providências necessárias à comprovação inequívoca do destino dado aos bens; não o tendo feito, presumem-se, conclui a AT, transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem na empresa.
j. Esta suposta justificação, não só não é suficiente, como não é clara nem congruente, além de pouco estável na sua formulação: a AT admite, quanto às restantes causas de quebra, que a explicação dada a respeito dos procedimentos adotados pela recorrida nesta matéria e que a prova documental e testemunhal produzida nesse domínio, são suficientes para ilidir a presunção que fez recair sobre os produtos que se encontram nessas circunstâncias; já a respeito de um tipo específico de causa de quebra, a recorrente entende agora poder impor uma prova de sentido negativo, volvidos que estão vinte anos da sua verificação.
k. É flagrante que esta exigência é excessiva e de difícil – para não dizer impossível – cumprimento, mas a mesma torna-se verdadeiramente excêntrica se notarmos que, a seu respeito e como seu pressuposto, não vem convocada qualquer explicação, qualquer dúvida fundada em elementos concretos, qualquer irregularidade a cuja arguição não tivesse sido dada uma cabal resposta por parte da recorrida.
l. A recorrida está, assim, em crer que a alegação apresentada pela recorrente como fundamento para o presente meio de reação contra a sentença produzida pelo Tribunal de primeira instância está insuficientemente fundamentada, além de acrescentar um ónus de demonstração, que – sendo impossível, porque baseado num dever de prova negativa – é evidentemente extemporâneo, na perspetiva em que nunca antes havia sido suscitado em termos que pudessem ser convenientemente contraditados.
m. Seja como for e sem prejuízo do que vem de ser dito, a verdade é que só por erro pode a recorrente insistir na tese de que ao caso pode e deve ser aplicado o disposto no artigo 80.º do CIVA, sem que, insista-se, tivesse recorrido ao regime próprio dos métodos indiretos. É que o artigo 80º do CIVA estabelece que “salvo prova em contrário, presumem-se (…) transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se encontrarem em qualquer desses locais” (o sublinhado é nosso) e a determinação do lucro tributável por métodos indiretos corresponde precisamente a um processo excecional de fixação por presunções que, para o efeito, parte de determinados elementos conhecidos, para, através deles, concluir ou indiciar um determinado valor que se tornou impossível de apurar pelos mecanismos normais consagrados na lei.
n. Trata-se de uma forma de superar as situações resultantes do incumprimento, por ação ou omissão, pelo contribuinte e/ou por terceiros de certas obrigações que, se observadas, forneceriam os dados necessários à determinação correta daqueles valores.
o. Ora, tal nunca serviu – e continua a não servir – de fundamento à posição adotada pela recorrente, como, aliás, não poderia servir atenta a veracidade das declarações da recorrida e, bem assim, a idoneidade da respetiva contabilidade.
p. Pelo contrário, à AT cabe um verdadeiro ónus de demonstração – consubstanciada numa prova exigente e inquestionável – da verificação destas premissas.
q. Assim têm decidido os nossos tribunais superiores: cite-se, por todos, um excerto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 10.06.2005, no âmbito do Processo nº 00314/04 – VISEU, nos termos do qual “o método indiciário ou presuntivo constitui um método excepcional de apurar o facto tributário, que só pode ter lugar quando o contribuinte não cumpre os deveres de cooperação a que está obrigado, designadamente o dever de ter a contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal e o de entrega da declaração periódica de rendimentos”. Este tribunal revelou, no referido acórdão, o entendimento segundo o qual, só é permitido à Administração fiscal “ultrapassar a declaração (do contribuinte) e proceder a uma liquidação rectificativa quando, fundadamente, conclua que daquela consta uma dedução superior ou um imposto superior aos devidos (art. 82º nº 1 do CIVA). E só no caso de a AF demonstrar, sem margem para dúvidas, através do controle efectuado, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade, por conter omissões, erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável do contribuinte, lhe é permitido proceder à tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou (nº 4 do art. 82)”.
r. Acontece, pois, que só é possível efetuar uma presunção a partir de um facto conhecido, sendo certo que o facto conhecido que serve de base à presunção tem de ser sempre provado e firmado. E, para eliminar a presunção, basta que se comprove que o facto-base não se verificou nos termos invocados – sublata causa cassat effectus. Bem lembrava, a propósito, o autor Virgílio Pires, segundo o qual “o facto conhecido ou base da presunção legal tem, pois, de ser sempre e necessariamente objecto de prova directa, para sobre ela (e por causa dela), se estabelecer a presunção que há-de conduzir ao facto desconhecido, presumido ou principal”
s. Ora, no caso sub judice, não só não ficou provada a existência do tal facto conhecido que permitia firmar o facto desconhecido, como não ficou provada a necessidade de recorrer a presunções atentos os seguintes fatores: (a) a existência de uma contabilidade idónea; (b) a exibição de todas as declarações e informações requeridas; (c) a colocação à disposição de todo o acervo documental suscetível de permitir controlar a classificação das mercadorias impróprias para vendas como quebras; (d) e, finalmente, a normalidade do fenómeno das quebras associadas a diferenças de stock no sector de atividade no qual a ora impugnante se insere, por causas várias, apenas detetáveis por perceção no momento da inventariação física dos bens.
