Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1907/12.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/04/2018
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Sumário:I - Está-se perante uma acção que tem por objecto relações contratuais quando a pretensão cuja tutela a autora pretende ver judicialmente reconhecida emerge da celebração de contrato de trabalho em funções públicas a termo e da sua cessação por caducidade.
II - Numa acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade contratual, instaurada contra um Ministério, a falta de personalidade judiciária do mesmo constitui uma excepção dilatória insanável e insuprível e importa a absolvição da instância do réu.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO
C… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa comum, sob a forma sumaríssima, contra o Ministério da Educação e Ciência, na qual peticionou a condenação do réu:
A) A reconhecer o direito da Autora à compensação a que se refere o artigo 252.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP);
B) A pagar à Autora a quantia de 3.295,44 €, referente à dita compensação (vd. Artigo 15.º);
C) A pagar à Autora os juros vencidos, no montante de 120,62, à taxa supletiva de 4% ao ano, desde 01 de Setembro de 2011 a 31 de Julho de 2012 (vd. Artigo 35.º);
D) A pagar à Autora os juros vincendos até integral pagamento.”.

Por despacho de 14.11.2016 foi suscitada a falta de personalidade judiciária do réu e ordenada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão.

Por decisão datada de 30 de Março de 2018 do referido tribunal foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação e Ciência e, em consequência, absolvido o réu da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa decisão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
(“texto integral no original; imagem”)

O recorrido, notificado para o efeito, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse consideram-se assentes, por acordo, os seguintes factos:
1) Em 26.9.2008, entre a autora e a Escola Secundária de Camilo Castelo Branco, sita na Rua Luz Veloso, Carnaxide, foi celebrado o contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com início a 1.9.2008 e termo a 31.8.2011, nos termos constantes do Doc. n.º 3, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Em 5.9.2011, entre a autora e a Escola Secundária de Camilo Castelo Branco, em representação do Estado, foi celebrado o contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com início a 5.9.2011 e termo a 31.12.2013, nos termos constantes do Doc. n.º 2, junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) A Escola Secundária de Camilo Castelo Branco pagou à autora a compensação a que se refere o art. 252º n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, pela cessação do contrato descrito em 1), tendo a quantia equivalente à mesma sido objecto de reposição pela autora por a dita Escola ter verificado que essa quantia tinha sido indevidamente processada.
4) A petição inicial relativa à presente acção foi remetida por correio registado em 27.7.2012 (cfr. fls. 2 e 64, dos autos em suporte de papel).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida incorreu em erro:
- ao julgar verificada a excepção da falta de personalidade judiciária do réu, ora recorrido;
- ao considerar insanável a excepção de falta de personalidade judiciária (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Antes de mais cabe esclarecer que in casu é aplicável o CPTA na redacção anterior à dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, já que, por um lado, a presente acção considera-se proposta em 27.7.2012 (cfr. art. 259º n.º 1, do CPC de 2013), e, por outro lado, as alterações introduzidas ao CPTA pelo referido DL 214-G/2015, de 2/10, só se aplicam às acções propostas após a entrada em vigor desse diploma legal (cfr. o respectivo art. 15º n.º 2).


Verificação da excepção da falta de personalidade judiciária

Na decisão recorrida entendeu-se que, atenta a configuração dada pela autora, ora recorrente, à relação matéria controvertida, está em causa na presente lide a apreciação de uma questão relativa à execução de contrato, pelo que, tendo em conta o disposto no art. 51º, do ETAF, e nos arts. 10º n.º 2 e 11º n.º 2, ambos do CPTA - de acordo com os quais nos processos que tenham por objecto relações contratuais quem tem personalidade judiciária é o Estado Português, representado pelo Ministério Público -, o Ministério da Educação e da Ciência, ora recorrido, não tem personalidade judiciária, excepção dilatória que não é passível de sanação, razão pela qual absolveu o mesmo da instância.

