Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:347/05.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DESERÇÃO DO RECURSO
ALEGAÇÕES INCOMPLETAS
CUSTOS
PUBLICIDADE E MARKETING
IRC
Sumário:
I. Na vigência da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de dezembro, a apresentação de uma peça processual via SITAF tem inerente a utilização de assinatura eletrónica qualificada.

II. O n.º 5 do art.º 282.º do CPPT, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, determinava que, se as alegações não tivessem conclusões, convidar-se-ia o recorrente a apresentá-las.

III. Tendo sido suprida lacuna pela Recorrente, por ter apresentado peça contendo apenas parte das conclusões, lacuna essa que, ao tempo, sempre implicaria a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, não se justifica não considerar as alegações que vieram a ser apresentadas com a integralidade das conclusões e proferir despacho de aperfeiçoamento visando o efeito já obtido através desta junção, dado que tal seria um ato inútil, proibido por lei.

IV. Não são apenas custos fiscalmente admissíveis aqueles que diretamente tenham relação com o que uma determinada sociedade produz, sendo também relevados enquanto tais os que mediatamente visam, por exemplo, aumentar as vendas, de que são exemplo paradigmático os custos com ações de publicidade ou com ações promocionais.

V. O então n.º 4 do art.º 23.º, lido em consonância com a al. d) do n.º 1 do art.º 23.º e, bem assim, com o art.º 38.º, todos do CIRC, visa fazer face a situações relacionadas com remunerações “ocultas”, sob a forma de outros instrumentos jurídicos, por forma a evitar, dessa forma, erosão da base tributável, designadamente em sede de IRS.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.04.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por N….., SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2000.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I - Salvo o devido respeito, consideramos que terá havido erro de julgamento na douta Sentença, relativamente à subsunção dos factos à previsão da norma do art. 23.º do Código do IRC.

II. De acordo com aquela norma, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, como o caso de alguns seguros.

III. Tendo a recorrida por objecto social, a produção, importação, exportação e o comércio de todos os produtos destinados à alimentação e ingestão, seus derivados e produtos similares e bem assim a aplicação a seres humanos, entendemos que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre esse objecto social e a indispensabilidade de custos com seguros de saúde e multiriscos em benefício de clientes.

IV. Considerando o objecto social da recorrida verifica-se a inexistência da indispensabilidade de custos fiscais destinados a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora relacionados com a atribuição de um pacote de seguros aos clientes do café "B…..".

V. Os custos com seguros beneficiando clientes, ainda que podendo constituir uma estratégia de gestão da recorrida, não são enquadráveis no conceito de publicidade para efeitos do disposto no art. 23.º do Código do IRC, já que para efeitos fiscais, a aceitação dos custos com publicidade tem como escopo a indispensabilidade para a "realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

VI. Mais, de acordo com o estabelecido no n.º 4 da mesma norma só podiam ser considerados custos fiscalmente dedutíveis, os seguros de saúde que configurem situações de realizações de utilidade social enquadráveis nos n.ºs 2 e 4 do art. 38.º do Código do IRC (em vigor à data dos factos), circunstância que não se verificou na situação controvertida.

VII. Os seguros de saúde e multirisco, objecto da matéria controvertida, cujos beneficiários eram clientes da recorrida, não configuravam realizações de utilidade social, de molde a serem considerandos custos para efeitos do disposto no art 23.º, n.º4, conjugado com o art. 38.º, n.º 2 ambos do Código do IRC, em vigor à data dos factos.

VIII. Podiam configurar custos relacionados com realizações de utilidade social, conforme previa o referido n.º2 do art. 38.º, os custos ou perdas até ao limite de 15% com as despesas do exercício escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como os contratos de seguros de vida a favor dos trabalhadores da recorrida.

IX. Mas os clientes da recorrida não eram trabalhadores da recorrida, como tal, nem sequer os custos relacionados com o seguro de saúde poderiam ser enquadráveis como realizações de utilidades social e aceites como custo fiscal para efeitos do art. 23.º, n.4 do Código do IRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que considere o pedido improcedente relativamente aos custos relacionados com seguros constituídos a favor de clientes”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A) A Fazenda Pública interpôs o presente recurso contra a Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 347/05.0BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que determinou a anulação da liquidação de IRC e JC, relativa ao exercício de 2000, na parte não anulada pela Administração Tributária e Aduaneira;

B) Conforme se logrou demonstrar, a Fazenda Pública não cumpriu o ónus de alegar, em conformidade com o disposto no artigo 282.º, n.º 3, do Código de  Procedimento  e  de  Processo  Tributário,  nos  termos  do  qual  o RECORRENTE dispõe do prazo de 15 dias para apresentar as suas alegações de recurso, após ser notificado do despacho que admite o recurso;

