Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:396/05.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
PROVISÕES
CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. A constituição de provisões reflete o respeito pelos princípios da prudência e da especialização dos exercícios.

II. Considerando o princípio da especialização dos exercícios, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, estas só podem ser admitidas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, independentemente do momento em que o crédito entre em mora.

III. Cabe ao sujeito passivo provar que o risco de incobrabilidade ocorreu no exercício em que é constituída a provisão.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

S(…) (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante ou S(…)) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 13.05.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, contra o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 1992.

A 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

Da reforma da sentença quanto a custas

I. Nos presentes autos solicita a Recorrente a anulação do ato de liquidação adicional de IRC na parte em que acresceu à matéria coletável o valor de 24.482.742 Esc (122.119,40€) relativos a várias provisões constituídas para cobertura de créditos de cobrança duvidosa, pelo que foi fixado à causa o valor de 122.119,40€.

II. Na sentença sob recurso foi considerado que a ação era procedente no que diz respeito às provisões constituídas quanto aos Clientes N(…), N(…), I(…), R(…), I(…), N(…), A(…), L(…) e H(…) (fls. 17 a 20 da sentença), as quais ascendem a 9.641.703 Esc (48 092,61 €) (vide Factos provados 1,2, 3, 6, 7, 9, 13, 14, 15, 16, 20 e 21).

III. O decaimento da S(…) foi em 74.026,79€ (122.119,40€ - 48.092.61 €), o que equivale a 61% do valor da causa e não 90%.

IV. A sentença recorrida ao ter condenado a Recorrente em custas na proporção de 90% violou o disposto no artigo 527.° n.°2 do CPC.

Impugnação quanto à matéria de facto

V. Nos factos provados 8) e 10) o Tribunal recorrido apenas atendeu ao valor das faturas cujo pagamento era solicitado nas ações judiciais aí indicadas, tendo desconsiderado o valor peticionado nas mesmas a título de juros de mora vencidos.

VI. O facto de nas ações judiciais interpostas terem sido também peticionados juros de mora vencidos é relevante para a decisão da causa já que (como se verá nas conclusões xxx) os créditos por juros de mora também constituem provisões fiscalmente dedutíveis, pelo que tais valores também deveriam ter sido considerados para aferir se o crédito ascendia ou não ao total do valor provisionado.

VII. Atento o teor do documento constante a fls. 46 a 51 do processo instrutor o facto provado 8) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação "Em 09/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade M(…) uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de 18 faturas do exercício de 1988 e 1989 no valor total de Esc. 750.742$00 acrescido de juros de mora vencidos no valor de 327.280$50(cfr. doc. de fls. 46 a 51 do processo instrutor junto aos autos)."

VIII. Atento o teor do documento constante a fls. 58 a 67 do processo instrutor o facto provado 10) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação "Em 14/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade E(…), Lda. titular do Restaurante C(…), uma ação declarativa de condenação pela falta de pagamento de 4 facturas do exercício de 1990 no valor total de Esc. 837.954$00 acrescido de 153.312$00 referente a iuros de mora vencidos (cfr. doc. de fls. 58 a 67 do processo instrutor junto aos autos);"

IX. O que resulta do documento constante a fls. 230 a 236 dos autos é que a ação executiva interposta pela Recorrente contra a A(…) Lda teve como títulos executivos quatro letras de câmbio (com o número de aceite 160, 161, 162 e 163) no montante de Esc.: 2.547.050$00 cada uma, pelo que o valor peticionado é de Esc 10.188.200$00 e não Esc.: 2.547.050$00 como considerou o Tribunal recorrido (na ação

X. Na referida ação a Recorrente também peticionou o pagamento da quantia de 5.348.805$00 a título de juros de mora vencidos

XI. Atento o teor do documento constante a fls. 230 a 236 dos autos, o facto provado 11) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação "Em 16/10/1991 a impugnante intentou contra A(…), Lda. uma ação executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento de quatro letras de cambio vencidas em 23/11/1989, no montante de Esc.: 2.547.050$00 cada uma, perfazendo a quantia total de 10.I88.200$00. acrescida de iuros vencidos no valor de 5.348.805$00" ((cfr. doc. de fls. 230 a 236 dos autos)

XII. Decorre de fls. 279 dos autos que o ato de liquidação n.° 1996 8310015383 no valor de 14.346.445$00 foi pago pela Recorrente em 28 de novembro de 2000.

XIII. A data de pagamento do ato de liquidação é essencial para efeito de início de contagem dos juros indemnizatórios (artigo 43.° da LGT), pelo que deve ser aditada uma alínea aos factos provados com a seguinte redação “A quantia referida em 22) foi paga pela Impugnante em 28 de novembro de 2000".

Impugnação quanto à matéria de Direito

XIV. Tendo a AT feito acrescer à matéria coletável as provisões para diversos créditos por considerar não terem sido apresentadas provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento desses créditos ou de terem sido interpostos processos judiciais (factos provados 20 e 21), o Tribunal recorrido entendeu que quanto às clientes I(…), Restaurante M(…), I(…), N(…), A(…), L(…) e Hotel (…) a Recorrente demonstrou ter efetuado diversas diligências no sentido de receber os valores constantes das suas faturas mas que quanto às clientes M(…), N(…), N(…), Restaurante (…) e A(…) a Recorrente alegadamente não provou ter efetuado diligências para a totalidade dos créditos provisionados (fls. 19 e 20 da sentença).

XV. Atento o teor do facto provado 11) (conclusões IX a XI), está demonstrado que a Recorrente interpôs uma ação executiva contra o Cliente A(…) na qual solicitou o pagamento da quantia de 10.188.200$00 acrescida de juros vencidos no valor de 5.348.805$00, pelo que a totalidade de tal crédito foi reclamada judicialmente.

XVI. A provisão para crédito de cobrança duvidosa constituída para este Cliente é de 9.364.398$00 (facto provado 21) pelo que não excede o valor do crédito peticionado nas diligências efetuadas pela Recorrente, devendo, nesta parte, a impugnação ter sido considerada procedente.

XVII. Atento o teor do facto provado 10) (conclusões V, VI e VIII) está demonstrado que a Recorrente interpôs uma ação declarativa contra o Cliente em causa reclamando judicialmente o pagamento da quantia de Esc. 837.954$00 relativo a diversas faturas acrescido de juros vencidos no valor de Esc 153.312$00.

XVIII. Há uma relação direta entre a obrigação principal de capital prevista no contrato celebrado no âmbito da atividade comercial de uma empresa, e a obrigação legal de pagamento de juros em caso de mora no cumprimento desse mesmo contrato (artigos 804.°, 805.° n.°2 al. a), 806.° n.° 1 e 809.° do CC)

XIX. A divida de juros de mora constitui uma das consequências patrimoniais do incumprimento da obrigação principal pelo que não podem os juros de mora deixar de integrar também o conceito de "créditos resultantes da atividade normal" do credor e, nessa medida, constituir um custo dedutível nos termos e para os efeitos dos artigos 33 e 34.° do CIRC (Acórdãos do STA de 18-10-2006, processo 0668/06, do TCAS de 19- 02-2015, processo 08137/14, de 13-12-2019, processo 1945/04.4BELSB e de 9-03-2017, processo 08955/15).

XX. os juros de mora resultantes de créditos decorrentes da atividade normal do contribuinte são também eles créditos resultantes da atividade normal de tal entidade, pelo que sobre os juros de mora vencidos no valor de Esc 153.312$00 também podia a Recorrente ter constituído provisão para cobrança duvidosa.

XXI. O crédito total da Recorrente sobre o Cliente Restaurante C(…) ascende a Esc. 991.266$70 e esse valor foi reclamado judicialmente (facto provado 10) pelo que a provisão constituída no valor de 921.954$00 (facto provado 21) não excede o valor do crédito peticionado nas diligências efetuadas pela Recorrente, devendo, nesta parte, a impugnação ter sido considerada procedente.

XXII. Ainda que se entenda que o crédito referente a juros de mora detido pela Recorrente e reclamado judicialmente não podia ser considerado para este efeito - no que não se concede - tendo a Recorrente demonstrado que pelo menos parte do crédito provisionado foi efetivamente reclamado judicialmente (facto provado 10), a desconsideração da totalidade do crédito é violadora dos artigos 33.° n.° 1 e 34.° n.° 1 al. b) do CIRC e do princípio da legalidade da incidência tributária (artigo 8.° da LGT), pois levaria a que se considerasse que deveria acrescer à matéria coletável a totalidade da provisão constituída não obstante provado que, pelo menos, parte desse crédito poderia ter sido efetivamente provisionado por verificação dos inerentes pressupostos legais

XXIII. Ainda que se pudesse entender - como efetuado na sentença recorrida - que a Recorrente não provou ter efetuado diligências para a totalidade do crédito provisionado (921,954$00) mas apenas para crédito no valor de 837.954$00 o que daí decorre não é a improcedência total do pedido quanto a esta provisão mas apenas uma improcedência parcial no valor não demonstrado de 84.000$00).

XXIV. Atento o teor dos factos provados 8) - conclusões V, VI e VII - e 12) está demonstrado que a Recorrente interpôs uma ação declarativa contra o Cliente M(…) reclamando judicialmente o pagamento da quantia de Esc. 750.742$00 acrescida de juros vencidos no valor de Esc. 327.280$50 (juros esses com base nos quais pode ser constituído crédito para cobrança duvidosa nos termos e para os efeitos dos artigos 33 e 34.° do CIRC conforme referido nas conclusões XVIII a XX) e queixa-crime pela falta de pagamento de um cheque no valor de Esc. 106.323$80.

