Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1043/12.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
MAIS-VALIAS SUSPENSAS DE TRIBUTAÇÃO.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FORMAL.
Sumário:A liquidação adicional determinada pela caducidade da suspensão de tributação das mais-valias obtidas em exercício anterior, cujo prazo legal da suspensão de tributação expirou sem a demonstração do reinvestimento, deve conter o enunciado das razões que a justificam.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

J.........., veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRS n.º .........., relativa ao ano de 2007, no valor de 19.921,09 EUR.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 110 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 29 de Julho de 2019, julgou procedente a impugnação. Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 142 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:

«I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação, deduzida contra a liquidação de IRS n.º .........., relativa ao ano de 2007, no valor total de 19.921,09 EUR e com a qual a Administração Tributária não se conforma.

II. Concretizando, a douta sentença a quo anulou a liquidação de IRS, por considerar que esta está ferida de vício de forma de falta de fundamentação, facto este gerador de anulabilidade, consistindo assim o thema decidendum em determinar se a liquidação controvertida cumpre os requisitos para que possa considerar-se que a fundamentação nela constante é clara, expressa, congruente e suficiente.

III. Entende, porém, a Fazenda Pública com o devido respeito por diversa opinião, que o douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, face à inaplicabilidade da alínea a) do n.º 54 do artigo 10.º do CIRS. Senão vejamos,

IV. A liquidação impugnada deriva, forma direta e necessária, da declaração de rendimentos (IRS) do recorrido, relativa ao ano de 2007, na qual assinalou no respetivo Quadro 5 do Anexo G a intenção de reinvestimento, do valor de realização decorrente de alienação de imóvel destinado a habitação, e da circunstância de não ter declarado, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização, o reinvestimento da totalidade do valor de mais-valias realizado, e inscrito pelo recorrido na declaração de rendimentos inicial.

V. A douta decisão proferida considera que o direito de audição prévia pode ser afastado, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte, exceção esta prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, na medida em que o contribuinte fez constar na sua declaração de rendimentos, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respetivo preço.

VI. Pelo que a liquidação adicional é gerada pela falta de reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação, atenta a falta de inscrição, nas declarações de rendimentos dos dois anos seguintes ao da realização, do valor efetivamente reinvestido.

VII. E o direito de audição prévia é dispensado porque o sujeito passivo – que não declarou ter efetuado o reinvestimento cuja intenção demonstrou – viu a liquidação ser operada de acordo com a posição que decorre, nos aspetos factual e jurídico, da respectiva declaração inicial, como aliás sucedeu no caso em apreço.

VIII. Contudo, embora a douta sentença a quo considere que a liquidação de IRS impugnada decorre dos valores e circunstâncias declaradas pelo próprio sujeito passivo, entende que a mesma encerra em si a necessidade de fundamentação suplementar, relativamente à liquidação de IRS primitiva.

IX. A liquidação de IRS controvertida vem tributar a alienação onerosa do prédio urbano sito na Av. ………., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de A…… sob o artigo ….., pois o recorrido, apesar de ter declarado a intenção de reinvestir o valor de realização na aquisição de um outro imóvel, não declarou qualquer valor de reinvestimento nas declarações de rendimentos dos dois anos seguintes.

X. E foi a omissão da declaração de reinvestimento, nas duas declarações de IRS subsequentes à do ano de 2007 que determinou a emissão da (re)liquidação, com base nos dados declarados pelo impugnante, entendendo a Fazenda Pública que a liquidação impugnada resulta direta e necessariamente da declaração do sujeito passivo, premissa esta aliás que conduz à conclusão de dispensa do exercício do direito de audição, plasmado no artigo 60.º da LGT.

XI. Na verdade, para que o recorrido possa beneficiar da exclusão de tributação, prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, não basta a mera declaração de intenção de reinvestir, pois que a posterior omissão nas declarações seguintes tem de funcionar como uma declaração negativa daquele propósito.

XII. O reinvestimento só existe quando o sujeito passivo aplica a totalidade do valor de realização na aquisição de um imóvel destinado a habitação própria e permanente e declara esta aquisição, sob pena de não vir a beneficiar da possível exclusão de tributação.

