Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08846/15
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REFORÇO DE GARANTIA (ART. 169.º, N.º 8 DO CPPT E 52.º, N.º 3 DA LGT), ALTERAÇÃO DO REGIME DE NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR GARANTIA (FORMALIDADE DA CITAÇÃO), PENHORA DEPÓSITOS BANCÁRIOS
Sumário:I. Apenas vale como garantia, para os efeitos do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, “a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido” (cfr. n.º 4 do art. 199.º do CPPT);

II. O n.º 8 do art. 169.º do CPPT pressupõe a existência de uma garantia inicialmente constituída (“garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º,”) que com o decurso do tempo poderá se tornar insuficiente (por ex. por desvalorização do imóvel) e por essa razão necessitar de ser reforçada para voltar a garantir a totalidade da dívida exequenda e acrescido, pelo que é nesta situação particular que a norma prevê que se notifique o executado dando a conhecer essa insuficiência e para uma nova obrigação que é a “de reforço ou prestação de nova garantia idónea” e da respectiva consequência jurídica do seu não cumprimento que é a “de ser levantada a suspensão da execução”;

III. Apenas nos casos em que a garantia se torne “manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” é que a Administração Tributária poderá exigir ao executado o reforço da garantia (cfr. art. 52.º, n.º 3 da LGT), e nesse caso terá de seguir o estatuído no n.º 8 do art. 169.º do CPPT;

IV. Com a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigor actualmente, suprimiu-se a obrigação de notificação autónoma do executado, que passa a constituir uma formalidade da citação, devendo, portanto, constar a informação da necessidade do executado prestar garantia para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal, bem como o seu valor (cfr. artigo 190.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12).

V. Considerando a 1.ª parte do disposto no art. 223º, n.º 3 do CPPT, quando está em causa a penhora de depósitos em instituições de crédito é aplicável o regime previsto no art. 780.º do CPC, sendo que, no seu n.º 9 impõe-se à instituição de crédito uma obrigação de comunicação imediata ao executado da penhora efectuada;

VI.Trata-se de uma formalidade imposta por lei às instituições de crédito, pelo que discutindo-se em sede de reclamação do acto do órgão de execução fiscal a validade do acto de penhora, o não cumprimento desta formalidade de notificação posterior à efectivação da mesma, por um terceiro, não é susceptível de colocar em causa a validade do próprio acto de penhora, por constituir uma irregularidade posterior ao próprio acto de penhora.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:




PROCESSO N.º 08846/15

I. RELATÓRIO

A Reclamante PAULA ……………. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, que julgou improcedente a reclamação do acto de penhora de saldos bancários no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………., que corre termos no serviço de finanças de ………………………...

