Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9172/12.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA
CAAD
IRN
TABELA INDICIÁRIA
Sumário:I– Decorria do Artº 111º nº 1 do Decreto-Lei n.° 26/2004, de 4/02, na versão então aplicável que “A afetação dos ajudantes processa-se (…) com manutenção do direito ao vencimento de categoria e de exercício que auferem naquela data.”
O referido normativo, veio então manter o vencimento de categoria e de exercício que os ajudantes de Notariado auferiam "naquela data", ou seja na data da transição.
II– A "participação emolumentar", é parte do vencimento dos funcionários do Notariado e “...corresponde à participação no rendimento emolumentar da conservatória/cartório...", sendo que o vencimento de exercício é uma componente variável que depende do rendimento da Conservatória e/ou do Cartório.
III- A aplicação descontextualizada do Decreto-Lei n.° 519-F2/79, de 29/12, determinaria que os trabalhadores eliminados do quadro do notariado perderiam o direito à retribuição respetiva, o que contradiria o entendimento prevalecente de que deverá ser mantido e assegurado o “(…) direito ao vencimento de categoria e de exercício que auferem naquela data”, entendendo-se esta como correspondente à transição, importando assegurar que, em decorrência do processo de privatização, não seja desvirtuada a necessária e consequente garantia retributiva..
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
As aqui Recorridas M…….. e MM…… , ajudantes do Registo Civil e Predial, na Conservatória do Registo Civil e Predial de Alcochete, intentaram Processo Arbitral contra o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) tendente à impugnação do despacho do Presidente do IRN, de 29 de Julho de 2011, que as obrigaram a repor quantia decorrente de alegada errada colocação na tabela indiciária que disciplina os seus vencimentos, dos cinco anos antecedentes a 29 de Abril de 2011.

O Instituto dos Registos e Notariado (IRN), inconformado com a decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD que em 15 de maio de 2012, nomeadamente, declarou nulo e sem efeitos o ato do Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, de 29 de Julho de 2011, que determinou a reposição de quantias indevidamente recebidas pelas demandantes, veio Recorrer para esta instância, tendo então concluído:
“1) A decisão arbitral recorrida enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
2) Contrariamente ao decidido na Sentença Arbitral, ao caso concreto não é aplicável o disposto no art.° 111.° n.° 1 do Decreto-Lei n ° 26/2004. de 04.02.. que aprovou o Estatuto do Notariado, porque a situação jurídico-funcional dos ajudantes dos cartórios autonomizados não pode confundir-se com a situação jurídico-funcional dos ajudantes que à data da privatização do notariado estavam colocados em serviços anexados, por estes pertencerem não só ao quadro do notariado, mas. também, ao quadro do registo civil e/ou do registo predial.
3) Uns veem o seu posto de trabalho extinguir-se por força da privatização do notariado e são integrados em quadros paralelos, seguindo-se a afetação a serviços de registos e posterior ocupação de posto de trabalho em Conservatórias do Registo Civil e/ou Predial, os outros não integram o quadro paralelo e não são sujeitos ao processo de afetação, pois ocupam um posto de trabalho e mantêm-se em funções nas Conservatórias a que já pertencem.
4) Por isso. os ajudantes a que o legislador do EN se refere e para os quais determinou que passariam a integrar um quadro paralelo, desempenhando funções públicas em regime de afetação aos serviços de registos, mantêm-se, ainda hoje, numa situação funcional por definir, integrados, apenas, em quadros paralelos.
5) Ao invés os ajudantes que pertenciam ao quadro do notariado e aos quadros do registo civil e/ou do registo predial, têm a sua situação funcional plenamente definida, integram os quadros de pessoal (atuais mapas de pessoal) das Conservatórias, e não. quadros de pessoal paralelos.
6) Além de que. seria, de todo. desprovido de senso, integrar os ajudantes que pertenciam aos quadros do notariado, do registo civil e/ou do registo predial, em quadros paralelos, que pressupõem a subsequente e necessária afetação a serviços de registos para neles exercerem funções, quando esses mesmos ajudantes, já integram os quadros de pessoal das Conservatórias dos registos civil e/ou predial, neles se mantendo em exercício de funções.
7) Logo, não se vislumbra qualquer violação de lei porque o caso concreto não se subsume ao normativo em questão, não lhe sendo aplicável nem há violação do princípio constitucional da igualdade, pois o legislador conferiu tratamento diferenciado a situações de facto efetivamente diferentes.
8) O legislador ordinário, não está de todo em todo, impedido, atenta a sua liberdade de conformação, de regular diferentemente situações cujas circunstâncias e fatores que as rodeiam justifiquem diferenciações de tratamento
9) Na situação controvertida, a diferenciação de regimes tem objetivamente fundamento e não merece censura, pois não revela qualquer arbitrariedade do legislador, conforme se explanou, e bem, na contestação.
10) A apreciação jurídica efetuada na Sentença Arbitral, no que respeita à audiência dos interessados prevista no art.° 100.° e seguintes do CPA, apresenta-se distorcida, porquanto nela se aduz que o ato impugnado viola o dever de audiência prévia, e por tratar-se, de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição beneficia de proteção especial que resulta do artigo 18 ° da Lei Fundamental, pelo que o ato é nulo.
11) Desde logo, resulta da conjugação do disposto nos art.°s 133.° e 135 ° do C.P.A., que a nulidade, enquanto modalidade de invalidade dos atos administrativos, se tem de assumir e valorar como uma forma invalidante excecional, porquanto a regra é a da anulabilidade.
12) E, contrariamente à posição sustentada na sentença arbitral, a jurisprudência dos Tribunais Administrativos reiteradamente qualifica como anulável do ato administrativo proferido com preterição do direito de audiência prévia.
13) Embora o art.° 133.° n,° 2 al. d) do CPA, repute de nulos os atos "que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamentai’, só serão efetivamente nulos aqueles que contendam com o "núcleo duro” da CRP, ou seja. os que contendam com direitos, liberdades e garantias.
14) E, no caso concreto, não está nítida e objetivamente em causa qualquer dos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados: tão pouco está ameaçado o direito à remuneração enquanto contrapartida da prestação de trabalho.
15) Por sua vez, afirma-se que o ato impugnado se situa no domínio dos poderes vinculados da Administração, pelo que não podia ter sentido e alcance diferente daquele que teve.
16) Sendo assim, a necessidade e oportunidade da audiência prévia deve ser desvalorizada, porquanto o conteúdo do ato impugnado corresponde à solução imposta por lei para a situação concreta, pelo que, em ordem ao princípio do aproveitamento do ato deve aquele manter-se válido na ordem jurídica.
17) Também no que respeita ao dever de fundamentação dos atos, a douta decisão arbitral fez errada interpretação da matéria de facto e de direito, porquanto, sem assumir expressamente que o ato impugnado padece de falta de fundamentação, concluiu que o ato é nulo e que “O direito à fundamentação dos atos administrativos lesivos de interesses constitui-se como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição (art° 268.°/3 e 17°), com o regime de proteção especial que resulta do art° 18° da Lei Fundamental.”
18) Ora, salvo o devido respeito, é expressivo o desacerto da interpretação efetuada e vertida na Sentença Arbitral sub judice.
19) A julgar-se que o ato impugnado padecia de falta de fundamentação o mesmo seria ilegal por vício de forma, pelo que, o mesmo seria sancionado com a anulabilidade, como a própria jurisprudência administrativa defende.
20) Mas, nos termos do art.° 125° n.° 1 do CPA “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”. Fundamentos do ato administrativo são assim todas as razões, de facto e de direito, em que o seu autor pretenda apoiar-se.
21) Assim sendo, o ato impugnado apresenta-se fundamentado na medida em que esclarece as ora Recorrentes, nos termos da informação elaborada em 28.04.2011 que mereceu despacho do diretor do Departamento de Recursos Humanos de 29.04.2011.
Relativamente à trabalhadora M………., nela se refere que o cartório notarial de Alcochete foi privatizado em 15-02-2005, passando a trabalhadora a pertencer unicamente ao Civil e Predial, deixando, por esse motivo, de ter direito à média que detinha por ter uma classe superior à sua categoria funcional. |
Assim, como 1º ajudante de 1ª classe do Civil e 2ª classe no Predial, encontra-se posicionada no 5ª escalão, índice 305.
22) E. quanto à trabalhadora MM… . refere-se que "o cartório notarial de Alcochete foi privatizado em 15-02-2005. passando a trabalhadora a pertencer unicamente ao Civil e Predial, deixando, por esse motivo, de ter direito à média que detinha por ter uma classe superior à sua categoria funcional.
Assim, como 2º ajudante de 2ª classe do Civil e Predial, encontra-se posicionada no 5º escalão. índice 255".
Portanto, as razões do ato. são perfeitamente apreensíveis e estão lá a servir de motivação do mesmo
23) Verdade é. que a fundamentação é constituída por tudo quanto o órgão administrativo deixou expresso com o propósito de justificar a decisão tomada e não pelas razões que no critério das Recorridas, melhor se articulam com a interpretação que as mesmas pretendem fazer valer, ou que melhor satisfazem o seu ponto de vista. E esta função da fundamentação encontra-se cumprida., no caso concreto.
24) Tal como para que o ato se encontre devidamente fundamentado, relevam tão só os motivos determinantes da decisão necessários para a compreensão do seu sentido, e não as razões que porventura conduziram à valoração desses motivos, pois mais não exige a norma do art.° 125° do CPA, como se alcança da expressão sucinta.
25) Nem o ato impugnado se encontra fendo pelo vicio de violação de lei, por ter determinado a obrigação de reposição de quantias indevidamente abonadas, nos últimos cinco anos, conforme melhor se explicitou na contestação e que aqui se dá por reproduzido.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente e. em consequência, ser revogada a douta Sentença Arbitral recorrida e substituída por outra que, acolhendo a posição do ora Recorrente, julgue a improcedente a ação proposta.