C) Com efeito, o documento que deu entrada nos autos, através do qual a Fazenda Pública refere que vem apresentar as suas alegações está incompleto, tendo sido apresentadas, apenas, 7 das 9 páginas do documento, que não contém a integralidade das conclusões, nem o pedido, nem a assinatura do Representante da Fazenda Pública;

D) Para que se possa considerar um acto processual como validamente praticado é necessário que o seu envio seja completo, ou seja, no caso vertente era necessário que a Fazenda Pública tivesse junto as suas alegações de recurso, na sua versão integral, sob pena de se admitir que um Recorrente cumpra o seu ónus de alegar mediante o envio de apenas parte da peça, que no limite pode nem sequer ter terminado no prazo, suprindo no futuro, já para além daquele mesmo prazo legal, as deficiências do articulado apresentado (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Processo n.º 34/2001.Cl, em 26 de Setembro de 2006 e Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 22 de Maio de 2003, no âmbito do processo n.º 118/03, in www.dgsi.pt);

E) Em suma, para que se possa falar de apresentação atempada de alegações, é forçoso é que haja alegações, ou seja, que se apresente ou transmita integralmente o referido articulado, não bastando um esboço ou ensaio inacabado dessa apresentação ou transmissão;

F) E contra o exposto não se invoque que estamos perante um mero lapso susceptível de ser rectificado, uma vez que os lapsos consistem em meros erros de cálculo ou de escrita, relevados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, ou seja, tem de ser possível depreender do próprio documento, ainda que eivado com o lapso, qual era o alcance realmente pretendido, sendo certo que no caso vertente não está em causa qualquer erro de escrita ou de cálculo, mas antes a incompletude da peça processual apresentada;

G) Em face do exposto deve considerar-se sem mais, que nos presentes autos não foi cumprido pela Fazenda Pública o ónus de alegar e, consequentemente ser o presente recurso julgado deserto nos termos do artigo 283.º do Código do Procedimento e Processo Tributário;

H) Acresce que aa discussão da matéria de facto, implica, como vimos, ónus específicos de alegação, em conformidade com o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que não foram respeitados. Com efeito, a RECORRENTE não indica os concretos pontos da matéria de facto que pretende contestar, nem os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa. Ora, sendo incumprido este concreto dever de alegação a Lei o recurso deve ser rejeitado - n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil -, o que se peticiona;

I) De facto, a RECORRENTE refere, no documento apresentado a título de alegações. que a constituição de seguros a favor de clientes não era indispensável à fonte produtora da Recorrida (cfr. pontos IV, IX e XVIII do documento junto a título de alegações) e que não são enquadráveis no conceito de publicidade (cfr. ponto XVII do referido documento).  Porém, em nenhum momento coloca em causa os factos dados como provados pelo Tribunal a quo e que lhe permitiram concluir em sentido contrário, ou seja, no sentido de que a Recorrida demonstrou nos autos a indispensabilidade dos custos;

J) Não obstante, e caso se considere que o referido documento consubstancia as alegações de recurso, sempre se deverá concluir pela improcedência do recurso e manutenção da Sentença recorrida;

K) Conforme já supra avançado, o presente recurso foi interposto pela FAZENDA PÚBLICA, que não se conforma com a douta Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 347/05.0BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do qual a RECORRIDA impugnou o acto de liquidação adicional de IRC n.º ….., de 12 de Outubro de 2004, e as respectivas liquidações de Juros Compensatórios n.º …..e de Juros de Mora n.º …..e, demonstração de compensação n.º ….., respeitantes ao exercício de 2000, do qual resulta um montante a pagar no valor de € 1.439.056,63, emitidos na sequência de uma acção de inspecção ao seu exercício de 2000;

L) O referido acto de liquidação tem por base, para além das correcções aceites pela RECORRIDA e das correcções entretanto anuladas pela ADMINISTR AÇÃO TRIBUTÁRIA em sede do Processo Administrativo Tributário, as seguintes correcções à matéria colectável da ora RECORRIDA: (i) outros custos não aceites relativos a seguros que têm por beneficiários clientes da RECORRIDA, no montante de € 129.283,04 e (ii) tributações autónomas relativas a despesas de representação, no montante de € 2.075, tendo apenas sido posta em causa pela Recorrente nas suas alegações de recurso, a Sentença recorrida na parte em que considerou dedutíveis os custos relativos a seguros;

M) Significa isto que a ilegalidade da tributação autónoma das despesas de representação reconhecida pela Sentença recorrida não integra o objecto do presente recurso;

