Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:88/08.6BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO ENCARGO DE PRODUÇÃO DE AÇÚCAR
Sumário:1) A impugnação do acto de liquidação do encargo de produção de açúcar, por referência à quota atribuída na campanha de comercialização de 2007/2008, por aplicação do Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho de 20.02.2006, é o meio processual adequado para dirimir todas as questões de legalidade (próprias ou derivadas) que se projectam sobre a capacidade de produção de efeitos jurídicos por parte do acto contestado.
2) Independentemente da função de concretização ou de mera aplicação assumida pelo acto tributário em face do Direito da União Europeia, os Tribunais Tributários são os competentes para decidir da sua conformidade em face do mesmo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
“S...- S..., S.A.”, interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 424/436, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o ato de liquidação do encargo de produção, aplicável à quota de açúcar atribuída na campanha de comercialização de 2007/2008, no valor de € 119.436,00, praticado pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
Nas alegações de recurso de fls. 237/242, a recorrente formula as conclusões seguintes:

1.º «A sentença recorrida deve ser declarada nula por não incumprimento do acórdão do STA, que anulou uma primeira sentença e determinou que se procedesse ao julgamento da matéria de facto com a inquirição de testemunhas, com violação direta do dever de administrar a justiça previsto hoje no artigo 152.º do CPC (norma idêntica ao anterior artigo 156.º CPC/61);

2.º Por prudente patrocínio, também se dirá que a sentença a quo não apreciou devidamente a matéria de facto nem o enquadramento jurídico relevante para a decisão da causa;

3.º O Tribunal a quo limita-se a dar como provados factos que servem à solução de direito que entendeu perfilhar e que se limita à aplicação singular da nota interpretativa n.º 2008-11, sem atribuir qualquer relevo à matéria constante dos artigos 9.º a 26.º da petição inicial, apenas aflorados em factos provados): a dupla natureza da atividade fabril desenvolvida pela S..., que se dedica «ao fabrico de açúcar a partir da transformação de beterraba açucareira produzida na Região Autónoma dos Açores e da refinação de ramas de açúcar bruto»

4.º E esta questão nuclear que se prende com a quota mista da Impugnante – empresa situada numa região ultraperiférica e única empresa em Portugal que se dedica ao fabrico de açúcar a partir da transformação de beterraba açucareira – foi olvidada de toda a matéria dada por provada;

5.º Assim, como não foi considerado o considerando 41) do Regulamento n.º 318/2006 – que defende uma descriminação positiva das Regiões Ultraperiféricas: «as características da produção de açúcar nas regiões ultraperiféricas da Comunidade distinguem-na da produção de açúcar no resto da Comunidade»;

6.º A quota de 9.953 toneladas atribuída à Região, e consignada à S..., conjuga com o regime previsto no artigo 5.º n.º 2, do Regulamento n.º 247/2006 do Conselho, que determina que «em relação ao abastecimento dos Açores em açúcar bruto, as necessidades serão avaliadas tendo em conta o desenvolvimento de produção local de beterraba sacarina. As quantidades beneficiárias do regime de abastecimento serão determinadas de modo a que o volume anual de açúcar refinado nos Açores não exceda 10.000 toneladas»;

7.º Por falta de matéria-prima local, a produção de açúcar a partir da beterraba é residual no âmbito da quota atribuída, tendo-se fixado em 1.006 t. na campanha 2007/2008 e 661 t. na campanha 2008/2009;

8.º Por outro lado, nas mencionadas campanhas, a refinação de ramas fez obter 1.204 t em 2007/2008 e 2.709 t. na campanha seguinte;

9.º Por conseguinte, deverão ser considerados provados e levados ao probatório, que:

a) A quota de 9.953 toneladas atribuída à Região Autónoma dos Açores foi consignada à Impugnante, permitindo a produção de açúcar branco produzido a partir de beterraba regional, apoiada nos termos do artigo 5.º n.º 2, do Regulamento n.º 247/2006 do Conselho, bem como produzido por refinação de ramas;

b) Na campanha de 2007/2008 a Impugnante produziu 1.006 t de açúcar proveniente de beterraba e 1.204 t. de açúcar proveniente de ramas;

c) Na campanha de 2008/2009 a Impugnante produziu 661 t de açúcar proveniente de beterraba e 2.709 t. de açúcar proveniente de ramas