XIII. Concretizando, é nosso entendimento que o fio condutor do pensamento que permite afastar o direito de audição prévia, estatuído no artigo 60º, nº 2 da LGT, deve aplicar- se à fundamentação da (re)liquidação, pois que a fundamentação tem o mesmo grau de clareza, é igualmente expressa congruente e suficiente como a liquidação primitiva,

XIV. Resultando a liquidação controvertida da posição que decorre, nos aspetos factual e jurídico, da respectiva declaração inicial.

XV. Pois, se por num primeiro momento se dispensa o exercício do direito de audição, nos termos do nº 2 do artigo 60º da LGT, com o fundamento que a liquidação é emitida com base na declaração do sujeito passivo,

XVI. Afigura-se-nos que o mesmo raciocínio deve, num momento imediatamente posterior, determinar a suficiência do mesmo grau de fundamentação constante na liquidação primitiva, porquanto as duas liquidações de IRS não descriminam os rendimentos tributáveis por categorias, limitando-se a apurar o rendimento global e a proceder a todas as operações numéricas necessárias à determinação do imposto devido, na medida em que as mesmas resultam da declaração entregue pelo sujeito passivo.

XVII. Dito de outra forma, no momento em que o recorrido manifestou expressamente a intenção de reinvestir, sabia que a norma que permite reinvestir tem determinados pressupostos que, se não forem cumpridos, retiram a exclusão pretendida.

XVIII.  Como tem sido sublinhado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa a um determinado ano, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respetivo preço, a liquidação adicional, efetuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60º da LGT.

XIX.    Assim, como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, se o contribuinte conhece os pressupostos da não tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação, porquanto declarou no Anexo G da Declaração de IRS de 2007, a intenção de reinvestir, não pode ignorar as consequências da falta de reinvestimento, no prazo de 24 meses contados da data da realização, falta de reinvestimento este que esteve na base da liquidação impugnada – Cfr. artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do CIRS.

XX.     Por outro lado, de toda a factualidade alegada pelo recorrido, não é feita qualquer referência à realização de reinvestimento, apenas se podendo concluir que, se este não procedeu ao reinvestimento direto e imediato do valor de realização obtido com a alienação da sua antiga habitação própria e permanente na aquisição da propriedade de outro imóvel, não poderá aproveitar da exclusão de tributação ínsita na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (com a redação em vigor à data do facto tributário).

XXI. Cumpre realçar que perante a intenção de reinvestimento, manifestada expressamente pelo impugnante ora recorrido, na sua declaração de rendimentos de IRS de 2007, as mais-valias realizadas ficaram, nas condições ali definidas, suspensas de tributação até ao terceiro exercício seguinte ao da realização, data em que se aferiria do seu reinvestimento efetivo (ou não) e se concluiria pela sua sujeição a tributação ou pelo seu afastamento.

XXII.   Partindo do enquadramento conceptual do regime do reinvestimento como um benefício fiscal, que assume a forma de isenção, poderá afirmar-se que na tributação das mais-valias, por alienação de bens imóveis, o facto tributário verifica-se integralmente (por preenchimento de todos os seus elementos) com a alienação de bens imóveis. Contudo, a sua eficácia é paralisada até à realização (ou não) do reinvestimento, que representa em si mesmo um facto ao qual a lei atribui eficácia impeditiva.

XXIII.  Assim, se o reinvestimento for realizado, a isenção adquire um carácter permanente e se não for realizado, a isenção caduca, dando lugar à tributação da mais-valia, total ou parcial.

XXIV. Pode até fazer-se um paralelismo desta isenção temporária de tributação a uma condição suspensiva da tributação, dependente de um acontecimento futuro de realização incerta, sendo que a não realização da condição de reinvestimento tem como consequência a caducidade da isenção.

XXV.  O recorrido reconhece e resulta do probatório dado como assente na douta sentença recorrida, que a liquidação continha o número de identificação fiscal do sujeito passivo, número e data da compensação, número e data da liquidação, ano a que respeitam os rendimentos, bem como, a nota demonstrativa da liquidação (nota que contém as operações aritméticas que conduzem ao cálculo do imposto, indicando, também, a descrição das variáveis tais como, o “rendimento global”, as “deduções específicas”, as “deduções à colecta”, etc), sendo que, dos elementos fornecidos resulta, desde logo, que o recorrido sabia que a liquidação dizia respeito aos rendimentos do ano de 2007, e que a diferença apurada no rendimento global, só podia ser da (sua) falta de reinvestimento do valor de realização, reinvestimento esse que lhe possibilitou beneficiar da exclusão tributária prevista no artigo 10.º do CIRS.

XXVI. É nosso entendimento que o recorrido estava ciente das razões que deram causa à liquidação, logo em face do respetivo teor: se conhece os pressupostos da não tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação (pois que declarou no Anexo G do Modelo 3 de IRS, a intenção de reinvestir), não pode ignorar as consequências da falta de reinvestimento no prazo de 24 meses contados da data da realização (Cfr. artigo 10.º, n.° 5, alínea a), do CIRS), falta que esteve na base da liquidação.

XXVII. Assim, em termos de fundamentação do ato e dadas as expressas circunstâncias em que foi praticado, tem-se a mesma por suficiente, por a fundamentação ser a mesma que foi utilizada na liquidação primitiva e porque se este é o ponto de partida para a dispensa o direito de audição prévia, por a liquidação resultar de declaração do sujeito passivo, a mesma premissa deverá ser utilizada para concluir que a mesma se encontra devidamente fundamentada.

XXVIII. De facto, ao não ter efetuado qualquer reinvestimento nos anos de 2008 e 2009, o recorrido sabia que não podia beneficiar da exclusão tributária que aproveitou no ano de 2007, porquanto a isenção temporária de tributação caducou, com o não preenchimento do requisito de reinvestimento, sendo que o cumprimento desta condição permitiria que a isenção temporária de tributação se convertesse numa isenção definitiva de tributação das mais-valias realizadas.

XXIX. Assim, afigura-se-nos que a liquidação controvertida se encontra suficientemente fundamentada, de molde a permitir a um destinatário normal, colocado na mesma posição do ora recorrido, conhecer as razões do ato.

XXX.  Cumpre ainda referir que, para que o impugnante possa beneficiar da exclusão de tributação prevista no artigo 10º, nº 5 do CIRS, não basta a mera declaração de intenção de reinvestir, funcionando a posterior omissão do reinvestimento efetuado, nas declarações seguintes, como uma verdadeira declaração negativa daquele propósito.

XXXI. Pelo exposto, a douta sentença a quo, salvo o devido respeito, não valorou devidamente os elementos de facto constantes dos documentos que serviram como meio de prova aos factos dados como provados nas alíneas C) e I), tendo procedido a uma errada interpretação da prova e dos factos, incorrendo assim em erro de julgamento de facto e de direito violando a alínea a) do n.° 1 do artigo 10.º do CIRS por não se verificar a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

XXXII. Em suma, a douta sentença proferida a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorrecta valoração da prova documental que a fundamenta, incorrendo assim em erro de julgamento de facto e de direito, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica a decisão impugnada e, consequentemente, liquidação em causa.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


*

O recorrido, nas suas contra-alegações de fls. 160 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), formulou o seguinte ipsis verbis:

«Veio a Fazenda Pública/Recorrente interpor recurso da douta Sentença proferida no passado dia 29 de Julho de 2019 que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pelo Impugnante, aqui Recorrido.

Como se demonstrará,

Por um lado, a douta Sentença recorrida não merece a crítica e nem a censura que aquela lhe faz, nem, nela, se fez, como a Fazenda Pública, aqui Recorrente, também alegou, uma errada valoração da prova e dos factos nem nela se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação da a alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do CIRS por não se verificar a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do art.º 10º do CIRS.

Vejamos porquê:

No recurso que apresentou (exclusivamente sobre a matéria de direito), a Recorrente defendeu, resumidamente, que a liquidação adicional de IRS impugnada, apesar de não conter qualquer fundamentação, é totalmente válida e legal na medida em que a audição prévia do contribuinte não era, no caso, obrigatória e que a alteração na liquidação em causa só se podia dever a falta de reinvestimento.

No entendimento da Recorrente, se, num determinado caso, não está legalmente obrigada a ouvir o contribuinte antes da liquidação que oficiosamente pretende fazer também não tem de a fundamentar minimamente.

Pois bem,

Ficou definitivamente assente que a AT não notificou o Impugnante/Recorrido do projecto da liquidação de IRS que veio a fazer.