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

A)- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a reclamação dos actos do órgão da execução fiscal interposta, nos termos do artigo 276° do CPPT, do despacho de indeferimento do pedido de anulação das penhoras das contas bancárias que a ora recorrente é titular no BPI, proferido pelo OEF, no âmbito do processo de execução fiscal n° …………………..
B)- Considera a ora recorrente que a sentença sobre recurso padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto porquanto não foram ponderados e analisados os factos descritos nos itens 5,7, 9 e 17 da petição da reclamação do artigo 276° do CPPT;
C)- Nomeadamente a circunstância da responsabilidade da ora recorrente, não incidir sobre a totalidade da quantia exequenda (350 570,22 €) por estar limitada ao valor de 65 553,92 €, correspondente a Janeiro de 2008, último mês do período da comunhão conjugal com o seu ex-marido;
E)- Bem como também de, em termos de prestação de garantia, não ser tido em consideração na sentença recorrida, que no âmbito do processo de execução fiscal respectivo, foi, pelo OEF efectuada a penhora do artigo n° 45, da matriz rústica e artigo n° ………….da matriz urbana, da freguesia de C…………., concelho de ………………., cujos valores patrimoniais totalizam 38 321,80 €, servindo esta de garantia nos termos referidos no n°4, artigo 199° do CPPT, para os efeitos referidos no seu n°1;
F) - Ou seja, no que á divida da ora recorrente diz respeito, competia-lhe apresentar garantia da diferença entre aquele valor e o que efectivamente lhe é exigido, acrescido, de conformidade com o estatuído no n°6, artigo 199° do CPPT, dos juros de mora, contados até ao termo do pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, das custas na totalidade, acrescido de 25% da soma daqueles valores;
G) - O facto da penhora não ter sido comunicada de imediato, logo após a sua elaboração, como determina o n° 9, artigo 780° do CP Civil, viola o " princípio da legalidade" referido no artigo 266°, n°2, da C.R.P. e artigo 55° da L.G.T., porquanto, a ora recorrente só dela tomou conhecimento em data posterior, no dia 05-03-2015, quando teve que se dirigir ao balcão do BPI, e constitui grave violação que acarreta a nulidade dos actos praticados ( art0 196° do CPC).
H)- Considera-se ainda também enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento da matéria de direito pela circunstância de ter omitido e não valorado convenientemente o estatuído no n°s, artigo 169° do CPPT, violando dessa forma o " princípio da legalidade" referido no artigo 266°, n°2, da C.R.P. e artigo 55° da L.G.T;
I)- Na verdade, se se entendesse ser o valor da penhora insuficiente, subjacente ao seu reforço, (n°5, artigo 199° CPPT), estava obrigada a AT a proceder à notificação da ora recorrente, nos termos previstos no acima citado n°s, artigo 169° CPPT.
J) - Por outro lado, in casu crê-se existir uma aplicação indevida do preceituado aí referido, discordando-se do sustentado na douta sentença controvertida, por se crer não ter aplicação o estatuído no n° 6 do artigo 169° do CPPT, na redacção dada pela Lei n° 64-B/2011, de 30-12, designadamente, porque a informação referida naquele normativo não foi disponibilizada à ora recorrente no Portal das Finanças, nem podia tê-lo sido, pela circunstância do sujeito passivo, única e exclusivamente consta do sistema informático dos processos de execução fiscal (PEF), ser o seu ex-marido António ……………………;
L) - O que equivale a dizer só poder tomar conhecimento da necessidade de proceder ao reforço da garantia a Recorrente - reafirma-se, até ao limite da sua responsabilidade - desde que fosse notificada, via CTT, através de carta registada, o que não ocorreu e omissão nem sequer justificada nos autos.
M)- Entende pois a ora recorrente, com a ressalva do devido respeito por melhor e mais sábia decisão, enfermar assim a douta sentença recorrida de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto omite e não valora, normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente, a que determina a obrigação de notificação para reforço de garantia (n°s, artigo 169° do CPPT) para efeitos de suspensão da dívida exclusiva da responsabilidade da ora recorrente, nos termos do n°1 daquele mesmo normativo legal.
N)- A omissão da notificação em qualquer caso e nas presentes circunstâncias, constitui uma omissão grave, e acarreta de qualquer modo, a entender-se diversamente do supra concluído, a apreciação dessa nulidade, prevista no art0 195° do CPCivil , de resto de conhecimento oficioso, e implicando a anulação de todos os actos praticados;
O)- Até porque foi tempestiva alegada, por não ter a Recorrente tido uma qualquer intervenção anterior nos autos, e o que deve motivar também a procedência do presente recurso, nos termos do petitório inicial, anulando-se de qualquer forma os actos praticados.

Finaliza com o seguinte pedido:

“Deve pois assim ser admitido o presente recurso, e consentaneamente ser o mesmo considerado procedente, por provado, e anulada a douta decisão recorrida, considerando-se procedente a reclamação apresentada, e anulado o acto reclamado, com todos os seus efeitos, para assim se fazer JUSTIÇA!!!!”
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Erro de julgamento de facto, porquanto não foram ponderados e analisados os factos descritos nos itens 5,7, 9 e 17 da petição da reclamação, sendo que à Reclamante apenas competia apresentar garantia pela diferença entre a dívida exequenda e a penhora já efectuada [conclusões B) a F];
_ Erro de julgamento de direito, porquanto a penhora não foi comunicada à Reclamante de imediato, como determina o art. 780.º, n.º 9 do CPC, o que constitui violação do princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT [conclusão G)], não valorou o n.º 8 do art. 169.º do CPPT, se se entendesse ser o valor da penhora insuficiente subjacente ao seu reforço, violando o princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT [conclusão H), I), M], e não há lugar à aplicação do disposto no n.º 6 do art. 169.º do CPPT, por a informação não ter sido disponibilizada à Reclamante no Portal das Finanças, pelo que devia ter sido notificada para proceder ao reforço da garantia o que acarreta a nulidade prevista no art. 195.º do CPC [conclusão J) a L), N) e O)].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