XXV. Ascendendo o crédito reclamado judicialmente a 1.184.346$30 estava a Recorrente habilitada a constituir provisão pela totalidade de tal valor nos termos do artigo 34.° n.º 1 al. b) do CIRC.

XXVI. O tratamento contabilístico dado a tal provisão (a Recorrente considerou um crédito no valor de 1.640.323$00 e uma provisão de 50% no valor de 820.162$00 - facto provado 21) não pode sobrepor-se à substância dos factos sob pena de violação do artigo 34.° n.º 1 al. b) do CIRC e do princípio da prevalência da substância sobre a forma (artigo 11,° n.°3 da LGT) que determina que na qualificação do facto deve atender-se à sua substância e não à "roupagem" com que se apresenta.

XXVII. Tendo a Recorrente reclamado judicialmente contra o Cliente M(…) créditos no valor de 1.184.346$30 (factos provados 8) e 12) poderia ter constituído provisão no valor de 820.162$00 devendo a impugnação, nessa parte, ter sido julgada procedente nos termos dos artigos 33° n.º 1 e 34.° n.º 1 al. b) do CIRC.

XXVIII. Ainda que se entenda que quanto ao Cliente M(…) a Recorrente considerou crédito no valor de 1.640.323$00 e uma provisão de 50% de tal valor, e que só provou ter efetuado diligências para o recebimento o valor de 1.184.346$30, o que daí resulta (como referido nas conclusões XXIII e XXIV) não é a improcedência total do pedido quanto a este crédito mas apenas uma improcedência parcial no valor não demonstrado de 227.988$35 (1.640.323$00 - 1.184.346$30 = 455.976$70 x 50% = 227.988$35)

XXIX. Atento o teor dos factos provados 4) e 5), está demonstrado que a Recorrente efetuou diligências para o recebimento 672,16 USD (correspondente em 31/12/1992 a Esc. 109.803$99) quanto ao N(…) e de 102,72 USD (correspondente em 31/12/1992 a Esc. 20.593$51) quanto ao N(…).

XXX. Estando tais créditos em mora há mais de 24 meses (factos provados 4) e 5) as provisões constituídas quanto a tais créditos no valor de, respetivamente, Esc. 91.280$00 e Esc. 17.650$00 cumprem o disposto no artigo 34.° n.°2 do CIRC e não são superiores ao valor do crédito relativamente ao qual a Recorrente desenvolveu diligências para o recebimento, pelo que, também nesta parte, a impugnação deveria ter sido julgada procedente.

XXXI. Tendo o Tribunal considerado que os demais pressupostos legais exarados no artigo 33.° e 34.° do CIRC estavam verificados quanto às provisões constituídas no que concerne aos créditos detidos sobre os Clientes M(…), N(…), N(…), Restaurante (…) e A(…), e demonstrado que está que os créditos provisionados não excedem o valor dos créditos relativamente aos quais foram desenvolvidas diligências para o respetivo recebimento, a impugnação judicial também deveria ter sido considerada procedente quanto a estas provisões.

XXXII. A decisão recorrida, ao julgar improcedente a ação quanto às provisões constituídas para os créditos referentes aos Clientes M(…), N(…), N(…), Restaurante (…) e A(…) viola o disposto no artigo 33.° n.º 1, 34.° n.º 1 b) e c) e n.°2 do CIRC, o artigos 8o, 11,° n.°3 e 43.° da LGT.

XXXIII. Termos porque deve a sentença recorrida ser substituída por outra na qual se considere a ação integralmente procedente, com o que se fará JUSTIÇA!!!!”.

A FP não contra-alegou.

Por seu turno, a 2.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga parcialmente procedente, e quanto ao segmento julgado procedente, a impugnação deduzida pela Impugnante S(…), S.A. do indeferimento da reclamação graciosa deduzida da liquidação de IRC referente ao exercício de 1992, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 122.119,40.

B. A Impugnante considerou em 1992, para efeitos de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, o valor de € 312,362 (62.623$00) referente ao cliente N(…) e o valor de € 748,984 (150.158$00) referente ao cliente N(…), titulado em facturas com data de vencimento em, respectivamente, Outubro de 1988 e Julho de 1988 – facto que deverá ser aditado aos factos assentes da douta sentença, conforme fls. 81 e 82 dos autos, e relatório de inspecção, anexo 2.

C. Em 1990 a Impugnante reclamou junto dos clientes N(…) o valor de € 312,362 (62.623$00) e junto do cliente N(…) o crédito de € 748,984 (150.158$00) – facto a aditar ao probatório, conforme fls. 79 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso ao processo administrativo apenso aos autos.

D. Não resultam dos autos quaisquer adicionais diligências, posteriores a 1990, levadas a cabo junto dos clientes identificados e tendentes à reclamação dos referidos créditos, e do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 34.º do Código do IRC decorre que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado quando o crédito esteja em mora há mais de seis meses, e haja evidências de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, condições estas verificadas e demonstradas nos presentes autos em data anterior ao exercício de 1992.

E. Efectivamente, os créditos em análise estavam em mora desde Julho e Outubro de 1988, tendo a Impugnante encetado diligências para o seu recebimento em 1990, inexistindo posteriores diligências, pelo que, conforme decorre do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, o risco de incobrabilidade presume-se ocorrido no exercício de 1990, estando demonstrado nos autos como verificado em tal data.

F. São admissíveis para efeitos fiscais as provisões para créditos de cobrança duvidosa nas condições referidas no n.º 1 do artigo 33.º e n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, nas percentagens previstas no n.º 2 do artigo 34.º do Código do IRC, precisamente em obediência ao princípio contabilístico da prudência conjugado com o princípio da especialização dos exercícios.

G. E é em tais termos que a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC prevê que as provisões sejam consideradas custo do exercício - fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 34.º do mesmo diploma legal, e imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios previsto no aludido artigo 18.º do Código do IRC - , pelo que, não podem tais provisões ser aceites como custo fiscal, devido ao não preenchimento dos requisitos legais vertidos na alínea c) do n.º 1 o artigo 34.º do Código do IRC.

H. Sendo que, o mesmo raciocínio e fundamentação transpomos para as provisões para créditos de cobrança duvidosa constituídas quanto aos clientes Restaurante (…), I(…), N(…) e Hotel (…), em relação às quais aceitou o Tribunal a quo o custo fiscal associado, por entender demonstradas nos autos diligências com o fim de obter o pagamento dos montantes em dívida.

I. Contudo, todos os créditos em análise foram objecto de diligências destinadas a obter o respectivo recebimento em 10/05/1991, 09/10/1991, 21/05/1990 e 10/05/1991, sem que constem dos autos adicionais diligências, pelo que, o risco de incobrabilidade e a situação de mora em que se encontravam os créditos ocorreram em tais datas, e não no exercício de 1992, momento em que foram considerados como créditos de cobrança duvidosa, pelo que, não poderão ser tais provisões aceites como custos fiscais, conforme considerado em sede de procedimento inspectivo.

J. Atento o exposto, e divergindo respeitosamente do sufragado na douta sentença, é entendimento da Fazenda Pública incorrer o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto, com consequente violação do disposto no n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC e da alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, conjugado com a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma legal.

K. No referente à provisão constituída quanto ao cliente I(…), fazendo o Tribunal a quo assentar o juízo de procedência da impugnação, neste particular segmento, – e admitindo, em consequência, a provisão constituída em 1992 no montante de 25% do crédito – em diligências tendentes ao recebimento do crédito ocorridas em 1993, incorre em erro de julgamento de facto e de direito.

L. Pois, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, não pode a provisão ser admitida como custo no exercício de 1992 com base em diligências concretizadas em 1993, porquanto só em tal momento, exercício de 1993, é que o alegado risco de incobrabilidade em que assenta a constituição da provisão ocorre.

M. Pertinente é saber quando ocorre o risco de incobrabilidade ocorre, e o artigo 34.º do Código do IRC diz-nos que esse risco se mostra devidamente fundamentado quando o crédito esteja em mora há mais de seis meses e haja evidências de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, requisitos estes não verificados e não demonstradas nos presentes autos com referência ao crédito em apreço e ao exercício de 1992.

N. Pelo que, não pode a provisão referente ao crédito relativo ao cliente Irmãos Oliveira ser aceite como custo fiscal, à luz do prescrito no n.º 1 do artigo 33.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, em conjugação com a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento e de direito por violação de tais preceitos legais.

O. Quanto à provisão constituída relativa ao cliente do grupo A(…), aceitou o Tribunal a quo tal custo, no montante de € 4.211.340$00; não obstante, dos factos assentes da douta sentença resulta uma divergência de valores que não nos permite afiançar que as provisões desconsideradas pelos serviços de inspecção, no montante de 4.211.340$00, correspondem aos créditos para que nos remetem os documentos assinalados nos factos das alíneas 1. e 15. do probatório da douta sentença, o que impede a admissão de tais custos, por não verificável a sua referência aos custos não admitidos em sede de procedimento inspectivo.

P. E, por outro lado, verificamos dos documentos de fls. 27 a 37 do processo instrutor que a lera de câmbio em análise foi emitida em 03/04/1989, pelo montante de 5.416.384$00, com data de vencimento em 01/05/1989, de onde decorre nova divergência de valores, com a consequente conclusão de inexistência de conexão entre os créditos em questão e os garantidos pela letra; conclusão reforçada pelo teor do documento de fls. 98, para que nos remete o facto da alínea 1. do probatório da douta sentença, o qual é datado de 16/03/1988, não podendo, por isso, dizer respeito, por impossibilidade lógica, a facturas emitidas em exercícios subsequentes a 1988.

