Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3227/23.3 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/25/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:I- O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II- O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, em 13.1.2022, para o que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela, significando que a acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias instaurada, de natureza urgente e excepcional, configura meio processual inidóneo para o efeito.
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

S……….., devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (actualmente Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.)/ Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 29.9.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que rejeitou liminarmente a presente intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Tribunal a quo faz uma interpretação errada da Lei e ignora a Jurisprudência assente no STA e no TCA SUL, sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o ÚNICO instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão violados.
C) E, o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
D) O uso de providência cautelar, pela sua precariedade é INCERTO no seu desfecho.
E) Depende de uma Ação principal; que poderá – e, seguramente - demorará anos e anos.
F) Somado a isso o R. SEF recorre atualmente das providências cautelares.
G) O que aumenta ainda mais a incerteza do A.
H) Existe jurisprudência no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal
I) E, também no STA.
J) Existe desde 2019 uma reversão jurisprudencial.
K) O A. vê ameaçada a sua identidade em território nacional, e o seu emprego, está a pagar impostos, mas não vê reconhecidos os seus direitos.
L) O tribunal a quo não está a acatar a posição do TCA SUL e STA.
M) Estão ultrapassados os prazos legais previstos no artigo 11°, 1 do CPTA
N) Não existe tempo a perder devendo o R. SEF ser devidamente intimado a decidir e a emitir o respectivo título de residência do A.
O) Estão violados os artigos 1º, 13°, 15°, 26°, 27°, 36°, 44º, 53º, 58º, 59º, 64º, 67°, 68º e 266º, da CRP.
P) E, o artigo 109° CPTA.
Q) E, os artigo[sic] 77º, 82º, e 88°, da Lei 23/2007.
R) E os artigos 5º, 8º, 10°, 13º, do CPA.
S) E, os artigos 607°, nº 4 (ex vi artigo 1º, da CRP), 639º, e 639º[sic], do CPC.»
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS:
a) Deve ser revogada a sentença a quo.
b) Deve ser reconhecida em definitivo a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias como o único instrumento legal para melhor salvaguarda dos interesses do A., e na defesa da Lei, e da CRP.
c) Deve o R. SEF ser intimado ou condenado a decidir de imediato.
d) E, deve, ainda, o R. SEF ser condenado a emitir a residência legal do a. com urgência.».

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial.

O tribunal recorrido não fixou factos provados, contudo do seu teor resultam, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos assentes:

1. Em 21.7.2022, o Requerente apresentou junto dos serviços do Requerido, um pedido de autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada em Portugal, ao abrigo do disposto no artigo 88º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na redacção conferida pela Lei nº 28/2019, de 29 de Março, ao qual foi atribuído o nº ………..;

2. Decorridos mais de treze (13) meses aquando da instauração da presente acção, ainda não tinha sido proferida decisão relativamente ao pedido que antecede.


Alega, em suma, o Recorrente que: o prazo de decisão do seu pedido de autorização de residência foi ultrapassado devendo o Recorrido ser condenado a proceder à emissão da mesma, tal como impõe o princípio da decisão, consagrado nos artigos 13º do CPA e 266º, nºs 1 e 2 da CRP; está indocumentado, a residir ilegalmente em Portugal, embora se mantenha a trabalhar e a pagar impostos; numa situação de incerteza, de vulnerabilidade e instabilidade, com receio de uma possível expulsão ou de invocar um apoio policial, caso necessite, ou de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, ou de se deslocar a um hospital, ou de alcançar melhor trabalho ou de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação; a legalização da sua permanência é condição necessária para que consiga uma regular integração no mercado de trabalho e beneficie, atento o princípio da equipação, previsto no artigo 15º da CRP, dos demais direitos: Liberdade, Identidade pessoal, Segurança, Trabalho, Tranquilidade, Liberdade de circulação e de deslocação no território nacional, e Saúde; a urgência da situação é evidente e actual; os meios cautelares mostram-se inidóneos, por implicarem a atribuição efectiva da pretendida autorização de residência, antecipando os efeitos do que só a título definitivo havia de ser concedido; o uso de um meio não urgente não acautelaria em tempo útil a sua situação; a presente intimação é o único instrumento legal adequado para a defesa dos seus interesses; o mesmo é defendido pela jurisprudência assente do TAC de Lisboa, do TCAS e do STA.

Decidiu o juiz a quo rejeitar a petição de intimação formulada pelo Recorrente por a situação alegada não permitir dar por preenchidos os pressupostos para o recurso ao meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, consistentes na indispensabilidade de emissão célere de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, para assegurar o exercício de um direito, liberdade ou garantia, em tempo útil, e na subsidiariedade por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – cfr. o disposto no nº 1 do artigo 109º do CPTA.
Explicitando, na fundamentação de direito da sentença recorrida, o seguinte:
«Revertendo ao caso dos autos, não é bastante a alegação da mera possibilidade de violação de direitos constitucionalmente consagrados, nem a invocação abstrata de inidoneidade dos meios cautelares, designadamente antecipatórios, por entender que a providência cautelar concederia o direito que só por via do processo definitivo haveria de ser concedido, pois incide sobre o Requerente o ónus de alegação de factualidade, a qual, sendo demonstrada, possibilita a extração da conclusão da necessidade de uma decisão urgente definitiva destinada a evitar ou conter uma ameaça iminente dos seus direitos.
Na verdade, aduz o Requerente que a falta de um título que permita a sua permanência legal no território nacional pode pôr em causa o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), e dos direitos à liberdade, à livre deslocação, à segurança (cf. artigos 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (artigo 26.º da CRP), ao trabalho e à estabilidade no trabalho (cf. artigos 53.º, 58.º e 59.º da CRP), ou à Saúde (cf. artigo 64.º da CRP), referindo a evidência da urgência atual da situação dos autos.
Contudo, não foram alegados factos cuja demonstração permita concluir a necessidade de obtenção de uma decisão urgente definitiva para a prevenção ou repressão de uma ameaça iminente dos direitos do Requerente, ónus este que recaía sobre si, resultante da regra geral do ónus da prova, segundo a qual àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (cf. artigo 342.º, nº 1 do Código Civil).
Ou seja, o Requerente não alegou factos que, em abstrato, possibilitem ao Tribunal concluir que a inércia da administração cria uma situação de impedimento de exercício de direitos, liberdades ou garantias, gerando a necessidade de utilização da tutela urgente, por o decretamento de uma providência cautelar não ser possível ou suficiente e a ação administrativa não garantir utilidade de uma eventual decisão final a proferir nessa sede.
De realçar que, no articulado não é efetuada a referência a qualquer situação real e concreta do Requerente, que minimamente indicie a impossibilidade de exercício de um direito liberdade ou garantia, nem tão pouco a efetiva existência de perigo ou iminência da sua lesão, referindo-se apenas a mera possibilidade de a permanência ilegal no território nacional colocar em causa “o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana”, e de outros direitos constitucionalmente consagrados, possibilidade esta igualmente desgarrada de factualidade que permita conhecer as respetivas circunstâncias de tempo, lugar ou modo.
Por outro lado, a ausência de alegações que sustentem que a falta de utilidade da tutela obtida em sede de ação administrativa, com a procedência do pedido formulado, implica que também por esta via não resulta demonstrada a necessidade de recurso a este meio processual.
Ora, o Requerente não alega factualidade, com um grau mínimo de consubstanciação e densificação, que sustente a existência de uma concreta necessidade de exercício de um direito, liberdade ou garantia que seja indispensável para assegurar através do processo urgente de intimação.
Tão pouco é invocada qualquer lesão iminente dos direitos do Requerente ou que seja necessário assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia através da obtenção de uma decisão de mérito célere, não sendo possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.
As alegações genéricas, abstratas e considerandos não comprovam a indispensabilidade do meio processual utilizado, a urgência da tutela requerida, nem que a tutela cautelar não seja suficiente ou possível, designadamente mediante a adoção de medida de autorização de residência temporária.
Por outras palavras, do que é alegado e pedido em sede de petição inicial não resulta o preenchimento dos requisitos de indispensabilidade e subsidiariedade deste meio processual, que constitui um meio excecional e de utilização restrita.
Em face do exposto, torna-se forçoso concluir pela falta dos pressupostos de admissibilidade da intimação, o que determina, considerando a fase liminar dos presentes autos, a rejeição da presente intimação, o que adiante de determinará, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1 do CPTA.
Por fim, refira-se que do preceituado no artigo 110.º-A do CPTA, não estabelece uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas somente a possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.
Como ensina Isabel Celeste M. Fonseca, há situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo. De uma forma generalista, pode afirmar-se que a situação de urgência pode manifestar-se pela sua configuração em função do tempo: “situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas fixas – questões conexas com uma eleição, incluindo campanhas eleitorais, situações decorrentes de limitações ao exercício de direitos, num certo dia ou numa data próxima, atos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado, como exames escolares ou uma frequência do ano letivo. Podem configurar igualmente casos de urgência situações de carência pessoal ou familiar, em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém. Casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa podem constituir igualmente uma situação de urgência.” (cf. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura), 2004, pág. 84 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07-06-2023, no proc. n.º 07-06-2023).
No caso sub judice, afigura-se que não resulta alegada, em sede de requerimento inicial, a existência de uma situação de urgência manifestada, designadamente, pela sua configuração em função do tempo.
Ademais, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “a possibilidade de convolação aqui prevista não opera quando em sede liminar, seja possível verificar que não se preenchem as demais condições de procedibilidade da intimação mencionadas no referido n.º 1 do artigo 109.º” (cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Coimbra, 2020, pág. 903), como sucede no caso em análise, porquanto o Requerente não alegou factos que demonstrem a indispensabilidade, ou a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, no proc. n.º 036/22.0BALSB).».

E o assim bem decidido é para manter, até porque o alegado e concluído em sede de recurso, traduzindo discordância, não vai além da argumentação já expendida na petição, a qual foi apreciada e recachada pelo tribunal recorrido, suportado em adequada e pertinente Doutrina e Jurisprudência.
Com efeito, ao contrário do que alega o Recorrente o presente meio processual não é o único idóneo a assegurar a sua pretensão nem a jurisprudência é pacífica no que respeita à idoneidade do mesmo em situações de demora na decisão de pedidos de autorização de residência.
Existe jurisprudência deste Tribunal divergente na matéria como, por exemplo, a que resulta dos acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF -, como expressa o sumário do acórdão proferido no indicado proc. nº 1151/23.9BELSB:
«I – Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade].
II – Invocando a autora que tem direito à concessão da autorização de residência, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inidóneo, já que a autora poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do réu a conceder, provisoriamente, a autorização de residência.
III - A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível[sublinhados nossos].
Ou se extrai do teor do prolatado no também referido proc. nº 140/23.8BESNT: «(…) // 21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 27-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação.
Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde Março 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal[sublinhados nossos].

Todas estes acórdãos [incluindo os referidos pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que os pressupostos de admissibilidade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado, provado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do referido artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido o prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Mais, ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, é ónus do requerente alegar e provar factos que permitam concluir pela verificação por referência ao seu caso concreto dos pressupostos de admissibilidade da presente acção – indispensabilidade e subsidiariedade -, enunciados no artigo 109º do CPTA.
Não basta, por isso, a alegação de que a actuação/omissão do Recorrido pode pôr em causa o reduto básico de direitos fundamentais como, no caso, os relativos à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, sem observar o ónus de densificar essa violação e de juntar prova para o efeito.
Ónus que o Requerente/recorrente, ao contrário do que vem alegado no recurso, não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência do uso desta acção excepcional de intimação.
Quanto ao requisito da subsidiariedade também não assiste razão ao Recorrente porquanto a tutela cautelar adequada permitirá, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 112º do CPTA, assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal, o que não resulta infirmado pela alegação de que é transitória e precária, ou mesmo que o Recorrido tem vindo a interpor recurso das decisões cautelares proferidas, aumentando a incerteza.
A tutela cautelar caracteriza-se, precisamente por ser provisória, sumária e instrumental, não pretendendo resolver o litígio de forma definitiva, mas sim até à decisão que venha a ser proferida na acção de que depende.
Como resulta da fundamentação do sumariado acórdão proferido no proc. nº 1151/23.9BELSB: “(…), concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8 (cfr. ainda art. 153º, da Lei 12/2022, de 27/6), a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não se tornaria irreversível.
Dito por outras palavras, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.».
O juiz a quo decidiu não determinar a substituição da petição por requerimento cautelar por entender que o Requerente/recorrente não alegou uma situação de urgência que justifique a tutela cautelar para prevenir ou reprimir a ameaça iminente dos direitos que pretende salvaguardar.
O Recorrente não ataca directamente esta parte da decisão, limitando-se a defender que a urgência é evidente e actual, e que os meios cautelares não são idóneos para salvaguardar os seus direitos - o que, conforme explanado, entendemos não ter logrado demonstrar -, nada mais havendo a pronunciar por este tribunal ad quem.
Por fim, sendo a decisão recorrida de rejeição liminar da petição, sem conhecimento do mérito da causa, irreleva a alegação de que estão ultrapassados os prazos [para a decisão de mérito], previstos no artigo 111º do CPTA e se encontram violados os artigos 1º, 13º, 15º, 26º, 27º, 36º, 44º, 53º, 58º, 59º, 64º, 67º, 68º e 266º da CRP, 77º, 82º e 88 da Lei nº 23/2007, 5º, 8º, 10°, 13º, do CPA e ainda 607º e 639º do CPC.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira)

(Catarina Vasconcelos)