t. Estes fatores corroboram, sem margem para dúvidas, a natureza de quebra – de resto nunca verdadeiramente questionada por parte da Administração fiscal – dos valores registados pela impugnante, os quais, dizendo respeito a existências não representadas no inventário final das existências, são originados por diversas causas não identificadas (muitas vezes não identificáveis) mas reconhecidamente transversais a todo o sector e absolutamente correntes atento o universo do stock em causa: do conjunto dessas causas, retiram-se os casos de furtos não identificados, de deficiente qualificação das existências no momento da sua inventariação, de erro no processo de inventariação, de erro provocado por falha humana no próprio processo de contagem física dos bens, etc., e consequentemente, a fragilidade e falta de sustentabilidade dos indícios utilizados pela Administração, completamente desajustados do fim que se pretende atingir com a utilização de presunções.
u. A sua utilização, em clara ofensa dos preceitos legais que lhe reservam um regime excecional, balizado pelos pressupostos de ordem formal e material próprios do recurso a métodos indiretos, inquina definitivamente os atos ora impugnados do vício de violação da lei que determina a nulidade ou, pelo menos, a anulabilidade dos atos postos em crise.
v. Seja como for, a prova por presunção, excetuando o caso das presunções juris et de jure, admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário. Foi essa prova do contrário que a agora recorrida efetuou: a partir dela resulta evidente que existe uma clara e inequívoca divergência entre a realidade de facto e os indícios utilizados como pressuposto na prática dos atos ora impugnados.
w. Com efeito, não ocorre, no caso concreto, qualquer transmissão onerosa de bens suscetível de tributação em sede de IVA. O que acontece, afinal, é exatamente o contrário: no caso concreto, ocorre uma desafetação de determinadas mercadorias à finalidade de venda que, no caso, apenas é percecionada no momento da inventariação física final (real) das existências (por terem sido furtadas sem que o furto tivesse sido detetado, por terem ocorrido erros nas contagens físicas – inicial e final – das existências, por terem ocorrido situações de deficiente classificação das mercadorias, etc.).
x. Desde logo, a invocação da falta de identificação do destino dado aos bens objeto de quebra – detetada no momento da inventariação física dos stocks – revela um absoluto desconhecimento do fenómeno das quebras no universo das sociedades integradas no sector de atividade do comércio a retalho.
y. Revela, além disso, uma total incompreensão das razões que conduzem à inevitabilidade das quebras detetadas no momento da inventariação física dos stocks: tratamos, neste caso, repita-se, de causas de quebra não identificadas (muitas vezes não identificáveis) mas apenas percetíveis no momento da inventariação periódica de stocks, através da diferença entre as quantidades das mercadorias registadas e as respetivas quantidades reais, de acordo com o critério valorimétrico adotado pela empresa, em relação às quais não é possível identificar o destino dado aos bens objecto de quebra.
z. Finalmente, ainda a respeito da invocação daquele argumento, a Administração fiscal revela uma intolerável falta de perceção da dificuldade – para não dizer da total impossibilidade –da comprovação direta das razões que originaram as quebras.
aa. O desconhecimento e falta de compreensão revelados pela recorrente não são, contudo, justificados já que: a impugnante apresentou, no âmbito de procedimentos de inspeção anteriores, dados certos e objetivos, baseados num relatório – ao qual já nos referimos acima como ERTB –, efetuado pelo Center for Retail Research (cfr. docs. nºs 9 e 10) – instituição inglesa que se dedica ao estudo do sector do retalho a nível europeu, e que acompanha anualmente a evolução do fenómeno da quebra –, que conduzem, com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, à conclusão segura de que a ora impugnante exerceu a sua atividade de acordo com o padrão do respetivo sector de atividade, critério este que, à partida, se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se antes como razoável.
bb. Carreando as conclusões daquele estudo para a situação concreta, sabemos com certeza que: (1) o fenómeno da quebra não identificada e, em particular, da quebra por furto não detetado, constitui um fenómeno implícito ou inevitável no contexto da atividade exercida no sector retalhista e deste indissociável, (2) as quebras não identificadas registadas pela impugnante apresentam valores perfeitamente “razoáveis” e “normais” atenta a realidade deste fenómeno no universo europeu; e, finalmente, (3) todos os procedimentos considerados recomendados no sentido da minimização e comprovação do fenómeno foram e são escrupulosamente cumpridos e adotados pela aqui impugnante.