Q. Impugnamos assim, os factos contidos nas alíneas 1. e 15. por transparecerem uma realidade que não tem correspondência documental, não tendo logrado a Impugnante, quanto às provisões relativas ao cliente do grupo A(…), produzir a prova pertinente e adequada à admissão fiscal do custo, à luz do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, conjugado com o disposto no artigo 74.º da LGT e no artigo 342.º do Código Civil, incorrendo quanto a este segmento o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto e de direito, com violação das normas elencadas.

R. Finalmente, no referente aos créditos do cliente L(…), em relação aos quais a Impugnante constituiu uma provisão no exercício de 1992 pelo valor de 3.526.337$00, assenta mais uma vez o Tribunal a quo o juízo de procedência da impugnação neste particular segmento na concretização de diligências tendentes ao recebimento do crédito, contudo, não resulta do facto assente para que nos remete a douta sentença, demonstrada qualquer diligência quanto a quaisquer créditos em particular, porquanto não decorre de tal documento a demonstração dos créditos em relação aos quais foi intentada tal acção judicial, não nos sendo permitido estabelecer um mínimo de conexão com os créditos apreciados em sede de procedimento inspectivo.

S. Deste modo, e não tendo logrado a Impugnante, quanto às provisões relativas ao cliente do grupo L(…), produzir a prova pertinente e adequada à admissão fiscal do custo, à luz do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, conjugado com o disposto no artigo 74.º da LGT e artigo 342.º do Código Civil, não são as mesmas admissíveis.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, nos segmentos referidos, com as legais consequências.

Sendo que V. Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça”.

A Impugnante apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“I. O princípio da especialização aplicado ao caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa (artigos 23.º al. h), 33º n.º1 al. a) e 34º do CIRC) apenas determina que estes só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram contabilizados como sendo de cobrança duvidosa.

II. Não é relevante, a este propósito, o momento em que o crédito entre em mora (já que o simples facto de um crédito se encontrar em mora não constitui indício bastante de que não virá a obter cobrança - Acórdãos do TCAS de 27/05/2021, processo 337/03.7BTLRS, de 14/11/2019, processo 9467/16.4BCLSB, 25/04/2004, proferido no processo 04778/01) nem o momento em que o sujeito passivo realizou diligências para o recebimento do valor em dívida (já que poderá o credor entender que no exercício em que adotou tais diligências, a cobrança ainda não se apresenta como duvidosa).

III. Compete à AT demonstrar que a incobrabilidade dos créditos que originaram a provisão foi verificada em exercícios anteriores àquele em que ocorreu essa constituição e que isso foi evidenciado na contabilidade do contribuinte (Acórdãos do STA de 30/04/2003, processo n° 101/03 e do TCAS de 15/06/2010, processo 03976/10)

IV. A AT não demonstrou nestes autos que aos créditos detidos sobre os Clientes N(…)” e N(…)” foram considerados de cobrança duvidosa e como tal refletidos na contabilidade da S(…) em exercício anterior a 1992.

V. Estando demonstrado que a S(…) reclamou extra-judicialmente o pagamento destes créditos, tendo efetuado diligências para o seu recebimento, e não tendo a AT demonstrado que foram considerados de cobrança duvidosa em exercício anterior a 1992, não se verifica qualquer violação do princípio da especialização, dos artigos 23.º, 33.º n.º1, 34.º n.º1 al c) do CIRC, improcedendo as conclusões D a G do recurso.

VI. Quanto às provisões constituídas sobre os Clientes Restaurante (…), I(…), N(…) e Hotel (…) vem a AT invocar a mesma questão da pretensa violação do princípio da especialização (conclusões H a J).

VII. Como resulta das alíneas 20) a 22) dos Factos Provados, quando a estes créditos a correção efetuada no ato de liquidação sob impugnação foi sustentada numa pretensa falta de apresentação de provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento e não no facto de os créditos se terem vencido e as diligências de recebimento terem sido desenvolvidas em data anterior a 1992, nem em qualquer violação do princípio da especialização ou dos artigos 18.º, 33.º n.º e 34.º do CIRC.

VIII. Quando a estes créditos foi a ilegalidade da correção efetuada com base na pretensa falta de demonstração de terem sido efetuadas diligências para recebimento que a S(…) veio invocar neste processo de impugnação de ato tributário e foi apenas essa a questão analisada e decidida na sentença (alínea 20) dos Factos Provados e fls. 18 a 20 da sentença), não tendo o Tribunal a quo analisado quanto a estes créditos qualquer pretensa violação do principio de especialização de exercícios dado que tal não foi invocado no ato de liquidação sob impugnação.

IX. Não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam do ato impugnado (Acórdão do STA de 28/10/2020, processo 02887/13.8BEPRT, de 22/03/2018, processo 0208/17 e do TCAS de 11/03/2021, processo 8298/14.0BCLSB).

X. Acresce que os recursos destinam-se reapreciar questões anteriormente decididas (artigo 627.º n.º1 do CPC) e não a conhecer questões novas (Acórdãos do STJ de 7/07/2016, processo 156/12.0TTCSC.L1.S1 e de 17/11/2016, processo 861/13.3TTVIS.C1.S2)

XI. Pelo que não pode ser conhecido o invocado nas conclusões H), I) e J) do recurso.

XII. De qualquer forma, como referido nas conclusões I a III, competia à AT demonstrar que a incobrabilidade dos créditos detidos pela S(…) sobre os Clientes Restaurante (…), I(…), Hotel (…) e N(…) foi constatada e refletida na contabilidade daquela entidade em exercício anterior ao de 1992, o que não fez

XIII. Estando demonstrado que a S(…) reclamou o pagamento destes créditos, tendo efetuado diligências para o seu recebimento (alíneas 2, 3, 6, 7 e 9 dos Factos Provados), e não tendo a AT demonstrado que foram considerados de cobrança duvidosa em exercício anterior a 1992, não se verifica qualquer violação do princípio da especialização, dos artigos 23.º, 33.º n.º1, 34.º n.º1 al c) do CIRC, improcedendo as conclusões H), I) e J) do recurso.

XIV. No que concerne ao crédito detido sobre o Cliente I(…) nas conclusões K) a M) do seu recurso desconsidera a AT que na alínea 13) dos Factos Provados – não impugnada pela AT – decorre que que em 1992 a S(…) interpôs queixa-crime na qual reclamou da Cliente I(…) a quantia de Esc. 266.828$00 referente a cheques sem cobertura emitidos para pagamento de faturas.

XV. A provisão para crédito de cobrança duvidosa constituída para este Cliente é de 152.456$00 (facto provado 21) pelo que não excede o valor do crédito reclamado judicialmente pela S(…).

XVI. O tratamento contabilístico dado a tal provisão (a S(…) considerou um crédito no valor de 609.823$00 e uma provisão de 25% no valor de 152.456$00 – facto provado 21) não pode sobrepor-se à substância dos factos sob pena de violação do artigo 34.º n.º1 al. b) do CIRC e do princípio da prevalência da substância sobre a forma (artigo 11.º n.º3 da LGT) que determina que na qualificação do facto deve atender-se à sua substância e não à “roupagem” com que se apresenta.

XVII. A correção deste crédito seria violadora dos artigos 33.º n.º1 e 34.º n.º1 al. b) do CIRC e do princípio da legalidade da incidência tributária (artigo 8.º da LGT), pois levaria a que se considerasse que deveria acrescer à matéria coletável a provisão constituída não obstante provado que o crédito de Esc. 152.456$00 poderia ter sido efetivamente provisionado por verificação dos inerentes pressupostos legais.

XVIII. Pelo que improcede o alegado nas conclusões K) a N) do recurso da AT.

XIX. Do documento de fls. 98 e 101 do processo instrutor efetivamente resulta o facto vertido na alínea 1) dos Factos Provados (já que tal documento se consubstancia numa carta remetida pela S(…) à sociedade I(…), Lda. – grupo A(…) na qual solicita o pagamento do valor decorrente da conta corrente entre as duas que tem um saldo Esc.: 4.416.997$00) e do documento a fls. 27 a 37 do processo instrutor também resulta o facto vertido na alínea 15) dos Factos Provados (já que tal documento consubstancia-se na petição inicial da ação executiva interposta pela S(…) contra a sociedade I(…), Lda, a qual teve como base uma letra de câmbio no montante de Esc. 5.416.384$00, datada de 03/04/1989 pelo que tais factos devem ser mantidos.

XX. Atento o teor da alínea 15) dos Factos Provados está demonstrado que a S(…) é titular de crédito sobre o Cliente I(…), Lda. – grupo A(…) no valor de Esc. 5.416.384$00, e que em 1992 a S(…) reclamou judicialmente tal crédito.

XXI. A provisão para crédito de cobrança duvidosa constituída para este Cliente é de 4.211.340$00 (facto provado 21) pelo que não excede o valor do crédito peticionado nas diligências efetuadas pela S(…).

XXII. A S(…) demonstrou perante a AT os factos que alegou tendo instruiu a reclamação graciosa com a cópia da ação executiva interposta contra o Cliente I(…), Lda. – grupo A(…) (factos provados 15) e 23), pelo que não se verifica qualquer violação do artigo 74.º LGT ou do artigo 342.º do CC.

XXIII. Decorrendo de forma inequívoca dos autos que a S(…) é titular de crédito sobre o Cliente I(…), Lda. – grupo A(…) no valor de Esc. 5.416.384$00, o qual foi reclamado judicialmente em 1992, qualquer decisão no sentido de que a S(…) não poderia ter constituído esta provisão viola o disposto no artigos 34.º n.º1 do IRC, princípios da legalidade tributária e de prevalência de substância sob a forma.