10.º Por outro lado, a Impugnante não aceita a forma inovadora da nota interpretativa n.º 2008-11, que não leva em consideração a totalidade das normas constantes do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho, de 20.02, bem como do Regulamento (CE) N.º 952/2006 da Comissão, de 29.06, que o põe em execução, designadamente a disciplina do artigos 2.º, 3.º e 6.º, contestando também a omissão completa, por parte do Tribunal a quo, do enquadramento histórico e sistemático, do qual se sublinham o anterior Regulamento (CE) n.º 1260/2001, do Conselho, de 19.06, artigo 29.º, n.º 2 do Reg. 318/2006, 9.º do Regulamento (CEE) n.º 1785/81, Regulamento n.º 2177/92, da Comissão, de 30 de Julho e Regulamento n.º 247/2006 do Conselho.


X
A fls. 252, a Recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 259/260), no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1) «A S... – S…, S.A., dedica-se ao fabrico de açúcar a partir da transformação de beterraba açucareira produzida na Região Autónoma dos Açores e da refinação de ramas de açúcar bruto (por confissão).
2) A sede social e a instalação industrial de produção de açúcar da S... –S…, S.A., situam-se em Ponta Delgada (confissão).
3) Entre 9 e 14 de julho de 2007, a S... – S…, S.A., obteve € 1.076.896 Kg de açúcar, a partir da laboração de ramas de açúcar (cfr. doc. n.º 3, apresentado com a petição inicial, a fls. 13 do suporte físico do processo).
4) Em 24 de setembro de 2007, a S... – S…, S.A., elaborou um requerimento intitulado de “Ajuda à Transformação de Beterraba em Açúcar – Pedido de Ajuda”, para a campanha 2006/2007, solicitando o pagamento da “ajuda no valor de 660.458.05 Euros correspondente à quantidade de 1887023 Kg” (cfr. doc. n.º 2, apresentado com a petição inicial, a fls. 12 do suporte físico do processo).
5) Em 9 de janeiro de 2008, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., elaborou o ofício com a referência n.º 3/DAS/SFH/2008, dirigido à S... – S…, S.A., o qual tem o seguinte teor:
Assunto: Pagamento de Encargo de Produção / campanha de 2007/2008
No âmbito da reforma da organização comum de mercado no sector do açúcar, o Reg. (CE) nº 318/2006 do Conselho, de 20 de Fevereiro, estabelece no seu art.º 16.º que, a partir da campanha de 2007/2008, seja imposto um encargo de produção às quotas de açúcar atribuídas às empresas produtoras, correspondente a 12 euros por tonelada, de açúcar de quota.
Cabendo ao IFAP, I.P., a cobrança da totalidade daquele encargo de produção, em função da quota de que as empresas sejam titulares na campanha em causa e, tendo em conta que para 2007/2008 a quota da S... é de 9 953 t, junto se anexa devidamente preenchida e em quintuplicado, a Guia de Receita de Estado n.º 02/08 no montante de
119 436 euros (…), a fim de que essa empresa proceda ao respectivo depósito na Tesouraria da Fazenda Pública, até ao final do mês de Fevereiro.
Mais se solicita o envio do comprovativo, correspondente à operação efectuada (… )” (cfr. doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial, a fls. 10 do suporte físico do processo).
6) Em 21 de janeiro de 2008, a S... – S…, S.A., recebeu o ofício referenciado em 5) (por confissão).
7) Em março de 2008, a Direção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, da Comissão Europeia, elaborou a “nota interpretativa n.º 2008-11”, a qual tem o seguinte conteúdo:
A presente interpretação não prejudica uma eventual decisão do Tribunal de Justiça, única entidade competente para se pronunciar de forma juridicamente vinculativa sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições comunitárias.
SECTOR: AÇÚCAR
MEDIDA: Quota
OBJECTO: "Encargo de produção"
DISPOSIÇÕES EM CAUSA: Regulamento (CE) n.º 318/2006, artigo 16.º TEXTO DA INTERPRETAÇÃO:
Em conformidade com os n.os 1 a 3 do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, o encargo de produção de 12 euros/tonelada é imposto às quotas atribuídas às empresas durante a campanha de comercialização em causa e não depende da produção real ao abrigo da quota nessa mesma campanha de comercialização.

Esta interpretação é confirmada pelo facto de que só um sistema de pagamentos baseado nas quotas permitirá efectuar os pagamentos até ao último dia de Fevereiro da campanha de comercialização em causa (n.º 3, segundo parágrafo, do artigo 16.º). Um sistema de pagamentos baseado nas quantidades de açúcar ou de isoglucose produzidas ao abrigo da quota seria incompatível com esse prazo, já que no final de Fevereiro a produção da campanha de comercialização em curso ainda não é conhecida.
Esta interpretação teve os seus reflexos no sexto considerando do Regulamento (CE) n.º 551/2007 da Comissão: " Nos termos do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, a partir da campanha de comercialização de 2007/2008 é imposto em todas as campanhas um encargo de produção, à quota atribuída à campanha de comercialização em causa." Esse regulamento veio alterar o Regulamento (CE) n.º 952/2006 da Comissão, aditando-lhe um novo artigo 20.º-A, nos termos do qual os Estados-Membros comunicam aos produtores, até 31 de Janeiro de cada ano, o encargo de produção a pagar para a campanha de comercialização em curso. Mais uma vez, a produção real total não poderia ser já conhecida nessa data.
Acresce ainda que os n.os 1 a 3 do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006 fazem referência a um encargo de produção "... às quotas de açúcar", determinando que o mesmo será cobrado "... em função da quota de que estas [empresas] sejam titulares durante a campanha de comercialização em causa”.” (cfr. doc. n.º 1, apresentado com a contestação, a fls. 24 do suporte físico do processo).
8) Em 29 de setembro de 2008, a S... – S…, S.A., elaborou um requerimento intitulado de “Ajuda à Transformação de Beterraba em Açúcar – Pedido de Ajuda”, para a campanha 2007/2008, solicitando o pagamento da “ajuda no valor de 352.151,80 Euros correspondente à quantidade de 1.006.148 Kg” (cfr. doc. n.º 2, apresentado com a petição inicial, a fls. 17 do suporte físico do processo n.º 34/09.0BEPDL).
9) O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., elaborou o ofício com a referência n.º 16/DAD/UVHF/2009, dirigido à S... – S…, S.A., o qual tem o seguinte teor:
Assunto: Pagamento de Encargo de Produção / campanha de 2008/2009
No âmbito da reforma da organização comum de mercado no sector do açúcar, o Reg. (CE) nº 318/2006 do Conselho, de 20 de Fevereiro, estabelece no seu art.º 16.º, um encargo de produção às quotas de açúcar atribuídas às empresas produtoras, correspondente a 12 euros por tonelada, de açúcar de quota.
Cabendo ao IFAP, I.P., a cobrança da totalidade daquele encargo de produção, em função da quota de que as empresas sejam titulares na campanha em causa e, tendo em conta que para 2008/2009 a quota da S... é de 9 953 toneladas, junto se anexa devidamente preenchida e em quintuplicado, a Guia de Receita de Estado n.º 02/09 no montante de 119 436 euros (…), a fim de que essa empresa proceda ao respectivo depósito na Tesouraria da Fazenda Pública, até ao final do mês de Fevereiro.
Mais se solicita o envio do comprovativo, correspondente à operação efectuada (… )”
(cfr. doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial, a fls. 14 do suporte físico do processo n.º 34/09.0BEPDL).
10) Em 27 de janeiro de 2009, a S... – S…, S.A., recebeu o ofício referenciado em 9) (por confissão).
11) Em 17 de abril de 2009, a S... – S…, S.A., elaborou um documento denominado de “declaração”, com o seguinte teor:
Para os devidos efeitos declaramos que a S... importou no ano de 2007 2.498.740Kg de ramas de açúcar de beterraba provenientes do stock de intervenção na Suécia.
Em 2007 a S... trabalhou 6 dias, de 9 a 14 de julho, na refinação de 1.316.600Kg das ramas importadas em Julho de 2007.
Em 2008 a S... não importou ramas de açúcar de beterraba, e trabalhou 8 dias, de 10 a 17 de Março, na refinação de 1.182.140 Kg de ramas, correspondentes ao resto das ramas importadas em 2007 (… ).”(cfr. doc. n.º 3, apresentado com a petição inicial, a fls. 18 do suporte físico do processo n.º 34/09.0BEPDL).
12) Em 21 de setembro de 2009, a S... – S…, S.A., elaborou um requerimento intitulado de “Ajuda à Transformação de Beterraba em Açúcar – Pedido de Ajuda”, para a campanha 2009/2010, solicitando o pagamento da “ajuda no valor de 277.946,76 Euros correspondente à quantidade de 661.778 Kg” (cfr. doc. n.º 2, apresentado com a petição inicial, a fls. 34 do suporte físico do processo n.º n.º 68/10.1BEPDL).
13) O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., elaborou o ofício com a referência n.º 48/DAD/UVHF/2010, dirigido à S... – S…., S.A., o qual tem o seguinte teor:
Assunto: Pagamento de Encargo de Produção / campanha de 2009/2010
No âmbito da reforma da organização comum de mercado no sector do açúcar, o Reg. (CE) nº 1234/2007, do Conselho, de 22 de Outubro, estabelecem nos seus artigos 16.º e 51.º, respetivamente, um encargo de produção às quotas de açúcar atribuídas às empresas produtoras, correspondente a € 12,00 euros por tonelada de açúcar de quota.
Cabendo ao IFAP, I.P., a cobrança da totalidade daquele encargo de produção, em função da quota de que as empresas sejam titulares na campanha em causa e, tendo em conta que para 2009/2010 a quota da S..., S.A., é de 9 953 toneladas, junto se anexa devidamente preenchida e em quintuplicado, a Guia de Receita n.º 01/10 no montante de 119 436 euros (…), a fim de que essa empresa proceda ao respectivo depósito da referida quantia na Tesouraria da Fazenda Pública, até ao final do mês de Fevereiro.
Mais se solicita o envio do comprovativo, correspondente à operação efectuada (… )”
(cfr. doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial, a fls. 14 do suporte físico do processo n.º 68/10.1BEPDL).