N) No que respeita à não aceitação dos custos relativos a Seguros que têm por beneficiários clientes da RECORRIDA, a consideração por parte desta, como custo fiscal, para efeitos de apuramento da matéria colectável, dos montantes suportados com os referidos Seguros prende-se com o facto de estes ao integrarem um instrumento à data fundamental para a fidelização dos clientes de uma das suas principais área de negócio - a área do café, consubstanciarem gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC;

O) Significa isto, que ao contrário do que sustentou a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA e é agora reafirmado pela Fazenda Pública no seu recurso, não se está no caso vertente, no que respeita aos Seguros de Internamento Hospitalar e Assistência Lar perante quaiquer situações de realizações de utilidade social ou de rendimentos do trabalho dependente abrangidas pelo então artigo 38.º, n.º 2 e 4 do Código do IRC e no artigo 2.º, n.º 3, alínea c), n.º 3 do Código do IRS, nem está em causa, no que por sua vez respeita ao Seguros Multirriscos Estabelecimento, a circunstância dos elementos abrangidos pela cobertura deste seguro não pertencerem ao activo da RECORRIDA;

P) Antes, está em causa o facto de se estar perante gastos que se afiguram indispensáveis para a realização dos rendimentos susjeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do código do IRC;

Q) Conforme se logrou demonstrar em primeira instância, o custo suportado pela RECORRIDA com a aquisição de Seguros de que são beneficiários os seus clientes, foi suportado pela RECORRIDA no âmbito da implementação do "CAFÉ CARD"' também designado por "CARTÃO B….."' um cartão de fidelização, que atribuía aos seus titulares - clientes da RECORRIDA - vantagens na aquisição de determinados bens e serviços, de entre as quais se encontrava o acesso a seguros de Despesas de Hospitalização e de Assistência Médica ao Domicilio e a seguros Multirriscos Estabelecimento que a RECORRIDA contratualizou com a seguradora T…..;

R) Logrou, então, igualmente, demonstrar-se, designadamente através da prova testemunhal produzida, que, como contrapartida pela atribuição das vantagens concedidas pelo referido "CAFÉ CARO", a RECORRIDA garantia a fidelização dos seus clientes, e, bem assim, garantia a angariação de novos clientes interessados nessas mesmas vantagens;

S) Logrou, ainda, demonstrar-se que, caso os clientes deixassem de adquirir de forma continuada os produtos da RECORRIDA, desrespeitando a obrigação de exclusividade, operava a obrigação de restituição do "CAFÉ CARD", deixando aqueles de usufruir das vantagens concedidas;

T) A atribuição dos referidos seguros pela RECORRIDA aos seus clientes tem, assim, subjacente uma evidente motivação empresarial, designadamente a garantia da exclusividade da aquisição dos seus produtos;

U) Pelo que resultou amplamente demonstrado nos autos que os custos com os Seguros atribuídos aos clientes da RECORRIDA, no âmbito do instrumento de fidelização denominado "CAFÉ CARD", estavam directamente relacionados com o desenvolvimento da actividade normal da RECORRIDA, pelo que se configura, indiscutivelmente, no caso vertente, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos;

V) Foi precisamente na circunstância de a Recorrida ter consdeguido relacionar os encargos decorrentes dos seguros com a actividade da empresa e de ter conseguido formular um juízo quanto à indispensabilidade desses encargos para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, que a Sentença recorrida fundou a sua decisão no sentido da admissibilidade da dedução desses mesmos custos;

W) Aliás, em nenhum momento a Fazenda Pública nas suas alegações põe em causa que a estratégia da Recorrida ao criar o Cartão B….. foi não apenas de fidelizar clientes, como também de aumentar o volume de vendas;

X) Mas mais, a desconsideração do custo ora em apreço propugnada pela Fazenda Publica, viola, não só directamente o supra referido artigo 23.º do Código do IRC na medida em que, como demonstrado, se tratam de custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, como viola o princípio da iniciativa económica previsto no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa, já que a não consideração de custos realizados no interesse da empresa, em ordem directa à obtenção de lucros, coloca também em causa a autonomia e liberdade de gestão do contribuinte, in casu da RECORRIDA;

Y) Com efeito, ao não desconsiderar o custo fiscal  em  apreço,  que  se demonstrou  directamente  conexo  com  a  actividade  da  Recorrida,  a Administração  tributária  mais não fez senão intrometer-se na gestão da Recorrida, desconsiderando o propósito económico subjacente a tal custo e, bem assim, o efeito positivo que o mesmo teve no que diz respeito à manutenção da fonte produtora e incremente dos proveitos da Recorrida;