XXIV. Pelo que improcedem as conclusões O) a Q) do recurso.

XXV. Quanto à provisão constituída sobre o Cliente I(…), Lda. – grupo A(…) requer a S(…), nos termos dos artigos 636.º n.º1 e 2 do CPC, requerer a ampliação do recurso a questão invocada nos artigos 83.º a 86.º da petição inicial, para a qual devem ser aditados à sentença os seguintes factos alegados nos mesmos pontos da petição inicial:

- Por sentença de 27 de janeiro de 2000, a ação executiva referida na alínea 15) foi julgada extinta por desistência de execução nos termos do disposto no artigo 73º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (sentença a fls. 114 dos autos).

- Na sequência de tal desistência de execução, a S(…) deu como incobrável a quantia de € 20.377,00 (Esc 4.085.229) referente a crédito detido sobre o Cliente “A(…))” (Extracto de conta a fls. 245 dos autos).

- A S(…) procedeu à utilização da provisão de Esc. 4.085.229 constituída no que concerne a crédito detido sobre o Cliente “A(…) por terem deixado de subsistir os riscos que presidiram à sua constituição (coluna 6, e do verso do Mapa das Provisões a fls. 246 e 247 dos autos).

- Essa utilização da provisão constituída no exercício de 1992 quanto a este Cliente foi considerada proveito no exercício de 2000 (cfr. quadro 7 – apuramento do lucro tributável – da declaração modelo 22 desse mesmo exercício a fls. 249 dos autos).

XXVI. Do que resulta que caso se conclua que no exercício de 1992 a S(…) não poderia ter constituído a provisão no valor de Esc. 4.211.340$00 e que tal valor deveria ter sido efetivamente acrescido à matéria tributável verificar-se-ia também dupla tributação já que no exercício de 2000 tal provisão foi utilizada e considerada proveito. XXVII. Pelo que o ato impugnando no que concerne a este crédito detido sobre o Cliente I(…), Lda. – grupo A(…) padece também do vício da dupla tributação (artigo 205.º n.º1 do CCPT).

XXVIII. Atento o teor da alínea 14) dos Factos Provados está demonstrado que a S(…) é titular de crédito sobre o Cliente L(…) no valor de Esc. 5.737.712$00, o qual foi reclamou judicialmente em 1992.

XXIX. A provisão para crédito de cobrança duvidosa constituída para este Cliente é de 3.526.337$00 (facto provado 21) pelo que não excede o valor do crédito peticionado nas diligências efetuadas pela S(…).

XXX. A S(…) demonstrou perante a AT os factos que alegou tendo instruiu a reclamação graciosa com a cópia da ação declarativa interposta contra o Cliente L(…) (factos provados 14) e 23), pelo que não se verifica qualquer violação do artigo 74.º LGT ou do artigo 342.º do CC.

XXXI. Decorrendo de forma inequívoca dos autos que a S(…) é titular de crédito sobre o C(…) no valor de Esc. 5.737.712$00, o qual foi reclamado judicialmente em 1992, qualquer decisão no sentido de que a S(…) não poderia ter constituído esta provisão viola o disposto no artigos 34.º n.º1 do IRC, princípios da legalidade tributária e de prevalência de substância sob a forma.

XXXII. Pelo que improcedem as conclusões R) e S) do recurso.

XXXIII. Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela AT e mantida a sentença no que concerne às provisões constituídas pela S(…) quanto aos Clientes N(…)” e N(…)”, I(…), Restaurante M(…), I(…), N(…), A(…), L(…) e Hotel (…), com o que se fará JUSTICA!!”.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido da improcedência de ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

No recurso apresentado pela 1.ª Recorrente:

a) Há erro no segmento decisório, na parte relativa às custas?

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que ficou provado que a Impugnante efetuou diligências para a totalidade (ou, pelo menos, para parte) dos créditos provisionados, créditos esses onde se incluem os juros de mora?

No recurso apresentado pela 2.ª Recorrente:

d) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

e) Há erro de julgamento, no tocante às correções relativas a provisões aceites pelo Tribunal a quo, na medida em que não resultou demonstrada a verificação dos respetivos pressupostos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 16/03/1988 a impugnante remeteu à sociedade I(…), Lda. – grupo A(…) – uma carta solicitando o pagamento de facturas de 1989 a 1990 no valor de Esc.: 4.416.997$00 (cfr. doc. de fls. 98 e 101 do processo instrutor junto aos autos);

2. Em 21/05/1990 a impugnante dirigiu uma carta ao navio o/v K(…) solicitando o pagamento duma factura de 23/10/1987 no montante de 730,906 USD (cfr. doc. de fls. 38 do processo instrutor junto aos autos);

3. Em 21/05/1990 a impugnante dirigiu uma carta ao N(…) solicitando o pagamento de duas facturas no valor global de 730,906 USD (cfr. doc. de fls. 43 do processo instrutor junto aos autos);

4. Em 21/05/1990 a impugnante dirigiu uma carta a N(…) solicitando o pagamento de três facturas do ano de 1987 no montante de 672,16 USD (cfr. doc. de fls. 39 do processo instrutor junto aos autos);

5. Em 21/05/1990 a impugnante dirigiu uma carta a N(…) solicitando o pagamento de três facturas do ano de 1988 no montante de 126,070 USD (cfr. doc. de fls. 40 do processo instrutor junto aos autos);

6. Por carta registada de 10/05/1991, a impugnante solicitou ao Restaurante (…) o pagamento de facturas no montante de Esc.: 678.000$00 (cfr. doc. de fls. 41 e 42 do processo instrutor junto aos autos);

7. Por carta registada de 10/05/1991, a impugnante solicitou ao Hotel (…) o pagamento de facturas no montante de Esc.: 533.000$00 (cfr. doc. de fls. 43 e 44 do processo instrutor junto aos autos);

8. Em 09/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade M(…), S.A. uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de 18 facturas do exercício de 1988 e 1989 no valor total de Esc. 750.742$00 (cfr. doc. de fls. 46 a 51 do processo instrutor junto aos autos);

9. Em 09/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade I(…), Lda. uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de uma factura do exercício de 1990 no valor total de Esc. 713.500$00 (cfr. doc. de fls. 55 a 57 do processo instrutor junto aos autos);

10. Em 14/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade E(…), Lda. titular do Restaurante (…), uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de 4 facturas do exercício de 1990 no valor total de Esc. 837.954$00 (cfr. doc. de fls. 58 a 67 do processo instrutor junto aos autos);

11. Em 16/10/1991 a impugnante intentou contra A(…), Lda. uma acção executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento de quatro letras de cambio vencidas em 23/11/1989, no montante de Esc.: 2.547.050$00 (cfr. doc. de fls. 230 a 236 dos autos);

12. Em data que não se consegue concretizar do mês de Outubro de 1991, a impugnante intentou contra a sociedade M(…), S.A. e A(…) uma queixa crime pela falta de pagamento de um cheque no valor de Esc. 106.323$80 (cfr. doc. de fls. 52 a 54 do processo instrutor junto aos autos);

13. Em 13/10/1992 a impugnante intentou uma queixa-crime contra P(…), Lda. pela emissão de 4 cheques sem cobertura no montante de Esc.: 266.828$00 que teriam sido emitidos para pagamento de 4 facturas da impugnante de igual valor (cfr. doc. de fls. 19 a 22 do processo instrutor junto aos autos);

14. Em 26/02/1992 a impugnante intentou uma acção declarativa de condenação contra a sociedade L(…), Lda. pela falta de pagamento de 60 facturas no montante de Esc.: 5.737.712$00 de produtos por si fornecidos (cfr. doc. de fls. 23 a 26 do processo instrutor junto aos autos);

15. Em 30/01/1992 a impugnante intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra a sociedade I(…), Lda. – grupo A(…), para pagamento de uma letra de cambio no montante de Esc. 5.416.384$00, datada de 03/04/1989 (cfr. doc. de fls. 27 a 37 do processo instrutor junto aos autos);

16. Em 23/04/1993 a impugnante intentou contra a sociedade I(…), Lda. uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de facturas de 26 facturas de 02/04/1992 a 04/06/1992 no montante de Esc.: 653.325$00 (cfr. doc. defls. 187 a 217 dos autos);

17. A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva que incidiu sobre o IRC de 1992 (facto que se retira do doc. de fls. 13 do processo instrutor);

18. No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior foram pedidos pela AT elementos à impugnante (cfr. doc. de fls. 91 a 94 dos autos);

19. A impugnante respondeu ao oficio identificado no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 95 a 109 dos autos);

20. Em data que não se consegue concretizar, mas notificada à impugnante por oficio de 25/07/1996, foi elaborado uma informação denominada “Fundamentação das correcções efectuadas” da qual consta, com relevo para os presentes autos, o seguinte:


(…) Imagem – original nos autos

(cfr. doc. junto a fls. 13 do processo instrutor junto aos autos);

21. Do anexo 2 da informação identificada no ponto anterior consta o seguinte:


(…) Imagem – original nos autos

(cfr. doc. de fls. 16 do processo instrutor junto aos autos);

22. Em 05/07/1996 foi efectuada a liquidação adicional de IRC do exercício de 1992 da impugnante da qual resultou IRC a pagar no montante de Esc.: 14.346.445$00 (cfr. doc. de fls. 7 do processo instrutor junto aos autos);

23. Em 30/09/1996 a impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRC referente ao exercício de 1992 (cfr. doc. de fls. 2 a 7 do processo instrutor junto aos autos);

24. Em 29/10/2004 foi proferido despacho no sentido de ouvir a impugnante sobre a intenção de indeferir a reclamação identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 123 a 125 do processo instrutor junto aos autos);

25. A impugnante foi notificada, por oficio remetido por correio registado de 08/11/2004, para se pronunciar sobre a intenção de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. de fls. 126 e 127 dos autos);

26. A impugnante pronunciou-se sobre a intenção de indeferir a reclamação identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 128 a 131 do processo instrutor junto aos autos);

27. Por despacho de 23/02/2005 do Director de Finanças adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 80 a 85 dos autos);

28. A impugnante foi notificada do despacho identificado no ponto anterior por oficio registado e recepcionado em 08/03/2005 (cfr. doc. de fls. 137 e 138 do processo instrutor junto aos autos);

29. A p.i. que deu origem aos presentes autos deu entrada neste tribunal em 29/03/2005 (carimbo aposto no canto superior direito da p.i.)”.