14) Em 25 de fevereiro de 2010 a S... – S…., S.A., recebeu o ofício referenciado em 13) (por confissão).
15) Em 9 de setembro de 2010, a S... – S…., S.A., elaborou um documento denominado de “declaração”, com o seguinte teor:
S... (…), declara, para os devidos efeitos, que importou no ano de 2009, 2.981.360 Kg de ramas de açúcar de beterraba provenientes do stock de intervenção na Suécia.
Mais declara que, em 2009 trabalhou 23 dias, de 04 a 13 de Março e 6 a 18 de julho, na refinação de 2.981.360 Kg. (cfr. doc. n.º 3, apresentado com a petição inicial, a fls. 35 do suporte físico do processo n.º 68/10.1BEPDL).

*
Da instrução da causa inexistem factos não provados.»
X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«O Tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao suporte físico dos processos n.º 88/08.6BEPDL, n.º 34/09.0BEPDL e n.º 68/10.1BEPDL, nos termos especificados supra.
Para firmar a matéria em 1) e 2), e em 6), 10) e 14), o Tribunal teve em consideração o alegado nos pontos 1º, 2º e 7º das petições iniciais dos processos referidos.»


X
2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 424/436, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação do encargo de produção, aplicável à quota de açúcar atribuída na campanha de comercialização de 2007/2008, no valor de € 119.436,00, praticado pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
A sentença decidiu «julgar improcedente a presente impugnação, absolvendo-se o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP. da instância».
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os fundamentos seguintes:
i) A sentença é nula, na medida em que não apreciou a matéria de facto e a matéria de direito, de acordo com os ditames impostos pelo Acórdão do STA, prolatado nos autos;
ii) A sentença enferma de erro de julgamento, seja quanto à matéria de facto, seja quanto ao enquadramento jurídico;
iii) A sentença enferma de erro de julgamento, por considerar que a questão a resolver nos autos se prende com a alegada «forma inovadora da nota interpretativa n.º 2008-11, que não leva em consideração a totalidade das normas constantes do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho, de 20.02, bem como do Regulamento (CE) N.º 952/2006 da Comissão, de 29.06, que o põe em execução».
2.2.3. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Os atos de liquidação contidos nos ofícios com as referências n.º 3/DAS/SFH/2008, n.º 16/DAD/UVHF/2009 e n.º 48/DAD/UVHF/2010, fizeram incidir os encargos sobre a quota de produção de açúcar atribuída à impugnante (mais precisamente, 9.953 toneladas), nas campanhas de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010, respetivamente (cfr. matéria em 5), 8) e 13)).
Verifica-se, portanto, que os atos impugnados limitam-se a dar execução à interpretação veiculada pela nota informativa n.º 2008-11.
O IFAP, I.P., estava vinculado a acatar tal interpretação, em obediência aos postulados que se referiram.
Tais atos de liquidação aplicam uma interpretação firmada pela Comissão Europeia, contendo-se nos precisos termos e limites dessa interpretação.
Não padecem, por isso, de vícios próprios (em sentido idêntico, com as devidas adaptações, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 24 de maio de 2006, no processo n.º 01091/05, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Quer isto dizer que não se pode recorrer dos atos de liquidação em análise, mas apenas da interpretação da Comissão Europeia, tal como firmada na nota interpretativa n.º 2008-11.
Com efeito, a interpretação constante da nota interpretativa n.º 2008-11, tem inegável efeito jurídico externo, projetando os seus efeitos de forma inovadora sobre todos os produtores de açúcar abrangidos pelo referido Regulamento.
A nota interpretativa em análise reúne, pois, os requisitos necessários para ser objeto de um recurso junto das instituições europeias competentes, de acordo com a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente no acórdão de 20 de Maio de 2010, no processo T-258/06».
2.2.4. No que respeita à arguida nulidade da sentença, a mesma prende-se com o alegado incumprimento do Acórdão do STA, de 127/133.
No aresto acorda-se em «anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1ª instância, a fim de que aí seja proferida nova decisão em que se proceda ao julgamento da matéria de facto nos termos apontados».
Mais se consignou no Acórdão citado o seguinte:
«Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão a proferir à luz das diversas soluções de direito plausíveis (cf. art. 511.º, n.º 1, do CPC), discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 659.º, n.º 3, do CPC). // É nula, por falta de fundamentação de facto, a sentença que omite por completo a operação de julgamento da matéria de facto essencial para a apreciação da questão analisada e decidida, devendo essa nulidade ser apreciada e decidida oficiosamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, em face do disposto no art. 729.º, n.º 3, do CPC».
Com base nas conclusões mencionadas, o STA ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância, com vista à prolacção de decisão que contenha a fundamentação de facto e de direito necessárias à resolução do litígio.
No caso da sentença em exame, recorde-se que a mesma julgou improcedente a impugnação, por entender que estava em causa a contestação de acto da Comissão da União Europeia (identificado no n.º 7 do probatório), não sindicável por parte dos tribunais nacionais.
Sendo assim, não se vê como sustentar que a sentença enferme da apontada nulidade, por não acatamento do Acórdão do STA. Com efeito, a sentença contem a fundamentação de facto e de direito necessárias à sustentação do dispositivo adoptado.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.5. A recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento, por considerar que a questão a resolver nos autos se prende com a alegada «forma inovadora da nota interpretativa n.º 2008-11, que não leva em consideração a totalidade das normas constantes do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho, de 20.02, bem como do Regulamento (CE) N.º 952/2006 da Comissão, de 29.06, que o põe em execução».
Vejamos.
Está em causa a impugnação dos actos de liquidação do encargo de produção aplicável à quota de açúcar atribuída à recorrente na campanha de comercialização de 2007/2008, no montante de €119.436,00 (n.º 5 do probatório).
No entendimento acolhido na instância, o acto de liquidação em causa não inova na ordem jurídica, constituindo mera execução de decisão da Comissão da União Europeia. Nessa medida, o objecto do presente processo centra-se sobre as invocadas ilegalidades do acto europeu exequendo, materializado através da presente liquidação de encargos de produção de açúcar.
Salvo o devido respeito, o presente entendimento não pode ser aceite.
Do teor da petição inicial de impugnação resulta que a recorrente insurge-se contra o modo de quantificação do encargo à produção liquidado, imputando-lhe erros de facto e de direito. Tais vícios são assacáveis ao acto tributário em liça, enquanto acto determinativo do montante a pagar por parte do operador económico em causa, mesmo quando os mesmos se fundam em violação de norma de Direito Europeu. O acto de liquidação em exame não corresponde a mera execução das determinações da Comissão Europeia sobre a matéria, contidas na Nota interpretativa n.º 2008-11 (n.º 7 do probatório), porquanto existe no caso uma margem de concretização dos normativos europeus em função do caso concreto em apreço, a qual compete à autoridade do Estado-membro densificar. O que sucedeu através do acto de liquidação em apreço (n.º 5 do probatório). Margem de concretização cujo exercício assentou em erro na forma de cálculo do montante em dívida imputável ao recorrido, de acordo com as alegações da recorrente, em sede de petição inicial. Pelo que, segundo a tese da recorrente, o acto tributário em exame enferma de vícios próprios.