O Recurso interposto veio a ser admitido por Despacho de 25 de Junho de 2012.

As Recorridas vieram apresentar Contra-alegações de Recurso, tendo então concluído:
“a) Ainda que possa proceder o argumento segundo o qual a modalidade de invalidade assacável à preterição do direito de audiência prévia e do dever de fundamentação é a anulabilidade e não a nulidade, a consequência jurídica é in casu a mesma;
b) É manifesta a procedência dos vícios de preterição do direito de audiência prévia e do dever de fundamentação o que sempre tornaria o ato impugnado inválido;
c) O artigo 111.° do n.° 1, do Decreto Lei n.° 26/2004 , de 4/02, veio expressamente manter a retribuição dos ajudantes à data da privatização de categoria e de exercício que os ajudantes auferiam "naquela data" referindo-se com isto à data da privatização;
d) Atendendo ao facto de os mesmos, pelo facto de o Cartório Notarial aonde exerciam funções ter sido privatizado se terem mantido no regime da função pública, já não exercendo funções notariais ;
e) Não distinguindo entre ajudantes de Cartórios Notariais únicos ou anexados;
f) Já que num e noutro caso era o facto de terceiro, a privatização, que determinava o não exercício da função notarial ;
Pelo que a douta sentença recorrida fez correta aplicação da lei, não devendo ser revogada.”

O Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 6 de setembro de 2012, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
“1 – M……. e MM…. ), são atualmente Ajudantes de Registo Civil e Predial.
2 - Antes da privatização do Cartório Notarial de Alcochete, em 15 de Fevereiro de 2005, eram, para além de Ajudantes de Registo Civil e Predial, Ajudantes de Notário, na medida em que os três serviços estavam agrupados em Alcochete, como o permite em certas circunstâncias a organização do Instituto dos Registos e Notariado.
3 - Vencia M……… pelo índice 327,5, que resultava da acumulação de funções públicas no registo civil, predial e do notariado.
4 - Vencia MM…. pelo índice 280, que resultava da acumulação de funções públicas no registo civil, predial e do notariado.
5 - A decisão do Presidente do IRN, de 29 de julho de 2012, de determinar, a reposição de quantias indevidamente recebidas notificada às partes, bem como documentos ulteriormente entregues, não contêm fundamentação jurídica da decisão, nomeadamente a informação ……/11 DF/SPR, objeto de despacho concordante do diretor do departamento de recursos humanos, em 29 de Abril de 2012.
6 - Da perspetiva do IRN as demandantes deviam vencer, respetivamente, pelos índices 305 e 255, da respetiva escala indiciaria.
6 - Não ocorreu audiência prévia dos interessados.” - Dois pontos “6” no original.

