Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03855/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/03/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IVA
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS.
Sumário:1. Utilizando, o contribuinte, na elaboração da sua contabilidade, o sistema de inventário intermitente, em termos admitidos pela legislação em vigor à data, a elaboração, em simultâneo, de inventário permanente, mas de que se não dá conta de que se servisse para efeitos contabilísticos, consubstancia um elemento de utilização particular;

2. Assim, se o contribuinte recusar fornecer, à inspecção tributária, elementos próprios desse inventário permanente, tal não consubstancia, sem mais, fundamentação adequada ao recurso à metodologia indirecta de apuramento da matéria colectável, por impossibilidade de controlo das existências, antes se tornando necessário à AF atestar que o sistema de inventário intermitente utilizado não permite esse mesmo controlo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- O RFPública, por se não conformar com a decisão da autoria do Mm.º juiz do TAF de Castelo Branco, documentada de fls. 623 a 631, inclusive, dos autos e, pela qual, julgou procedente esta impugnação judicial deduzida «C……… – Representações …………………., Ld.ª», com os demais sinais dos autos, contra liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 1991 e 1992, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

a) Foram violados os artigos 123/1 alínea a) do CPT e 82/2, 3 e 4 do CIVA;

b) Relativamente à liquidação adicional de IVA do ano de 1991: As liquidações de IVA ora em causa foram efectuadas em 13/11/1996 e em 17/12/1996, respectivamente, e a data limite de pagamento ocorreu a 14/01/1997 relativamente ao ano de 1991 – fls. 119 e 120 dos autos -, e em 28/02/1997 a do ano de 1992 – fls. 121 -, pelo que a interposição do processo de impugnação objecto do presente recurso, entrada e datada de 07/05/1997 se mostra intempestiva no tocante ao ano de 1991 em face do disposto no artigo 123/1 alínea a) do CPT, extemporaneidade ou caducidade que uma vez mais se invoca.

c) Quanto à ilegalidade do recurso ao método presuntivo, quanto aos fundamentos que levaram à aplicação do artigo 82/2 e 3 do CIVA, eles encontram-se explicitados no relatório de inspecção junto aos autos a fls. 23 a 33 e seus anexos. Assim, é referido pela inspecção tributária que “a empresa possui meios informáticos e funciona com o sistema de inventário permanente. Mas inexplicavelmente utiliza na sua contabilidade o sistema de inventário intermitente, o que inviabiliza um controlo eficaz do movimento das existências. Como as existências têm uma importância primordial no apuramento da base tributável e atendendo ao facto da empresa possuir um sistema de inventário permanente, solicitaram-se os balancetes de stocks. Contudo os mesmos não foram facultados”. E foi devido á recusa de colaboração pela ora recorrida com a administração fiscal e às fragilidades decorrentes para o procedimento inspectivo daí decorrentes, uma vez que a inspecção se deparou com a recusa de acesso a elementos contabilísticos determinantes para a descoberta da verdade material, que saltou aos olhos a manifesta impossibilidade de quantificação directa e exacta dos valores reais, recorrendo-se, através de elementos contabilísticos disponíveis, testes e indícios disponíveis, nos termos do artigo 82/2, 3 e 4 á tributação dos anos em análise com base nas operações que a ora recorrida presumivelmente efectuou. Por outro lado, no que concerne à quantificação da matéria tributável, esta foi de forma esmiuçada explicitada sendo perfeitamente conhecido todo o iter cognoscitivo e valorativo levado a cabo pela inspecção, como demonstrado no relatório e respectivos anexos juntos a estes autos.
d) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos documentos juntos aos autos e da douta sentença.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se determine a revogação da decisão recorrida.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 659 e 660, pugnando pela manutenção do julgado na consideração de que a AT não fez, como lhe incumbia, prova da ocorrências dos necessários pressupostos legais, de facto e de direito, legitimadores do recurso à metodologia indiciária.