O facto de estar em causa a interpretação e aplicação de Direito Europeu (designadamente, o Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho de 20.02.2006, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar) não depõe em sentido discrepante do referido. Com efeito, «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo» (artigo 47.º, §1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia)(1). E, «[o]s Estados-Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» [Artigo 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia (2)]. Ou seja, é, em primeira linha, aos tribunais nacionais que compete apreciar da legalidade dos actos de Direito Europeu, bem como dos actos dos Estados de concretização ou de execução dos actos emanados dos órgãos das Instituições Europeias. Por outras palavras, uma vez assente nos autos, com trânsito em julgado, a natureza tributário do acto impugnado(3), então impõe-se concluir que o meio processual de impugnação judicial é o adequado para dirimir todas as questões de legalidade (próprias ou derivadas) que se projectam sobre a capacidade de produção de efeitos jurídicos por parte do acto contestado. Independentemente da função de concretização ou de mera aplicação assumida pelo acto tributário questionado em face de acto Direito Europeu em que o mesmo se baseie.
É que «a fim de apreciar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que considerar a posição da pessoa que invoca o direito de recurso (…). É, portanto, possível que um mesmo regulamento possa ser contestado por determinados operadores perante o Tribunal Geral, porque lhes diz diretamente respeito e não necessita de medidas de execução relativamente aos mesmos, enquanto necessita de medidas de execução relativamente a outros operadores»(4).
Mais se refere que «[a] excepção de ilegalidade, [isto é, o meio através do qual se pede a desaplicação ao caso concreto de um acto de Direito Europeu] (…) é um mecanismo que possibilita toda a apreciação incidental da legalidade que seja suscitada em determinado litígio, e aí, seja relevante para o julgamento do mérito da causa»(5). É o que se passa nos presentes autos, através dos quais se contesta a forma de cálculo do encargo à produção liquidado, por referência ao Direito Europeu, o que pode determinar (ou não) o não acatamento das indicações contidas na Nota interpretativa n.º 2008-11 da Comissão (n.º 7 do probatório).
Ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que aprecie do mérito da impugnação, se nada mais obstar.
O conhecimento em substituição no caso não se mostra possível dado que a matéria de facto relevante não se mostra apurada, nem consta dos autos.
Recorde-se que a recorrente invoca que «o IFAP aplicou e liquidou o encargo à produção pela totalidade da quota atribuída à impugnante, sem considerar que parte dela provém da refinação de ramas de açúcar bruto e não da sua produção, interpretou e aplicou de forma errada as normas contidas nos arts.º 16.º do Regulamento (CE) n.º 318/2006, do Conselho, 3.º, n.º 2, al. a), e 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º 952/2006, da Comissão, e 5.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 247/006, do Conselho». Ou seja, compulsada a alegação constante dos artigos 9.º a 27.º da petição inicial, verifica-se que a recorrente contesta o modo de quantificação do facto base da tributação. Junta documentos e arrola testemunhas. Sublinha-se que sobre os mesmos não foi feita qualquer valoração, nem foi produzida a prova testemunhal requerida.
De onde resulta a necessidade da ampliação da base probatória, com vista a aferir do alegado erro na quantificação. Impondo-se, por isso, a devolução dos autos à instância a fim de que, após a ampliação da base probatória, seja proferida decisão de mérito.
Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões do recurso.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte impugnada, ordenando a prossecução dos autos, com vista a prolacção de decisão que aprecie do mérito da impugnação, se nada mais obstar.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)
(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)

(1)https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.2016.202.01.0389.01.POR&toc=OJ:C:2016:202:TOC
(2) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12012M/TXT&from=PT
(3) V. sentença recorrida, fls. 213/215.
(4) Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 14.16.2016, P. T-397/13, §65.
(5) Francisco Paes Marques, A excepção de ilegalidade no contencioso da União Europeia, Lisboa, 2008, p. 147.