III - Do Direito
Discorreu-se no discurso fundamentador da Decisão Arbitral do CAAD:

“A - DA PRETERIÇÃO DO DEVER DE AUDIÊNCIA PRÉVIA.
1 — O ato administrativo impugnado encerra um juízo valorativo da aplicação do artigo 111.°/1 do DL 26/2004, de 4 de Fevereiro, a este caso concreto com contornos específicos.
2 - Não é uma mera correção de um lapso material de administração no ato de pagamento.
3 - A interpretação do IRN, ao excluir do âmbito da sua aplicações funcionários que cessem funções notariais, por ocasião da privatização, mas que mantenham, em virtude de prestarem funções em serviços públicos anexados, funções no registo civil ou predial, efetua, até, uma interpretação restritiva ou redução teológica da letra do preceito. Na sua letra o preceito não traça essa exclusão.
4 — Por isso muito dificilmente é sustentável que não vigore o dever de audiência prévia previsto no artigo 100 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aliás com raiz constitucional (artigo 267.°/4 da CRP).
5 -“A norma do CPA respeitante ao direito de audiência dos interessados, é uma das normas que tem sido votadas, pelos comentadores e anotadores, do Código, como aplicável a todos os procedimentos administrativos, mesmo os especiais (…)”. Cf. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/COSTA GONÇALVES/PACHECO AMORIM, no comentário ao artigo 100°, “Código de Procedimento Administrativo, 2.a edição, Almedina, Coimbra, p. 452, e doutrina aí citada.
6 - Do ponto de vista material o fundamento da fase de audiência prévia, artigos 100.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo e artigo 267.°/5 da Constituição é facultada ao cidadão, aqui trabalhador, a participação e a influência na elaboração do teor do ato definitivo.
7-0 demandado, aliás, não nega a preterição dessa formalidade na sua contestação, nem invoca qualquer fundamento para a mesma.
8 - As conclusões que aqui já se chegaram são suficientes para concluir pela invalidade do ato de determinação de reposição de quantias indevidamente recebidas, do Presidente do IRN, de 29 de Julho de 2001, de que o demandando recorre, também, por violação do dever de audiência prévia, cuja vigência resulta do Código de Procedimento Administrativo e da Constituição. Trata-se, aliás, de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição (artigo 267.°/5 e 17.°), com o regime de proteção especial que resulta do artigo 18.° da Lei Fundamental.
9 -Em consequência o vício do ato é a nulidade e, não anulabilidade insanável pelo decurso de prazo (cf. artigo 133.°/2/d e 134.° do Código de Procedimento Administrativo e artigo 58.°/l do Código do Processo dos Tribunais Administrativos).
10 - Sobre o vício que afeta o ato administrativo adotado com preterição do dever de audiência prévia não existe confluência doutrinária, mas uma parte importante da doutrina propende para a nulidade. Sobre a questão, adotando a posição da nulidade, com uma boa súmula do estado da doutrina e jurisprudência sobre a matéria, cf. MIGUEL PRATA ROQUE, “ato nulo ou anulável — a jusfundamentalidade do direito de audição e fundamentação, Acórdão do Tribunal Constitucional de n.° 594/2008, 2.“ secção,10/12/2008, P. 1111/07”, in Cadernos de Justiça Administrativo , Novembro/Dezembro 2009, 2010, pp. 17 a 32. Este mesmo dever é encarado pela jurisprudência Europeia, também, como um direito fundamental tutelado pelo Tratado da União Europeia. Cf. CARLA VICENTE, “A audiência dos interessados nos procedimentos administrativos comunitários”, in Revista de Documentação e Direito Comparado, n.° 83/84, 2000, pp. 57 e segs.

B - DA PRETERIÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO.
11 - Na realidade nenhum dos documentos entregues às requerentes continha a invocação, sequer, de normas jurídicas fundamentadoras da decisão, nem qualquer outro tipo de motivação de facto ou de Direito do ato minimamente desenvolvida. Essa ausência de motivação verifica-se, igualmente, na informação n.° ……./11 DF/SPR, pelo que não existe sequer uma fundamentação por remissão.
12 - A exigência de fundamentação de todos os catos administrativos que afetem interesses dos cidadãos tem raiz constitucional (cfr. art. 268°/3 da CRP).
11 - Por fundamentação de um ato administrativo entende-se como sendo a enunciação explícita das razões de facto ou de Direito que levaram o seu autor a dotá-lo de certo conteúdo.
13 - De acordo com o estabelecido pelo art. 125° do CPA a fundamentação tem de ser expressa e consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão, devendo tal exposição expressa ser clara, coerente e completa.
14 - No caso do ato administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, o dever de fundamentação basta-se com essa declaração de concordância sem necessidade de uma enunciação expressa dos fundamentos da decisão proferida.
15 - Porém, nesse caso aquela enunciação de motivos, clara, coerente e completa, dos fundamentos de facto e de direito devem conter-se no parecer, informação ou proposta.
16 - A exigência da fundamentação significa que o ato administrativo deve apresentar- se formalmente como uma conclusão lógica de premissas corretamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das normas jurídicas em que se funda, que os seus destinatários possam fazer a reconstituição do itinerário valorativo e de decisão percorrido pelo seu autor.
17 - A exigência de fundamentação é, pois, uma regra que se impõe na emissão de actos administrativos, com o objetivo de transmitir ao seu destinatário as razões subjacentes à sua prática (cf. Acórdão n. 00351/03 do Tribunal Central Administrativo do Norte, 11/01/2007, seguindo aliás a jurisprudência e doutrina canónica e estabilizada).
18 - Note-se, aliás, que na sua contestação a demandante nem se sequer rebate esta alegação das demandantes, de preterição do dever de fundamentação.
19-0 direito à fundamentação dos atos administrativos lesivos de interesses constitui-se como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição (artigo 268.°/3 e 17°), com o regime de proteção especial que resulta do artigo 18.° da Lei Fundamental.
20 - Em consequência o vício do ato é a nulidade e, não anulabilidade insanável pelo decurso de prazo (cf. artigo 133.°/2/d e 134.° do Código de Procedimento Administrativo e artigo 58.°/l do Código do Processo dos Tribunais Administrativos).

C - DA VIOLAÇÃO DE LEI.
21 - A letra do artigo 111./1º do DL 26/2004, de 4 de Fevereiro, não distingue entre pessoal que cessa funções notariais, por ocasião da privatização do notariado, integrado em serviços agrupados ou anexados, de notariado, registo predial e civil e aqueloutros que exerçam apenas funções notariais.
22 - Escusado será sublinhar a fundamentalidade do princípio da igualdade que não só encontra raiz na Constituição (artº 13° da CRP) e no Código de Procedimento Administrativo (artigo 5.°), como é um corolário da própria ideia de Direito.
23 - A ideia de Direito e de Justiça, concretiza-se, impreterivelmente, no princípio da igualdade, que apenas permite as diferenciações quando exista uma justificação material e ponderosa para tal. Apenas deste modo se se assegura o Direito, isto é, a Ordem (Cf. Claus Wilhem Canaris, “Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito”, 3.a edição, tradução António Menezes Cordeiro, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 12).
24 — Não se entende, aliás, porque é que, a lei pretenderia proteger dos efeitos da privatização do notariado funcionários que exercem exclusivamente funções notariais e não aqueloutros que exerciam simultaneamente funções no registo civil e predial. Qual a razão desta discriminação. Qual a razão para proteger a retribuição de uns e, não, de outros?
24 - Aliás, a própria demandada não deduz quaisquer argumentos materiais ponderosos que justifiquem a discriminação, apenas invoca prática e precedentes.
26 - Difícil é sustentar que o ato administrativo impugnado não padece do vício de violação de lei, contrariando o disposto no artigo 111.°/l do DL 26/2004, de 4 de Fevereiro, numa interpretação, aliás, conforme ao princípio da igualdade, constitucionalmente tutelado.

D - PRAZO PRESCRICIONAL.
27 - Têm, ainda, razão, as demandantes ao afirmar que os cinco anos de exigência de restituição a contar de 29 de Abril de 2011 viola o disposto na redação vigente do artigo 40.º 1 e 2 do DL 155/92, de 22 de Julho.
28 - Isto porque não ocorreu nenhum facto que interrompa ou suspenda a prescrição nessa data, na medida em que o artigo 323.° do Código Civil exige a citação ou notificação judicial promovida pelo credor.
29 - Tendo, em conta, todavia, o exposto precedentemente e todos os vícios que afetam o ato, fica prejudicada a utilidade de desenvolvimento deste ponto, que implicaria que a prazo de cinco anos se tivesse que contar a partir de outro momento.
30 - Curiosamente a demandada não rebate esta alegação das demandantes. Invoca, sim, o texto do artigo 77.° da Lei 55-B/2004, de 30/12., norma interpretativa do artigo 40°/1 do DL 155/92, de 22 de Julho, que estabelece que o prazo de prescrição de cinco anos não é prejudicado pelo disposto no artigo 141.° do CPA, sobre prazos de revogação de atos administrativos inválidos. Regime este não invocado pelos demandantes.”
Vejamos:
São no Recurso suscitadas predominantemente três questões, a saber;
a) a preclusão do direito de audiência prévia,
b) a falta de fundamentação, e
c) a violação de lei.

O Recorrente impugna ainda a modalidade de invalidade que em primeira instância se entendeu verificar.

Efetivamente, entendeu o Tribunal a quo que o ato objeto de impugnação seria nulo.