II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos para além dos supra descritos”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

Ambas as Recorrentes se insurgem contra a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Assim, a 1.ª Recorrente considera que:

a) O facto 8. deve passar a ter a seguinte redação: “Em 09/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade M(…), S.A. uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de 18 faturas do exercício de 1988 e 1989 no valor total de Esc. 750.742$00 acrescido de juros de mora vencidos no valor de 327.280$50(cfr. doc. de fls. 46 a 51 do processo instrutor junto aos autos)”;

b) O facto 10. deve passar a ter a seguinte redação: “Em 14/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade E(…), Lda. titular do Restaurante (…), uma ação declarativa de condenação pela falta de pagamento de 4 facturas do exercício de 1990 no valor total de Esc. 837.954$00 acrescido de 153.312$00 referente a iuros de mora vencidos (cfr. doc. de fls. 58 a 67 do processo instrutor junto aos autos)”;

c) O facto 11. deve passar a ter a seguinte redação: “Em 16/10/1991 a impugnante intentou contra A(…), Lda. uma ação executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento de quatro letras de cambio vencidas em 23/11/1989, no montante de Esc.: 2.547.050$00 cada uma, perfazendo a quantia total de 10.188.200$00. acrescida de iuros vencidos no valor de 5.348.805$00" (cfr. doc. de fls. 230 a 236 dos autos)”;

d) Deve ser aditado facto com o seguinte teor: “A quantia referida em 22) foi paga pela Impugnante em 28 de novembro de 2000”.

Por outro lado, a 2.ª Recorrente considera que:

e) Deve ser aditado o seguinte facto: “A Impugnante considerou em 1992, para efeitos de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, o valor de € 312,362 (62.623$00) referente ao cliente N(…) e o valor de € 748,984 (150.158$00) referente ao cliente N(…), titulado em facturas com data de vencimento em, respectivamente, Outubro de 1988 e Julho de 1988”;

f) Deve ser aditado o seguinte facto: “Em 1990 a Impugnante reclamou junto dos clientes N(…) o valor de € 312,362 (62.623$00) e junto do cliente N(…) o crédito de € 748,984 (150.158$00)”;

g) Os factos 1 e 15 não têm correspondência documental.

Vejamos.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(2)

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que foram, de forma que se entende suficiente, cumpridos os referidos ónus (à exceção do alegado quanto ao facto 15., conforme explicitaremos infra).

Estando cumpridas as exigências constantes do art.º 640.º do CPC, cumpre apreciar.

Desde já se refira que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, formulada pela 1.ª Recorrente:

¾ Quanto ao ponto 8. da decisão proferida sobre a matéria de facto:

O Tribunal a quo formulou o facto 8 nos seguintes termos:

“8. Em 09/10/1991 a impugnante intentou contra a sociedade M(…), S.A. uma acção declarativa de condenação pela falta de pagamento de 18 facturas do exercício de 1988 e 1989 no valor total de Esc. 750.742$00 (cfr. doc. de fls. 46 a 51 do processo instrutor junto aos autos)”.

Considera a 1.ª Recorrente que, atenta a prova documental produzida, o mencionado facto deve ser alterado, por forma a conter o valor de juros de mora vencidos peticionados.

De facto, assim é, porquanto a 1.ª Recorrente, na petição apresentada, logo quantificou os juros vencidos, formulando o pedido nesse pressuposto.

Face ao exposto, o facto 8 passará a ter a seguinte redação:

8. Em 09.10.1991 a impugnante intentou, contra a sociedade M(…), S.A., uma ação declarativa de condenação pela falta de pagamento de 18 faturas dos exercícios de 1988 e 1989, no valor total de Esc. 750.742$00, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de 327.280$5o (cfr. doc. de fls. 46 a 51 do processo administrativo).

¾ Quanto ao ponto 10. da decisão proferida sobre a matéria de facto:

Entende, por outro lado, a 1.ª Recorrente, no tocante ao facto 10., que o mesmo deve ser alterado em termos idênticos ao já referido quanto ao facto 8., ou seja, fazendo dele constar que na ação intentada foi peticionado o pagamento de juros de mora.

De facto, tal resulta da prova documental mencionada, motivo pelo qual o facto 10. passa a ter a seguinte redação:

10. Em 14.10.1991 a impugnante intentou contra a sociedade E(…), Lda. titular do Restaurante (…), uma ação declarativa de condenação pela falta de pagamento de 4 faturas do exercício de 1990 no valor total de Esc. 837.954$70, acrescido de 153.312$00 referente a juros de mora vencidos (cfr. doc. de fls. 58 a 67 do processo administrativo).

¾ Quanto ao ponto 11. da decisão proferida sobre a matéria de facto:

Considera ainda a 1.ª Recorrente que, face à prova documental produzida, o facto 11. deveria passar a ter a seguinte redação:

Em 16/10/1991 a impugnante intentou contra A(…), Lda. uma ação executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento de quatro letras de cambio vencidas em 23/11/1989, no montante de Esc.: 2.547.050$00 cada uma, perfazendo a quantia total de 10.188.200$00. acrescida de juros vencidos no valor de 5.348.805$00" (cfr. doc. de fls. 230 a 236 dos autos)”

Portanto, a alteração requerida pela 1.ª Recorrente prende-se com a especificação de que o valor de 2.547.050$00 é relativo a cada uma das 4 letras de câmbio, requerendo ainda a menção aos juros vencidos peticionados.

Com efeito, considerando o documento constante de fls. 230 a 236 dos autos, verifica-se que o requerido tem toda a pertinência e adesão ao que do mesmo decorre, motivo pelo qual se altera a redação do mencionado facto 11., que passará a ser a seguinte:

11. Em 16.10.1991, a impugnante intentou, contra A(…), Lda., uma ação executiva para pagamento de quantia certa, para pagamento de quatro letras de câmbio vencidas em 23.11.1989, no montante de Esc.: 2.547.050$00 cada uma, perfazendo a quantia total de 10.188.200$00, acrescida de juros vencidos no valor de 5.348.805$00 (cfr. doc. de fls. 230 a 236 dos autos em suporte de papel).

¾ Quanto ao facto a aditar supra referido em d):

Considera, por outro lado, a S(…) que ficou provado que:

A quantia referida em 22) foi paga pela Impugnante em 28 de novembro de 2000”.

Sustenta a importância de tal aditamento com o facto de o mesmo ser relevante, para efeitos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Com efeito, tal pagamento ficou provado, motivo pelo qual é de aditar o seguinte facto:

30. A quantia referida em 22. foi paga pela Impugnante, em 28 de novembro de 2000 (cfr. fls. 279 dos autos em suporte de papel).

Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, formulada pela 2.ª Recorrente:

¾ Facto a aditar, suprarreferido em e):

Considera a 2.ª Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:

A Impugnante considerou em 1992, para efeitos de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, o valor de € 312,362 (62.623$00) referente ao cliente N(…) e o valor de € 748,984 (150.158$00) referente ao cliente N(…), titulado em facturas com data de vencimento em, respectivamente, Outubro de 1988 e Julho de 1988”.

Sustenta-se no teor de fls. 79 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso.

O facto em causa já resulta dos factos 20. e 21.

Face ao exposto, indefere-se o requerido.

¾ Facto a aditar, suprarreferido em f):

Considera ainda a 2.ª Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:

Em 1990 a Impugnante reclamou junto dos clientes N(…) o valor de € 312,362 (62.623$00) e junto do cliente N(…) o crédito de € 748,984 (150.158$00)”.

Sustenta-se no teor de fls. 79 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso.

O facto em causa já resulta do facto 20.

Face ao exposto, indefere-se o requerido.

¾ Factos suprarreferidos em g):

Considera ainda a 2.ª Recorrente que os factos 1 e 15 não têm correspondência documental.

O Tribunal a quo, quanto a estes concretos factos, adotou a seguinte formulação:

“1. Em 16/03/1988 a impugnante remeteu à sociedade I(…), Lda. – grupo A(…) – uma carta solicitando o pagamento de facturas de 1989 a 1990 no valor de Esc.: 4.416.997$00 (cfr. doc. de fls. 98 e 101 do processo instrutor junto aos autos)”.

“15. Em 30/01/1992 a impugnante intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra a sociedade I(…), Lda. – grupo A(…), para pagamento de uma letra de cambio no montante de Esc. 5.416.384$00, datada de 03/04/1989 (cfr. doc. de fls. 27 a 37 do processo instrutor junto aos autos);

Começando pelo facto 1., o mesmo sustenta-se no documento junto a fls. 98 a 101 do processo administrativo.

Da análise do mencionado elemento documental, verifica-se que, de facto, do mesmo não se retira integralmente o que consta do facto 1., designadamente os anos a que respeitam as faturas, nem os valores totais em causa.

Com efeito, face aos períodos temporais a que respeitam, nada permite concluir que a listagem constante de fls. 100 e 101 tenha alguma relação com o ofício de fls. 98 e 99, dado que, como refere a FP, tal listagem respeita a faturas emitidas em data ulterior à aposta no mencionado ofício.

Como tal, o facto 1. deve ser objeto de alteração, passando a ter a seguinte redação:

1. Em 16.03.1988 a impugnante remeteu à sociedade I(…), Lda. – grupo A(…) – uma carta solicitando o pagamento de faturas, indicando, no mesmo, a título de “N/Ref”, “Cir. Liq. Fact. (…) 349 05/87” (cfr. doc. de fls. 98 e 99 do processo administrativo).

No tocante ao facto 15., rigorosamente a 2.ª Recorrente não o põe em causa, sublinhando, sim, algum nível de incongruência com o facto 1. e, bem assim, com os valores provisionados. Como tal, nesta parte o facto não foi efetivamente impugnado, rejeitando-se o recurso nesta parte em concreto.

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

31. As faturas referidas no relatório de inspeção tributária (RIT) atinentes ao cliente A(…) respeitam ao exercício de 1989 (cfr. fls. 270 do processo administrativo e documento n.º 6 junto com a petição inicial).

32. A Impugnante emitiu diversas faturas, ao longo do ano de 1989, à I(…), Lda (cfr. fls. 35 e 36 do processo administrativo – reclamação graciosa).

33. Para parte do pagamento das mencionadas faturas, foi emitida letra de câmbio, a 03.04.1989, na qual surgia como sacada a sociedade referida em 32. e como sacadora a Impugnante, no valor de 5.146.384$00 (cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e documento junto a fls. 36 do processo administrativo – reclamação graciosa).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Consideram ambas as Recorrentes que, na parte em que decaíram, o Tribunal a quo errou no seu julgamento, no tocante à análise dos pressupostos relativos à constituição de provisões relativas a créditos por cobrança duvidosa.

Vejamos então.

Para cabal apreciação do alegado, cumpre, antes de mais, fazer um breve enquadramento atinente às provisões.
As provisões “… são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto,(3) refletindo o respeito por dois princípios caraterizadores das normas contabilísticas: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

O princípio da prudência determina que sejam acauteladas consequências futuras decorrentes de determinados eventos, através de estimativas exigidas em condições de incerteza.
Como referido por Rui Duarte Morais,(4) “[t]al como uma pessoa cautelosa (…) põe antecipadamente de lado dinheiro necessário para (…) satisfazer [a despesa previsível], também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis”.

Já o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.
Significa o respeito por tal princípio, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, que estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizado,(5)não sendo, pois, relevante ou decisivo, a este propósito, o momento em que o crédito entre em mora.

Assim, as provisões, aliando o princípio da prudência com o da especialização dos exercícios, visam acautelar eventos futuros de ocorrência provável.

Nos termos do art.º 23.º, al. h), do Código do IRC (CIRC – redação vigente à época), as provisões poderiam ser consideradas como custos fiscais, nos termos ali consignados.

O regime das provisões encontrava maior desenvolvimento nos art.ºs 33.º e ss. do mesmo código.

Assim, desde logo, o art.º 33.º do CIRC enunciava, taxativamente, o elenco de provisões fiscalmente dedutíveis, constando, desde logo, da al. a) do seu n.º 1 a possibilidade de dedução de provisões que “… tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.

É ainda de chamar à colação o disposto no art.º 34.º do CIRC, no qual se definiam os termos em que deveriam ser constituídas as provisões para créditos de cobrança duvidosa, ou seja, as situações em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado.

Assim, nos termos da mencionada disposição legal:

“1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses”.

Cabe, desde logo, ao sujeito passivo ter na sua disponibilidade os elementos documentais, que permitam demonstrar que determinado crédito é, num determinado exercício, considerado como sendo de cobrança duvidosa.

Feito este enquadramento, passemos à análise do caso dos autos.

In casu, estão as provisões constituídas pela Impugnante, relativas aos seguintes clientes:

a) N(…) e N(…), I(…), Restaurante (…), I(…), N(…), A(…), L(…) e H(…), em relação aos quais o Tribunal a quo entendeu assistir razão à Impugnante;

b) M(…), N(…), N(…), Restaurante (…) e A(…), relativamente aos quais o Tribunal a quo considerou não assistir razão à Impugnante.

III.A.1. Do erro de julgamento alegado pela 1.ª Recorrente

Passando à apreciação do alegado pela 1.ª Recorrente, analisemos as diversas situações por cliente.

III.A.1.1. Cliente A(…)

Considera a 1.ª Recorrente que, quanto a este cliente, está demonstrado que interpôs contra o mesmo uma ação executiva, na qual solicitou o pagamento da quantia de 10.188.200$00, acrescida de juros vencidos no valor de 5.348.805$00, pelo que a totalidade de tal crédito foi reclamada judicialmente, tendo a provisão sido constituída por valor inferior e, por isso, devia ter sido aceite.

O Tribunal a quo, a este respeito, refere não ter ficado provada a realização de diligências com vista à totalidade dos créditos provisionados.

Como resultou provado, a correção relativa a esta cliente, no valor de 9.364.398$00, foi efetuada, uma vez que a AT entendeu que não foi provado o risco de incobrabilidade, em virtude de não terem sido demonstradas as diligências efetuadas com vista à sua cobrança ou de não resultar provada a existência de processos judiciais nos termos das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC.

Por outro lado, ficou igualmente provado que foram emitidas 4 letras de câmbio, sendo sacada a cliente em causa e sacadora a Impugnante, letras essas no valor individual de 2.547.050$00 cada uma (total de 10.188.200$00), valor superior, como refere a 1.ª Recorrente, ao valor provisionado. Na sequência do vencimento das letras em 23.11.1989, foi intentada, em 1991, a ação executiva mencionada em 11.

Ora, se é certo, como refere a 1.ª Recorrente, que ficou provado que a mencionada ação executiva foi instaurada, e nessa parte o Tribunal a quo não foi rigoroso, a verdade é que a 1.ª Recorrente não provou que o risco de incobrabilidade se tenha verificado no exercício de 1992 – elemento fundamental para efeitos de respeito pelo princípio da especialização dos exercícios.

Com efeito, como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.06.2006 (Processo: 00258/04):

ado estarmos defronte de créditos que foram reclamados judicialmente em 1993, tendo a sociedade impugnante considerado como custo fiscal uma provisão, para créditos de cobrança duvidosa, contabilizada no exercício de 1996, postos os elementos de análise, avaliação e actuação acima vertidos, e, sobretudo, a previsão do art. 34.º n.º 1 al. b) CIRC, só podemos julgar que (…) a Administração Tributária procedeu legal e correctamente ao corrigir o valor dos custos desse exercício de 1996 (…)

Na verdade, esta reclamação judicial do crédito sobre o identificado cliente, não podia deixar de ter sido reputado como um indício objectivo, sério, expressamente previsto na lei, de que, nesse ano de 1993, o credor (impugnante) havia, justificadamente, considerado aquele como em risco de não ser cobrado, pelo que, era imperioso, em tal exercício de 1993, contabilizar a competente provisão”.

Ora, atenta a factualidade alegada e provada, nada nos permite concluir que o risco de incobrabilidade tenha ocorrido em 1992, sendo que a instauração da ação judicial em causa indicia justamente que tal risco de incobrabilidade já ocorrera no exercício de 1991.

Com efeito, como referimos supra, a consideração de um crédito como sendo de cobrança duvidosa não tem a ver com o momento de entrada em mora, mas sim com o momento em que se conclui objetivamente que o crédito é de cobrança duvidosa.

Ora, face à matéria de facto provada, conclui-se que o risco de incobrabilidade terá sido reconhecido em exercício anterior, o de 1991, e não no exercício seguinte, inexistindo qualquer prova que permita concluir em sentido distinto.

Como tal, nesta parte, não assiste razão à 1.ª Recorrente, mantendo-se o decidido, mas com a presente fundamentação.

III.A.1.2. Cliente E(…), Lda (titular do Restaurante (…))

Quanto a este cliente, considera a 1.ª Recorrente que está provado que interpôs contra o mesmo uma ação declarativa, reclamando judicialmente o pagamento da quantia de Esc. 837.954$00, relativo a diversas faturas, acrescida de juros vencidos no valor de Esc 153.312$00, pelo que a provisão constituída, de 921.954$00, não excede o valor do crédito peticionado nas diligências efetuadas pela Recorrente.

Vejamos.

Atenta a factualidade assente, resulta efetivamente provado que, em 1991, a Impugnante intentou uma ação declarativa de condenação pela falta de pagamento de 4 faturas do exercício de 1990, no valor total de Esc. 837.954$00, acrescido de juros de mora.

Neste caso, tal como no mencionado em III.A.1, a fundamentação da AT em sede inspetiva centra-se no facto não ter sido provado o risco de incobrabilidade, em virtude de não terem sido demonstradas as diligências efetuadas com vista à sua cobrança ou de não resultar provada a existência de processos judiciais nos termos das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC.

Ora, se é certo, como refere a 1.ª Recorrente, que ficou provado que a mencionada ação declarativa foi instaurada, e também nessa parte o Tribunal a quo não foi rigoroso, nada foi provado no sentido de que o risco de incobrabilidade ocorreu em 1992.

Com efeito, da prova produzida, conclui-se que a ação para reclamar o crédito, tendo de facto existido, foi intentada em 1991, exercício anterior àquele em que a provisão foi constituída, o que, na falta de outros factos alegados e provados, nos permite concluir que o risco de incobrabilidade era já reconhecido em 1991.

Resulta, por isso, prejudicada a apreciação do alegado quanto aos juros de mora e, bem assim, quanto à aceitação de parte da provisão.