Invoca a recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar verificada a excepção da falta de personalidade judiciária do recorrido, Ministério da Educação e Ciência, pois, tendo a presente acção administrativa comum sido proposta nos termos do art. 37º n.º 2, als. a) e e), do CPTA – cujos pedidos foram de reconhecimento de direito e dever de prestar -, o recorrido tem personalidade judiciária face ao estatuído no art. 10º n.º 2, do CPTA, violando a decisão recorrida, além deste normativo legal, o art. 252º n.º 3, do RCTFP.

Dito por outras palavras, a recorrente discorda da qualificação feita na decisão recorrida de que na presente lide está em causa a apreciação de uma questão relativa à execução de contrato – por entender que esta acção tem por objecto litígio relativo a reconhecimento de situação jurídica subjectiva directamente decorrente de norma jurídico-administrativa e a condenação da Administração ao cumprimento de dever de prestar que directamente decorre de norma jurídico-administrativa [ou seja, do art. 252º n.º 3, do RCTFP] -, não pondo, no entanto, em causa que as acções que têm por objecto uma relação contratual devem ser intentadas contra o Estado Português e que nelas os Ministérios carecem de personalidade judiciária.


Assim, a única questão que cumpre apreciar - quanto ao alegado erro da decisão recorrida ao julgar verificada a excepção da falta de personalidade judiciária do recorrido - é a de saber se tal decisão errou ao considerar que na presente lide está em causa a apreciação de uma questão relativa à execução de contrato, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões da alegação de recurso (cfr. arts. 608º nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração).

Desde já se consigna que quanto a esta questão se vai seguir de perto o que se escreveu no Ac. do TCA Sul de 30.4.2015, proc. n.º 11243/14 (relatado pela relatora do presente acórdão).

Prescreve o art. 37º, do CPTA, o seguinte:
1 - Seguem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial.
2 - Seguem, designadamente, a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios relativos a:
a) Reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
(…)
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objecto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
(…)
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
(…)”.

Como esclarecem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, pág. 246, em anotação ao art. 37º:
A alínea h) reporta-se às típicas acções sobre contratos. Os litígios atinentes às relações contratuais poderão versar sobre questões relativas à validade, interpretação ou execução do contrato (entendida como abrangendo a modificação do contrato e a sua extinção ou a aplicação de sanções contratuais), e, bem assim, sobre a responsabilidade contratual (resultante do incumprimento ou do deficiente cumprimento das prestações contratuais), revestindo, assim, a natureza de acções constitutivas, declarativas ou de condenação” (sublinhados e sombreado nossos);

Para se determinar o objecto de uma acção tem de se atentar no(s) pedido(s) nela formulado(s) e na causa de pedir em que o(s) mesmo(s) assenta(m).

No caso vertente a recorrente, no essencial [pois o pedido de reconhecimento, além de que pressuporia que a acção fosse de simples apreciação (neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, cit., págs. 228 a 230) – o que não é o caso -, não passa de um mero antecedente lógico do pedido de condenação, ou seja, o pedido de reconhecimento, apesar da formulação que a recorrente lhe emprestou, não corresponde ao que se prevê no art. 37º, n.º 2, al. a), do CPTA, e, em rigor, ele é mesmo um falso pedido, insusceptível de um tratamento autónomo, sendo que o pedido fundamental é o de condenação – cfr., neste sentido, Ac. do STA de 27.5.2009, proc. n.º 517/09], peticiona a condenação do recorrido a pagar-lhe o montante de € 3 295,44 (bem como os juros vencidos e vincendos), correspondente à compensação que entende ser devida - nos termos do art. 252º n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo que, em 26.9.2008, celebrou com a Escola Secundária de Camilo Castelo Branco.


Assim, tendo presente a configuração que foi dada pela recorrente à presente acção, verifica-se que está em causa questão relativa à execução de contrato, concretamente à sua extinção (isto é, à indemnização devida pela sua extinção), a qual se subsume nos termos do art. 37º n.ºs 1 e 2, al. h), do CPTA, e não na al. e) desse n.º 2, pois a aplicação da norma na qual a recorrente assenta o pedido condenatório que formula (art. 252º n.º 3, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) pressupõe a celebração pelas partes de um contrato em funções públicas e a sua extinção, por caducidade.

A este propósito - isto é, de que a situação retratada nos autos subsume-se na al. h), e não em qualquer outra alínea, do n.º 2 do art. 37º, do CPTA (nomeadamente na al. a) ou e), como propugnado pela recorrente) - passa-se a transcrever o que se afirma no Ac. do TCA Norte de 13.6.2014, proc. n.º 748/12.7 BEAVR:
(…) a questão que ora se torna imperiosa resolver é a de saber se a ação instaurada pelas ora Recorridas é uma daquelas que se encontram abrangidas pelo campo de aplicação do artigo 11.º, n.º2 do CPTA, como defende o ora Recorrente, máxime, se se está perante uma ação cujo objeto se prenda com uma relação contratual, ou, diversamente, perante uma ação a que corresponde a forma de processo comum mas cujo objeto não é constituído por uma relação contratual.
Vejamos.
(23) Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 9.º da LVCR (1) a relação jurídica de emprego público pode constituir-se “por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas” e, de acordo com o n.º3 desse mesmo preceito O contrato de trabalho é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa”.
(24) Por outro lado, nos termos do art.º 21.º da LVCR, o contrato de trabalho em funções públicas, pode assumir as modalidades de contrato de trabalho por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto, sendo que, em qualquer dessas modalidades, o mesmo é um ato consensual pelo qual se estabelece uma relação de trabalho subordinado, sendo configurado como um contrato administrativo.
(24) Pese embora o contrato de trabalho em funções públicas tenha natureza contratual, a verdade é que por se estar perante um específico contrato, cujo objeto versa sobre uma relação laboral, as partes não são completamente livres de darem a esse contrato o conteúdo que muito bem entenderem, existindo certas normas de direito laboral que não podem ser afastadas, as quais limitam a liberdade de estipulação contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo. As relações laborais, por se desenvolverem num domínio em que o desequilíbrio entre as partes contratantes é mais acentuado e em que se regista uma maior necessidade de proteger a parte considerada mais fraca (princípio do favor laboratoris), veja-se, o trabalhador, são em larga medida disciplinadas por um conjunto de normas injuntivas, estabelecidas tendo em conta, designadamente, as desigualdades factuais existentes entre o empregador e o prestador de trabalho, com vista a salvaguardar uma efetiva igualdade jurídica.
(25) Deste modo, é inquestionável que o conteúdo da situação jurídica laboral abrange todas as regras que, de origem legal ou contratual, tenham aplicação por força da sua existência, o mesmo é dizer, a situação jurídica laboral apresenta um conteúdo complexo derivado de regras legais e convencionais (fixadas pelas partes através da conclusão do contrato de trabalho), que se aplicam em conjunto, por força da celebração de um contrato de trabalho, independentemente de constarem expressamente ou não do contrato e da existência ou não de expressa remissão para as mesmas.
(26) Em conclusão, a relação administrativa estabelecida através da celebração de um contrato de trabalho entre a Administração Publica e um trabalhador, pela qual o mesmo é afeto à realização de um fim de imediata utilidade pública, é, pois, uma relação contratual.
(27) Posto isto, tendo em conta que o objeto do processo é definido pelo pedido e pela causa de pedir, importa, agora, atentar nos pedidos formulados bem como na causa de pedir em que as ora Recorridas sustentam as pretensões que pretendem ver reconhecidas, de forma a verificar se estamos ou não perante uma ação cujo objeto seja uma relação contratual, embora previamente se nos afigure oportuno tecer umas breves considerações sobre o que se entende por pedido e causa de pedir.
(28) No que concerne ao pedido, e no dizer de Teixeira de Sousa, in “Introdução ao Processo Civil”, pág.23, o mesmo “ consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva”. Mas ao autor não basta formular o pedido, tendo ainda de especificar a causa de pedir, o mesmo é dizer, a fonte desse direito, o facto ou ato de que, no seu entender, o direito procede.
(29) No caso presente, os pedidos formulados pelas autoras, ora Recorridas, consubstanciam-se no pedido de condenação do ora Recorrente, a pagar-lhes a compensação pela caducidade do respetivo contrato de trabalho a termo, regulada no artigo 252.º do RJCTFP, a que se arrogam com direito e bem assim a pagar-lhes os créditos salariais que reclamam a título de direito a férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal.
(30) No tocante à causa de pedir, a mesma é, a nosso ver, constituída pela relação jurídica complexa emergente do contrato de trabalho a termo que cada uma delas celebrou com o MEC, onde se inclui a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
(31) Assim, cremos que o facto jurídico que serve de fundamento à ação, diversamente do afirmado na sentença recorrida, é a relação contratual que foi estabelecida entre as ora Recorridas e o MEC através dos sobreditos contratos individuais de trabalho a termo resolutivo certo que foram outorgados.
Tais contratos de trabalho, não só são condição sine qua non ao exercício do direito à compensação por caducidade e pagamento dos demais créditos salariais reclamados, como lhes servem de enquadramento.
Note-se que, quer o direito à compensação pela caducidade dos sobreditos contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, quer o direito ao pagamento das importâncias reclamadas a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, só estão em discussão e, consequentemente, a norma do artigo 252.º do RJCTFP só é convocada, por terem sido celebrados os mencionados contratos de trabalhos, ou seja, por existir uma relação contratual da qual emergem um conjunto de direitos, como aqueles que são peticionados.
(32) Assim, é imperioso concluir que o facto jurídico que serve de fundamento à presente ação é constituído por cada um dos contratos a termo que foram celebrados com o MEC, ou dito de modo mais adequado, pela relação jurídica complexa emergente dos mesmos, estando em causa a responsabilidade contratual decorrente da caducidade de cada um dos contratos.
(33) Nas ações baseadas em contratos, o núcleo essencial da causa de pedir é, por conseguinte, constituído pela celebração de certo contrato gerador de direitos.”.