*****


- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão ora recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A. A impugnante é uma sociedade por quotas que exerceu como actividade principal o “comércio por grosso de bebidas”, com o CAE 610820, pelo menos, nos anos de 1991, 1992 e 1993, com sede na …………;

B. A impugnante foi submetida a uma inspecção tributária relativamente aos exercícios fiscais de 1991 a 1993 de molde a ser testada a consistência da situação de crédito de IVA.
C. Da análise contabilístico-fiscal declarada pela impugnante concluíram os serviços de inspecção:
- que quando as facturas de compras incluem bónus de quantidade estes não são valorizados;
- que quando tais bónus são dados em notas de crédito estas são valorizadas e o IVA regularizado mas não em conformidade com as regras do POC;
- que a impugnante recebe alguns descontos comerciais sobre os quais não regulariza IVA;
- foram deduzidas indevidamente 2 reparações de veículos em 1991 no valor de 10.217$00 que não constam do imobilizado;
- a empresa possui meios informáticos e funciona com sistema de inventário permanente mas utiliza na sua contabilidade o sistema de inventário intermitente, sendo que solicitados os balancetes de stock estes não foram fornecidos aos serviços de fiscalização;
- efectuado controlo contabilístico das existências foram detectadas divergências, explicitadas pelo responsável do sector comercial mas em moldes não confirmados face à inexistência de balancetes;
- foram testadas as vendas e as margens de lucro obtidas com recurso a distintas fórmulas e indicadores recolhidos na contabilidade, designadamente com utilização de preços fornecidos pela impugnante e amostragens, resultando sempre discrepâncias que os agentes de fiscalização não conseguiram ultrapassar;
- comparados o volume de negócios declarados e aquele que resultou do volume das vendas apurado, foram detectadas divergências com valores de vendas não declaradas;
- em conclusão que «A qualidade da informação proporcionada pelas demonstrações financeiras e balanço não reúne as características de relevância, fiabilidade e comparabilidade, nem está conforme com os princípios e normas contabilísticas. Pelo que não é apresentada uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e do resultado das operações da empresa».
- que quanto ao ano de 1991 foi determinada a correcção técnica do IVA indevidamente deduzido pela reparação de veículos;
- que «De acordo com os n.ºs 2 e 3 do art.º 82.º do CIVA demonstramos nesta informação que a empresa praticou omissões e inexactidões nas declarações periódicas de IVA. Neste contexto e devido à manifesta impossibilidade de quantificação directa e exacta dos valores reais, recorreu-se através de indícios disponíveis, tal como estipula o n.º 4 do art.º 82.º do CIVA à tributação dos anos em análise com base nas operações que a empresa presumivelmente efectuou.»

D. Foi, com base nestas conclusões, decidida a correcção técnica quanto ao ano de 11991 e elaborados os mapas de apuramento do IVA em falta que foi espelhado nas liquidações adicionais;

E. Os responsáveis da impugnante ficaram convictos, na sequência da fiscalização, que os agentes não lograram compreender o modo de funcionamento daquela, designadamente que nos preços de compra influem os bónus dos fornecedores, que nos preços de venda reflectem-se os descontos concedidos aos clientes e que os preços variam ao longo do ano.

*****


- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos distitntos dos mencionados nas precedentes alíneas.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que ele se alicerçou «[…] no teor dos documentos dos autos que não foram impugnados.».

*****


- Por se entender relevante à decisão final a proferir, se encontrar documentalmente demonstrada, nos termos a mencionar nas subsequentes alíneas, e cair no âmbito das conclusões do presente recurso, adita-se, em termos de matéria de facto provada, ao abrigo do estatuído no art.º 712.º, n.º 1, do CPC, ao probatório, a seguinte factualidade;

F. A impugnante foi notificada da liquidação de IVA, referente ao ano de 1991, aqui impugnada, e dos respectivos juros compensatórios, em 1996NOV15 – cfr. docs. de fls. 119 e 120 dos autos, os quais, aqui, se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;

G. A Impugnante, com referência às liquidações impugnadas decorrentes da utilização de métodos indirectos, deduziu reclamações para a Comissão de Revisão – cfr. docs. de fls. 122 a 149 e de fls. 324 a 350, dos autos, para as quais se faz expressa remessa;

H. A Comissão de Revisão constituída para apreciar a reclamação da liquidação impugnada referente ao ano de 1992, reuniu, em 1996NOV11, tendo deliberado, por maioria, designadamente e ao que aqui importa, nos termos seguintes;

«A Comissão Distrital de Revisão deliberou por maioria, com o parecer favorável do presidente e do vogal da Fazenda Pública, dar provimento parcial à presente reclamação e consequentemente alterar o Imposto anteriormente fixado para o montante de 1.482.457$00 (…) – cfr. ponto 3.2 do relatório dos Serviços Distritais de Inspecção Tributária de 18 de Outubro de 1996 – a repartir proporcionalmente à divisão inicial efectuada pela Repartição de Finanças da …………, com os mesmos fundamentos constantes da acta n.º 56 (IRC/92), desta data, que aqui se dá como inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais e da qual se junta fotocópia.
[…]» - cfr. doc. de fls.581 e v.º que, aqui, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

I. O articulado inicial dos presentes autos deu entrada em juízo no dia 1997MAI07 – cfr. carimbo aposto no rosto do articulado inicial, a fls. 2 dos autos.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- No caso que aqui nos ocupa, estão em causa liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 1991 e de 1992, efectuadas por métodos indirectos e respectivos juros compensatórios.

