Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2517/15.3 BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/29/2022 |
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Relator: | JORGE CORTÊS |
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Descritores: | IRC. MÉTODOS INDIRECTOS. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA. |
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Sumário: | I. A determinação da matéria colectável por métodos indiretos apenas é aplicável quando se demonstre que a avaliação direta é impossível de realizar em face dos vícios da contabilidade.
II. A tributação autónoma constitui uma forma de agravamento fiscal em relação a certas despesas que, seja pelo seu teor, seja pela sua justificação documental, se apresentam desviantes em relação ao objeto societário. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I- Relatório C......... Sociedade de ………….., Lda., e a Fazenda Pública dizendo inconformadas com a sentença proferida em 19-10-2020, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, documentada a fls. 465e ss. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial por aquela sociedade deduzida contra os actos de liquidação adicional de IRC, referente aos exercícios de 2010 e 2011 e respectivos juros compensatórios, dela vieram interpor recurso, no segmento em que a sentença lhes foi favorável. A) Recurso interposto pela impugnante: Nas alegações de fls. 556 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formulou as conclusões seguintes: « 1. A Recorrente imputou às liquidações impugnadas: quanto a Réditos Omissos, invocou ilegalidades da liquidação: (i) no acesso à informação bancária da impugnante e do seu sócio gerente; (ii) por vício de violação do disposto nos art.º 83º, art.º 87º, nº 1, alínea b), art.ºs 88º e 90º, todos da LGT (pág. 22 da PI); (iii) e ilegalidades por errónea quantificação do facto tributário; por violação do princípio da tributação pelo lucro real (pág. 31 da PI); por verificação da dúvida do art.º 100º do CPPT; e quanto a gastos dedutíveis para efeitos fiscais. 2. A douta sentença do tribunal a quo indeferiu parcialmente o pedido, pelo que, quanto à parte da decisão recorrida, entende a Recorrente que a mesma enferma de vícios de erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito, e vícios de omissão de pronúncia sobre diversas matérias de facto e de direito relativamente às quais o Tribunal deveria pronunciar-se. 3. Primeiramente foi solicitada a declaração de ilegalidade da liquidação por vício de acesso ilegítimo à conta bancária da Recorrente. 4. A douta sentença do Tribunal a quo considera não existir qualquer ilegalidade para o acesso à conta bancária da Requerente porque “seria de todo o modo incompreensível que a AT tivesse submetido ao Diretor-Geral do Impostos um pedido de autorização para o acesso à informação bancária do sócio-gerente e da sua mulher, que veio a ser autorizado, não o fazendo em relação à própria Impugnante, objeto da inspeção tributária, sem que esse facto fosse justificado pela autorização, anterior, já por esta sociedade concedida”. 5. Ao contrário, a requerente considera existir erro de julgamento na matéria dada como provada com base numa presunção retirada de um facto diferente: o acesso à conta do sócio-gerente é diferente do processo de acesso à conta bancária do próprio sujeito passivo. 6. A Recorrente alegou em sede de PI, nomeadamente nos pontos 63 e 64, que não há no Relatório de Inspeção qualquer referência ao despacho de autorização proferido pela entidade competente, mas tão só factos efetivamente alusivos à conta bancária melhor descritos no referido Ponto 61 da PI. 7. Por outro lado, a Recorrente requereu ao tribunal a notificação da AT para vir aos autos juntar o Despacho comprovativo e toda a documentação na qual eventualmente se tenha fundado para legitimar o acesso à conta bancária respetiva. 8. O Tribunal não pode partir do facto de existir um Despacho eventualmente legitimador do acesso à conta bancária do sócio-gerente para daí concluir que seria incompreensível que a AT não tivesse igualmente obtido despacho similar atinente à Recorrente. 9. Trata-se, como é óbvio, primeiramente, de um erro de julgamento quanto à matéria que se encontra provada pois, na verdade, a prova resulta de uma simples presunção do julgador que não obteve a prova que foi requerida e que seria a indispensável para conferir a legalidade do acesso. 10. Por outro lado, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão relacionada com o acesso à conta bancária da própria empresa porque o Tribunal nada disse sobre a prova cuja junção foi requerida bastando-se em retirar uma conclusão que se nos afigura ilegítima, o que se configura como uma nulidade da decisão recorrida. 11. Nesta conformidade, a sentença recorrida enferma das nulidades previstas no nº 1, alíneas b) e c), e d) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a mencionada violação do art.º 63º B da Lei Geral Tributária; 12. E deve igualmente ser anulada por erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto estabelecidos no artº63º-B da LGT, o que se reflete necessariamente nas liquidações impugnadas por vício de violação de lei. 13. A douta sentença concordou com o Relatório e considerou que os vários pagamentos efetuados pelos clientes entraram todos nas contas bancárias do sócio-gerente e que desses depósitos foram expurgados todos os montantes oriundos de outras contas do gerente e todas as importâncias que não eram receita. 14. A decisão carece de fundamento e de prova porque, por um lado o Relatório não consegue provar que não há outros montantes que terão sido recebidos e depositados, que não são pagamentos de clientes e, por outro lado, não está provado que, mesmo identificando os depositantes, o valor dos proveitos para efeitos fiscais é aquele. 15. Portanto, até pela leitura do mencionado Relatório, deparamo-nos com um acervo de dúvidas levantadas de tal modo que somos obrigados a aceitar que não é possível apurar o rendimento real pelo qual a Recorrente deveria ter sido tributada com recurso a correções técnicas; 16. Deste modo, considerando os enquadramentos legais previstos no CIRC para o apuramento do rendimento real – tributação direta ou métodos indiciários -, no procedimento de inspeção só era legal aplicar, inequivocamente, o sistema de tributação por métodos indiciários. 17. Isto depois de a contabilidade ter sido caraterizada como não merecendo confiança, como resulta das diversas citações do Relatório, de que são exemplo os factos alegados no Ponto 97, 98, 99 da PI sobre dúvidas do Serviço de Inspeção; 18. Corroboram igualmente estas dúvidas as apreciações constantes do Relatório inseridas no Ponto 101 e 102, 104, 111, 112, 115, 116, 123,128,128,131,133, da PI sobre a contabilidade da Recorrente, em que se conclui que ela não permite conhecer com clareza e certeza os lançamentos escriturados e aqueles que não estão escriturados. 19. Deste modo, a douta sentença se pronunciou sobre estas dúvidas fundadas, mas antes decidiu que no Relatório estão suficientemente fundamentadas as razões de facto e de direito pelas quais a AT logrou proceder à avaliação direta, porque, segundo diz, as informações da AT fazem fé em juízo. 20. Só que, na realidade, os fundamentos da AT foram impugnados e a sentença recorrida não se pronunciou sobre essas alegações, quando se afigura por demais evidente que a contabilidade não merece crédito, donde, nos termos definidos nos art.º 87º, nº 1), alínea b) da LGT, a Recorrente deveria ter visto a sus matéria coletável determinada pelo regime de avaliação indireta; 21. Na verdade só este regime de apuramento permitiria considerar todos os proveitos e custos elegíveis e permitiria ao sujeito passivo, em caso de discordância com os montantes determinados, socorrer-se dos mecanismos de revisão previstos na lei. 22. Portanto, a supressão do regime de avaliação indireta retirou à Recorrente direitos e garantias de defesa que no método de avaliação direta utilizado não pôde usufruir. 23. Tudo visto, a sentença enferma nulidade derivada da não observância do artº608º e 615º do CPC, por omissão de pronúncia, e de erro de julgamento pela não observância do artº81º e 87º da LGT quando subscreveu, sem outras provas cabais que não sejam as afirmações do Relatório, que a AT corrigiu todos os proveitos omitidos e que, como lhe competia, considerou igualmente todos os custos elegíveis e mesmo os que foram pagos das contas bancárias do gerente, tendo chegado, consequentemente, ao lucro real. 24. A Recorrente, com base nos factos descritos no artigos 142 a 171 da PI, alegou que, mesmo que se aceitasse a tributação por métodos diretos, a douta sentença deveria acolher a conclusão de que existem dúvidas fundadas sobre a quantificação do facto tributário que, de conformidade com o artº100º, nº 1 do CPPT, “sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o imposto impugnado ser anulado” 25. Todavia a decisão do tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia sobre esta alegação, como estava obrigada dado o disposto no art.º 608º do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de conhecer de todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação. 26. Está em causa matéria muito relevante que não se enquadra na exceção no nº 2 do referido art.º 100º (dúvida sobra a qual o tribunal também nada diz), pelo que a decisão deveria conduzir à procedência do pedido de anulação das liquidações impugnadas, porque, ao contrário, o sujeito passivo, de conformidade com o nº 3 do art.º 100º, pode provar na impugnação que existe erro ou manifesto excesso na matéria coletável quantificada, e também sobre isto, embora alegado, a douta sentença nada disse. 27. Assim sendo, a douta sentença viola o citado art.º 608º do CPP, por omissão de pronúncia, o que constitui nulidade insanável como estabelece o art.º 615º do mesmo Código. 28. Ademais, ainda que se aceitasse que é legal determinar o rendimento coletável por métodos diretos, também aqui a douta sentença não se ateve à ilegalidade invocada relativamente a gastos que foram considerados não dedutíveis com ofensa do art.º 23º do CIRC 29. Tendo o tribunal decidido aceitar como prova o Relatório para o apuramento do rendimento coletável com recurso a correções técnicas, competia-lhe pronunciar-se sobre a matéria de facto devidamente descrita nos pontos 191 a 223, ou pelo menos, explicitar as razões por que não aceitava os custos dali emergentes.; 30. Na verdade, parte da “correção técnica” reporta-se à não aceitação dos custos devidamente documentados com as faturas relativas às empresas AKI (pág.884, do Relatório), à Tipografia Amarantina, Ldª (pág. 885), Marsilfer, Dialfer (pag 885), Sogenave (pag. 886), Maivest (pag. 889), Grupo Vendap (pag. 890), Nigel Lisboa (pág. 881), CECD (pag. 895), o que consubstancia uma violação do que permite o artº 23º do CIRC. 31. Entende a Recorrente que os gastos em questão estão conexionados com o exercício da atividade da Recorrente e, por consequência, contribuíram para a obtenção dos proveitos, como resulta da sua própria natureza. 32. A douta sentença quando afirma que os mesmos custos desconsiderados não estão devidamente documentados, baseando-se no Relatório, leva-nos a querer saber a que gastos se está a referir e qual a razão para se considerar que os mesmos não estão documentados e se aqueles que foram identificados também são considerados como não documentados. 33. Na verdade, a sentença não especificou devidamente a matéria de facto que leve a Recorrente a saber quais os custos que não são elegíveis e porquê, até porque o próprio relatório insere a documentação necessária. 34. A decisão recorrida ao não efetuar a apreciação judicial descriminada dos gastos face à normas do Código do IRC, nomeadamente do seu art.º 23º, incorre em omissão de pronúncia sobre matéria de facto e de direito relevante para a decisão, que o julgador devia ter apreciado, o que além de constituir uma violação ao disposto neste citado art.º 23º do CIRC, se configura como nulidade da sentença enquadrável nas líneas b) e d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, devendo por isso ser revogada. Assim sendo, tendo em conta todo o exposto, deve a sentença recorrida ser revogada de conformidade com os termos expostos (art.º 608º e 615, ambos do CPC), julgando-se procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de IRC referentes ao exercício de 2010 e 2011, por vício de violação de lei quando não observadas as disposições do art.º 83º. 87º nº1, alínea b) e art.º 88º e 90º, todos da LGT; por violação do princípio da tributação real originado no erro na quantificação da matéria coletável; e por violação do art.º 100º do CPPT; e por violação do art.º 23º do CIRC». X Não há registo de contra-alegações.X B) Recurso interposto pela Fazenda Pública.Nas alegações de fls. 590 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes: « A)Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela C......... SOCIEDADE ………….., LDA., com o NIPC …………….., e que concluiu pelo vício de falta de fundamentação da correção da tributação autónoma dos exercícios de 2010 e 2011. É só quanto a esta parte da decisão (parte relativa ao seu decaimento), que a Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, vem apresentar Recurso, sendo que quanto às partes favoráveis, desde já se aceita, essas partes da decisão. I- ENQUADRAMENTO PRELIMINAR B) A sociedade, ora Recorrida, dedica-se à gestão de eventos, usualmente em quintas situadas na grande área metropolitana de Lisboa (cerca de sete quintas), com destaque para a realização de festas de casamentos, batizados e festas de empresas. C) A Recorrida é gerida por C …………., proprietário de duas quintas mais utilizadas na realização dos eventos, “Quinta …………”, na freguesia da …………… e “Quinta …………”, na freguesia de C …………. D) No âmbito da atividade económica exercida pela Recorrida, esta celebrava com os clientes contratos de prestação de serviços, onde especifica o pagamento de um valor a título de sinal aquando da celebração do contrato, um reforço do sinal que perfaça 50%, até trinta dias antes da realização do evento, e os restantes 50%, na data da realização do evento. E) As liquidações impugnadas no montante global de € 411.488,78, tiveram por base o procedimento de inspeção externa a coberto das Ordens de Serviço n.º OI………….877 e OI ……..113), efetuado à contabilidade da Recorrida, relativamente aos exercícios económicos de 2010 e 2011, em sede de IRC, do qual resultaram correções, para o exercício de 2010 de €760.567,34, e para o exercício de 2011 de €566.907,78. F) Em síntese, as correções efetuadas pelos serviços de inspeção que se encontram vertidas no Relatório da Inspeção que integram foram as seguintes: « Texto no original» G) A Recorrida opôs-se por considerar o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vertido no Relatório da Inspeção, ilegal, invocando em síntese o seguinte: (i) Se verifica a ilegalidade do acesso à informação bancária da Impugnante e do seu sócio-gerente; (ii) Se verifica a violação do disposto nos artigos 83.º, 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º e 90.º da LGT; (iii) Se verifica a errónea quantificação do facto tributário; (iv) Se verifica violação de lei quanto aos gastos não dedutíveis para efeitos fiscais; (v) Se verifica falta de fundamentação da correção da tributação autónoma. H) Inconformada com o entendimento da AT, a Recorrida apresentou os competentes meios de defesa, em concreto a presente Impugnação Judicial, no âmbito da qual foi proferida a decisão objeto do presente Recurso. I) Como se evidenciará de seguida, o Meríssimo Juiz a quo atendeu, ainda que parcialmente o entendimento perfilhado pela ora Recorrente, tendo considerado improcedente o peticionado quanto à: (i) ilegalidade do acesso à informação bancária da Impugnante e do seu sócio-gerente; (ii) à violação do disposto nos artigos 83.º, 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º e 90.º da LGT; (iii) à errónea quantificação do facto tributário; (iv) à violação de lei quanto aos gastos não dedutíveis para efeitos fiscais J) Porém, entendeu o Meríssimo juiz a quo, decidir pela procedência do peticionado pela Recorrida, quanto às correções efetuadas pela AT, em sede de Tributações autónomas. Com o devido respeito, no entender da Recorrente, e como iremos ver mais adiante, o Tribunal, decidiu, mal. K) Neste âmbito, dissentindo do sentido da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por entender que a mesma padece de vício de erro de julgamento, ao manter, só parcialmente, na ordem jurídica o ato de liquidação em crise, vem, a agora Recorrente, interpor o presente recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, com os fundamentos que infra se aduzem. II- MATÉRIA DE FACTO L) Dão-se aqui por reproduzidos todos os factos provados, enunciados na sentença [Factos de 1) a 19) da sentença recorrida]. M) Com efeito, motivou o Meríssimo Juiz a quo a escolha dos factos dados como provados “(…) com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, bem como pelo acordo das partes manifestado pela não impugnação dos factos alegados e ainda pelo depoimento das testemunhas ouvidas. No que concerne à prova testemunhal provaram-se apenas os factos contantes dos pontos 8. e. 9. do probatório, uma vez que as testemunhas ouvidas revelaram desconhecimento de outra factualidade relevante, sendo o depoimento da testemunha F…………… ………………contraditório no que se refere à titularidade da conta bancária através da qual eram pagos os funcionários contratados”. N) Embora, os factos considerados como provados, sejam os verdadeiros e reais, não pode a Recorrente concordar que os mesmos revelem a totalidade da verdade material, na parte em que a AT decaiu, por se encontrar a mesma incompleta e insuficiente, o que acarretou numa consequência jurídica injusta e desmedida, o qual merece censura. O) Pelo que é firme convicção da ora Recorrente, que a sentença na parte relativa ao seu decaimento, enferma de erro na interpretação dos factos e, consequentemente na aplicação do Direito aos mesmos, razão pela qual apresenta o presente recurso, com os fundamentos que se aduzem. III- DA DECISÃO RECORRIDA P) Relativamente à correção da tributação autónoma entendeu o Tribunal a quo, o seguinte: “(…) V. Da falta de fundamentação da correcção da tributação autónoma. Alega a Impugnante que os actos tributários de 2010 e 2011 impugnados enfermam de vício de falta de fundamentação na parte referente às tributações autónomas. A este propósito e tendo presente o que antes se enunciou a propósito da fundamentação dos actos administrativos tributários, constata-se que o relatório de inspecção tributária, que está na origem da emissão das liquidações impugnadas, não se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que no mesmo não se indicam as razões de facto e de direito que determinaram a correcção efectuada à tributação autónoma, em sede de IRC dos exercícios de 2010 e 2011, aqui em causa. Conforme deriva da matéria de facto provada, os serviços de inspecção tributária apenas formularam um juízo conclusivo quanto aos montantes a corrigir para os anos de 2010 e 2011, fundamentando essa correcção com apelo ao artigo 88.º do CIRC. Ora, este preceito contém varias alíneas, elencando-se aí variadas situações e taxas diversas, não sendo facultado, pela mera remissão para o mesmo, a identificação da factualidade a que se reportam as correcções efectuadas. Não estão assim presentes, no acto fundamentador, quer as razões de facto, quer de direito, que determinaram as correcções (…)”. Q) Mais referindo e concluindo a douta sentença recorrida que: “(…) Tal fundamentação não permite à Impugnante conhecer com suficiente clareza e congruência os motivos determinantes das correcções em sede de IRC, nesta parte, em causa, não podendo, portanto, exercitar, com eficácia os competentes meios legais de reacção contra esse acto, nomeadamente a presente impugnação judicial. Pelo que, em face do que antecede, julga-se procedente o vício de falta de fundamentação invocado pela Impugnante (…)”. Contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação: Ø - DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À CORREÇÃO DA TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA R) Conforme resulta do Relatório da Inspeção que integra os autos, a análise à contabilidade da Recorrida, evidenciou a análise do declarado quanto às tributações autónomas, com vista a aferir a sua conformidade com o artigo 88.º do Código do IRC. S) Como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203). T) Acresce referir que é aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/acionistas da sociedade. Como refere SALDANHA SANCHES, “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.” (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406). “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam…” (CASALTA NABAIS, Idem, p. 614). U) Deriva, igualmente do Relatório da Inspeção, que no exercício de 2010 a Recorrida declarou no exercício de 2010, tributações autónomas no montante de €2.773,16. Em sede de validação do referido cálculo, apuraram os serviços de inspeção que o montante correto a entregar ao Estado é de €10.900,18, V) No que concerne ao exercício de 2011, no âmbito da validação do cálculo apurado pela Recorrida, verificaram os serviços de inspeção que foi declarado o montante de €2.007,23, tendo apurado um valor no montante de € 4.554,64, de imposto a entregar ao Estado. W) E contrariamente ao entendimento sufragado pelo Meríssimo Juiz a quo, do Relatório da Inspeção consta o caminho percorrido pelos serviços de inspeção relativamente à forma como foram determinados os montantes em falta de imposto a entregar ao Estado no exercício de 2010 e 2011. X) Assim, e conforme se evidencia através da reprodução dos quadros infra (cfr. ponto III.2.B do Relatório da Inspeção), os serviços de inspeção descrevem todo o processo de enquadramento das tributações autónomas, a saber: identificação das contas correntes analisadas; respetivos descritivos; a sua relevação contabilística como gasto da Recorrida e por último, os respetivos apuramentos das tributações autónomas. “(…) « Texto no original» (…)” « Texto no original» (…)” Y) Mais uma vez, uma nota fundamental para o presente recurso: o Tribunal a quo não atribuiu a relevância devida aos quadros anteriormente apresentados (cfr. ponto III.2.B do Relatório da Inspeção), onde consta todo o processo cognitivo de enquadramento realizado pelos Serviços de Inspeção, o que implicou que claudicasse na aplicação devida do Direito. Z) Ora, deriva igualmente dos autos que a análise realizada à contabilidade da Recorrida, evidenciou questões relativas à dedutibilidade de certos gastos contabilizados nos exercícios de 2010 e 2011, pelo que a análise que conduziu ao apuramento das tributações autónomas teve presente todo o acervo documental e factual nos termos expendidos no Relatório Final da Inspeção. AA) Assim, não pode a Recorrente estar mais em desacordo com o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo, pois as correções à tributação autónoma encontram-se devidamente fundamentadas em sede de Relatório da Inspeção. BB) O artigo 77.º, n.º 1 da LGT estabelece que “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária”. CC) Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, verifica-se que o Relatório da Inspeção cumpre o dever de fundamentação legal contido no nº 1 do artigo 77.º da LGT, expondo de forma clara, lógica e suficiente os fundamentos que sustentaram a decisão proferida, sendo acessível a sua apreensão por um destinatário médio, quer quanto às razões de facto, quer de direito, que levaram à prática do ato. DD) Por estes motivos, não pode a Recorrente deixar de considerar que andou mal o Tribunal a quo ao não manter na ordem jurídica esta correção. EE) Pelo que deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, nesta parte, a Sentença recorrida e substituída por uma outra que mantenha na ordem jurídica as correções das tributações autónomas. FF) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente procedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal as sobreditas correções. Ø - QUANTO À DISPENSA DE PEDIDO DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA PELA FAZENDA PÚBLICA GG) No âmbito da sentença foi fixado pelo Meritíssimo Juiz à causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, o valor de € 411.488,78. HH) A sentença julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial condenando as partes em custas na proporção do decaimento fixando em 97,41% para a Impugnante. II) No seguimento da notificação da sentença, a ora Recorrente efetuou o pagamento da taxa de justiça, no montante de €1.468,00, conforme guia cível remetida pelo Tribunal. JJ) Contudo, tendo em conta o valor atribuído à causa (€ 411.488,78.), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respetivo remanescente em cumprimento do disposto na anotação à Tabela 1 anexa ao RCP, de acordo com a 1.ª parte do n° 7 do artigo 6º do citado diploma legal. KK) Ora, estatui o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que: “Nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. LL) Sucede que tal valor atribuído à ação, para efeito de apuramento de taxa de justiça a pagar é superior a €275.000,00 (cfr. art.º 11 e 6.º n.º 1 do RCP). MM) Sobre a definição do grau de complexidade da causa e da conduta processual das partes, pronunciou-se o Venerando TCA Sul, por acórdão de 13 de março, no processo 07373/2014 afirmando que: “A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial”. NN) Deste modo, considerando a eventualidade de ser entendido que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos suscetíveis de fundamentar a aplicação da faculdade prevista na norma supratranscrita, requer-se a V/ Exas., a apreciação e reconhecimento da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida». X Não houve contra-alegações.X O Digno Magistrado do M.P. regularmente notificado emitiu parecer no qual se pronuncia pela procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública, na consideração, em síntese, de que a sentença recorrida “padece do vício de violação de lei, em concreto do art. 77º, nº 1 da LGT, porquanto as correções das tributações autónomas de 2010 e 2011 estão suficientemente fundamentadas.”X Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. X II- Fundamentação1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:« 1. A sociedade, ora Impugnante, dedica-se à gestão de eventos, usualmente em quintas situadas na grande área metropolitana de Lisboa (cerca de sete quintas), com destaque para a realização de festas de casamentos, baptizados e festas de empresas; 2. A Impugnante é gerida por C……………., proprietário de duas quintas mais utilizadas na realização dos eventos – Quinta ………, na Freguesia da …………, e Quinta das P………, Freguesia de C………..; 3. No âmbito da actividade económica exercida pela Impugnante, esta celebrava com os clientes contratos de prestação de serviços, onde especificava o pagamento de um valor a título de sinal aquando da celebração do contrato, um reforço do sinal que perfaça 50%, até trinta dias antes da realização do evento, e os restantes 50%, na data da realização do evento; 4. As liquidações impugnadas tiveram por base o procedimento de inspecção externa polivalente efectuado à contabilidade da Impugnante, relativamente aos exercícios de 2010 e 2011, em sede de IRC, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI201301877 e OI201401113, do qual resultaram correcções, para o exercício de 2010 de Euros 760.567,34, e para o exercício de 2011 de Euros 566.907,78; 5. Em sede de Procedimento de Inspecção, foi apurado pela Administração Tributária (AT), que: « Texto no original» (Cfr. Relatório de Inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido); 6. A sociedade ora Impugnante é Arguida no Processo de Inquérito n.º ………/14.3IDLSB, que tramita pelo DIAP - 8.ª Secção de Lisboa, por indícios de crime de fraude fiscal, pela ocultação de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; 7. Em 13.04.2015 foi emitida a liquidação de IRC n.º ……………161, relativa ao exercício de 2010, no montante de Euros 236.561,03, e a liquidação n.º ……………162, relativa ao exercício de 2011 no valor de Euros 174.954,81; 8. A Impugnante não tinha funcionários para trabalhar nos eventos, tendo que recorrer a mão de obra externa; 9. Os pagamentos aos funcionários contratados eram efectuados em cheque, sendo que a maior parte desses trabalhadores não passava recibos verdes; 10. Mediante Ofício de 22.05.2014, Registado com Aviso de Recepção, foi pelos Serviços de Inspecção Tributária, dirigido a C ………………. e L ……………………., pedido de autorização para consulta / acesso a informação e documentos bancários (art. 63.º B da LGT), ali sendo mencionado que a ausência de resposta no prazo de dez dias seria considerada como recusa de autorização; 11. O Ofício indicado em 10.º foi devolvido ao remetente, por não reclamado; 12. Mediante Ofício de 06.06.2014, Registado com Aviso de Recepção, foi repetido o pedido de autorização a que se fez referência em 10., o qual foi, também, devolvido ao remetente; 13. Em 26.06.2014 foi pelos Serviços de Inspecção Tributária elaborada a seguinte informação: « Texto no original» 14. Sobre a Informação referida em 13. recaíram os seguintes despachos: « Texto no original» 15. A Decisão constante do ponto 14. foi comunicada aos contribuintes indicados em 10., na pessoa de C ……….., por forma pessoal, no dia 25 de Julho de 2014; 16. Não tendo aqueles contribuintes exercido o direito de audição prévia, foi, então, proferido o seguinte despacho; « Texto no original» 17. A decisão referida em 16. foi comunicada aos contribuintes indicados em 10., na pessoa de C …………………, por forma pessoal, no dia 16 de Setembro de 2014; 18. Refere-se na informação citada em 13. que, “(…) a sociedade C........., na pessoa do seu sócio gerente, autorizou a consulta dos seus documentos bancários junto das instituições de crédito e sociedades financeiras com as quais se relacionou nos exercícios de 2010, 2011 e 2012”; 19. À Impugnante foi comunicado o projecto de relatório de inspecção, para o exercício do direito de audição prévia, não se tendo pronunciado.» X «Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa.»X «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, bem como pelo acordo das partes manifestado pela não impugnação dos factos alegados e ainda pelo depoimento das testemunhas ouvidas.//No que concerne à prova testemunhal provaram-se apenas os factos constantes dos pontos 8. e 9. do probatório, uma vez que as testemunhas ouvidas revelaram desconhecimento de outra factualidade relevante, sendo o depoimento da testemunha F…………….. contraditório no que se refere à titularidade da conta bancária através da qual eram pagos os funcionários contratados.»X 2.2. De Direito.2.2.1. Nos presentes autos, são interpostos dois recursos. A Fazenda Pública interpõe recurso contra o segmento decisório que lhe é desfavorável. Por seu turno, o recurso interposto pela impugnante incide sobre a parte que lhe é desfavorável. A sentença julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC de 2010 e 2011, anulando os actos em apreço, na parte relativa à correcção da tributação autónoma, por considerar procedente o vício de falta de fundamentação em relação à correcção em causa. Considerou, em síntese, que o acesso às contas bancárias da impugnante e do seu sócio-gerente, bem como da mulher deste, mostrava-se devidamente fundamentado. Referiu que constam do relatório inspectivo as razões que levaram a AT a proceder à avaliação directa da matéria colectável. Afiançou que a impugnante não logrou suscitar a dúvida (fundada ou não) sobre o acerto da quantificação da matéria colectável. Assentou na não dedutibilidade dos gastos não documentados, pelo que entendeu que a correcção em apreço não merece censura. 2.2.2. Do recurso da impugnante A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento, quanto à questão do «acesso à conta bancária da impugnante porque o Tribunal nada disse sobre a prova cuja junção foi requerida bastando-se em retirar uma conclusão que se nos afigura ilegítima» [conclusões 4) a 12)] ii) Erro de julgamento, quanto à não aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável, «[porquanto] a decisão carece de fundamento e de prova porque, por um lado o Relatório não consegue provar que não há outros montantes que terão sido recebidos e depositados, que não são pagamentos de clientes e, por outro lado, não está provado que, mesmo identificando os depositantes, o valor dos proveitos para efeitos fiscais é aquele. // Portanto, até pela leitura do mencionado Relatório, deparamo-nos com um acervo de dúvidas levantadas de tal modo que somos obrigados a aceitar que não é possível apurar o rendimento real pelo qual a Recorrente deveria ter sido tributada com recurso a correções técnicas» [conclusões 16) a 23)]. iii) Nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento quanto à invocação da fundada dúvida e da errónea quantificação da matéria colectável [conclusões 24) a 27)] iv) Erro de julgamento e omissão de pronúncia quanto à ilegalidade da correcção relativa a gastos não dedutíveis. 2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca a questão da ilegalidade do acesso à conta bancária de que é titular. Considera que a sentença incorreu em omissão de pronúncia sobre tal questão. Apreciação. Compulsados os autos, verifica-se que a sentença entendeu que não havia qualquer irregularidade no acesso à conta bancária da recorrente. Pelo que a alegada omissão de pronúncia não se comprova nos autos. No que respeita ao alegado erro de julgamento, cumpre referir o seguinte. Foi instaurada acção inspectiva à impugnante, por referência aos exercícios de 2010 e 2011 (1); tal significa que a mesma está sujeita ao acesso por parte da Administração Fiscal às contas bancárias de que é titular, desde que tal se revele necessário ao completo esclarecimento dos proveitos e dos gastos da empresa nos exercícios em causa. Recorde-se que «[o]s sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida» e que «[a] administração tributária pode aceder a todas as informações ou documentos bancários relativos à conta ou contas referidas no n.º 1 sem dependência do consentimento dos respectivos titulares» (artigo 63.º-C da LGT, versão vigente). Não existe, pois, qualquer sobreposição entre a derrogação do sigilo bancário do sócio-gerente da impugnante, determinada por despacho de 21/08/2014 (n.os 13 a 17, do probatório) e o acesso às contas bancárias tituladas pela sociedade impugnante (n.º 18 do probatório). Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii); a recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento, ao afastar a argumentação segundo a qual a forma mais adequada de determinação do rendimento colectável no caso seria através do recurso aos métodos indirectos, dado que a sua contabilidade não permite apurar a matéria colectável. Por seu turno, a sentença confirmou a decisão de aplicação da avaliação directa no caso, ponderando que do relatório inspectivo constam os dados relativos à contabilidade da impugnante que permitem apurar o rendimento efectivo nos exercícios em causa. Apreciação. «A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa» (artigo 85.º/1, da LGT). «A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: // Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (artigo 87.º/1/b), da LGT). Constitui jurisprudência fiscal firme a de que «mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g. correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.). // O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária)» (2). No caso em exame, do probatório, em particular do item “Cálculo dos réditos não facturados pela C.........” do relatório inspectivo, resulta a discriminação detalhada das omissões ocorridas e do seu suprimento, através de correcções técnicas. Pelo que a aplicação da avaliação indirecta não se justifica, no caso, dado que existem elementos na contabilidade que, conciliados com outros dados obtidos pela Administração Fiscal (3), permitem reconstituir o rendimento percebido nos exercícios em causa (V. “Cálculo dos réditos não facturados pela C.........”, do Relatório Inspectivo). Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.5. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente invoca nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento, no que respeita à alegada fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário. Por seu turno, a sentença ponderou que «[a]s informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei, sendo que tal valia probatória não foi abalado por parte da impugnante» (artigo 76.º/1, da LGT). Apreciação. Do teor da sentença, verifica-se que a mesma dirimiu a questão em apreço, pelo que inexiste a apontada omissão de pronúncia. No que se refere ao alegado erro de julgamento, cumpre referir o seguinte. No caso, não foi realizada prova que infirme as premissas que constam do relatório inspectivo no sentido de que parte, devidamente discriminada, dos rendimentos da empresa, foram depositados directamente nas contas bancárias do seu sócio gerente. Ou seja, existem receitas operacionais depositadas nas contas bancárias da impugnante e existem receitas operacionais depositadas nas contas bancárias do sócio-gerente da empresa, o que configura uma situação de omissão de proveitos (V. “Cálculo dos réditos não facturados pela C.........”, do Relatório Inspectivo). No plano dos gastos, existem situações de gastos não documentados, que urge rectificar (v. II 2.B Área de gastos e perdas do relatório inspectivo). Tais valores permitem apurar o rendimento colectável da empresa nos exercícios em causa. Pelo que a invocada fundada dúvida não se comprova. Ao julgar no sentido referido, a sentença sob escrutínio não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.8. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento e omissão de pronúncia, por referência à questão dos gastos inscritos na contabilidade de forma irregular Por seu turno, a sentença refere a existência de um conjunto de lançamentos contabilísticos que apresentam irregularidades no que respeita à sua dedutibilidade em IRC (item III.2.B. Área de Gastos e Perdas, do relatório inspectivo). Apreciação. Do teor da sentença decorre que a mesma apreciou e decidiu a questão em exame. No que se refere ao alegado erro de julgamento, cabe referir o seguinte. Verifica-se que existem um conjunto de lançamentos contabilísticos em sede de custos que se mostram inquinados por irregularidades, como sejam, não respeitam à actividade económica da empresa, não estão suportados em documentos justificativos, conforme resulta dos mapas insertos no item “III.2.B. Área de Gastos e Perdas”, do relatório inspectivo. Pelo que a correcção em exame não merece censura. Ao julgar no sentido referido, a sentença em exame não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.9. Do recurso interposto pela Fazenda Pública. A recorrente censura o segmento decisório em crise, porquanto a correcção relativa a tributações autónomas mostra-se devidamente fundamentada, devendo ser confirmada na ordem jurídica. Apreciação. O regime das taxas de tributação autónoma decorre do disposto no artigo 88.º do CIRC (versão vigente). A tributação autónoma incide sobre um conjunto de despesas incorridas pela empresa, mas que, por serem alheias ao objecto societário, são sujeitas uma tributação agravada. «Nuns casos, o legislador visa evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir a tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos. // Em outros casos, visa-se uma penalização de comportamento presuntivamente evasivos ou fraudulentos. // A tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que a operação de liquidação se traduz apenas na agregação, para efeitos de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma. Está em causa uma obrigação única, pois a tributação incide sobre factos tributários instantâneos e autónomos (despesas) que se esgotam em actos de realização de determinadas realidades, sem mais» (4). A correcção em relação às tributações autónomas consta do relatório inspectivo, do item “III.2.B. Área de Gastos e Perdas”. A questão que se suscita reside em saber se tal correcção assenta em fundamentação acessível a um destinatário médio, colocado na posição da recorrida. Ou se a mesma é obscura e impercetível. O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, deve […] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP) (5). «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência (6). A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário (7). No caso, verifica-se que as correcções em exame discriminam as rubricas e os valores apurados de forma individualizada e surgem na sequência das correcções relativas a lançamentos contabilísticos de gastos que se mostram irregulares e que não foram aceites, por essa razão. De onde resulta que as razões que a sustentam mostram-se acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante. Trata-se de gastos incorridos pela empresa que se subsumem nas alíneas referidas do preceito do artigo 88.º do CIRC e que, nessa medida, são tributados, de forma individual, à taxa aí mencionada. Concretamente, trata-se de gastos não documentados, despesas com veículos ligeiros de passageiros, amortizações, juros, seguros com os mesmos relacionados. Despesas cuja relação com objecto societário é difícil, senão mesmo impossível, de descortinar. Pelo que a correcção em causa não enferma do vício que lhe é apontado, devendo ser confirmada na ordem jurídica. Ao julgar em sentido discrepante, a sentença em exame incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente o presente fundamento da impugnação. Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso. 2.10. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (8). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (9). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €411.408,78. Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas». No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes. Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo. Dispositivo i) Negar provimento ao recurso da impugnante e confirmar a sentença recorrida, nessa parte. ii) Conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública e revogar a sentença recorrida, julgando a impugnação improcedente. iii) Deferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Custas pela recorrente, no recurso interposto pela impugnante; custas pela recorrida, no recurso interposto pela Fazenda Pública, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça, dado não ter contra-alegado, nesta instância. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) N.º 5 do probatório.(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires) (2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes) (2) Acórdão do TCAS, de 28-04-2016, P. 08645/15 (3) Depósitos bancários na conta do sócio-gerente da mesma. (4) Rui Marques, Código do IRC, anotado e comentado, Almedina, 2019, pp. 735/736. (5) E artigo 125.º do CPA vigente à data dos factos. (6) Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15. (7) Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13. (8) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. (9) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236. |