Em suma, a situação sub judice subsume-se na al. h) (e não nomeadamente na al. a) ou e)) do n.º 2 do art. 37º, pois, como se sumariou no Ac. deste TCA Sul de 30.4.2015, proc. n.º 11243/14, “III - Está-se perante uma acção que tem por objecto relações contratuais quando a pretensão cuja tutela a autora pretende ver judicialmente reconhecida emerge da celebração de contrato de trabalho em funções públicas a termo e da sua cessação por caducidade (…).”.

Nestes termos, deverá nesta parte ser julgado improcedente o presente recurso jurisdicional (tendo presente, como supra salientado, que a recorrente não põe em causa que as acções que têm por objecto uma relação contratual devem ser intentadas contra o Estado Português e que nelas os Ministérios carecem de personalidade judiciária).


Insanabilidade da excepção de falta de personalidade judiciária

Na decisão recorrida, além de (acertadamente) se ter entendido que o recorrido, Ministério da Educação e da Ciência, não tem personalidade judiciária, também se considerou que tal excepção dilatória não é passível de sanação, razão pela qual se absolveu o recorrido da instância.

Argumenta a recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar insanável tal excepção dilatória [a (única) excepção dilatória julgada procedente pela decisão recorrida foi a excepção de falta de personalidade judiciária do recorrido, Ministério da Educação e Ciência, pelo que é despropositada a menção feita à excepção de ilegitimidade passiva nas conclusões 9ª e 12ª, da alegação de recurso, sendo (apenas e somente) relativamente a esta excepção (de falta de personalidade judiciária) que cumpre determinar se a decisão recorrida incorreu em erro ao considerá-la insanável], pois deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos dos arts. 88º n.º 2 e 89º n.ºs 1 e 2, ambos do CPTA.

Vejamos.

A falta de personalidade judiciária é uma excepção que não é passível de sanação - excepto nos casos previstos no art. 14º, do CPC de 2013 (sucursais, agências, filiais, deligações ou representações), aqui inaplicáveis -, razão pela qual a decisão recorrida não incorreu em erro de julgamento ao não admitir o aperfeiçoamento da petição inicial [sendo de salientar que nunca poderia existir violação dos arts. 88º n.º 2 e 89º n.ºs 1 e 2, ambos do CPTA (na redacção anterior à dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, versão aqui aplicável, como supra referido), pois estes normativos legais são aplicáveis à acção administrativa especial e não à acção administrativa comum, e sendo certo que a presente acção segue a forma da acção administrativa comum].

Cumpre salientar que os tribunais superiores têm-se pronunciando de forma largamente maioritária no sentido de que a falta de personalidade judiciária é uma excepção dilatória insanável, entre outros:
- Acs. do STA de 3.3.2010, proc. 0278/09 [“III - Numa acção instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos art°s 508°, n° 1, alo a), 265°, n° 2, ou dos artºs 325° e segs. do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 288º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil”], 1.10.2015, proc. n.º 556/15 [“III - Numa acção instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto no artº 590º, nº 1, al. a) do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 278º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil”], e 4.2.2016, proc. n.º 1300/14 [“I - Os Ministérios não possuem personalidade judiciária para os termos de uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual. II - A falta desse pressuposto processual, sendo insanável, implica a absolvição do R. da instância.”];
- Acs. do TCA Sul de 19.1.2012, proc. n.º 7015/10, 15.1.2015, proc. n.º 11502/14, 12.2.2015, proc. n.º 11740/14, 30.4.2015, proc. n.º 11243/14 [“VI - A falta de personalidade judiciária dos Ministérios constitui uma excepção dilatória insanável e insuprível e importa a absolvição da instância do réu”], 2.2.2017, proc. n.º 12715/15, e 4.5.2017, proc. n.º 91558/12;
- Acs. do TCA Norte de 24.5.2007, proc. n.º 184/05.1BEPRT, 19.7.2007, proc. n.º 805/05.6BEPRT [“VI- A falta de personalidade judiciária dos Ministérios constitui uma excepção dilatória insanável e insuprível e importa a absolvição da instância do réu – Cfr. artºs 8º, 508º-1-a), 265º, 493º-2 e 494º-c) do CPC”], 11.11.2011, proc. n.º 161/07.8 BEBRG, 25.11.2011, proc. n.º 3586/10.8 BEPRT [“2 . Numa acção instaurada contra um Ministério, a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos arts. 508.°, n.º 1, al. a), 265.°, n.° 2 ou dos arts. 325.° e ss. do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no art.º 288.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil”], 7.12.2012, proc. n.º 2696/11.9BEPRT, 19.4.2013, proc. n.º 106/12.3BEVIS, 13.6.2014, proc. n.º 748/12.7BEAVR, 16.1.2015, proc. n.º 2834/12.4BEPRT, e 17.6.2016, proc. n.º 1488/15.0BEPRT-A [“I- No caso em concreto, tratando-se de acção que, sendo processada sob a forma de acção administrativa comum e que diz respeito a uma relação jurídica de responsabilidade civil extracontratual, deveria ter sido instaurada contra o Estado e não contra os aqui Réus. II- Daí que, nesta situação, não seja possível a sanação da falta de personalidade judiciária, pelo que também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos artºs 6°/2, 316° e 590° do CPC, originando a absolvição da instância, de acordo com o preceituado no artº 278°/1, c) do Código de Processo Civil”].

Acresce que recentemente o STA prolatou Ac. de Uniformização de Jurisprudência neste mesmo sentido.

Com efeito, no Ac. do STA de 24.5.2018, proc. n.º 166/18, foi fixada a seguinte jurisprudência: “numa acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade contratual ou extra-contratual, instaurada contra um Ministério, a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível e não sendo sanável, também não pode ser objecto de suprimento, sendo determinante da absolvição da instância, nos termos do preceituado no artº 278º, nº 1, alínea c) do Código do Processo Civil” (sublinhados e sombreado nossos).