A) Em 23/10/2012 foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Alcácer do Sal contra António …………. o processo de execução fiscal nº ………………… para cobrança da quantia exequenda de 350.570,50 euros proveniente de IVA e juros compensatórios relativo aos anos de 2008 e 2009;
B) Em 26/10/2012 foi o executado citado para a execução;
C) Em 25/10/2012 foi determinada a constituição de hipoteca legal sobre imóvel propriedade do executado para garantir a satisfação do crédito exequendo;
D) O aí executado fez instaurar em 2012 impugnação judicial sobre as liquidações que se encontram subjacentes ao processo de execução fiscal, que foi distribuído sob o nº de registo 438/12.0 BEBJA;
E) O aí executado apresentou junto da execução requerimento com vista à sua suspensão atenta a instauração de processo de impugnação mediante isenção de prestação de garantia;
F) Sobre este requerimento recaiu despacho de indeferimento;
G) Foi ordenada a penhora dos valores depositados em contas bancárias tituladas pelo executado;
H) O executado foi casado com a ora Reclamante, encontrando-se divorciados desde 21/02/2008;
I) Na sequência deste processo de divórcio foi efectuada partilha extrajudicial em resultado da qual à ora Reclamante foram adjudicados todos os bens imóveis comuns ao casal;
J) Por despacho do OEF de 30/10/2013 foi determinada a citação da ora Reclamante para a execução no que respeita à dívida relativa ao ano de 2008;
L) Em 01/11/2013 a Reclamante foi citada;
M) O executado António …………….. foi notificado em 18/11/2013 para prestar garantia nos autos de execução a fim de suspender a mesma;
N) Em 13/12/2013 foi elaborado auto de penhora de um prédio misto, sendo a parte rústica inscrita na matriz sob o art. …….., secção …….., e a parte urbana inscrita na matriz sob o art. ……., ambos da freguesia de C…….., concelho de Montemor- o-Novo;
O) Em 15/12/2013 foi o executado António ………. notificado da penhora antes mencionada;
P) Foi determinada informaticamente a penhora de outros valores e rendimentos e efectuada comunicação ao Banco BPI com referência à executada e ora Reclamante;
Q) Por ofício datado de 26/02/2015, que deu entrada no SF de Alcácer do Sal em 04/03/2015, comunicou o Banco BPI que procedeu à penhora dos ativos que identifica, os quais se encontram depositados em contas tituladas por Paula ………………, no montante total de € 16.437,55;
R) Em 12/03/2015 a executada apresentou reclamação de tal acto de penhora junto do OEF;
S) Foi mantido o acto reclamado e determinada a remessa dos autos ao TAF de Beja onde deu entrada em 19/03/2015;
T) No processo de impugnação referido em D) foi proferida sentença, em 05/12/2014, que julgou procedente o pedido de anulação das liquidações impugnadas;
U) Em 10/02/2015 foi admitido o recurso interposto de tal decisão por parte da Fazenda Pública fixando-se ao mesmo efeito devolutivo;
V) Na sequência da citação descrita em L) a ora Reclamante fez instaurar processo de oposição à execução que foi registado sob º nº ………/13.4 BEBJA;
X) Neste processo foi proferida sentença em 30/10/2014 na qual foi julgada legítima a aí oponente para assumir a qualidade de executada na execução;
Z) Desta decisão interpôs a aqui Reclamante e aí oponente recurso, o qual foi admitido em 12/12/2014, sendo-lhe fixado efeito meramente devolutivo.

5.1.
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos dos autos, os quais não foram impugnados e bem assim de consulta ao sitaf para recolha de elementos probatórios que eram do conhecimento das partes uma vez que também nos processos consultados são nessa qualidade intervenientes.”

2. Do Direito

Invoca a Recorrente, desde logo, erro de julgamento da matéria de facto por não terem sidos ponderados os factos descritos nos artigos 5, 7, 9 da pi., sendo que à Reclamante apenas competia apresentar garantia pela diferença entre a dívida exequenda e a penhora já efectuada [conclusões B) a F], erro de julgamento de direito, porquanto a penhora não foi comunicada à Reclamante de imediato, como determina o art. 780.º, n.º 9 do CPC, o que constitui violação do princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT, acarretando a nulidade dos actos praticados (art. 196.º do CPC) [conclusão G)], não valorou o n.º 8 do art. 169.º do CPPT, se se entendesse ser o valor da penhora insuficiente subjacente ao seu reforço, violando o princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT [conclusão H), I), M], e não há lugar à aplicação do disposto no n.º 6 do art. 169.º do CPPT, por a informação não ter sido disponibilizada à Reclamante no Portal das Finanças, pelo que devia ter sido notificada para proceder ao reforço da garantia o que acarreta a nulidade prevista no art. 195.º do CPC [conclusão J) a L), N) e O)].

Apreciando.

Como resulta dos factos dados como provados [cfr. pontos A) a H)], inicialmente, o processo de execução fiscal foi instaurado contra o ex-cônjuge da Reclamante (nessa data o casamento da Reclamante) já se encontrava dissolvido, e portanto, apenas foi chamado à execução fiscal António …………, pela totalidade da dívida. No normal processado da execução fiscal, este foi citado, apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal considerando que deduziu impugnação judicial, e foi constituída uma hipoteca legal sob o prédio propriedade do executado.

Repare-se que todo este processado é completamento alheio à Reclamante, que desde 21/02/2008 se encontra divorciada do executado, e apenas em 01/11/2013 é citada para os termos daquela execução, passando a assumir a partir dessa data a qualidade de executada, mas apenas relativamente a uma única dívida antes da dissolução do seu casamento por divórcio.

Após essa citação, a ora Recorrente deduziu oposição mas não foi notificada para prestar garantia, relativamente à parte da dívida exequenda para a qual foi citada (cfr. art. 7.º e 5.º da p.i.), e por isso invocou que a penhora à sua conta bancária é ilegal pois a execução fiscal não poderia ter prosseguido (art. 11.º da p.i.).

Ora, relativamente à penhora que a Reclamante faz alusão nas suas conclusões E) e que foi efectuada no âmbito do processo de execução fiscal, trata-se de penhora efectuada no âmbito do processado para garantia da dívida exequenda, sendo que o ex-cônjuge da Reclamante responde pela totalidade da dívida – 350.570,50€ (cfr. alínea A) e B) dos factos provados) tendo aquele sido notificado daquela penhora (cfr. alínea O) dos factos provados), mas já a Reclamante apenas responde por parte daquela dívida.

Neste contexto, entende a Reclamante que deveria ter sido notificada para prestar garantia pela diferença entre o valor, por parte da mesma se encontrar garantida pela penhora do imóvel [N) e O) dos factos provados]. Sucede que, ainda que se entendesse que a Reclamante apenas tinha de prestar garantia por aquela diferença, ainda assim, não haveria uma obrigação legal de notificação para a prestação da garantia na parte restante, pois não estaríamos perante uma situação de reforço da garantia, com infra demonstraremos, e deste modo, improcede manifestamente o invocado nas conclusões B) a F) de recurso.

Com efeito, a questão de saber se a Reclamante tinha ou não de ser notificada para prestar garantia antes de a execução fiscal ter prosseguido para a penhora da sua conta bancária não poderá ser configurada como uma questão de “reforço de garantia” como pretende a Recorrente [cfr. conclusão I)], pois a situação prevista no n.º 8 do art. 169.º do CPPT pressupõe, desde logo, que a penhora inicialmente prestada fosse suficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, pois apenas vale como garantia, para os efeitos do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, “a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido” (cfr. n.º 4 do art. 199.º do CPPT).

Dispõe o n.º 8 do art. 169.º do CPPT do seguinte modo:

“8 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)”

Ou seja, este preceito legal pressupõe a existência de uma garantia inicialmente constituída (“garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º,”) que com o decurso do tempo poderá se tornar insuficiente (por ex. por desvalorização do imóvel) e por essa razão necessitar de ser reforçada para voltar a garantir a totalidade da dívida exequenda e acrescido.
É nesta situação particular que a norma prevê que se notifique o executado dando a conhecer essa insuficiência e para uma nova obrigação que é a “de reforço ou prestação de nova garantia idónea” e da respectiva consequência jurídica do seu não cumprimento que é a “de ser levantada a suspensão da execução”.