- Sucede que a Fazenda Pública, ora recorrente, ao proceder à apreciação do acto impugnado, nos termos cominados pelo, então vigente, art.º 130.º, n.º 1, do CPTributário, suscitou, desde logo, a questão da caducidade, por extemporaneidade, da presente impugnação, no que concerne à liquidação, antes referida, relativa ao ano de 1991, do mesmo passo que, expressamente admitiu a tempestividade dos autos quanto á impugnação referente ao ano de 1992 – cfr. art.º 2.º, a fls. 587, dos autos).

- Notificada, a recorrente, na pessoa do seu ilustre mandatário, na sequência de despacho expresso nesse sentido e em acatamento dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, de tal questão de caducidade do direito à impugnação da liquidação de IVA, referente ao ano de 1991 e aqui em crise, como o atestam fls. 590 e 592 e v.º, dos autos, nada veio, contudo, dizer ou requerer.

- Contudo, o Mm.º juiz recorrido, na sentença ora em crise, não emitiu qualquer pronúncia sobre tal questão, pelo que a decisão recorrida era passível de ser sindicada por padecer do vício de forma de omissão de pronúncia o qual, no entanto, não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser suscitado o que a recorrente não fez em sede de recurso, sem embargo de ter afirmado voltar a invocar a afirmar a intempestividade da impugnação quanto à liquidação de IVA de 1991 – cfr., designadamente, a 2.ª conclusão do recurso – o que, se outras circunstâncias se não verificassem, seria impeditivo de que este tribunal se debruçasse sobre tal questão.

- Contudo a questão da caducidade do direito de impugnar impostos, porque relativa a direitos indisponíveis, não carece de ser expressamente invocada já que se impõe ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, razão por que, de seguida e prioritariamente, se entrará no seu conhecimento.

- Ora, tendo em linha de conta as datas relevantes, há que chamar à colação, a fim de dirimir tal questão, o que preceituava o, então, vigente CPT, na matéria.

- E, a este propósito e ao que aqui releva, estatuía o seu art.º 123.º, n.º 1, al. a), as impugnações, - com a ressalva plasmada no art.º 22.º do mesmo compêndio legal e que, aqui, não releva considerar por se não esgrimir com a deficiente notificação da liquidação em causa -, tinham de ser apresentadas «[…] no prazo de 90 dias contados a partir do(s) […] termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e das receitas parafiscais;».

- Por outro lado, o art.º 49.º, n.º 2, sempre do referido CPT, determinava que a contagem daquele prazo de impugnação era de contar nos termos do estatuído pelo art.º 279.º, do CCivil, o que significava que o mesmo corria seguida e ininterruptamente, transferindo-se, no entanto, para o primeiro dia útil seguinte caso o seu términus viesse a coincidir, ao que aqui, agora, nos importa, com um sábado, domingo ou feriado (1).

- Ora, considerando que, nos termos do ofício/notificação da liquidação de IVA/91, aqui em causa, a recorrida dispôs de 30 dias para ao pagamento voluntário, então, por mera operação aritmética, se chega á conclusão que o prazo para introduzir em juízo o articulado inicial destes autos, no que concerne a tal acto tributário, expirou, - salvo qualquer lapso involuntário de contagem – no dia 1997MAR17, mas sempre muito antes do dia 1997MAI07, data em que ocorreu tal introdução em juízo, como o atesta o carimbo aposto no rosto do articulado inicial.

- E sendo, assim forçoso se impõe concluir pela caducidade do direito da impugnante à dedução da presente impugnação contra o acto de liquidação – e dos respectivos juros compensatórios – sindicado relativo ao ano de 1991, com a inerentes consequências jurídicas que, a final, se imporá extrapolar.

- Quanto ao mérito a questão decidenda restringe-se, pois, à liquidação de IVA – e dos respectivos juros compensatórios – impugnada e relativa ao ano de 1992.

- No caso vertente a recorrente insurge-se contra tal acto tributário seja porque considera que se não verificavam os necessários pressupostos legais ao recurso da metodologia indiciária, de que a AF lançou mão, seja porque entende que a quantificação assim operada padece de erro.

- O Mm.º juiz recorrido veio a decidir como decidiu na consideração de que no caso, se não verificavam os necessários e legais pressupostos para o recurso a tal metodologia.

- Não carece, aqui, o enquadramento jurídico a fazer, de grandes considerações sobre a natureza da metodologia indiciária, como meramente subsidiária e residual, uma “ultima ratio fisci”, para que a AF possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de velar e diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos, nos termos constitucionalmente determinados, remetendo-se, nesta medida e no essencial, para o discurso jurídico do Ac. tirado no Rec. 2.016/07, de 2007NOV14, deste Tribunal que, para aqui se convoca; É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva -, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 51.º, do CIRC, - como, aliás, se dá conta na decisão recorrida -.

- Por consequência e como daqui decorre, tudo está em saber se se encontra, ou não, verificada factualidade adequada à extrapolação daquelas duas vertentes que constituem os pressupostos legalmente exigíveis para que se possa recorrer à fixação da matéria colectável por métodos presuntivos, ou seja, se foram coligidos indícios suficientes de que o declarado pela recorrente não tem aderência à realidade, pela verificação de incorrecções, inexactidões e/ou omissões dos seus elementos contabílisticos e, na afirmativa, se, ainda assim, não é possível proceder a tal fixação de forma directa.

- Isto porque, como também ninguém dissente, é à AF que cabe o ónus de alegação e prova da verificação daqueles referidos pressupostos legais, ainda que no âmbito do específico conceito de ónus probatório vigente no direito tributário em que não há uma particular incumbência de prova, por parte de quem quer que seja, por força dos princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, sem que tal, no entanto, colida com a ilação de que a ausência de tal prova devida não pode deixar de a desfavorecer, pela impossibilidade legal de manutenção de um “non liquet”.

- E, intrinsecamente ligado com este ónus de alegação e prova encontra-se o dever de fundamentação formal da decisão da AF, em recorrer à métodologia indiciária, na medida em que, nos termos a seguir referidos, o circunstancialismo invocado como integrando, para AT, os pressupostos legais de utilização de tal metodologia alternativa consubstancia o caminho percorrido pela entidade decidente, no conjunto de razões adequadas/aptas a permitirem a extrapolação em que se traduz a decisão em tal sentido.

- É que com a fundamentação formal, enquanto imposição do nosso ordenamento jurídico relativamente aos actos administrativos em geral, e aos tributários em particular, pretende-se que os actos da administração se estribem num discurso empreendido pelo respectivo autor que explicite razões que se mostrem adequadas/aptas, e, simultânea e necessariamente, credíveis e susceptíveis a suportarem- -nos, revelando-as de forma contextual, clara, congruente e suficiente na explicitação daquela motivação, ainda que por remissão ou apropriação de outras razões adequadas ao efeito, e sem perder de vista que a fundamentação consubstancia um conceito relativo na medida em que implica uma maior ou menor densidade directamente proporcional à maior ou menor litigiosidade e complexidade do acto; Numa palavra, o que importa reter, como factor nuclear caracterizador de tal conceito, é que ela (fundamentação formal), se tem de cumprir na dupla dimensão de, por um lado, esclarecer adequadamente o seu destinatário, enquanto sujeito normalmente capaz e diligente, «... pela apresentação dos pressupostos possíveis ou dos motivos coerentes e credíveis ...»(2) aptos a suportarem o acto final, possibilitando-lhe, conscientemente, conformar-se com o ele ou, ao invés, atacá-lo e de, por outro, conferir à entidade decidente um maior grau de ponderação na sua prática, assim se destrinçando da fundamentação substancial já que, obedece a requisitos distintos desta, os quais, por seu turno, se prendem com a correcção da decisão, possibilitando a respectiva apreciação quanto ao seu mérito, ou seja, ao que eles são como «[...] realidade ontológica intradecisória.»(3).

- Cabe, ainda, referir, que, no domínio de aplicação do CPT, aqui aplicável, nos termos do estatuído nos seus art.ºs 84.º e 136.º, - na redacção do DL n.º 47/95MAR10 -, a impugnação de acto tributário de liquidação com suporte em errónea quantificação da matéria colectável, designadamente por recurso a métodos presuntivos, tinha como pressuposto inultrapassável, a reclamação para a comissão de revisão; Contudo tal exigência já se não colocava quanto à decisão de recorrer a tal metodologia, ao contrário do que, hoje, sucede nos termos do estatuído na LGT.

- Tem isto a ver com a localização da fundamentação formal legalmente devida, já que se quanto à quantificação da matéria colectável, em sede de revisão, é a decisão ali tomada que se traduz no acto final que, como tal, se tem de mostrar fundamentado, já no que toca à utilização da metodologia indiciária, porque ela não é objecto do mesmo tipo de reclamação, é a decisão tomada como base, - em regra e como sucedeu no caso vertente -, no relatório da acção inspectiva e, por consequência, este último, que tem de externar aquele conjunto de razões adequados à suportarem essa mesma decisão.

- Ou seja e neste domínio e encurtando razões, a, existência ou não, da fundamentação tem de ser buscada no relatório da inspecção tributária que se encontra documentado, naquilo que aqui releva, de fls. 23 a 33, dos autos.

- Ora, compulsando tal relatório, constata-se, na linha da própria argumentação da recorrente e expressa na terceira conclusão do presente recurso, que a fundamentação a que se ancorou a AT, para lançar mão da metodologia indicária no caso vertente se reconduz, primacialmente, ao segmento inicial do ponto 4.3. do relatório, constante de fls. 29, dos autos, na rubrica “Existências”, ao que poderemos aditar, em termos de compreensibilidade, o segmento final de fls. 31, sob a epígrafe “Conclusão” e o primeiro $, do ponto 5.1.2 (fls. 32), tudo do relatório, relativo à tributação em IVA pela aludida métodologia.

- Assim, naquela “Conclusão”, dá-se conta que, no entender da AF, “A qualidade da informação proporcionada pelas demonstrações financeiras e balanço, não reúne as características de relevância e fiabilidade e balanço, não reúne as características de relevância, fiabilidade e comparabilidade, nem está conforme com os princípios e normas constabilísticas. Pelo que não é apresentada uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e do resultado das operações da empresa, tal como estipula o artigo 44.º do CIVA”; Trata-se, no entanto e como se afigura patente, de um texto que nada mais faz do que expressar meros juízos conclusivos que apenas seria susceptível de adquirir relevância jurídica, na questão que aqui se aborda, na medida em que se estribasse em circunstâncias de facto atestadas e adequadas a inferi-los.

- E, o que se vem de dizer aplica-se, “mutatis mutandis”, ao teor do primeiro §, do referido ponto 5.1.2, do relatório onde, textualmente, se afirma que “De acordo com os nºs 2 e 3 do artigo 82.º do CIVA, demonstramos nesta informação, que a empresa praticou omissões e inexactidões nas declarações periódicas de IVA. Neste contexto e devido à manifesta impossibilidade de quantificação directa e exacta dos valores reais, recorreu-se através dos indícios disponíveis, tal como estipula o n.º 4 do artigo 82.º do CIVA á tributação dos anos em análise, com base nas operações que a empresa presumivelmente efectuou.» (sublinhados da nossa responsabilidade).

- E, em face do restante relatório, parece inquestionável que as acusadas omissões inexactidões nas declarações periódicas, mais não são, também elas, do que um resultado de inferência necessário e decorrente das correcções tidas por necessárias ao nível do IRC; Tudo está, pois, em saber, por seu turno, que inexactidões, omissões e falta de cooperação da recorrida, possam consubstanciar as invocadas da falta de relevância, fiabilidade e comparabilidade dos elementos contabilísticos da recorrida, adequadas à ilação da inviabilização do apuramento directo e exacto da matéria tributável referente aos anos em causa.

- E, este discurso apenas é susceptível de ser preenchido, reafirma-se, na linha do próprio entendimento da recorrente antes referido, na parte introdutório do ponto 4.3 do relatório, relativo a “Existências” e onde se afirma;

“A empresa possui meios informáticos e funciona com o sistema de inventário permanente. Mas inexplicavelmente utiliza na sua contabilidade o sistema de inventário intermitente, o que inviabiliza um controlo eficaz do movimento as existências.
Como as existência têm uma importância primordial no apuramento da base tributável e atendendo ao facto da empresa possuir um sistema de inventário permanente, solicitaram-se os balancetes de stocks. Contudo os mesmos não nos foram facultados.
Atendendo a que nos foi vedado o acesso ao sistema de inventário permanente (ou seja aos Balancetes de stocks), procedemos ao seguinte controlo contabilístico das existências:».

