Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1213/16.9 BELRS
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:CONTRATO DE SUBCONCESSÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTES COLECTIVOS DO PORTO (S.......)
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I – O Contrato de Subconcessão dos S......., subscrito pelas partes em 26 de Outubro de 2015, prevê no respectivo Capítulo XIV, cláusula 66, um compromisso arbitral “ no caso de litígio ou disputa quanto à interpretação, integração ou execução, mora, incumprimento defeituoso, validade e/ou eficácia do disposto no Contrato”.

II – O Contrato de Subconcessão referido no parágrafo anterior nunca chegou a produzir qualquer efeito jurídico em decorrência da falta de aposição de visto prévio por parte do Tribunal de Contas, situação que determina a respectiva ineficácia absoluta do contrato, ao abrigo do artigo 45.º, nº 4 da Lei Orgânica e Processo do Tribunal de Contas.

III – A ineficácia absoluta do contrato é causa de esvaziamento do objecto da cláusula compromissória, que se torna inexequível nos termos do artigo 5.º da Lei nº 63/2011 (Lei da Arbitragem).

IV – De acordo com a configuração da acção pelas Autoras, nenhuma das causas de pedir ou pedidos se podem subsumir e integrar no perímetro da convenção arbitral, que se limita aos litígios e disputas que envolvam o disposto no Contrato
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório


A.... F…………….L, SA, NEX ………………, SL, A.... ATLÂNTICA, SL, e A.... M………………PORTO, LDA., com sinais nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional para este TCAS do saneador-sentença do TAC de Lisboa, de 11 de Maio de 2017, que, “ atenta a preterição pelas partes da constituição do Tribunal Arbitral “ , decidiu ser “este Tribunal (…) absolutamente incompetente para conhecer do mérito dos autos, por ocorrer a excepção dilatória disso determinante, nos termos do disposto no artigo 96.º, al. b) e 97.º, nº 1 , ambos do CPC, o que é determinante da absolvição das Entidades Demandadas da instância (cf. Artigo 99.º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA)”. Em sede de alegações formularam as seguintes conclusões (sintetizadas):

“ A) O Tribunal a quo absolveu as rés da instância, porque conheceu oficiosamente da excepção de preterição do tribunal arbitral voluntário, prevista nas cláusulas 66º e segs. do Contrato de Subconcessão da Exploração do Sistema de Transporte da S....... celebrado entre as ora Recorrentes e Recorridas, o que inquina a sentença de nulidade, por excesso de pronúncia , e de erro de julgamento.
B) A sentença recorrenda é (i) nula, por excesso de pronúncia, em violação do disposto no art. 95º do CPTA e art. 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, bem como do art. 578º do CPC, ex vi art. 1º do CPTA porquanto, compulsados os articulados, verifica-se que as Rés não deduziram a excepção de preterição do tribunal arbitral voluntário, pelo que estava vedado ao Tribunal a quo o conhecimento oficioso daquela excepção.
C) Em sustento da posição das Recorrentes assim o tem entendido a jurisprudência administrativa (vide acórdãos transcritos nas motivações do recurso, entre outros, acórdãos do TCA Sul, datado de 11.10.2007 e proferido no âmbito do processo n.º 01163/05; datado de 8.11.2012, proferido no âmbito do processo n.º 05507/09; acórdão do TCA Norte, datado de 20.03.2015, proferido no âmbito do processo n.º 00442/11.6 BELML), apoiada igualmente na doutrina (vide ensinamentos de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDO CADILHA transcritos nas motivações do recurso).
D) Caso o Tribunal ad quem venha a entender que a situação descrita supra não configura uma nulidade – no que não se concede e apenas por mera hipótese de patrocínio se admite – sempre deve a sentença recorrenda ser revogada, por erro de julgamento, consubstanciado na violação do disposto no art. 578º do CPC, ex vi art. 1º do CPTA.
E) A sentença recorrida padece de (ii) nulidade processual, nos termos dos arts. 195º, n.º 1, 199º, nº 3 e 615º, nº 4 do CPC, por violação do princípio do contraditório e do dever de audição das partes, plasmado no art. 3º, n.º 3 do CPC, ex vi art. 1º do CPTA.
F) Conforme decorre dos factos K e O referidos nas motivações do recurso, as AA., ora Recorrentes não foram devidamente notificadas pelo Tribunal a quo em relação à matéria da excepção em momento anterior à tomada de decisão, dado que o despacho 02.06.2017 indicia que as AA. iriam ser notificadas “ em momento posterior” para se pronunciarem sobre a excepção de preterição do tribunal arbitral.
G) O que veio a ser confirmado telefonicamente pela oficial de justiça.
H) As AA. , ora Recorrentes foram surpreendidas pelo deferimento de uma excepção que pôs termo ao processo e sobre a qual não lhes foi dada oportunidade para se pronunciarem.
I) Tal circunstância configura uma violação gritante dos princípios do contraditório e da indefesa, como assim o tem entendido de modo consentâneo a jurisprudência civilista e administrativa (vide motivações do recurso) impondo-se, desta forma, a revogação da douta sentença.
J) Por fim, mesmo que a excepção de preterição do tribunal arbitral voluntário pudesse ser oficiosamente conhecida pelo tribunal a quo, não se concede e apenas por mera hipótese de patrocínio se admite , Tribunal a quo incorreu em (iii) erro de julgamento, porquanto o acto impugnando diz respeito, primeira e necessariamente, à invalidade da anulação do acto de adjudicação, acto esse que não se encontra a coberto da convenção e arbitragem (vide cl. 66º e segs do Contrato), pelo que a mesma não pode ser aplicável ao pedido dos autos.
K) A aferição da impossibilidade de anular o contrato dos autos depende inexoravelmente da requerida apreciação da invalidade da anulação do acto de adjudicação; ora o art. 180º do CPTA, em vigor à data, não permite sujeitar os actos referentes à legalidade de actos de formação de contratos públicos à arbitragem (como seja o acto de adjudicação in casu) , pelo que mal andou o Tribunal a quo. O pedido das AA., reitere-se, pelo menos quanto à validade do acto de adjudicação, é da competência exclusiva dos tribunais administrativos (veja-se, nesse sentido e de forma unânime, a doutrina citada nas motivações e recurso: LUIS ESQUÍVEL, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e ROBI DE ANDRADE).
L) A competência exclusiva dos tribunais administrativos em matéria de actos de adjudicação é reiterada pela jurisprudência (vide os vários acórdãos citados nas motivações do recurso) e foi aliás trazida ao conhecimento do Tribunal a quo pela própria Ré S......., que juntou ao processo em 08.03.2017 um acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte sobre a mesma questão – neste caso referente à subconcessão do sistema de transporte de metro na cidade do Porto – e no qual se concluiu que: “a decisão proferida pelo tribunal a quo ao considerar que foi preterida a convenção arbitral face ao litigio sub judice não poderá ser mantida, uma vez que o referido litigio face à anulação do ato de adjudicação não se encontra abrangido pelo âmbito do objecto da convenção arbitral.”
M) Em suma, dúvidas não subsistem quanto ao dever do Tribunal ad quem proceder à revogação da douta sentença, conforme melhor fundamentado em iii), a), b) e c) supra.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a decisão recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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II - DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto pertinente é a constante da decisão recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6 do actual Cód. Proc. Civil, ex vi artigo 1º do CPTA.

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III -DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso interposto do saneador-sentença do TAC de Lisboa, que, “ atenta a preterição pelas partes da constituição do Tribunal Arbitral “ , decidiu ser “este Tribunal (…) absolutamente incompetente para conhecer do mérito dos autos, por ocorrer a excepção dilatória disso determinante, nos termos do disposto no artigo 96.º, al. b) e 97.º, nº 1 , ambos do CPC, o que é determinante da absolvição das Entidades Demandadas da instância (cf. Artigo 99.º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA)”.

No essencial, a decisão a quo justificou a absolvição da instância nos termos que se passam a transcrever: “ O litígio sub judice encontra-se abrangido pela convenção de arbitragem, já que este, tal como configurado pelas partes no processo, diz respeito a questões atinentes à validade ou eficácia do contrato e a convenção se aplica, precisamente, aos litígios relacionados com a “interpretação, integração ou execução, mora, incumprimento defeituoso, validade ou eficácia do disposto no Contrato”.
Ora, tendo subjacente a causa de pedir e os pedidos formulados a final, resulta que o que está em causa na situação em apreço são questões atinentes à validade ou eficácia do contrato (…) e, subsidiariamente, a questão atinente ao ressarcimento pela violação grave do contrato, só depois de constituído o Tribunal Arbitral é que o mesmo pode aferir ou não da sua competência para dirimir o litígio que subsiste entre as partes, conforme assim dispõe o artigo 18.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro.
Aqui chegados, julgamos prejudicadas todas as demais questões, portanto, atenta a preterição pelas partes da constituição de Tribunal arbitral, este Tribunal Administrativo é absolutamente incompetente para conhecer do mérito dos autos, por ocorrer exceção dilatória disso determinante, nos termos do disposto nos artigos 96.º, alínea b) e 97.º, n.º 1, ambos do CPC, o que é determinante da absolvição das Entidades Demandadas.”

Vejamos contudo se o Tribunal a quo interpretou correctamente a questão da exequibilidade (ou não) da cláusula compromissória no Contrato de Subconcessão e se, nos termos em que o litigio se encontra configurado, tem, ou não, enquadramento na referida cláusula compromissória prevista no mesmo contrato, analisando de per si cada um dos fundamentos indicados.

1 - A declaração judicial de ineficácia da cláusula compromissória aposta no Contrato de Subconcessão

A questão que consubstancia o objecto do presente recurso prende-se com a apreciação sobre se as Autoras e o Réu S......., enquanto outorgantes do Contrato de Subconcessão do Sistema de Transportes dos S......., assinado em 26 de Outubro de 2015, preteriam a constituição do Tribunal Arbitral em função do compromisso arbitral que neste se encontra aposto (cláusulas 66 e 67 do contrato).
Tal matéria foi já objecto de ponderação e decisão por parte do TCAN, no âmbito de processo judicial que envolve a anulação da subconcessão que havia sido atribuída à METRO do Porto, cujo Contrato de Subconcessão prevê uma convenção de arbitragem em tudo idêntica àquela que se encontra no contrato referente aos S........
O Acórdão do TCAN de 13 de Janeiro de 2017, in Proc. nº 1096/16 BEPRT concluiu não estar o litígio abrangido pelo âmbito do objecto da convenção arbitral com os fundamentos que passamos a transcrever: “ Atento o objecto do recurso está pois aqui em causa apenas verificar se os Tribunais Administrativos serão absolutamente incompetentes para conhecer do mérito da causa, considerando a suposta prévia necessidade de procura de resolução amigável do conflito, mormente por recurso a Tribunal Arbitral.
Independentemente do referido [uma cláusula instituidora da necessidade de resolver amigavelmente os litígios] há , no entanto, uma questão incontornável que impede o Recurso a Arbitragem, que se resume no facto de o contrato nunca ter chegado a ser visado pelo Tribunal de Contas, o que determina, por natureza, a sua ineficácia.
Com efeito, refere-se no nº 4 do artigo 45.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas que “ os actos, contratos e demais instrumentos sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas cujo valor seja superior a € 950.000,00 não produzem quaisquer efeitos antes do visto ou declaração de conformidade ( redacção introduzida pelo artigo 1.º da Lei nº 61/2011, de 7 de Dezembro).
Sendo o contrato ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, mal se compreenderia a que título e com que objectivo iria intervir a pretendida arbitragem.
Assim, mostra-se que a decisão proferida pelo Tribunal a quo ao considerar que preterida a convenção arbitral face ao litiíio sub judice não poderá ser mantida, uma vez que o referido litigio face à anulação do acto de adjudicação não se encontra abrangido pelo âmbito da convenção arbitral”.
Tal como pertinentemente foi mencionado no Acórdão em apreço, a norma prevista no nº 4 do artigo 45.º da LOPTC foi introduzido em 2011, e correspondeu a uma substancial alteração na filosofia do visto prévio, derrogando-se a regra geral de produção de efeitos jurídicos dos contratos antes do visto, passando o visto a constituir um instrumento imprescindível à perfeição de contratos de valor superior a € 950.000,00, assim se acentuando o carácter prévio do visto, através do congelamento da produção de efeitos jurídicos por parte do contrato não visado.
O Tribunal a quo estava assim obrigado a extrair o efeito negativo da convenção de arbitragem, dada a manifesta inexequibilidade da mesma: Destinando-se uma convenção de arbitragem a dirimir conflitos emergentes do disposto no contrato, não tendo este produzido quaisquer efeitos, não se vislumbra qual seria a utilidade de convocar um tal Tribunal Arbitral ao abrigo desta mesma convenção que, reitera-se, não se nos afigura que seja passível de exequibilidade.
Por conseguinte, o princípio de autonomia da convenção de arbitragem referido na sentença a quo – artigo 18.º, nº 2 da Lei de Arbitragem Voluntária, segundo o qual “ uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo” - , face ao contrato, é irrelevante para a solução a dar sobre a necessidade de recurso prévio à arbitragem, porque, ainda que se possa considerar que está em vigor um compromisso entre as partes de recorrer à arbitraem, tal compromisso não tem, no caso sub judice, objecto face à ineficácia absoluta do contrato.