Pelo que não lhe deu a conhecer, antes da liquidação, o motivo da alteração à liquidação de IRS que veio a fazer.

E

Também ficou definitivamente assente que a liquidação adicional de IRS impugnada não contém qualquer fundamentação para as alterações constantes de tal liquidação.

Ora,

Nos termos da lei, há, de facto, casos (específica, excepcional e taxativamente identificados) em que é dispensada a notificação do contribuinte antes da liquidação.

Mas daí não resulta (nem pode resultar!) que, nesses casos (específica, excepcional e taxativamente elencados para a dispensa da audição prévia do contribuinte à liquidação), a AT está também dispensada de fundamentar a liquidação, isto é, de explicar, ainda que sumária ou minimamente, a liquidação.

É que

Dos art.os 268º, n.º 2, da CRP e 77º da L.G.T. resulta a obrigação da Administração Tributária em fundamentar as suas decisões de modo a dar a conhecer aos sujeitos passivos o iter cognoscitivo da liquidação do imposto.

E tem de fazê-lo de forma expressa, clara, contextual, formal, acessível, congruente e suficiente de modo a que um contribuinte, pressuposto como contribuinte normal, perceba as razões de facto e de direito que levaram a Administração a praticar determinado acto.

Só dessa forma poderá o contribuinte ter os elementos mínimos que lhe permitam aferir da legalidade do acto e de, em caso de ilegalidade, dele poder reclamar ou recorrer.

É esta a razão de ser da exigência legal e constitucional da fundamentação dos actos tributários!

É certo que o n.º 2 do art.º 77º da LGT possibilita a fundamentação dos actos tributários de forma sucinta, mas nunca (em caso algum!) a dispensa!

Diferentemente,

Como resulta da matéria de facto definitivamente assente, os documentos que corporizam a liquidação adicional de IRS impugnada não foram acompanhados de qualquer fundamentação, nem contêm em si qualquer fundamentação.

Como resulta da matéria de facto definitivamente assente, os documentos que corporizam a liquidação adicional de IRS impugnada não permitiam ao contribuinte sequer perceber por que razão lhe fora feita tal liquidação nem a que se devia a alteração dos valores dela constante, já que, para além de não conterem qualquer explicação, deles nem sequer resulta que a diferença de valores se deve a alteração de rendimentos de uma qualquer categoria específica.

Por isso (e bem), o Tribunal a quo concluiu que, no caso dos autos, “do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a anterior liquidação e a apelidada de “reliquidação”, sequer que tal diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G, pois a “reliquidação” (tal como a anterior liquidação” não discrimina os rendimentos tributáveis por categorias, antes se reportando ao rendimento global.”

Bem andou, por isso, o Tribunal a quo que, concordando com o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo (no acórdão proferido em 21/11/2012 no processo n.º 0736/12) e por esse Tribunal Central Administrativo Sul (nos acórdãos que proferiu em 20/10/2005, no processo n.º 00078/02, e em 29/06/2016, no processo n.º 08954/15) e aderindo à fundamentação neles expressa, entendeu que, estando provado, como está, que, em momento algum do procedimento de liquidação, a AT facultou ao Impugnante/Recorrido as razões que estão na base liquidação adicional impugnada (nem antes desta, nem em simultâneo com esta), nem o sentido da alteração aos rendimentos tributáveis que veio a fazer, tal acto de liquidação adicional está irremediavelmente ferido de vício de forma de falta de fundamentação:

Acolher-se a tese (ilegal e totalitarista) defendida pela AT seria legitimá-la a, pelo simples facto de o contribuinte não ter de ser ouvido antes de uma liquidação, fazer liquidações sem ter de lhe dar qualquer explicação!

Não pode ser!

A douta Sentença recorrida está, na parte em que julgou o acto de liquidação impugnado ferido de vício de forma de falta de fundamentação determinante da sua anulabilidade, correcta e, como tal, deverá manter-se inalterada.

Esta conclusão que (repete-se) está absolutamente correcta impõe outra que, em sede de impugnação judicial, o Impugnante/Recorrido já havia retirado e, para todos os efeitos, alegou – a caducidade do direito à liquidação.

(…)»

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) O Impugnante apresentou, em 23.05.2008, a sua declaração de rendimentos modelo 3 relativa ao IRS do ano de 2007, na qual declarou, no respectivo anexo G, a alienação de imóveis com um valor de realização de 789.963,30 EUR, bem como a pretensão de proceder ao reinvestimento de 85.000,00 EUR relativo ao valor de realização (cfr. documento de fls. 26 a 35 dos autos e fls. 27 a 33 do processo administrativo apenso);

B) Em resultado da factualidade mencionada na alínea A) que antecede, a Administração Tributária procedeu, em 21.07.2008, à emissão da liquidação de IRS n.º …………, relativa ao ano de 2007, com o valor a pagar de 150.319,94 EUR (cfr. documento de fls. 39 dos autos e fls. 40 e 54 a 56 do processo administrativo apenso);

C) Perante a falta de declaração pelo Impugnante de qualquer reinvestimento, nas declarações de rendimentos dos anos de 2008 e 2009, a Administração Tributária emitiu, em 28.11.2011, em nome do ora Impugnante, a liquidação de IRS n.º .........., relativa ao ano de 2007, na qual foi apurado o valor a pagar de 170.241,03 EUR (cfr. documentos de fls. 42 dos autos e fls. 59 a 62 do processo administrativo apenso);

D) Em consequência da emissão da liquidação identificada na alínea anterior, foi emitido pela Administração Tributária o acerto de contas n.º …………, na qual apurou imposto a pagar pelo Impugnante no valor de 19.921,09 EUR (cfr. documentos de fls. 42 dos autos e fls. 59 a 62 do processo administrativo apenso);

E) A Administração Tributária remeteu ao ora Impugnante, por carta registada, com registo postal de 05.12.2011, a demonstração do acerto de contas referido em D) supra (cfr. documentos de fls. 40 e 41 dos autos);

F) A carta mencionada em E) que antecede foi recebida pelo Impugnante em 06.12.2011 (facto reconhecido pelo Impugnante no artigo 4º da petição inicial e que é confirmado pelo print extraído do site dos CTT, junto a fls. 41);

G) A Administração Tributária remeteu ao ora Impugnante, por cartas registadas, com registo postal de 06.12.2011, a demonstração da liquidação mencionada em C) supra, bem como a demonstração de liquidação dos correspondentes juros (cfr. documentos de fls. 42 a 45 dos autos);

H) As cartas mencionadas na alínea anterior foram recebidas pelo Impugnante em 07.12.2011 (facto reconhecido pelo Impugnante nos artigos 5º e 6º da petição inicial e que é confirmado pelos prints extraídos do site dos CTT, juntos a fls. 43 e 45);

I) Do ofício de notificação da liquidação consta somente, como fundamentação da liquidação, o número e data da liquidação, o ano de rendimentos a que respeita, bem como a designada “nota demonstrativa da liquidação de imposto”, composto por um quadro de apuramento do imposto devido (cfr. documentos de fls. 42 dos autos).


*

FACTOS NÃO PROVADOS:

Dá-se como não provado, com interesse para a decisão, o seguinte facto:

– Foi remetido ao Impugnante ofício de notificação para audição prévia à emissão da liquidação identificada na alínea C) do probatório supra.


*

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Quanto ao facto dado como não provado, tal decorre de não ter sido junto, nem aos presentes autos, nem ao processo administrativo apenso, qualquer elemento de prova que demonstre o referido facto.

De resto, em momento algum a Fazenda Pública alega, em sede de contestação ou alegações, que tal notificação foi efectuada, limitando-se a alegar que, em casos como o dos autos, não é legalmente exigível proceder a tal notificação.»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

J) Das liquidações referidas em B) e C), consta a referência ao rendimento global tributável sem discriminação por categorias de rendimento.


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto em que terá incorrido a sentença recorrida, ao considerar verificado o vício de falta de fundamentação formal do acto tributário.

2.2.2. A sentença julgou procedente a impugnação, estruturando, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) da demonstração de liquidação notificada ao Impugnante nada mais consta, como fundamentação da liquidação, para além do número e data da liquidação, o ano de rendimentos a que respeita, bem como a designada “nota demonstrativa da liquidação de imposto”, composto por um quadro de apuramento do imposto devido [cfr. alínea I) do probatório].
Assim, do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a anterior liquidação e a apelidada de “reliquidação”, sequer que tal diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G, pois a "reliquidação" (tal como a anterior liquidação) não descrimina os rendimentos tributáveis por categorias, antes se reportando ao rendimento global. // (…) // Considerando o entendimento supra exposto, e decorrendo dos autos que do teor da liquidação em crise não consta qualquer explicação, ainda que sumária, esclarecedora da razão pela qual a Administração Tributária procedeu à alteração do rendimento global do Impugnante, sendo que também não resulta dos autos que a Administração Tributária, em momento prévio ao da emissão da referida liquidação, tenha facultado ao Impugnante as razões que estão na base da sua emissão – não lhe tendo sido facultado, designadamente, o direito de audição prévia à emissão da liquidação, com a ínsita informação sobre a intenção e o sentido da alteração aos rendimentos tributáveis, impõe-se concluir, como no douto acórdão supra citado, que o acto de liquidação adicional impugnado está ferido de vício de forma de falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, imputando-lhe erro de julgamento. Invoca que «o recorrido estava ciente das razões que deram causa à liquidação, logo em face do respetivo teor se conhece os pressupostos da não tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação (pois que declarou no Anexo G do Modelo 3 de IRS, a intenção de reinvestir), não pode ignorar as consequências da falta de reinvestimento no prazo de 24 meses contados da data da realização (Cfr. artigo 10.º, n.° 5, alínea a), do CIRS), falta que esteve na base da liquidação; De facto, ao não ter efetuado qualquer reinvestimento nos anos de 2008 e 2009, o recorrido sabia que não podia beneficiar da exclusão tributária que aproveitou no ano de 2007, porquanto a isenção temporária de tributação caducou, com o não preenchimento do requisito de reinvestimento, sendo que o cumprimento desta condição permitiria que a isenção temporária de tributação se convertesse numa isenção definitiva de tributação das mais-valias realizadas».

Apreciação. Está em causa liquidação adicional de IRS, por via da aplicação do disposto no artigo 10.º/5/a), do CIRS (alíneas A) a D), do probatório).

«São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: // a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição de propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português».

Por seu turno, no que respeita ao dever de fundamentação expressa dos actos tributários, o preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos actos tributários ser efectuada de forma sumária, deve[…] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP)[1].

Noutra formulação, «[a] fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»[2]. «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência[3]. A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário[4].

A propósito de liquidações adicionais impostas por falta de reinvestimento no prazo legal das mais-valias obtidas na alienação da casa de habitação própria e permanente, com vista à suspensão da tributação, como sucede no caso em exame, colhem-se da jurisprudência fiscal os ensinamentos seguintes:
i) «Se do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a “primitiva liquidação” e a apelidada de “reliquidação” - sequer que tal diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G -, o acto de liquidação adicional está ferido de vício de forma de falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade»[5].
ii) «Se antes da liquidação nada tinha sido comunicado aos contribuintes sobre a razão de ser da mesma, também não resulta da própria demonstração de liquidação notificada aos Impugnantes qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração Fiscal operou entre a "primitiva liquidação" e a apelidada de "reliquidação", sequer que tal diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G, pois que a "reliquidação" (e a "liquidação primitiva") não descrimina os rendimentos tributáveis por categorias, antes se reportando ao rendimento global»[6].

A referida orientação jurisprudencial tem plena aplicação ao caso em apreço. Está em causa nos autos a liquidação, emitida em 28.11.2011, relativa ao exercício de 2007, determinada pela caducidade da suspensão de tributação das mais-valias obtidas no exercício de 2007 e cujo prazo legal da suspensão de tributação expirou sem a demonstração do reinvestimento no decurso do mesmo. Do probatório resulta que a liquidação em apreço não contem o enunciado de razões que estão na base da mesma (alíneas A) a C). Pelo que não se vê como acompanhar a alegação de erro de julgamento imputada à sentença recorrida. A liquidação adicional em exame enferma do vício de falta de fundamentação formal dado que não enuncia as razões determinantes (bem como os cálculos) que determinaram a correcção da matéria colectável que lhe está subjacente.

A sentença que assim decidiu não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)


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[1] E artigo 125.º do CPA vigente à data dos factos.
[2] Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
[3] Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
[4] Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.
[5] Acórdão do STA, de 21.11.2012, P. 0736/12
[6] Acórdão do TCAS, de 29/06/2016, P. 08954/15