- Não se controverte que o controlo efectivo das existências tem uma importância central na determinação da exacta medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que é documentado e registado nos respectivos inventários de que, aquelas têm de dispor nos termos da lei comercial e fiscal; Daí que a ausência ou insuficiência insuprível desses mesmos inventários seja, em regra, adequado ao recurso ao uso de metodologia indiciária na determinação de tal matéria tributável, na medida em que inviabilizantes do seu apuramento directo e exacto.

- Mas isto posto é de referir que, tal como o entendeu a decisão recorrida, se não vislumbra que o discurso fundamentador da AF, expresso no relatório e antes transcrito, permita, desde logo, a conclusão de uma qualquer deficiência insuprível ao nível do inventário da recorrida do qual fosse legítimo extrapolar a conclusão da impossibilidade da quantificação directa e exacta da matéria tributável.

- Desde logo cabe referir que se não alcança o sentido da afirmação da AT quando refere que a recorrida “[…] funciona com o sistema de inventário permanente” e, do mesmo passo, ainda que afirmando-o inexplicável, ateste que “[…] utiliza na sua contabilidade o sistema de inventário intermitente […]”.

- Na realidade o que parece claro de tal discurso é que a recorrida operava, simultaneamente, com dois tipos de inventário; Contudo se aquele de que se servia, enquanto suporte, para os seus registos contabilísticos, era, apenas, o do inventário intermitente, então o que se tem de concluir é que, para todos os efeitos legais era este o sistema de inventário que utilizava, e não já, o permanente o qual, face ao teor do afirmado pela recorrente, parece ter de inferir-se trata-se de um elemento particular da recorrida.

- Mas, por outro lado e mais relevantemente, o que se constata é que a AT não acusa aquele inventário intermitente de padecer de qualquer tipo de viciação ou defeito susceptível de lhe retirar credibilidade nem, tão pouco, acusa a recorrida de dele (inventário intermitente) se não poder servir enquanto elemento de suporte dos respectivos registos contabilísticos, designadamente para aferição do movimento, no exercício, das existências, sendo certo, por outro lado, que o inventário permanente apenas se tornou vinculativo para as empresas, no nosso ordenamento jurídico, por força do DL n.º 44/99FEV12, ou seja, em momento muito posterior ao do exercício aqui em causa.

- Não se questiona que o inventário permanente permita de forma muito mais célere e certeira, encontrar o efectivo movimento das existências das empresas como, aliás, decorre da parte preambular do referido Decreto-Lei; Tal não implica, no entanto e de forma inexorável, que a utilização do inventário intermitente, na medida em que foi legalmente admitido pela ordem jurídica, inviabilize o apuramento directo e exacto da matéria tributável já que, se assim fosse, em todas as circunstâncias em que assim tivesse sucedido não haveria alternativa ao método indiciário que, assim e em tais casos, passaria de excepção a regra.

- E sendo assim, como se crê ser, então outra coisa se não pode concluir que a AT, não aduziu demonstrativamente, como lhe estava imposto, que, no caso e com referência ao ano de 1992, estavam verificados os necessários e legais pressupostos para poder recorrer, como recorreu, á metodologia indiciária.

- Conclui-se, por isso, pela falência da totalidade das conclusões do rpesente recurso.

*****

- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em;
a) conceder parcial provimento ao recurso, julgando-se improcedente a presente impugnação no que concerne à liquidação de impostos e juros relativa ao ano de 1991, por caducidade do direito de impugnar, nessa medida se revogando a decisão recorrida;
b) negar provimento ao recurso no remanescente, isto é, no que concerne à liquidação de imposto e juros relativa ao ano de 1992.
- Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância e na parte em que decaiu.

2010NOV03
Lucas Martins
José Correia
Aníbal Ferraz (vencido quanto à al.b) da decisão, por entender que na al.c) dos factos provados constam sete pontos que incorporam fundamentos bastantes e legitimadores da ocorrida utilização de métodos presuntivos , em cédula de IVA).

(1) Cfr. CPT Comentado e Anotado de AJSousa e JSPaixão, 3.ª ed., págs. 274/275.
(2) Cfr. Prof. Vieira de Andrade , in “O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”,, 231.
(3) Cfr. David Duarte , in “Procedimentalização Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativas como Parâmetro Decisório” , 185/186.