cc. Aliás, a exibição dos referidos estudos, na medida em que provem – como provam inequivocamente – de forma clara que as quebras apresentadas se encontram dentro dos limites considerados razoáveis, deveria ter sido considerada pelos serviços de inspeção na linha daquela que corresponde à orientação vertida no texto da Circular da DGCI com o nº2638, de 04.01.1993, e despacho concordante do Subdiretor-geral do IVA.
dd. Dos factos resulta, sem margem para dúvidas, que todas as situações de quebra nas existências são devidamente documentadas – se e quando as mesmas se tornam evidentes e percetíveis – em obediência a rigorosas normas de inventariação criadas pela sociedade com a finalidade do seu controlo interno.
ee. Através da implementação dos referidos procedimentos de documentação e registo das quebras, a impugnante consegue obter, anualmente, o controlo exato das mesmas, por causa, por tipo de produto e por loja, e, bem assim, em alguns casos (nos casos em que é feita a sua comunicação aos fornecedores dos produtos indevidamente classificados ou não constantes das embalagens nas quantidades anunciadas, por exemplo, no âmbito de um contrato de partilha de responsabilidades por danos desse tipo), o ressarcimento parcial do custo com elas incorrido (cfr. doc. nº 4 e doc. nº 5).
ff. Por último, e tendo em conta tudo o que acima ficou exposto, não faz também sentido o argumento, utilizado pela recorrente, da falta de comprovação da indispensabilidade do custo consubstanciado nas quebras para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora da impugnante, já que, conforme ficou demonstrado, o custo em causa é efetivo, recorrente, normal e – não apenas indispensável, mas – intrínseco ao contexto da atividade em causa.
gg. Por tudo o que vem de ser dito, não se vê de que outras provas precisa a recorrente para se imiscuir à (ilegítima) presunção de venda dos bens objeto de quebra: a presunção prevista no art. 80º do CIVA encontra-se, no caso concreto, irremediavelmente ilidida.
hh. Foi este também o entendimento do Tribunal a quo, que, na opinião da aqui recorrida, bem andou na análise que fez, quer da matéria de facto, conforme se arguiu supra, quer da matéria de direito, nos termos acabados de expor.
Pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A) A Impugnante que integra o universo empresarial do Grupo J…………….. M……………., operador no setor da distribuição a nível internacional, e que opera em Portugal, a título principal, na área do retalho em supermercados e hipermercados, tendo no ano de 2006 mais de 200 lojas (acordo – artigos 8º a 10º da p.i., não impugnados).
B) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200700079, de 14.02.2007, a Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras I, da DSIT, desencadeou uma ação de inspeção à Impugnante, com referência ao exercício de 2004 e de âmbito geral (cfr. fls. 82 dos autos que corresponde à página 8/47 do RIT).
C) Em 19.02.2008 foi elaborado o Relatório Final da Ação Inspetiva, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“(…)
I - 3. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
(…)
I - 3.2. Imposto sobre o valor acrescentado
I - 3.2.1 - Presunção de transmissão de bens
No seguimento da correcção efectuada em sede de IRC e de acordo com o preconizado no artigo 80.º do CIVA que presume como transmitidos os bens não encontrados em qualquer parte dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade quando não se provar qual foi o destino dado a esses bens, procede-se à liquidação do IVA dos bens registados como quebra por diferença de inventário, resultando deste facto imposto em falta no montante de € 520.589,22.
O imposto em falta foi apurado através da aplicação das taxas de IVA em vigor à data da contabilização das operações aos montantes não aceites como custo em sede de IRC, tendo em consideração, a natureza dos bens (alimentares e não alimentares), cfr. ponto III - 2.1.
(…)

III – 1.1.3 Custos não dedutíveis – Quebras de existências

As contas de custos relacionadas com as quebras, apresentam saldos devedores, e saldos credores, à data de 31 de Dezembro de 2004. Da diferença apurada entre as contas com saldos devedores (6121112031, 6121112041, 6122112031 e 6122112041) e as contas com saldos credores (6121112032, 6121112050 e 6122112032), resulta uma quebra em existências no exercício de 2004 de € 13.950.470,42. Tal situação, deve-se, ao facto de bens cujo registo de entrada (em stock) é diferente do registo de saída (nas caixas), originando por isso uma “quebra" ou uma “sobra”.
Relativamente às quebras de existências evidenciadas nas respectivas contas de custos, foi a empresa notificada no dia 30 de Agosto de 2007 para, por escrito, informar a Administração Fiscal sobre:
1. Identificação, por meses, dos custos suportados com bens alimentares (perecíveis) e não alimentares;
2. Identificar todos os motivos subjacentes às quebras, bem como o montante relativo a cada um, por meses e por natureza do bem (alimentar ou não);
3. Apresentar, a título exemplificativo, cópia de alguns dos documentos, que comprovem o destino que foi dado aos bens (alimentares e não alimentares);
Analisada a resposta elaborada peio sujeito passivo às questões formuladas verificaram-se os seguintes factos:
Do montante total das quebras de existências acima referido, reparte-se o mesmo da seguinte forma;
ü Bens Alimentares - € 11.933.049,25
ü Bens Não Alimentares - € 2.017.421,17
No que se refere aos bens não alimentares, identificou e quantificou a empresa, um conjunto de situações passíveis de gerar quebra;
ü Artigo Deteriorado / Problemas de Qualidade - €139.988,40;
ü Roubo Identificado - €91.309,93;
ü Sinistro - € 117.255,72;
ü Diferenças de Inventário - € 1.668.867,12.
Passemos a descrever para cada uma das situações supra identificadas, a informação prestada pelo sujeito passivo.
a) Artigo Deteriorado/Problemas de Qualidade
Para esta situação contribuem as mercadorias que tenham perdido qualidades físicas e que por esse facto não se encontram em condições de venda;
b) Roubo Identificado
Para este tipo de quebras, o valor apresentado é relativo à quebra derivada do roubo consumado, perceptível pela detecção de embalagens violadas e sem produto;
c) Sinistro
São quebras motivadas por sinistro os danos provocados por acidente às qualidades físicas de um artigo em resultado do seu manuseamento por funcionários ou clientes;
d) Diferenças de Inventário
Para as quebras motivadas por diferenças de inventário não foi apresentada qualquer justificação.

Relativamente às quebras de bens alimentares no montante de € 11.933.049,25, o sujeito passivo apresentou os mesmos motivos aos verificados para os bens não alimentares, quantificando-os da seguinte forma:
ü Artigo Deteriorado/Problemas de Qualidade - € 6.691.730,04;
ü Roubo Identificado - € 55.880,35;
ü Sinistro-€ 1.115.349,73;
ü Diferenças de Inventário-€ 4.070.089,13.

Para o conjunto dos bens objecto da quebra ocorrida no exercício de 2004 o sujeito passivo apresentou alguns documentos externos, relativos a recolha de resíduos. (Anexo III, fls. 1 a 15).

Refira-se adicionalmente que, por força das regras do Plano Oficial de Contabilidade e ainda de acordo com o preceituado nos artigos 17.º n.º 3 alíneas a) e b) e 115º n.º 3 alínea a), ambos do CIRC, se exige para efeitos de comprovação formal dos custos declarados para a determinação do lucro tributável em sede de IRC - imposta pelo artigo 23.º do referido Código - que “na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário" (cfr. cit. artigo 115.º n.º 3 alínea a)).Dependendo, de facto, a dedutibilidade fiscal dos custos, do preenchimento de dois requisitos indispensáveis que consistem - por força do disposto na primeira parte do artigo 23.º n.º 1 do CIRC- na sua comprovação através de documento emitido nos termos legais, facto que não se verificou, e serem sobretudo indispensáveis à realização dos proveitos. A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como custo fiscal.
Quanto aos valores registados como quebras de bens não alimentares e alimentares, cujos motivos foram identificados pelo sujeito passivo na resposta às questões formuladas pela Administração Fiscal, na notificação apresentada, e que acima foram descritos, podemos considerar que os montantes que influenciaram negativamente os resultados da empresa através do aumento do custo da mercadoria vendida se encontram minimamente controlados e documentados através de procedimentos internos implementados pela empresa.
Aquando da inspecção efectuada ao exercício de 2003, verificou-se que as quebras, por motivo de roubo, deterioração ou sinistro, eram registadas na contabilidade suportadas por documentos internos (documentos de quebra) elaborados pelas lojas. Embora cada “documento de quebra” não seja um documento suporte directo da contabilidade, se o mesmo serve de suporte à obtenção de valores que serão lançados de uma forma agregada na contabilidade, esse deve ser tomado em consideração para justificar movimentos contabilísticos.
Relativamente aos valores registados como “diferenças de inventário”, dada a sua natureza, não pode a mesma relevar para efeitos fiscais na medida em que a contabilização do custo visa apenas justificar uma diferença entre o stock físico e o contável ou contabilístico para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que minimizassem e documentassem este tipo de divergências.
A dedutibilidade fiscal de um custo depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua obsolescência ou inutilização, ora, neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pela empresa são meras presunções ou suspeitas. Este montante acaba por reflectir o valor dos bens que deram entrada em armazém, não foram registados como proveitos do exercício e não constam do valor das existências finais porque não constam das contagens físicas aquando da realização dos inventários. São bens para os quais a empresa não conseguiu identificar o seu destino.
Esses bens que foram adquiridos com o fim de serem vendidos, pura e simplesmente, já não se encontram nas instalações da empresa e não cumpriram o fim para que eram destinados. Se relativamente às situações identificadas como quebra para as quais foi indicado um motivo, é possível, minimamente, estabelecer um nexo de causalidade para a sua inutilização, já, neste caso para a quebra motivada por diferenças de inventário, tal não acontece porque não se sabe o que aconteceu a esses bens o que torna inviável a comprovação por parte do sujeito passivo e a validação e aceitação como custo fiscal da contabilização efectuada.
Da exposição aqui elaborada conclui-se pela não aceitação como custo fiscal dos valores das quebras dos bens alimentares e não alimentares, consideradas pelo sujeito passivo como diferenças de inventário, no montante de € 5.738.956,25 (cinco milhões setecentos e trinta e oito mil novecentos e cinquenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), valor esse que afectou negativamente o valor das existências e por conseguinte positivamente o custo das vendas do período, em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens e de assim o sujeito passivo não ter comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora nos termos do artigo 23º do CIRC.
(…)
III - 2. - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
O total de correcções efectuadas em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, ascende a €742.039,24 (setecentos e quarenta e dois mil e trinta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), conforme se passa a discriminar:

III - 2.1 - Presunção de transmissão dos bens
No ponto III - 1.1.3 do presente relatório, ficou demonstrado que, relativamente às quebras de existências de bens alimentares e não alimentares registadas como “diferenças de inventário”, dada a sua natureza, não pode a mesma relevar para efeitos fiscais na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contável ou contabilístico para a qual a empresa não comprovou o destino dado a esses bens, nem a indispensabilidade desses custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
O artigo 80.º do CIVA presume como transmitidos os bens não encontrados em qualquer parte dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade quando não se provar qual foi o destino dado a esses bens. Note-se que esta presunção não é, uma prova, mas apenas um processo mental de investigar, por meio de indução ou dedução, uma verdade provável, verdade essa que cabe ao sujeito passivo prová-la inequivocamente, facto que não aconteceu.
Neste contexto, de acordo com o preconizado no artigo 80º do CIVA, procede-se à liquidação do IVA dos bens registados como quebra e cujo custo foi corrigido por se considerarem os mesmos transmitidos, resultando deste facto imposto em falta no montante de € 520.589,22 (quinhentos e vinte mil quinhentos e oitenta e nove euros e vinte e dois cêntimos), conforme mapa em Anexo IX.
O imposto em falta resulta da aplicação das taxas de IVA em vigor à data da contabilização das operações (exercício de 2004) aos montantes não dedutíveis fiscalmente como custo (diferenças de inventário) em sede de IRC.
Dado estar em causa um número variado e elevado de artigos relativamente aos quais o sujeito passivo não identificou a sua natureza, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, foi considerado o seguimento procedimento:
Relativamente aos bens alimentares e bens não alimentares foram aplicadas, respectivamente, as taxas de IVA de 5% (de acordo com a lista I anexa ao Código do IVA, - bens sujeitos a taxa reduzida) e de 19%, em virtude de serem as taxas que melhor representam a natureza dos bens em questão.
(…)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO
Para os devidos efeitos notificou-se o sujeito passivo, em 30.01.2008, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária (RCPIT), para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição, sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, não o tendo exercido até à presente data, pelo que se mantêm as correcções propostas.”
(cfr. fls. 77 a 102 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
D) Em concretização das correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva, e vertidas no Relatório respetivo, foram emitidas em 11.03.2008 as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 com os nºs …………. (0401), ……………. (0402), ………….. (0403), …………… (0404), ………….. (0405), …………… (0406), ………….(0407), …………. (0408), …………… (0409), ………….. (0410), ………. (0411) e …………. (0412), no montante total de 742.039,24€, e contra as correspondentes liquidações de juros compensatórios no montante total de 103.118,81€ (cfr. fls. 53 a 76 dos autos).
E) Através do ofício nº 12937, de 22.06.2009, a DSIRC comunicou à APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, o seu entendimento tributário quanto às quebras nas grandes superfícies, nos seguintes termos:
“Em resposta ao requerimento apresentado sobre o assunto em referência, informo que por despacho de 15 de Junho p.p., do substituto legal do Director-Geral dos Impostos, foi sancionado o seguinte entendimento:
1.1 As quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade previsto no corpo do nº 1 do artigo 23º do CIRC, segundo o qual são aceites para efeitos fiscais os custos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
1.2 A aceitação como custo destas quebras depende da análise das situações concretas em que ocorreram e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade.
1.3 A análise das circunstâncias concretas englobará a verificação existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno.
1.4 Este sistema organizativo de quebras de existências deve englobar não só as quebras identificadas bem como as quebras não identificadas (furtos de existências).
Para as quebras identificadas deve ser elaborado documento interno donde conste todos os elementos identificativos do produto {descrição, código, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado, para além dos intervenientes no processo, pelo responsável da secção e pelo gerente da loja. Este documento interno deve servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularização de stocks que suportará os lançamentos contabilísticos de quebras de existências.
Para as quebras não identificadas deve ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks bem como deve servir como documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências.
Um sistema organizativo com os elementos indicados dispensará a elaboração de autos de destruição e de abate.
1.5 Para a aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível.
1.6 A demonstração que as quebras se situam dentro dos limites razoáreis para o sector de actividade (publicações internacionais e/ou nacionais) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre a facturação.

2. Em sede de IVA

2.1 Aceita-se como elidida a presunção do artigo 86º do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adoptados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o sector de actividade e desde que seja elaborado um “documento de inventário com as diferenças de stock". (cfr. fls. 452 a 454 dos autos).
F) No âmbito da atividade da Impugnante, é normal e inevitável existirem quebras nas existências, que se traduzem na diferença entre o stock teórico e o stock físico (cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas).
G) A Impugnante evidenciou, no exercício de 2004, nas respetivas contas de custo 6121112031, 6121112032, 6121112041, 6121112050, 6122112031, 6122112032 e 6122112041 quebras no valor global de 13.950.470,42€, repartidas do modo que se segue:
- 11.933.049,25€, referentes a quebras em existências de bens afetos ao setor alimentar, sendo o valor de 4.070.089,13€ referentes a diferenças de inventário;
- 2.017.421,17€, referentes a quebras em existências de bens afetos ao setor não alimentar, sendo o valor de 1.668.867,12€ referentes a diferenças de inventário (acordo).
H) As quebras por diferenças de inventário em produtos não alimentares resultam de diversas causas, nomeadamente de erros no registo dos artigos, no momento da sua receção: a complexidade de muitos dos artigos gera, não raras vezes, erros na classificação dos mesmos e na aplicação dos respetivos códigos, originando, no final do exercício, expressivas diferenças de inventário (depoimentos das testemunhas N ………….., J …………., M ………… e L ………).
I) As quebras por diferenças de inventário em produtos alimentares resultam de diversas causas, nomeadamente de situações de prova de frutos por parte dos clientes, de seleção de legumes e de mau acondicionamento de frescos nos locais de exposição. (depoimentos das testemunhas N ………….., J …………., M ………… e L ………)..
J) As quebras nas existências de natureza não alimentar e alimentar são e têm vindo a ser uma das principais preocupações de gestão da Impugnante, sendo que todas as medidas atinentes à minimização do fenómeno da quebra são justificadas pela relevância que o mesmo assume ao nível dos resultados operativos do grupo, dos seus objetivos e performance (cfr. depoimento da testemunha J ………….).
K) O efeito negativo que a verificação das quebras comporta para a Impugnante é tomado em consideração na formação do preço de venda de diversos produtos, por forma a compensá-la, tendo em atenção a natureza específica e os riscos associados de cada artigo, e de forma a assegurar níveis individuais de rentabilidade adequados, sendo as equipas de auditoria interna do Grupo as responsáveis pela graduação de risco de cada produto, e pela classificação das diferentes hierarquias de exposição ao fenómeno (cfr. depoimento das testemunhas N…………….. e J ……….).
L) A Impugnante implementou procedimentos ao nível da inventariação de stocks, tendo sido criados diferentes níveis de verificação e auditoria e diferentes hierarquias de controlo - cada uma das quais diretamente supervisionados pela administração da sociedade - e contratados os serviços de auditoria externa, para validação dos procedimentos de verificação internos e dos respetivos resultados (cfr. depoimento das testemunhas N …………. e J …………..).
M) Todas as situações de quebra nas existências são devidamente documentadas em obediência a normas de inventariação que constam do manual de qualidade e procedimentos criadas pela sociedade com a finalidade do seu controlo interno, por cujo cumprimento zelam todos os quadros e hierarquias da empresa e, em especial, o departamento de auditoria do grupo (cfr. depoimento das testemunhas N…………….. e J ……………….).
N) A quebra de natureza não identificada é detetada no momento da inventariação periódica de stocks, através da diferença entre as quantidades das mercadorias registadas e as respetivas quantidades reais, valoradas ao preço de custo, de acordo com o critério valorimétrico adotado pela empresa, sendo que o procedimento documental atinente a este tipo de quebras obedece igualmente a regras internas específicas, sendo a quebra, nestes casos, formalmente registada através dos próprios documentos de inventário, e já não através de um processo de inventário específico (cfr. depoimento das testemunhas N …………… e J ……….).
O) No caso das quebras de natureza não identificada, as diferenças positivas entre as quantidades das mercadorias registadas e as quantidades das mercadorias reais, registadas como quebra, são verificadas e justificadas pela equipa responsável pelo processo de inventariação, analisadas do Controller da Loja, supervisionados pelo Diretor de Loja e reportados aos Serviços Centrais de Controlo Operacional (cfr. fls. 345 a 358 dos autos e depoimentos das testemunhas N …………….. e J ………….).
P) Na maior parte dos casos, as quebras detetadas no momento da inventariação periódica de bens são originadas pela ocorrência de furtos não identificados (cfr. depoimentos das testemunhas arroladas inquiridas).”

X
“Factos não provados//1 – Não foi provado que a Impugnante tenha prestado garantia bancária para suspensão de execução instaurada para cobrança coerciva dos valores referentes às liquidações impugnadas nos presentes autos.”
X
“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
X
“A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na posição factual expressa pelas partes nos seus respetivos articulados. //No que respeita às alíneas F), e H) a P) do probatório, foi também relevante a prova testemunhal produzida nos autos pelas testemunhas inquiridas, cujos depoimentos se mostraram perfeitamente claros, coerentes e esclarecedores, demonstrando o conhecimento que as referidas testemunhas detêm sobre a matéria em causa nos autos atentas as suas funções profissionais desenvolvidas na empresa Impugnante, assim confirmando, sem hesitações, o invocado pela Impugnante a respeito dos motivos inerentes às quebras registadas, dos procedimentos de controlo e documentação das mesmas, da assinatura dos documentos pelos seus órgãos de gestão, tudo num quadro de quebras inerentes à sua atividade, tal como referido em cada letra do probatório.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto
ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação das liquidações de IVA contestadas. Ponderou, em síntese, a argumentação seguinte:
«O artigo 80.º do CIVA presume como transmitidos os bens não encontrados em qualquer parte dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade quando não se provar qual foi o destino dado a esses bens. Note-se que esta presunção não é, uma prova, mas apenas um processo mental de investigar, por meio de indução ou dedução, uma verdade provável, verdade essa que cabe ao sujeito passivo prová-la inequivocamente, facto que não aconteceu.”. // Efetivamente, analisado o relatório de inspeção, verifica-se que os Serviços de Inspeção Tributária, sem nunca colocarem em causa a veracidade e credibilidade da contabilidade da Impugnante, que assim beneficia da presunção da sua veracidade nos termos previstos no artigo 75º da LGT, e também sem nunca evidenciarem qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens e os registos contabilísticos que lhe permitissem concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão, recorreram a uma presunção para provocar uma tributação inadmissível aos olhos da lei. // Ora, como resulta do probatório, e é até do conhecimento comum e público, a Impugnante possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti-roubo, CCTV, etiquetas anti-roubo e segurança privada), para assegurar a minimização dos furtos que possam ocorrer dentro das suas lojas, possuindo também um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, tal como verificado e evidenciado pela AT no âmbito da ação de inspeção».
2.2.2. A recorrente põe em causa o veredicto que fez vencimento na instância. Sustenta que o relatório inspectivo contem todos os elementos necessários para fazer operar a presunção de venda inscrita no artigo 80.º do CIVA; que não é necessária qualquer inventariação física das perdas em causa, a qual, aliás, seria impossível, para além de inútil; que são os próprios registos da impugnante que permitem afiançar a existência de perdas não documentadas, nem justificadas.
Apreciação. A correcção que fundamenta as liquidações impugnadas tem o seu fundamento no ponto “III.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado. // I - 3.2.1 - Presunção de transmissão de bens” do relatório inspectivo. Assenta também no ponto “III – 1.1.3 Custos não dedutíveis – Quebras de existências”, do relatório inspectivo.
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se a recorrente, confrontada com os registos de inventários da contribuinte, que documentam a existências de perdas e diferenças de inventário, pode invocar o disposto no artigo 80.º do CIVA, para presumir vendas e liquidar o imposto que seria devido pelas mesmas.
«Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento. // O inventário a que se refere o número anterior será assinado pelo sujeito passivo, que declarará ser conforme ao total das suas existências, sendo-lhe no entanto permitido acrescentar as observações que entender convenientes. // Do inventário será dada cópia ao sujeito passivo, cuja assinatura será substituída pela de duas testemunhas no caso de recusa» (1). «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais» (2).