Como tal, nesta parte, não assiste razão à 1.ª Recorrente, mantendo-se o decidido, mas com a presente fundamentação.

III.A.1.3. Cliente M(…)

Quanto a esta cliente, considera a 1.ª Recorrente que ficou provado que interpôs uma ação declarativa, reclamando judicialmente o pagamento da quantia de Esc. 750.742$00, acrescida de juros vencidos no valor de Esc. 327.280$50, e, bem assim, que apresentou queixa crime pela falta de pagamento de um cheque no valor de Esc. 106.323$80.

Vejamos.

A provisão constituída quanto a esta cliente foi no valor de 820.162$00, correspondente a 50% do crédito.

Também neste caso a correção feita pela AT se sustentou na ausência de demonstração do risco de incobrabilidade.

Ora, quanto à ação judicial, a mesma foi intentada também em 1991, pelo que, mutatis mutandi, vale neste caso o já referido quanto às demais situações apreciadas. O mesmo se refira quanto à queixa crime apresentada, também ela em outubro de 1991.

Face ao exposto, o provado não é suscetível de demonstrar que o risco de incobrabilidade tenha ocorrido em 1992, sendo que todos os elementos de prova vão no sentido de tal risco ter ocorrido em 1991.

Resulta, por isso, prejudicada a apreciação do alegado quanto aos juros de mora e, bem assim, quanto à aceitação de parte da provisão.

Como tal, nesta parte, não assiste razão à 1.ª Recorrente, mantendo-se o decidido, mas com a presente fundamentação.

III.A.1.4. Clientes N(…) e N(…)

Considera a 1.ª Recorrente que, quanto a estes clientes, ficou provado que efetuou diligências para o recebimento de 672,16 USD (correspondente em 31.12.1992 a Esc. 109.803$99), quanto ao N(…), e de 102,72 USD (correspondente em 31.12.1992 a Esc. 20.593$51), quanto ao N(…).

Mais uma vez, verificamos que a prova de diligências efetuadas se reporta a um exercício distinto daquele em que a provisão foi constituída – concretamente, reportam-se a 1990.

Nada ficou provado no sentido de, em 1992, terem sido efetivadas diligências, prova imprescindível para se concluir no sentido de o risco de incobrabilidade ter ocorrido em tal exercício.

Portanto, não está aqui em causa a forma de interpelação dos clientes em causa, dado que, para efeitos de prova, no caso previsto no art.º 34.º, n.º 1, al. c), são admissíveis quaisquer meios [cfr., exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.07.2006 (Processo: 01095/06), de 15.06.2010 (Processo: 03976/10), de 19.05.2016 (Processo: 07245/13) e de 13.07.2016 (Processo: 09556/16) e de 14.11.2019 (Processo: 9467/16.4BCLSB)], mas sim a circunstância de nada permitir concluir, nos termos já referidos, que o risco de incobrabilidade ocorreu em 1992.

Como tal, carece de razão a 1.ª Recorrente.

III.A.2. Do erro de julgamento alegado pela 2.ª Recorrente

III.A.2.1. Clientes N(…) e N(…)

Considera a 2.ª Recorrente que, quanto à correção relativa aos clientes N(…), no valor de € 312,362 (62.623$00), e N(…), no valor de € 748,984 (150.158$00), não resultam provadas quaisquer diligências posteriores a 1990, tendentes à reclamação dos créditos em causa.

A Impugnante discorda deste entendimento, considerando, de um lado, que a AT não demonstrou e provou que os créditos em causa foram considerados de cobrança duvidosa em exercício anterior a 1992 e que está provado que foi reclamado extrajudicialmente o pagamento dos créditos.

In casu, o Tribunal a quo considerou que deveria ter sido demonstrado pela AT que a incobrabilidade dos créditos foi constatada e refletida na contabilidade da Impugnante em exercício anterior ao de 1992.

Vejamos então.

Neste caso, como refere a FP, estamos perante créditos de cobrança duvidosa e não perante créditos incobráveis.

Assim, refira-se que o art.º 34.º, n.º 1, al. c), do CIRC prescreve que o risco de incobrabilidade se encontra devidamente justificado quando “[o]s créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento” (sublinhado nosso).
Logo, tal como já mencionamos anteriormente, o ónus da prova da realização das diligências de forma a demonstrar que o risco de incobrabilidade ocorreu no exercício em que foram constituídas as provisões cabe ao sujeito passivo e não à AT.(7)
Sublinhe-se que a jurisprudência citada pela Impugnante a este respeito não acolhe entendimento distinto. Com efeito, o que discutia no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2003 (Processo: 0101/03) era se incobrabilidade e entrada em mora eram uma e a mesma coisa, o que, como já referimos supra, não é equivalente. Em tal caso, não tendo a AT sequer posto em causa que elementos constavam da contabilidade, teria sido nesse pressuposto que a mesma teria de ter atuado (analisar os documentos de suporte e explicar por que motivo os mesmos não eram aceites). Ora, tal não ocorreu in casu, no qual a AT analisou os documentos de suporte e, concluindo que os mesmos respeitavam a 1990, entendeu que não estava provado o risco de incobrabilidade por referência ao exercício de 1992. Já o Acórdão do TCAS de 15.06.2010 (Processo 03976/10) tem a ver com os meios de prova admissíveis para o administrado demonstrar as diligências por si realizadas, sendo certo que o administrado, naquele caso, tinha feito tal prova. Neste contexto, naturalmente que a AT, para afastar a prova produzida, teria ou de a pôr em causa ou de fazer prova em sentido distinto.

Ou seja, em primeira linha, cabe ao sujeito passivo demonstrar que o risco de incobrabilidade ocorreu no exercício em que a provisão foi constituída, só cabendo à AT prova em sentido distinto, caso pretenda demonstrar o contrário. Logo, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, a AT não tinha de provar que a Impugnante já tinha refletido as provisões noutro exercício.

Partindo deste contexto, não é controvertido que as únicas diligências com vista à cobrança os créditos em causa, cuja realização ficou provada, ocorreram em 1990. Nada nos autos nos permite, pois, concluir que o risco de incobrabilidade tenha ocorrido em 1992.

Como tal, assiste razão à 2.ª Recorrente nesta parte.

III.A.2.2. Clientes Restaurante M(…), I(…), N(…) e Hotel (…)

Considera a 2.ª Recorrente que, quanto a estes clientes, também não ficou demonstrado o risco de incobrabilidade em 1992, mas sim em momentos anteriores.

A Impugnante, a este respeito, refere que a correção foi sustentada numa pretensa falta de apresentação de provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento e não no facto de os créditos se terem vencido e as diligências de recebimento terem sido desenvolvidas em data anterior a 1992, nem em qualquer violação do princípio da especialização ou dos artigos 18.º, 33.º n.º e 34.º do CIRC, pelo que o alegado não pode ser conhecido.

Desde já se adiante que, no que toca ao invocado pela Impugnante, não lhe assiste razão. É certo que a correção se baseia na falta de apresentação de documentos demonstrativos da realização de diligências. No entanto, essa falta de apresentação só é suprida se for produzida a prova pertinente, ou seja, prova que demonstre que o risco de incobrabilidade ocorreu no exercício em que foi constituída a provisão. É o que resulta do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, mencionado no RIT, lido em consonância com o art.º 18.º do mesmo código, também citado no RIT. Como tal, tendo sido apresentados elementos documentais pela Impugnante, em momento ulterior ao da realização da ação inspetiva, a AT pode pronunciar-se sobre a capacidade de esses documentos atestarem ou não a correção das provisões reconhecidas num determinado exercício.

Assim sendo, passemos à apreciação do alegado pela 2.ª Recorrente.

Compulsada a matéria de facto provada, resulta da mesma que:

a) Quanto ao Restaurante M(…), ficou provada a realização de uma diligência tendente à cobrança em 10.05.1991 (cfr. facto 6);

b) Quanto à I(…), ficou provado que foi intentada ação declarativa de condenação em 09.10.1991 (cfr. facto 9);

c) Quanto N(…), ficou provada a realização de uma diligência tendente à cobrança em 21.05.1990 (cfr. facto 2);

d) Quanto ao Hotel (…), ficou provada a realização de uma diligência tendente à cobrança em 10.05.1991 (cfr. facto 7).

Ora, esta factualidade, como refere a 2.ª Recorrente, não nos permite concluir que o risco de incobrabilidade tenha ocorrido no exercício de 1992, cabendo, como já referimos, nos termos exigidos pelo art.º 34.º, n.º 1, do CIRC, ao sujeito passivo, em primeira linha, tal prova.

Tendo apenas ficado provada a realização de diligências em 1990 e 1991 e a interposição de uma ação judicial, também em 1991, não resulta demonstrado que o risco de incobrabilidade tenha ocorrido em 1992.

Face ao exposto, assiste razão à 2.ª Recorrente nesta parte.

III.A.2.3. Cliente I(…)

Considera a 2.ª Recorrente, quanto a esta correção, que o Tribunal a quo se sustentou em diligências tendentes ao recebimento do crédito ocorridas em 1993.

Ora, compulsados os autos verifica-se que, em 13.10.1992, foi apresentada uma queixa crime, em virtude da emissão de 4 cheques sem cobertura no montante de Esc.: 266.828$00, emitidos para pagamento de 4 faturas da Impugnante de igual valor (cfr. facto 13).

Ficou ainda provado que, em 1993, a impugnante intentou contra a sociedade I(…), Lda., uma ação declarativa de condenação, pela falta de pagamento de 26 faturas de 02.04.1992 a 04.06.1992, no montante de Esc.: 653.325$00 (cfr. facto 16).

A provisão constituída quanto a este cliente foi no valor de 152.456$00, relativa a 25% de um crédito de 609.823$00.

Ora, efetivamente, apenas se pode considerar que ficou demonstrado o risco de incobrabilidade em 1992 em relação a 266.828$00, de um total de 609.823$00.

Quanto ao demais, face à factualidade assente, só no exercício seguinte se pode considerar demonstrado tal risco.

Como tal, assiste em parte razão à 2.ª Recorrente, devendo a correção em causa manter-se no tocante à diferença entre o valor considerado como crédito em relação ao qual foi constituída a provisão (609.823$00) e o valor que já em 1992 se percebeu ser de cobrança duvidosa (266.828$00) – ou seja, 85.749$00, considerando-se, pois, demonstrado o risco de incobrabilidade quanto a 66.707$00.

III.A.2.4. Cliente do grupo A(…)

Considera a 2.ª Recorrente, nesta parte, que, dos factos assentes, resulta uma divergência de valores que não nos permite afiançar que as provisões desconsideradas pelos serviços de inspeção, no montante de 4.211.340$00, correspondem aos créditos para que nos remetem os documentos assinalados nos factos das alíneas 1. e 15. do probatório da sentença, o que impede a admissão de tais custos, por não verificável a sua referência aos custos não admitidos em sede de procedimento inspetivo.

Entende ainda que a letra de câmbio em análise foi emitida em 03.04.1989, pelo montante de 5.416.384$00, com data de vencimento em 01.05.1989, de onde decorre nova divergência de valores, com a consequente conclusão de inexistência de conexão entre os créditos em questão e os garantidos pela letra; conclusão reforçada pelo teor do documento de fls. 98, para que nos remete o facto da alínea 1. do probatório, o qual é datado de 16.03.1988, não podendo, por isso, dizer respeito, por impossibilidade lógica, a faturas emitidas em exercícios subsequentes a 1988.

A este respeito, a Impugnante considera que ficou provada a titularidade do crédito e a sua reclamação judicial.

Vejamos então.

In casu, está uma provisão relativa ao cliente A(…), no valor de 4.211.340$00, que a AT desconsiderou, em virtude de não ter sido provado o risco de incobrabilidade.

Quanto ao facto 1., como já referimos supra, na verdade não se considera que o mesmo respeite aos créditos que estão na origem da constituição da provisão. Com efeito, o mesmo data de momento anterior ao das faturas em causa, além de fazer menção a fatura de 1987.

Ficou, no entanto, provado que, a 30.01.1992, foi intentada ação executiva, para pagamento de letra de câmbio, sendo sacadora a Impugnante, de valor que abarca não só o valor provisionado, mas que também o ultrapassa.

Consideramos que tal prova é suficiente para sustentar a constituição da provisão, não sendo de relevar o facto de a letra de câmbio ser de valor superior ao valor provisionado, porquanto podem nela estar abrangidos casos que, por algum motivo, não foram objeto de constituição de provisão por parte da Impugnante.

Por outro lado, não se concorda com a FP, quando refere não ser verificável a sua referência aos custos não admitidos em sede de procedimento inspetivo.

Ora, veja-se que em lado algum do procedimento inspetivo são identificadas as faturas relativas às provisões em causa, mencionando-se apenas tratar-se de faturas de 1989. Face a esse cariz global da correção, não pode deixar de se valorar a prova efetuada, por faltar a montante a discriminação das situações.

Sempre se estaria perante uma situação de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, que reverte a favor do contribuinte (cfr. art.º 100.º, n.º 1, do CPPT).

Face ao exposto, não assiste razão à 2.ª Recorrente nesta parte, ficando, por essa via, prejudicada a apreciação da ampliação do objeto do recurso requerida pela Impugnante.

III.A.2.5. Cliente L(…)

Considera a FP, quanto às correções relativas à cliente L(…), que, da factualidade assente, não resulta demonstrada qualquer diligência quanto a quaisquer créditos em particular, porquanto, da prova produzida, não decorre a demonstração dos créditos em relação aos quais foi intentada a ação judicial, não sendo permitido estabelecer um mínimo de conexão com os créditos apreciados em sede de procedimento inspetivo.

Vejamos.

Neste caso, a Impugnante constituiu uma provisão, no exercício de 1992, pelo valor de 3.526.337$00.

Como resulta provado (cfr. facto 14), em 1992 foi intentada ação declarativa de condenação contra tal sociedade, por falta de pagamento de 60 faturas.

É certo que o valor da ação (5.737.712$00) é superior ao valor provisionado.

No entanto, nos termos que já nos referimos supra, a propósito da cliente A(…), do próprio RIT não consta se não o saldo global das provisões, pelo que, provando-se que foi exigido judicialmente um valor de abrange o valor das provisões, não pode deixar de se considerar que, pelo menos, existe uma fundada dúvida, que se resolve a favor do sujeito passivo.

Como tal, também nesta parte, não assiste razão à 2.ª Recorrente.

Em suma:

a) Não assiste razão à Impugnante, quanto às correções por si atacadas;

b) Assiste em parte razão à FP, concretamente no tocante às correções relativas aos clientes N(…) e N(…), M(…), I(…), N(…) e Hotel (…) e, em parte, no que respeita à correção relativa ao cliente I(…).

III.B. Do erro no segmento decisório, na parte relativa a custas

Quanto ao alegado pela 1.ª Recorrente, em relação à condenação em custas efetuada pela primeira instância, face ao decidido na presente instância, o mesmo carece de objeto.

No entanto, será analisado e calculado o decaimento de cada uma das partes em ambas as instâncias, considerando o resultado do presente recurso (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).

Antes de mais, refira-se que, no quadro constante das alegações da Impugnante, existe um lapso, no tocante ao cliente N(…), no qual se refere ter sido a provisão constituída no valor de 10.743$00, quando a mesma ascendeu a 102.743$00. Este lapso de digitação conduziu a um lapso consequente no somatório e do respetivo cálculo da sucumbência – indicado também como valor do recurso. Assim, a sucumbência cifrou-se nos 73.567,89 Eur., sendo esse o valor do recurso da Impugnante.

Como tal, iremos fazer a nossa apreciação corrigindo tal lapso e seus reflexos em cadeia.

Em primeira instância, a Impugnante obteve vencimento no que respeita às correções relativas às seguintes provisões constituídas:


(…) – Imagem – original nos autos

Ou seja, de um total de 122.119,40 Eur., fixado como valor da causa e correspondente à conversão para euros do valor total das correções em causa (24.482.742$00), em primeira instância a Impugnante obteve vencimento em 39,8% do valor em causa e não apenas em 10%, como fixado na sentença.

Portanto, se a sentença se tivesse mantido nos seus precisos termos, o segmento decisório, no que toca à repartição de custas, teria sempre de ser alterado.

Esta circunstância implica que o próprio valor que a FP indica como valor de recurso esteja incorreto, por partir de uma premissa errada, a da sucumbência, incorretamente fixada. Assim, tal valor não se cifra nos 12.211,94 Eur., mas sim nos 48.551,51 Eur.

No entanto, na presente instância, não se secundou integralmente a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos casos em que aí se reconheceu razão à Impugnante.

Considerando o ora decidido, decorre que a Impugnante mantém o vencimento no seguinte:


(…) – Imagem – original nos autos

Assim, decorre do exposto que a Impugnante obteve vencimento relativamente a 31,9% dos valores em causa.

Como tal, o segmento decisório quanto a custas, em sede de primeira instância, deverá ser fixado em conformidade com o explanado.

Na presente instância, considerando o valor individual de cada um dos recursos, já referido anteriormente, decorre que a Impugnante é totalmente responsável na presente instância pelas custas do recurso que apresentou.

No caso do recurso apresentado pela FP, foi concedido parcial provimento ao mesmo. Assim, a FP obteve vencimento nos seguintes termos:


(…) – Imagem – original nos autos

Portanto, de um total de 48.551,51 Eur., a FP obteve vencimento quanto a 9.623,40 Eur., o que implica que a proporção do decaimento, na presente sede, se fixe em 19,8% pela Impugnante e 80,2% pela FP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso interposto pela S(…), SA;

b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência:

b.1. Revogar a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação no tocante às correções relativas à totalidade do valor das provisões respeitantes aos clientes N(…), N(…)”, Restaurante (…), I(…), N(…), Hotel (…) e a parte do valor da provisão relativa ao cliente I(…) (85.749$00), julgando, nessa parte, a impugnação improcedente, com a consequente manutenção da liquidação na parte correspondente;

b.2. Manter a sentença na parte recorrida quanto ao demais;

c) Custas em 1.ª instância por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 68,1% pela S(…), SA, e 31,9% pela Fazenda Pública;

d) Custas na presente instância, quanto ao recurso apresentado pela S(…), SA, pela mesma;

e) Custas na presente instância, quanto ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 19,8% pela S(…), SA, e 80,2% pela Fazenda Pública;

f) Fixa-se o valor do recurso apresentado pela S(…), SA, em 73.567,89 Eur.;

g) Fixa-se o valor do recurso apresentado pela Fazenda Pública em 48.551,51 Eur.;

h) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de outubro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
3) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 119. V. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.09.2013 (Processo: 0164/12) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.07.2006 (Processo: 01095/06). Cfr. ainda J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 402.
4) Ob. cit., p. 119.
5) V., a este propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2014 (Processo: 0666/13) e de 30.04.2003 (Processo: 0101/03) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.04.2004 (Processo: 04778/01).
6) Cfr. Rui Duarte Morais, ob. cit., pp. 125 e 126.
7) Cfr. v.g. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.11.2019 (Processo: 9467/16.4BCLSB), 19.07.2006 (Processo: 01095/06) e de 17.12.2003 (Processo: 00162/03).