2 – A não subsunção do litigio à cláusula compromissória prevista no Contrato de Subconcessão
Para responder a tal questão importa, em primeiro lugar, delimitar o objecto da cláusula compromissória e, num segundo momento, verificar da subsunção do litígio, nos termos em que se encontra configurado pelas Autoras, a esse objecto.
Como se alcança da cláusula 66, nº 1 do Contrato de Subconcessão as partes comprometeram-se à resolução amigável “ no caso de litígio ou disputa quanto à interpretação, integração ou execução, mora, incumprimento defeituoso, validade e/ou eficácia do disposto no contrato”.
Daí que a submissão à arbitragem prevista no Contrato de Subconcessão apenas envolva as questões e efeitos decorrentes da própria relação contratual, e não quaisquer outras. É o caso paradigmático dos litígios em que uma das partes contratantes coloca em crise a interpretação que é feita de uma determinada cláusula do contrato.
Porém, se observarmos o litígio, tal como configurado pelas ora Autoras/ Recorrentes em termos de causa de pedir e do pedido, concluímos que não está aqui em causa qualquer disputa sobre o disposto no Contrato de Subconcessão, mas sim uma invalidade que ocorreu a montante, no âmbito do procedimento de formação desse mesmo contrato.
Com efeito, discute-se no processo a validade da deliberação do Conselho de Administração dos S....... que, em 20 de Abril de 2016, procedeu à anulação do acto de adjudicação do procedimento pré-contratual e, por inerência da invalidade do vício procedimental, procedeu igualmente à anulação do Contrato de Subconcessão.
Assim, a delimitação da causa de pedir que é feita pelas Autoras nos presentes autos circunscreve-se à alegação de um vício orgânico (vício de usurpação de poderes) e, para o que aqui nos interessa, à impugnação das causas de invalidade procedimentais que justificaram a deliberação anulatória dos S....... (vício de violação de lei). Não está, pois, aqui em causa a verificação judicial de qualquer causa de invalidade própria apontada ao contrato de subconcessão.
Em suma, está sim em causa neste processo a apreciação da invalidade procedimental que justificou a deliberação de anulação da adjudicação e do contrato praticado pelos S......., e não qualquer invalidade própria do clausulado do contrato, pelo que o litígio está fora do objecto da cláusula compromissória que as partes acordaram no Contrato de Subconcessão.
Ou seja, da análise individualizada dos pedidos formulados pelas Autoras – atendendo a que a causa de pedir se circunscreve à apreciação de causas de invalidade procedimental -, somos obrigados a concluir que no presente litigio o tribunal não é chamado a pronunciar-se sobre a validade ou eficácia do Contrato de Subconcessão, antes é chamado a pronunciar-se sobre a verificação da invalidade procedimental que justifica o acto anulatório e que, reflexamente, é igualmente causa de invalidade do contrato.
Concluímos do exposto que o litígio em questão não é subsumível ao âmbito de incidência objectiva da cláusula compromissória prevista no artigo 66.º do Contrato de Subconcessão. As partes não estavam vinculadas à constituição prévia do Tribunal Arbitral e, como tal, os Tribunais Administrativos são competentes para apreciar e julgar o presente litígio.

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IV – DECISÃO

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a decisão recorrida, com a consequente baixa dos autos à 1ª instância a fim do Tribunal a quo se pronunciar sobre o mérito da causa.

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Sem Custas.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2017
António Vasconcelos
Sofia David
Nuno Coutinho