Entende o Recorrente que a preclusão da audiência prévia e a falta de fundamentação não contendem com o núcleo essencial de direitos fundamentais, em face do que o artigo 133.°, n.° 2, alínea d) do CPA se mostraria inaplicável.

Se é verdade que se acompanha o entendimento de acordo com o qual se não verificam as invocadas nulidades, o que é facto é que, tendo a Ação sido intentada em tempo em função da anulabilidade dos correspondentes atos, acaba por não ter consequências processuais e procedimentais, que não seja considerar-se que os atos objetos de impugnação sempre serão anuláveis ao invés de nulos.

Efetivamente e em qualquer caso, anulado que seja o ato objeto de impugnação, incumbirá à Administração, daí retirar as devidas ilações.

Acresce que, incontornavelmente, o Tribunal Arbitral julgou procedente a existência de vícios procedimentais, a saber, direito de audiência prévia e do dever de fundamentação, não podendo tal facto ser ignorado, tanto mais que se confirmará tal decisão.

Na realidade, é incontornável que o Recorrente não facultou às aqui Recorridas o direito de audiência prévia, não obstante estar em causa um ato lesivo, que se consubstanciava na diminuição da remuneração atribuída a ambas e a restituição de parte do já auferido, o que sempre determinaria a verificação do invocado vício, sendo que se não está perante um ato vinulado.

No que respeita à falta de fundamentação, é igualmente manifesto que a fundamentação aduzida no ato objeto de impugnação se mostra insuficiente pois que, quer o referido ato, quer a Informação n.° ……./11 DF/SPR em que assenta o decidido, não indicam qualquer normativo que suporte o decidido, o que desde logo inviabiliza e compromete o contraditório.

Já no que concerne ao invocado vicio de violação de lei, igualmente improcede a impugnação do Recorrente.

Com efeito, entende o Recorrente que e não mostra aplicável às Recorridas o artigo 111.°, n.° 1, do Decreto Lei n.° 26/2004, de 4/02.
Em bom rigor é o próprio Recorrente quem afirmou na sua Contestação que "Porém, os serviços trianexados de Alcochete passaram, em 15.02.2005. a serviços bianexados de Alcochete. na medida em que a anexação do cartório notarial cessou, por forca da sua privatização (...)".
“Consequentemente, os trabalhadores que se mantiveram em funções na Conservatória dos Registos de Alcochete. onde os registos civil e predial continuam a funcionar em regime de anexação, passaram a pertencer, desde então, apenas aos quadros em que acumulam as respetivas funções, ou seja. aos quadros do registo civil e do registo predial".

Resulta pois do discorrido que o facto que determinou a cessação da anexação do Cartório Notarial de Alcochete foi a sua privatização.

Assim, decorria do Artº 111º nº 1 do Decreto-Lei n.° 26/2004, de 4/02, na versão então aplicável que “A afetação dos ajudantes processa-se (…) com manutenção do direito ao vencimento de categoria e de exercício que auferem naquela data.”

O referido normativo, veio então manter o vencimento de categoria e de exercício que os ajudantes auferiam "naquela data", ou seja na data da transição.

Como refere o próprio Recorrente, o vencimento de exercício, também chamado "participação emolumentar", é parte do vencimento destes funcionários e “...corresponde à participação no rendimento emolumentar da conservatória/cartório...", sendo que o vencimento de exercício é uma componente variável que depende do rendimento da Conservatória e/ou do Cartório.

Tendo, à data, sido mantido a equiparação remuneratória constante do referido artigo 111.°, n.° 1, não se mostra legitimo que o Recorrente venha em momento ulterior a alterar unilateralmente essa componente salarial, à revelia do referido normativo.

A aplicação descontextualizada do Decreto-Lei n.° 519-F2/79, de 29/12, determinaria que os trabalhadores eliminados do quadro do notariado perderiam o direito à retribuição respetiva, o que contradiria o entendimento prevalecente de que deverá ser mantido e assegurado o “(…) direito ao vencimento de categoria e de exercício que auferem naquela data”, entendendo-se esta como correspondente à transição, importando assegurar que, em decorrência do processo de privatização, não seja desvirtuada a necessária e consequente garantia retributiva.

Aqui chegados, não se vislumbra que mereça censura o sentido decisório adotado no Tribunal arbitral.

IV - Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes da Subsecção Social da Secção Administrativa deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se o sentido da decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 11 de abril de 2024

Frederico Macedo Branco

Rui Pereira

Teresa Caiado