Na anotação ao artigo 80.º do CIVA, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (3), afirmam que «[o] disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite, por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, pelo outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, nesse caso, a liquidação do correspondente imposto. Trata-se de uma liquidação oficiosa efectuada pelos serviços cujo imposto, por motivos mais que evidentes, não é susceptível de ser repercutido. Tratando-se de presunções juris tantum, os interessados poderão ilida-las fazendo prova de que os bens não foram efectivamente objecto de transmissão». No mesmo sentido, refere Patrícia Noiret da Cunha, em anotação ao preceito citado, que «[d]a realização de inventário pode resultar a existência de bens não documentados nem registados, bem como a ausência de bens que foram escriturados pelos sujeitos passivos. Para fazer face a esta desconformidade entre o conteúdo do inventário e a escrituração do sujeito passivo, o presente artigo prevê a presunção de aquisição, pelo sujeito passivo, dos bens encontrados nalgum dos locais de actividade do sujeito passivo, presumindo-se quanto aos bens que não se encontrem nesse locais, que foram objecto de transmissão pelo sujeito passivo» (4). Cumpre também notar que «[a] presunção não é, rigorosamente, uma prova, mas apenas um processo mental de investigar, por meio de indução ou dedução, uma verdade provável, revelada aproximadamente por determinadas circunstâncias, ou como tal declarada pelo legislador, a expressão «por presunção» não deve ser entendida no sentido vulgar de «por mero palpite», mas sim, no sentido próprio do direito e prática fiscais de «por ajustada ponderação», o que coincide aliás como não podia deixar de ser com a própria noção estabelecida no art.º 349.º do CC, pelo qual, são consideradas presunções as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido» (5).
Como se referiu, a fundamentação da presunção de transmissão imposta pela recorrente consta do ponto III – 1.1.3 Custos não dedutíveis – Quebras de existências, do relatório inspectivo. Verifica-se que os registos de inventários da recorrida não são postos em causa pela inspecção tributária. A mesma não realizou qualquer controlo físico das existências, limitando-se a apontar falhas alegadamente ocorridas na referida inventariação, por parte do sujeito passivo.
A presunção alegadamente obtida colide com a própria autovinculação da Administração Fiscal, em face do teor do ofício nº 12937, de 22.06.2009, elevado à alínea E), do probatório. É que os registos de inventários da impugnante não só documentam e quantificam as perdas detectadas, como discriminam as razões justificativas das mesmas (alíneas H) a P), do probatório).
Neste contexto, o esforço probatório da recorrente não é suficiente para afastar a presunção de veracidade da contabilidade (artigo 75.º/1, da LGT) e erigir factos probandos capazes de justificar a presunção de transmissão invocada, ou seja, o alargamento da base tributária do imposto. A recorrente não aduziu um único indício que pudesse justificar o afastamento da contabilidade da recorrida, nem avançou qualquer elemento de facto que permita construir a hipótese da ocorrência de transações não documentadas, ou seja, em fuga ao imposto.
A este propósito, cabe referir a jurisprudência assente, segundo a qual,
«O CIVA autoriza que o apuramento do imposto devido se faça através do uso de método presuntivo sempre que se prove a existência de erros, omissões ou falsidades na escrita do contribuinte, que façam perder a sua credibilidade (por ela não reflectir as situações que na realidade se verificaram) e os elementos da escrita não permitam apurar com clareza o imposto - arts. 82º e 84º do CIVA. // Cabe à AF o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aquele método se tomou a única forma de calcular o imposto a liquidar, externando os elementos que a levaram a concluir pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto por esse método - art. 81º do CPT. // Uma vez especificados e demonstrados esses pressupostos, passa a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do acto, seja por erro nos pressupostos para o uso de métodos indiciários, seja por erro na quantificação da respectiva matéria colectável».(6)
Por outras palavras, o afastamento da presunção da veracidade da contabilidade, no caso, exigiria a demonstração «de qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens (que a AT não fez) e os registos contabilísticos que permita à AT concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão» (7). O que no caso não ocorreu. Pelo que falta, no caso, a demonstração dos pressupostos de facto na base dos quais foram emitidas as liquidações oficiosas em causa. Como se decidiu na instância.
Motivo pelo qual se impõe julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(1ª. Adjunta – Tânia Meireles da Cunha)

(2ª. Adjunta- Ana Cristina Carvalho)

(1) Artigo 79.º do CIVA.
(2) Artigo 80.º do CIVA.
(3)Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotado e comentado, Rei dos Livros, Janeiro de 1997, anotação ao artigo 80.º.
(4)Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao regime do IVA nas transacções intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, anotação ao artigo 80.º
(5) Despacho de 03/07/95, P. A 50195001, DSIVA.
(6)Acórdão do TCAN, de 06-10-2005, 00314/04 - VISEU
(7)Acórdão do TCAS, de 09-02-2017, P. 885/07.0BELSB