Para o efeito argumentou-se nesse Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 24.5.2018 o seguinte:
Esta questão não é nova na jurisprudência, sendo francamente maioritária, para não dizer quase unânime, a posição que se inclina para a impossibilidade de sanação, até porque a personalidade judiciária constitui o pressuposto dos restantes pressupostos processuais relativos às partes, uma vez que, faltando personalidade judiciária estamos perante uma instância irregular, que não pode, neste tipo de acções ser sanada.
Na verdade, sobre esta questão a posição do STA tem sido de que tal sanação desta excepção dilatória, à luz das normas do processo civil não é possível, com excepção das situações tipificadas no artº 8º do Código Processo Civil [sucursais, agências, filiais, delegações ou representações], o que não é o caso dos autos, sendo que o Ac. deste STA proferido em 03/03/2010, in proc nº 0278/09, expressamente consignou: «Ora, atento o que se deixou já exposto sobre a importância do pressuposto processual da personalidade judiciária [pressuposto de outros pressupostos processuais relativos às partes, como ensina o Prof. Castro Mendes (Direito Processual Civil II, págs. 13 e 14)] e do que dimana nomeadamente do disposto nos artigos 5º a 8º, 23º e 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, crê-se que a falta desse pressuposto processual é insanável, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 288º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil. (…) E, não se vê de que forma a solução/interpretação para que se propende possa violar o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos arts. 20º e 268º, nº 4 da CRP, pois que, independentemente do mais, tal tutela supõe que as partes se conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, designadamente das disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, como se viu, não foi o caso. (…) De resto, os enunciados princípios não podem deixar de coexistir com o princípio da autorresponsabilidade das partes inerente ao princípio dispositivo, o qual opera na escolha dos meios processuais e na fixação do objecto da pretensão da tutela judicial. (…) Em suma, fora da hipótese prevista no art. 8.º do CPC, a falta de personalidade judiciária … não é sanável …”.
E cremos que outra não pode deixar de ser a solução aplicável ao caso presente, sendo infundada a argumentação utilizada pelo recorrido quando se socorre do princípio vertido no artº 7º do CPTA, pois, quer o princípio da economia processual, quer o da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, possuem limites na sua aplicação e, portanto, estes limites não podem ser excedidos, sob pena de violação expressa das normas imperativas e positivadas no Código do Processo Civil.
E o artº 278º, nº 1, al. c) do CPC [versão de 2013] é claro ao enunciar que «(…) o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária…».
E ao especificar no seu nº 3 que «As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do nº 2 do artº 6».
Ora este nº 2 do artº 6º do CPC apenas tem aplicação em relação aos pressupostos processuais susceptíveis de sanação, como decorre do próprio texto, assim como resulta do disposto no artº 14º do mesmo diploma legal, que só a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada.
E nem os invocados princípios da economia processual, da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, invocados pelo recorrido, contribuem para o entendimento de uma possível sanação, dado que, como se referiu, a falta de personalidade judiciária constitui o pressuposto base dos demais pressupostos processuais relativos aos sujeitos processuais, originando, assim, uma instância ab initio irregular e sem possibilidade de ser salva.
Face ao exposto, procedem todos os argumentos trazidos no recurso dirigido a este Tribunal, sendo de concluir que, no caso presente, a excepção dilatória por falta de personalidade judiciária do R. Ministério da Educação e da Ciência [artº 577º, al. c) do CPC] é insusceptível de sanação.”.

Conclui-se, assim, que bem andou a decisão recorrida ao considerar insanável a falta de personalidade judiciária do recorrido, Ministério da Educação e Ciência, razão pela qual deverá a mesma ser mantida.

*
Não há lugar à condenação em custas, porquanto o responsável pelas mesmas – a recorrente (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA) - delas está isento (cfr. art. 4º n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul nos seguintes termos:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida.
II – Sem custas.
III – Registe e notifique.
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Lisboa, 4 de Outubro de 2018



(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Maria Helena Canelas – 1ª adjunta)



(Cristina dos Santos – 2ª adjunta, em substituição)


(1) Lei 12-A/2008, de 27/2.