E percebe-se bem a razão de ser da norma, pois o executado está a contar legitimamente que a execução fiscal se mantenha suspensa até “à decisão do pleito” (n.º 1 do art. 169.º do CPPT), e por conseguinte se há uma alteração superveniente da suficiência da garantia prestada, então, deve-lhe ser assegurado quer o conhecimento dessa situação (para que possa ter a oportunidade de reagir judicialmente contra essa decisão de insuficiência) quer o conhecimento da nova obrigação que sobre si impende “obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea”, pois como já referimos, o não cumprimento têm consequências gravosas na sua esfera jurídica, designadamente o levantamento da suspensão da execução fiscal de que já beneficiava.

Sublinhe-se que apenas nos casos em que a garantia se torne “manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” é que a Administração Tributária poderá exigir ao executado o reforço da garantia (cfr. art. 52.º, n.º 3 da LGT), e nesse caso terá de seguir o estatuído no n.º 8 do art. 169.º do CPPT.

Em suma, in casu, não se verifica uma situação de reforço de garantia, e portanto, a Reclamante não tinha de ser notificada nos termos do n.º 8 daquele preceito legal.

E teria de ser notificada autonomamente para prestar garantia nos termos gerais, antes da penhora? Não, no regime jurídico vigente (e em vigor à época) não subsiste essa obrigação, conforme veremos.

A suspensão da execução fiscal pressupõe a prestação de garantia após o termo do prazo de pagamento voluntário, mas “antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente” e que sejam cumpridas outras formalidades, designadamente, deve ser apresentado requerimento “em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda” (cfr. n.º 2 do art. 169.º do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04).

Sendo que “[c]aso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora” (cfr. n.º 7 do art. 169.º do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

Ou seja, actualmente não se prevê a obrigação de se notificar autonomamente o executado para prestar garantia como sucedia no regime anterior em que o n.º 6 do art. 169.º do CPPT previa expressamente essa obrigação:

“ 6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n.º 1 dentro do prazo de 15 dias.(Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)”

Em suma, com a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigor actualmente, e aplicável ao caso dos autos, suprimiu-se a obrigação de notificação autónoma do executado, dispondo-se o seguinte:

“6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação.”

No regime actualmente vigente passou a constituir uma formalidade da citação o informar o executado da necessidade de prestar garantia para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal (cfr. artigo 190.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12).

Com efeito, dispõe o n.º 2 do art. 190.º do CPPT a respeito das formalidades da citação o seguinte:

“2 - A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa.”

Em suma, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011 de 30/12, que se encontram actualmente em vigor, visou-se acabar com a notificação autónoma para a prestação de garantia e em sua substituição incluir tal informação na citação para a execução (passando a ser mais uma formalidade da citação).

Assim sendo, verifica-se inexistir obrigação legal de notificar a Recorrente para a prestação de garantia, passando a ser uma formalidade da citação, sendo certo que a consequência prevista no n.º 7 do art. 169.º do CPPT de penhora imediata não depende da disponibilização de qualquer informação no portal das finanças na Internet prevista no n.º 6, pois é pela citação que lhe é dado conhecimento da necessidade de prestar garantia, improcedendo, também, a conclusão J) das alegações de recurso.

Face a todo o exposto, conclui-se que não se verifica a invocada violação do princípio da legalidade, tendo a AT agido em conformidade com a lei ao proceder a penhora da conta bancária da Reclamante pois isso impunha o n.º 7 do art. 169.º do CPPT, e portanto não se verifica a violação do disposto no art. 55.º da LGT, nem do art. 266.º, n.º 2 da CRP, e deste modo, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, improcedendo as conclusões B) a F) e H) a O) do recurso.

Por último, invoca também a Recorrente erro de julgamento de direito, porquanto a penhora não foi comunicada à Reclamante de imediato (mas apenas no dia 05/03/2015), como determina o art. 780.º, n.º 9 do CPC, o que constitui violação do princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT [conclusão G)].

A sentença recorrida, aplicando o disposto no art. 223.º, n.º 3 do CPPT e o art. 780.º do CPC, concluiu, em síntese, pela improcedência deste fundamento, porquanto “[c]onforme resulta de afirmação proferida no prólogo da petição inicial foi o Banco BPI que informou a Reclamante em deslocação a balcão do mesmo. Respeitado foi, portanto, o formalismo previsto pelo legislador.”

Apreciando.

Dispõe o n.º 3 do art. 223.º do CPPT o seguinte: “3 - Salvo nos casos de depósitos existentes em instituição de crédito competente, em que se aplica o disposto no Código de Processo Civil, a penhora efetua-se por meio de carta registada, com aviso de receção, dirigida ao depositário, devendo a notificação conter ainda a indicação de que as quantias depositadas nas contas referidas nos números anteriores ficam indisponíveis desde a data da penhora, salvo nos casos previstos na lei, mantendo-se válida por período não superior a um ano, sem prejuízo de renovação.(Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)” – sublinhado nosso.

Por conseguinte, considerando a 1.ª parte do disposto no art. 223º, n.º 3 do CPPT, quando está em causa a penhora de depósitos em instituições de crédito é aplicável o regime previsto no art. 780.º do CPC, sendo que, no seu n.º 9 impõe-se à instituição de crédito uma obrigação de comunicação imediata ao executado da penhora efectuada.

Com efeito, dispõe do seguinte modo aquele preceito legal: “9 - Recebida a comunicação referida no número anterior, o agente de execução, no prazo de cinco dias, respeitados os limites previstos nos n.os 4 e 5 do artigo 738.º, comunica por via eletrónica às instituições de crédito a penhora dos montantes dos saldos existentes que se mostrem necessários para satisfação da quantia exequenda e o desbloqueio dos montantes não penhorados, sendo a penhora efetuada comunicada de imediato ao executado pela instituição de crédito.” (sublinhado nosso)

Trata-se de uma formalidade imposta por lei às instituições de crédito, e não à Administração Tributária, pelo que nos presentes autos discutindo-se a validade do acto de penhora, o não cumprimento de uma formalidade de notificação posterior à efectivação da penhora, por um terceiro, não é susceptível de colocar em causa a validade do próprio acto de penhora.

Na verdade, tratando-se de uma irregularidade posterior ao próprio acto de penhora, esta poderá ter consequências a nível da responsabilidade resultante do dever de informação das instituições de crédito, mas não da validade do próprio acto de penhora. Deste modo, não se verifica a violação do princípio da legalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 da CRP, art. 55.º da LGT.
Por conseguinte, nesta parte o recurso também não merece provimento, e nessa medida, improcede in totum o recurso interposto.
3. Sumário do acórdão

I. Apenas vale como garantia, para os efeitos do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, “a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido” (cfr. n.º 4 do art. 199.º do CPPT);
II. O n.º 8 do art. 169.º do CPPT pressupõe a existência de uma garantia inicialmente constituída (“garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º,”) que com o decurso do tempo poderá se tornar insuficiente (por ex. por desvalorização do imóvel) e por essa razão necessitar de ser reforçada para voltar a garantir a totalidade da dívida exequenda e acrescido, pelo que é nesta situação particular que a norma prevê que se notifique o executado dando a conhecer essa insuficiência e para uma nova obrigação que é a “de reforço ou prestação de nova garantia idónea” e da respectiva consequência jurídica do seu não cumprimento que é a “de ser levantada a suspensão da execução”;
III. Apenas nos casos em que a garantia se torne “manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” é que a Administração Tributária poderá exigir ao executado o reforço da garantia (cfr. art. 52.º, n.º 3 da LGT), e nesse caso terá de seguir o estatuído no n.º 8 do art. 169.º do CPPT;
IV. Com a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigor actualmente, suprimiu-se a obrigação de notificação autónoma do executado, que passa a constituir uma formalidade da citação, devendo, portanto, constar a informação da necessidade do executado prestar garantia para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal, bem como o seu valor (cfr. artigo 190.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12).
V. Considerando a 1.ª parte do disposto no art. 223º, n.º 3 do CPPT, quando está em causa a penhora de depósitos em instituições de crédito é aplicável o regime previsto no art. 780.º do CPC, sendo que, no seu n.º 9 impõe-se à instituição de crédito uma obrigação de comunicação imediata ao executado da penhora efectuada;
VI. Trata-se de uma formalidade imposta por lei às instituições de crédito, pelo que discutindo-se em sede de reclamação do acto do órgão de execução fiscal a validade do acto de penhora, o não cumprimento desta formalidade de notificação posterior à efectivação da mesma, por um terceiro, não é susceptível de colocar em causa a validade do próprio acto de penhora, por constituir uma irregularidade posterior ao próprio acto de penhora.

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 10 de Julho de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso