Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12546/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/15/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE; CASAMENTO; LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL.
Sumário:i) Revela a existência de ligação efectiva da interessada à comunidade nacional portuguesa, a circunstância de a mesma, de nacionalidade brasileira, ter casado com um cidadão português há 27 anos, de quem teve três filhas que adquiriram a nacionalidade portuguesa, sendo que a família, pelo seu lado materno, é constituída por portugueses, vindo também demonstrado o seu interesse no aprofundamento das relações com a família estabelecida em Portugal e com os familiares que entretanto descobriu, após buscas efectuadas no Paço de Lamego e nas conservatórias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

A Digna Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa veio interpor recurso jurisdicional da sentença daquele tribunal que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra Cássia…………. (Recorrida), casada, de nacionalidade brasileira, natural de São Paulo, Brasil, e aí residente.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1) Da matéria factual apurada e documental carreada para os autos, não resulta a pertença ou ligação efectiva da Requerida à comunidade nacional;

2) Dessa prova apenas resulta que a Requerida é casada com um cidadão português, nascido no Brasil, que tem nacionalidade brasileira e que tem três filhas nascidas no Brasil e com nacionalidade portuguesa;

3) Com efeito, não obstante a sentença recorrida ter dado como provado que o casal se deslocou a Portugal, nos anos de 2000, 2002 e 2011, certo é que a própria afirma que apenas visitou o nosso país nos anos de 2000 e 2002, e, portanto, tais visitas sem carácter de regularidade são insuficientes para permitirem o contacto directo com gentes, hábitos e cultura de Portugal.

4) E o facto de ser casada com um cidadão português não pode, só por si, ser havido como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, pois, por força da lei, essa ligação não decorre automática e exclusivamente do facto de a Requerida ser casada com um cidadão português;

5) Aliás, o cônjuge da Requerida, não obstante ter nascido em 1959, no Brasil, apenas em 2009, promoveu a integração/inscrição do seu nascimento como português, o que é revelador de algum distanciamento da comunidade nacional.

6) Distanciamento que igualmente se revela no facto de a duas filhas, nascidas em 1987 e 1989, apenas em 2010, por sua iniciativa e já na maioridade, ser atribuída a nacionalidade portuguesa. Quanto à filha menor, nascida em 1997, só no decurso desta acção lhe veio a ser atribuída a nacionalidade portuguesa.

7) Também a declaração de fls. 108, do Presidente do Conselho da Comunidade Luso - Brasileira do Estado de São Paulo, por vaga e conclusiva, nada adianta quanto à ligação efectiva da Requerida à comunidade portuguesa.

8) Sendo assim, não se verifica o requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, essencial à concessão da nacionalidade portuguesa;

9) Tendo decidido corno decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.º, alínea a) da Lei n.º 37/81, na redacção da Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril, artigo 56.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil;

10) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se reportam os autos.



A Recorrida contra-alegou, concluindo do modo que segue:

1) Da matéria factual apurada e documental carreada para os autos, deve considerar-se que resulta, tal como já decidido no Tribunal a quo, a prova de pertença e de ligação efetiva da Requerida à comunidade nacional.

2) A pertença à comunidade nacional revela-se também pela procura constante de seus familiares e pelo facto de a Requerida ser também sócia da Casa de Portugal em São José do Rio Preto e membro ativo da Comunidade Portuguesa de São Paulo no Brasil, onde aí tem atividades constantes preservando os laços de Portugal e as suas tradições.

3) Denote-se que o facto de cá não residir não quer dizer que não siga as tradições e hábitos culturais portugueses.

4) Não podemos esquecer que há todo um aspeto cultural e costumes que são transmitidos pelos antepassados e que vão passando de geração e geração permitindo a procura de uma identidade social e incutindo um sentimento de pertença à comunidade nacional que possa estar em causa.

5) Sublinha-se que, embora a Requerida resida num país estrangeiro não se poderá dizer com toda a certeza que terá de aceder exclusivamente apenas aos costumes desse país.

6) Como já referido nos acórdãos acima transcritos, a pertença à comunidade nacional ou a ligação efetiva a esta não se pode definir pelo preenchimento de todos os itens que habitualmente são enumerados e nem requer que a cada um deles seja conferido o mesmo relevo, exige-se pois uma visão de conjunto que caminhe para a aquisição da nacionalidade portuguesa.

7) É numa visão de conjunto com os variados fatores acima descritos, designadamente aspetos sociais, usos e costumes, história, tradições, geografia, língua, família e amizade, que se verifica por parte da Requerida um sentimento de pertença à comunidade portuguesa.

8) Provado está também, que a Requerida tem família portuguesa, o seu marido, a sua sogra e as suas filhas, independentemente da data em que promoveram tal aquisição, já que não poderá existir uma diferenciação entre nacionais portugueses atendendo à simples data de aquisição da mesma.

9) Ficou ainda provado o esforço que a Requerida e demais membros da sua família têm feito ao longo dos anos para localizar outros familiares nascidos em Portugal, através de pesquisas efetuadas bem como de deslocações ocasionais a Portugal.

10) Não se pode dizer que a aquisição de nacionalidade por atribuição das suas filhas revela distanciamento da comunidade nacional, antes revela uma vontade de ligação à comunidade nacional que as suas filhas sentiram e que já na maioridade, por sua iniciativa, quiseram pertencer.

11) Da factualidade provada evidencia-se que a requerida e a sua família têm um sentimento de pertença à comunidade nacional.

12) A nosso ver, está mais que claro que a ligação à comunidade portuguesa não decorre automática e exclusivamente do facto de a requerente ser casada com um cidadão português (nem nunca isso se quis dizer!) mas antes e também de uma partilha de tradições, hábitos, culturas, família e amizades que formulam um sentimento de pertença à comunidade portuguesa.



Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional).


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A. A Requerida é natural de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, onde nasceu em 21.3.1961, sendo filha de José…………………. e de Julieta…………………, ambos com nacionalidade brasileira (cf. doc. de fls.12).

B. A Requerida contraiu casamento civil, em 18.10.1985, com o cidadão português Luiz …………………….., conforme certidão de casamento junta a fls. 13 dos autos.

C. Em 11.05.2010, prestou a declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3° da Lei 37/81, de 03.10, com base no referido casamento (cf. doc. de fls. 10 e 10 v.º dos autos) tendo declarado que tem ligação efectiva à comunidade portuguesa.

D. A partir de tal declaração, foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº. 24115/10, onde se observou a existência de factos impeditivos à pretensão da Requerida, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado (cf. doc. de fls. 73-75).

E. A Requerida tem três filhas nascidas na pendência do seu casamento, todas com a nacionalidade portuguesa, cf. fls 26-28 e 88-89.

F. A Requerida reside atualmente e sempre residiu no Brasil (acordo).

G. A sogra da Requerida, nascida no dia 12.9.1930, no Pongaí, Brasil, adquiriu a nacionalidade portuguesa em 3.6.2005, por atribuição, por ser filha de portugueses, cf. fls 95-98 dos autos.

H. O marido da Requerida adquiriu a nacionalidade portuguesa por atribuição, por aplicação do disposto no art.º 1.º, n.º 1, al. c) da Lei da Nacionalidade, cf. fls 95 dos autos.

I. A Requerida e o marido são ambos médicos, cf. fls 13 dos autos.

J. O casal tem-se deslocou-se a Portugal no ano 2000, 2002 e 2011, tendo visitado vários familiares que aqui vivem e adquiriram já a nacionalidade portuguesa, como é o caso do médico odontologista, Dr. José ……………….., residente em Aveiro há 12 anos, bem como outros familiares nascidos em Portugal e que conseguiram localizar graças a pesquisas por si efectuadas no porão do Paço de Lamego, cf. fls 53-54 e 81 dos autos.

K. A Requerida, marido e filhas são sócios da Casa de Portugal em São José do Rio Preto, cf. fls 48, 50

L. A Requerida é membro activo da Comunidade Portuguesa de São Paulo, “onde tem actividades constantes, preservando os laços de Portugal e suas tradições”, cf fls 108 dos autos.

Não foram consignados factos não provados, nem autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Lisboa que julgou a presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa improcedente.

Para assim decidir a sentença recorrida assentou no seguinte discurso fundamentador:

“(…)

No caso dos autos a Requerida casou com um cidadão português há 27 anos, de quem teve três filhas que adquiriram a nacionalidade portuguesa.

Importa sublinhar que os efeitos da aquisição da nacionalidade portuguesa, por banda do marido e sogra da Requerida, retroagem à data do nascimento, cf. art.º 11.º da Lei da Nacionalidade.

A Requerida não demonstra ter contacto permanente e consistente com a cultura, geografia e língua portuguesas, no TN, mas sim no Brasil, onde sempre residiu até à actualidade, tendo ligações afectivas e familiares naturalmente decorrentes de uma vida em comum, de 27 anos, com um cidadão português cuja família, pelo seu lado materno, é constituída por portugueses, de onde se extrai que tal contacto é duradouro e suficiente para efeitos de demonstração de ligação efectiva à comunidade nacional.

De resto, como decorreu do depoimento prestado pela Requerida, cf. fls 91-92 dos autos, é manifesto o seu interesse no aprofundamento das relações com a família estabelecida em Portugal e com os familiares que entretanto descobriram, após buscas efectuadas, no Paço de Lamego e após ter passado pelas conservatórias. Ou seja, todas as diligências realizadas pela Requerida, com vista a conhecer pessoalmente os familiares portugueses, seus e de seu marido, nascidos e residentes em Portugal, revelam, sem margem para dúvidas o carácter genuíno e desinteressado no estabelecimento e consolidação de laços afectivos com os seus parentes portuguesas, o que é demonstrativo do seu sentimento de pertença a Portugal. Acresce que toda a família é sócia da Casa de Portugal no Brasil, cf. factos provados K) e L).[sublinhado nosso].