Z) Por seu turno. a desconsideração do referido custo viola ainda o princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, consagrados no artigo 104.º, n.º 2, da Lei Fundamental, na medida em que do mesmo decorre que a Administração tributária só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei, debaixo de uma forte motivação que a convença de que tais gastos foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa, o que não só não se verifica no caso em apreço, (como demonstrado através da prova testemunhal e documental produzida e reconhecido na Sentença recorrida), como não foi, sequer, posto em causa, pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA no relatório de Inspecção, nem pela Fazenda Pública nas alegações de recurso;

AA) Finalmente, contrariamente ao que alega a Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, não se impõe que, para que seja fiscalmente dedutível, o custo se relacione directamente com a actividade de produção de bens para alimentação humana, impõe-se, sim, que o custo contribua para o desenvolvimento da actividade da RECORRIDA, o que se verifica no presente caso, uma vez que este custo lhe permite realizar, de forma mais eficaz, as vendas dos seus produtos, mediante a fidelização de clientes e do aumento do volume de vendas;

BB) Pelo que, como entendeu, e bem, o Tribunal a quo, desde que se verifique um nexo de causalidade entre o custo e a actividade desenvolvida – neste caso. a fidelização  de clientes e o aumento  do volume  de vendas  -, o mesmo custo terá de ser considerado fiscalmente dedutível;

CC) Em suma, assentando a correcção em causa na desconsideração de um custo realizados no interesse da empresa, em ordem directa à obtenção de lucros. em manifesta violação do artigo 23° do Código do IRC e dos princípios da iniciativa económica, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, bem andou a Sentença recorrida ao concluir pela sua dedutibilidade, pelo que a mesma deverá ser mantida, julgando-se improcedente o presente recurso;

DD) Por seu turno, porque não se mostrou necessário em face da - correcta - solução alcançada, não foi conhecido o vício de falta de fundamentação invocado pela Recorrida na sua petição inicial de Impugnação judicial (cfr. (cfr. artigos da petição inicial 59.º a 64.º da petição inicial de Impugnação judicial). na medida em que a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não fundamentou porque razão considera que a RECORRIDA não está autorizada a suportar parte dos encargos com os prémios seguros multirriscos;

EE) Pelo que, também a título subsidiário. e prevenindo a necessidade da sua apreciação. o ora Recorrido requer a sua apreciação, em conformidade com o disposto no artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;

FF) A respeito deste concreto vício, logrou demonstrar-se que fundando-se a referida correcção, no artigo 41.º, n.º 1, alínea c). do Código do IRC, e não sendo   esta   norma   aplicável   aos   seguros   Multirriscos, incumbia à ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA fundamentar porque considera que a RECORRIDA não está autorizada a suportar parte dos encargos com os prémios destes seguros  Multirriscos, o que também  não fez;

GG) Não tendo sido apresentada tal fundamentação, a referida correcção padece, igualmente, de vício de falta de fundamentação, devendo ser anulada na parte respectiva, em conformidade ao abrigo do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo;

HH) Em conclusão, por todo o exposto, deverá a Sentença recorrida ser mantida, mantendo-se, igualmente, a anulação do acto de liquidação sub judice e de liquidação de juros compentaórios na parte correspondente às correcções acima descritas”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questões prévias suscitadas pela Recorrida:
a) O recurso deve ser julgado deserto?
b) O recurso deve ser rejeitado, por não terem sido cumpridos os requisitos exigidos pelo art.º 640.º do CPC?

Questão suscitada pela Recorrente:
c) Há erro de julgamento, em virtude de não ter ficado demonstrada a indispensabilidade dos custos em causa e de os mesmos não poderem ser aceites, atento o disposto no n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A N….. SGPS era, no exercício de 2000, a sociedade dominante de um grupo de sociedade que se encontravam abrangidas pelo Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC) em vigor durante o ano de 2000, entre as quais se encontrava a Impugnante.(Doc. n.º10 junto à p.i.)

B) Por ofício ….., de 12.08.2003, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), com referência ao exercício de 2000. (Doc. n.º7 junto á p.i.)

C) Por ofício ….., de 23.06.2004, a N….. SGPS foi notificada do Relatório de Inspecção Tributaria (RIT), com referência ao exercício de 2000. (Doc. n.º 10 junto à p.i.)

D) A N….. SGPS foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º  …..,  e  da  respectiva  liquidação de  juros compensatórios  n.º ….. e demonstração de compensação n.º ….., referente ao IRC do exercício de 2000, no valor total de €1.439.056,63. (Docs. n.ºs 4, 11 e 12 juntos à p.i.)

E) Consta do RIT a que alude a al.C) do probatório, designadamente o seguinte:

“3.1.6-Outros custos não aceites para efeitos fiscais

A sociedade dependente N….. SA, contabilizou como custo de exercício (conta 622330 – Publicidade e Propaganda – Café Card), o montante de 129.283,04 € referente ao pagamento de seguros relativos a Internamento Hospitalar, Assistência Lar e Multiriscos – Estabelecimento. Da análise das apólices dos seguros e do protocolo de cooperação realizado entre a Companhia de Seguros T….., S.A. verificou-se que os beneficiários dos seguros acima referidos, são clientes da área de negócios da N….., S.A, pelo que o encargo inerente aos seguros em questão não é dedutível para efeitos fiscais conforme se passa a descrever,

a) Seguros de Internamento Hospitalar e Assistência Lar

Atendendo ao estabelecido no n.º4 do art.23º do CIRC, só poderão ser considerados fiscalmente dedutíveis, os seguros de saúde que configurem situações de realização de utilidade social enquadráveis nos n.ºs 2 e 4 do art. 38º do CIRC (actual art.40º) ou que sejam considerados como rendimentos do trabalho dependente, nos termos do n.º 3 da alínea b) do n.º3 do art. 2º do CIRS, facto que não se verificou na presente situação, uma vez que os seguros em questão, no montante de 110.139,18€ ( 101.225,85€ +8.913,33€), foram constituídos a favor de clientes da empresa e não em beneficio dos seus trabalhadores ( anexo n.º6, fls.19)

Como tal, constata-se ter sido infringido o disposto no n.º4 do art. 23º do CIRC. Pelo que se procedeu à inclusão da importância de 110.139.18€ no lucro tributável consolidado declarado no exercício de 2000.

b) Seguros Multiriscos Estabelecimentos

Neste âmbito, verificou-se que não é aceite para efeitos fiscais o seguro contabilizado como custo, no valor de 19.143,86€, dado o objecto seguro ser o recheio de estabelecimentos comerciais cujos proprietários são clientes da N….., S.A. não devendo como tal ser esta empresa a suportar os riscos de negocio /cobertura de responsabilidade de elementos que não pertencem ao seu activo ( aexo n.º6, fls. 19)

Assim, procedeu-se á tributação do referido montante de 19.143,86€, nos termos da alínea c) do n.º1 do art. 41º do CIRC ( actual art.42º)

(…)

3.2 Ao nível do Cálculo do Imposto – Tributação Autónomas

(…)

Factura n.º …..- T….. Portugal, no valor de 3.421,86 €, contabilizada na conta 622330 – Publicidade e Propaganda, respeitante a despesas com refeições e espectáculos efectuada no âmbito da comemoração do “dia do café”.

F) Em 12.10.2004, com base nas correcções apuradas a Administração Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação adicional de IRC n.º ….., referente a IRC do ano de 2000, no montante de € 1.439.056,63. ( Doc. n.º11 junto à p.i.)

G) Em 15.12.2004,  a  Impugnante  procedeu  ao pagamento da quantia de € 1.210.268.69. (Doc. n.º 13 junto à p.i.)

H) No ano de 2000, a Impugnante implementou o Cartão B….. destinado exclusivamente a clientes do café B….., desde que o comprassem de forma continuada. (Depoimento da 1º testemunha)

I) Nos termos das “Condições Gerais de Utilização – Cartão B…..”:

“1- Tem direito a ser titular do CARTÃO B….., a título gratuito, todo o comerciante, pessoa singular ou colectiva, que no âmbito da respectiva actividade, adquira de forma continua cafés da marca B…... (…)

7- O CARTÃO B….. é propriedade da N….., assistindo-lhe o direito de exigir a sua restituição, caso o titular do cartão não cumpra com a clausula 1, momento a partir do qual cessa o direito de usufruir das vantagens previamente concedidas”. (Doc. n.º14 junto à p.i.)

J) O Cartão B….. atribuía determinadas vantagens aos clientes da Impugnante nomeadamente seguros de Hospitalização e de Assistência Médica ao Domicilio e Seguros Multirriscos Estabelecimento e comparticipações em viagens. (Depoimento da 1ª testemunha, Doc. n.º14 junto á p.i.)

L) A partir do momento que deixam de ser clientes do Café B….., era comunicado aos parceiros e retirados os benefícios associados ao cartão. (Depoimento da 1ª testemunha)

M) O Cartão B….. funcionava como instrumento de marketing e de fidelização dos clientes. (Depoimento da 1ª testemunha)

N) A festa do “Dia do Café” realizava-se anualmente, participando no evento exclusivamente colaboradores da Impugnante, designadamente os elementos das forças de vendas da Impugnante, e como convidados os elementos de outras áreas da empresa, nomeadamente da área financeira. (Depoimento da 1ª Testemunha)

O) A Impugnante celebrou um protocolo de cooperação com a Companhia de Seguros T….., S.A. ( Doc. n.º 14 junto á p.i.)

P) Por despacho da autoria do Director de Finanças Adjunto de Lisboa de 17.11.2005, foi revogado parcialmente o acto tributário sindicado quanto aos seguintes segmentos: (i) perdas e existências, no montante de € 7.123,21; (ii) liquidação de juros de mora, no montante de € 81.451,23, e (iii) pagamento por conta, no montante de € 78.824,83.( Doc. fls.300 do p.a.t.)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referenciados em cada uma das alíneas do segmento fáctico, bem como nas declarações das testemunhas inquiridas, as quais demonstraram conhecimento directo dos factos pelas relações profissionais que tinham com a Impugnante, e mereceram credibilidade”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da deserção do recurso

Considera, desde logo, a Recorrida que a Recorrente não cumpriu o ónus de alegar em conformidade com o disposto no art.º 282.º, n.º 3, do CPPT, uma vez que o documento que apresentou está incompleto, não contendo duas das páginas (designadamente as que contêm o pedido e a assinatura) e que o documento completo foi já apresentado depois de decorrido o prazo para a apresentação de alegações, o que implica que o recurso deva ser julgado deserto.

Vejamos então.

In casu, a Recorrente apresentou, via SITAF, a 16.06.2014, alegações, contendo sete das nove páginas que compunham o documento (como se depreende da numeração do mesmo, na qual é indicada, a par do número de página, o número total de páginas).

Entretanto, a 25.06.2014, a Recorrente juntou novamente as alegações de recurso, desta feita contendo as 9 páginas que as compõem na totalidade.

A questão aqui a apreciar prende-se com a (não) consideração da apresentação das alegações a 16.06.2014 (dentro do prazo previsto no art.º 282.º, n.º 3, do CPPT), com a consequente deserção do recurso, em virtude de as alegações completas terem sido apresentadas depois de decorrido tal prazo.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 282.º do CPPT (redação à época em vigor):

“1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.

2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.

3 - O prazo para alegações a efetuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.

4 - Na falta de alegações, nos termos do n.º 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido.

5 - Se as alegações não tiverem conclusões, convidar-se-á o recorrente a apresentá-las.

6 - Se as conclusões apresentadas pelo recorrente não refletirem os fundamentos descritos nas alegações, deverá o recorrente ser convidado para apresentar novas conclusões.

7 - O disposto nos números anteriores aplica-se às conclusões deficientes, obscuras ou complexas ou que não obedeçam aos requisitos aplicáveis na legislação processual ou quando o recurso versar sobre matéria de direito”.

Assim, nos termos do regime que vigorou até novembro de 2019, a interposição de recursos relativos a sentenças de impugnação judicial, como in casu, implicava dois momentos: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta requerimento justamente a declarar tal intenção, requerimento esse sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso; um segundo, após ser proferido despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações.

Esta apresentação deveria ser feita no prazo de 15 dias contados da notificação do despacho de admissão de recurso.

Caso as alegações não fossem apresentadas dentro do mencionado prazo, o recurso seria julgado deserto, extinguindo-se por essa via a instância de recurso.

Por ser relevante in casu cumpre ainda atentar na estrutura que devem conter as alegações de recurso. Assim, à semelhança do previsto nos demais ramos de direito processual, também no âmbito do direito processual tributário se determina que as alegações (enquanto peça processual) devem ser compostas de alegações e das respetivas conclusões (sendo que o “pedido” a que se refere a Recorrida, ou seja, a consequência a extrair deverá constar destas). A este respeito, é pertinente sublinhar que, em processo tributário, à época, se previa, ao contrário do que sucede em processo civil, que a falta de conclusões implica um convite ao aperfeiçoamento, com vista à sua apresentação (cfr. n.º 5 do referido art.º 282.º do CPPT).

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, desde já se adiante que não se acompanha o entendimento da Recorrida.

Começando pela questão atinente à assinatura da peça processual referida pela Recorrida, é pertinente, in casu, sublinhar que a peça processual em causa foi submetida via SITAF.

Assim, cumpre chamar à colação o disposto na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de dezembro, então vigente, portaria essa que regulamentou os aspetos específicos da aplicação do SITAF nos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do art.º 4.º do DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro.

Desta portaria decorre, desde logo, que as peças processuais podem ser, designadamente, apresentadas através de transmissão eletrónica de dados, transmissão essa que requer a utilização de assinatura eletrónica qualificada do signatário (cfr. art.º 2.º, n.º 2, da portaria). Ou seja, enquanto, para os atos praticados pelos magistrados se exige a aposição da assinatura eletrónica (cfr. art.º 7.º, n.º 1), para os atos quer das partes quer dos funcionários (cfr., para estes últimos, o n.º 2 do mesmo art.º 7.º) exige-se apenas a utilização dessa mesma assinatura. Decorre ainda da mesma portaria que o acesso ao endereço http://www.taf.mj.pt (através do qual podem ser submetidas as peças processuais por transmissão eletrónica de dados) só pode ser feito por quem disponha de assinatura eletrónica qualificada (cfr. art.º 6.º, n.º 2). Assim, do que se extrai desta regulamentação, é que a própria submissão de uma peça processual via SITAF implica, inexoravelmente, a utilização da assinatura eletrónica, sendo que não estava sequer prevista a aposição da assinatura eletrónica. Logo, tendo as alegações sido apresentadas via SITAF, tal apresentação teve, inerente, a utilização da assinatura eletrónica qualificada, tal como se exigia, pelo que não assiste razão à Recorrida quanto a este aspeto.

Já quanto ao demais, também não se acompanha o entendimento da Recorrida.

É certo que, ao contrário do que seria desejável, a peça processual apresentada não o foi na sua integralidade, sendo que a mesma continha todas as alegações e cinco das nove conclusões formuladas.

Assim, é também certo que a parte da peça processual não enviada respeitava apenas à parte final das conclusões. Não se trata, pois, de situação equiparável às situações em causa na jurisprudência citada pela Recorrida, uma vez que nos casos aí sob apreciação apenas 1 ou 2 páginas das alegações tinham sido apresentadas.

Se a falta de conclusões não comporta rejeição de recurso, per se, implicando, sim, um convite à sua apresentação, por maioria de razão, a sua apresentação incompleta não pode redundar num entendimento no sentido de se considerar deserto o recurso. Aliás, mesmo considerando o regime previsto no processo civil e uma vez que não estávamos perante ausência total de conclusões, sempre haveria lugar ao despacho de aperfeiçoamento das conclusões, previsto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC.

Ora, a peça processual ulteriormente apresentada, contendo a integralidade das conclusões, é, nas suas sete primeiras páginas, exatamente igual à que foi apresentada a 16.06.2014, contendo apenas as duas páginas em falta, com as demais conclusões e a identificação da signatária.

Como referimos, nos termos em que as alegações inicialmente apresentadas o foram, as mesmas sempre dariam lugar à prolação de um despacho de aperfeiçoamento e nunca à equiparação da situação a não apresentação de alegações.

Se, entretanto, foi suprida lacuna que implicaria a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, não se justifica não considerar as alegações apresentadas com a integralidade das conclusões e proferir despacho de aperfeiçoamento visando o efeito já obtido através desta junção, dado que tal seria um ato inútil, proibido por lei (cfr. art.º 130.º do CPC).

Como tal, o recurso não deve ser julgado deserto.

III.B. Da rejeição do recurso

Considera, por outro lado, a Recorrida que o recurso deve ser rejeitado, por não ter sido dado cumprimento aos requisitos impostos pelo art.º 640.º do CPC.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos e atenta a leitura das alegações de recurso apresentadas, resulta que nestas a Recorrente não se insurgiu contra a matéria de facto fixada, não a tendo impugnado.

Logo, e uma vez que os ónus mencionados supra são de atentar apenas quando haja impugnação da decisão proferida sob a matéria de facto, carece de materialidade o alegado pela Recorrida a este propósito.

Passando à apreciação do mérito do recurso apresentado pela Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o objeto social da Recorrida e a indispensabilidade dos custos em causa, não sendo enquadráveis no conceito de publicidade, e que não se integram em situações de realizações de utilidade social.

Está em causa a correção identificada no relatório de inspeção tributária (RIT) sob a designação “outros custos não aceites para efeitos fiscais”, custos esses relativos a seguros de internamento hospitalar e lar e multiusos estabelecimento, considerando a administração tributária (AT) que, no caso dos primeiros, não poderiam ser aceites, por não respeitarem a custos com os seus trabalhadores, e que, no caso dos segundos, não poderiam ser aceites, por não respeitarem a elementos do ativo da Recorrente.

Vejamos então.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”[3].

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal[4].

Como referido por António Moura Portugal[5], “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados. Já a sua al. c) referia não serem dedutíveis os “impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar”

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”[6].

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)[7], abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade[8], sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição[9].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resultou provado, no exercício de 2000, a Impugnante implementou o chamado “Cartão B…..”, que era atribuído a clientes dessa marca de café, que o comprassem de forma continuada [cfr. factos H) e I)]. Resultou ainda provado que a titularidade deste cartão atribuía vantagens diversas aos clientes da Impugnante, designadamente os seguros de hospitalização e de assistência médica ao domicílio e seguros multirriscos estabelecimento, que motivaram a correção sob escrutínio, e comparticipações em viagens [cfr. facto J)]. Dessa factualidade decorreu que a implementação do cartão em causa se configurou como um instrumento de marketing e fidelização dos clientes [cfr. facto M)].

Foi face a este acervo factual que o Tribunal a quo considerou estar-se perante custos indispensáveis nos termos exigidos pelo art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, entendendo, por essa via, ser a correção em causa ilegal.

Refira-se, antes de mais, que a configuração das despesas em causa como despesas de publicidade nunca foi posta em causa pela AT em sede de RIT.

Por outro lado, ficou provado que o “Cartão B…..” foi um instrumento implementado pela Recorrente, dentro das estratégias de marketing que levou a cabo, visando fidelizar clientes e, em contrapartida, fornecendo benefícios a quem ao mesmo aderisse, designamente os relativos aos seguros em causa.

Como qualquer instrumento de marketing e como no caso ficou o provado, o mesmo, visando fidelizar clientes, tinha inexoravelmente como objetivo o aumento das vendas, sendo, por essa via, clara a relação entre os custos e a realização de proveitos. Veja-se que, como já referimos, não são apenas custos fiscalmente admissíveis aqueles que diretamente tenham relação com o que uma determinada sociedade produz, sendo também relevados enquanto tais os que mediatamente visam, por exemplo, aumentar as vendas, de que são exemplo paradigmático justamente os custos com ações de publicidade ou com ações promocionais, cujas caraterísticas podem ser muito variadas, atentando, desde logo, nas concretas especificidades do público alvo que se pretende alcançar. Tratam-se de custos relacionados com a publicitação da imagem de uma empresa, que se espera que, de forma mediata, contribuam para uma melhor imagem junto do público e, consequentemente, um aumento dos proveitos. Daí que o próprio art.º 23.º do CIRC, na al. b) do seu n.º 1, faça expressa menção às despesas com publicidade.

Portanto, a alegada falta de nexo causal entre os custos e o objeto social da Recorrida carece de materialidade, atento o concreto quadro factual, pois estamos perante custos inseridos no âmbito de uma campanha publicitária levada a cabo pela Recorrente.

Não altera esta conclusão o alegado a propósito do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC e, por consequência, o alegado em torno do facto de não estarmos perante realizações de utilidade social.

Segundo esta disposição legal:

“4 - Exceto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 38.º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS”.

A norma aqui contida tem de levar em linha de conta o previsto no art.º 23.º, n.º 1, al. d), o qual prevê como custos fiscalmente relevantes os “[e]ncargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social”.

Ou seja, o n.º 4 do art.º 23.º, lido em consonância com a al. d) do n.º 1 do art.º 23.º e, bem assim, com o art.º 38.º, todos do CIRC, visa fazer face a situações relacionadas com remunerações “ocultas”, sob a forma de outros instrumentos jurídicos, por forma a evitar, dessa forma, erosão da base tributável, designadamente em sede de IRS.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.06.2018 (Processo: 0539/17), onde se refere que:

“[D]a conjugação do disposto no nº 1, al. d) e nº 4, do art. 23º com o disposto no art. 40º, ambos do CIRC, atendendo aos critérios legais para a interpretação da lei (art. 9º do CCivil e art. 11º da LGT) e considerando a unidade do sistema jurídico, o que resulta, em termos da invocada relação de especialidade aqui relevante, é que o nº 4 desse art. 23º e o art. 40º estão relacionados com o disposto na al. d) do nº 1 do mesmo art. 23º [a não aceitação dos custos abrangidos na previsão do citado nº 4 tem que ver com custos de remunerações acessórias (de trabalhadores dependentes) que não se enquadrem nos parâmetros do n° 3 da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS e desde que esses mesmos custos não estejam abrangidos pelo disposto no art. 40º do CIRC], mas não se excluindo a aplicação da regra geral quanto à aceitação de custos, nos termos do previsto nas demais disposições do citado art. 23º do CIRC, quando os respectivos requisitos legais se verificarem” (sublinhado nosso).

Assim, não se trata de situação subsumível ao n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, dado não estarmos perante situações de remunerações acessórias, não havendo, por esse motivo, que atentar no disposto no art.º 38.º do mesmo código.

Da mesma forma, e quanto aos seguros multirriscos, não é pelo facto de não respeitarem a ativos da Recorrida que não podem ser considerados, atenta a sua integração no âmbito da campanha de marketing já referida.

Em suma, tendo ficado provado tratar-se os custos em causa de custos relacionados com campanhas de marketing, os mesmos são fiscalmente dedutíveis.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 17 de setembro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Mário Rebelo)


_______________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
[4] Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
[5] A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
[7] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
[8] V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
[9] Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).