Atendendo aos elementos colhidos dos autos, considera-se, pois, que se mostra preenchido o ónus da demonstração da ligação efectiva à comunidade portuguesa, pelo que se impõe não conceder provimento à presente oposição..

É contra esta posição, alicerçada na avaliação efectuada pelo Tribunal a quo dos indícios probatórios processualmente adquiridos, que o Ministério Público se insurge pugnando pela inexistência de ligação à comunidade nacional. No essencial, defende o Recorrido que “da matéria factual apurada e documental carreada para os autos, não resulta a pertença ou ligação efectiva da Requerida à comunidade nacional”.

Podemos já adiantar que a decisão recorrida não merece a crítica que lhe vem dirigida, devendo manter-se. Vejamos porquê.

Comece por se deixar estabelecido que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que o probatório fixado se tem que dar por devidamente estabilizado.

Perante o probatório fixado, e ao que aqui importa destacar, verifica-se que a ora Recorrida casou com um cidadão português há 27 anos, de quem teve três filhas que adquiriram a nacionalidade portuguesa. Sendo que a família, pelo seu lado materno, é constituída por portugueses. Importando sublinhar, como se fez na sentença recorrida, que de acordo com o art. 11.º da Lei da Nacionalidade os efeitos da aquisição da nacionalidade portuguesa retroagem à data do nascimento.

A jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de factores, inter alia, como o domicílio, a língua, as relações familiares e de amizade, a integração social e económico-profissional, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que se possa radicar um sentimento de pertença. Isto em ordem a expressar um sentimento de pertença perene à Comunidade Portuguesa (neste sentido, entre muitos outros, o ac. deste TCAS de 13.11.2008, proc. n.º 3697/08). Exige-se, entendemos nós, a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença efectiva à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de actos isolados ou escassos.

Com especial aplicação no caso em apreço, especificou já o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 6.07.2006, proc. n.º 06B1740, que: “Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de 3 anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo, conforme art. 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade (…), indispensável a existência duma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art. 22º do Regulamento daquela Lei (DL 322/82, de 12/8, na redacção dada pelo DL 253/94, de 20/10).”

Donde, reiterando o já afirmado, a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve factores vários, designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro. Necessário é pois que se possa concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato, pelo menos, a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa.

Ora, face aos elementos constantes dos autos e na ausência de outros em sentido contrário, entende-se que se pode concluir pela existência de ligação efectiva à comunidade nacional.

Com efeito, a interessada instruiu o seu pedido com elementos que permitem demonstrar solidamente traços de afinidade com os usos, costumes, tradição e história do povo português, não se limitando a invocar – como em tantos outros casos que nos são trazidos a Juízo – o casamento com um cidadão português como fundamento da pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa (com efeito, o casamento com cidadão português não pode ser arvorado em elemento suficiente de ligação à comunidade portuguesa. Caso contrário, bastaria invocar esse singelo fundamento para que a nacionalidade fosse automaticamente concedida, fundamento esse não acolhido pelo legislador).

Na verdade, perante os indícios constantes dos autos, nos quais foi promovido o depoimento da interessada (cfr. fls. 90-91), afigura-se acertado o juízo alcançado pela Mma. Juiz a quo segundo o qual das relações familiares neste caso existentes “se extrai que tal contacto é duradouro e suficiente para efeitos de demonstração de ligação efectiva à comunidade nacional. Juízo decisório consistente com o seguinte postulado expresso na sentença: “[d]e resto, como decorreu do depoimento prestado pela Requerida, cf. fls 91-92 dos autos, é manifesto o seu interesse no aprofundamento das relações com a família estabelecida em Portugal e com os familiares que entretanto descobriram, após buscas efectuadas, no Paço de Lamego e após ter passado pelas conservatórias. Ou seja, todas as diligências realizadas pela Requerida, com vista a conhecer pessoalmente os familiares portugueses, seus e de seu marido, nascidos e residentes em Portugal, revelam, sem margem para dúvidas o carácter genuíno e desinteressado no estabelecimento e consolidação de laços afectivos com os seus parentes portuguesas, o que é demonstrativo do seu sentimento de pertença a Portugal. Acresce que toda a família é sócia da Casa de Portugal no Brasil, cf. factos provados K) e L).

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem que ser negado provimento ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Revela a existência de ligação efectiva da interessada à comunidade nacional portuguesa, a circunstância de a mesma, de nacionalidade brasileira, ter casado com um cidadão português há 27 anos, de quem teve três filhas que adquiriram a nacionalidade portuguesa, sendo que a família, pelo seu lado materno, é constituída por portugueses, vindo também demonstrado o seu interesse no aprofundamento das relações com a família estabelecida em Portugal e com os familiares que entretanto descobriu, após buscas efectuadas no Paço de Lamego e nas conservatórias.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 15 de Outubro de 2015


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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos