Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04778/01
Secção:Contencioso Tributário - 1º Juizo Tributário
Data do Acordão:04/25/2004
Relator:Dulce Manuel Neto
Descritores:CRÉDITOS INCOBRÁVEIS
PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
Sumário:1. Só podem ser considerados directamente como custos fiscais do exercício os créditos incobráveis cuja incobrabilidade resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, e em relação aos quais não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.
2. As provisões para créditos de cobrança duvidosa também constituem custos fiscais do exercício em que são constituídas.
3. Todavia, estas provisões, para terem relevância como custo fiscal, têm de ser constituídas no exercício em que o risco de incobrabilidade do crédito é constatada e reflectida na contabilidade, exercício esse que não tem necessariamente que coincidir com aquele em que a mora do crédito ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança, de que o crédito é de cobrança duvidosa.
4. Assim, por força do princípio da especialização dos exercícios, estas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, e não já dos exercícios posteriores.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal C Administrativo:


O Exmº Representante da Fazenda Pública recorre da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “J. ...., Ldª” contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1995 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 2.805.761$00.
Terminou a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
Ø É esta a posição da Fazenda Pública, boa ou má, que os ilustres desembargadores terão de decidir, em conclusão final, tendo a Fazenda actuado com base no que dispõe o art. 37º do CIRC, por ser essa a disposição legal referente aos créditos considerados incobráveis, sem o recurso à constituição de provisão;
Ø O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” tendo decidido em sentido contrário, isto é, tendo decidido que a AF ocorreu em ilegalidade, cometeu errada interpretação dos factos, o que conduziu à errada interpretação da lei, nomeadamente do que dispõem os arts. 34º e 37º do CIRC e art. 120º do CPT, pelo que deverá ser proferido acórdão que anule a sentença de folhas 111 a 121.

* * *

A recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
· Dado que a lei não fornece critérios de determinação dos que sejam créditos incobráveis, e exigir somente os que os mesmos estejam em mora há mais de 24 meses, e dado que dos pressupostos factuais se verifica essa situação, a recorrida tinha direito de os declarar pelo modo que os fez.
Termos em que deve concluir-se pela improcedência do presente recurso de agravo e, em consequência, manter-se o Douto Despacho Recorrido, com as legais consequências, assim fazendo Vossas Excelências a habitual e necessária Justiça.

O Digno Magistrado do Ministério Público emiti parecer no sentido de se concedido provimento ao recurso com a seguinte argumentação: «Entende a recorrente que a sentença fez uma errada interpretação dos factos, daí fazendo uma errada interpretação dos arts. 34º e 37º do CIRC, referindo que “... não pode ignorar o que dispõe o art. 34º do mesmo diploma quando condiciona a constituição da provisão não só ao risco de incobrabilidade, mas também ao período de tempo em que o mesmo crédito se encontra em mora” (art. 8º das alegações - fls. 125).
Ora, este requisito temporal e que se mostra relacionado com o princípio da especialização dos exercícios, não foi tido em conta na sentença recorrida, como resulta do respectivo enunciado, embora dos autos constassem os elementos de prova para o fazer, v.g., os documentos juntos pela impugnante e que dizem respeito nomeadamente ao exercício de 1992 (fls. 151 e segs.).
Resulta claramente dos documentos juntos aos autos que os créditos sob análise estão em mora há mais de 2 anos, não tendo a impugnante procedido atempadamente à constituição de provisões ou ao seu reforço relativamente aos exercícios anteriores a 1995, não devendo vir agora pretender a sua inclusão no exercício de 1995, directamente como custos desse mesmo exercício, por ofensa do disposto nos arts. 34º, 37º e 18º do CIRC.
Não há por isso ilegalidade na liquidação impugnada, tendo a sentença recorrida feito errada interpretação dos factos e da lei aplicável, pelo que deve ser anulada, devendo ser concedido provimento ao recurso.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A administração fiscal (AF) não aceitou como custo do exercício de 1995 da impugnante o valor referido em b, porque “não existe qualquer documento legal de incobrabilidade, infringindo assim o disposto no art. 37º do CIRC” (fls. 19 v.º do processo apenso), acresceu-o à matéria colectável e daí resultou a liquidação;
2. Esse valor, integrando o de 6.505.546$00 (quadro 12, campo 224) fora inscrito na declaração mod. 22 respectiva, sob a rubrica custos e perdas extraordinários;
3. Aquando da apresentação da sua reclamação contra a liquidação, a impugnante, sem dizer tratar-se de uma declaração de substituição, apresentou nova declaração mod. 22 para o exercício de 1995, inscrevendo agora aquele valor sob provisões do exercício;
4. Nesta nova declaração inscreveu também este valor no mapa de provisões, como provisão para créditos em mora, identificando as alegadas devedora;
5. O valor em questão refere-se a créditos resultantes da actividade normal da impugnante, e estavam em mora há mais de 24 meses, depois de diversas diligências da impugnante no sentido da sua cobrança;
6. O despacho que decidiu a reclamação da impugnante é do teor do documento 3 que apresentou com a petição desta impugnação.
Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra provada:
7. Os créditos considerados incobráveis pela impugnante são o que constam de fls. 13/16 do processo de reclamação apenso e reportam-se aos seguintes credores:
1. Cliente CER........................2.769.238$00
2. Cliente Maestro...................2.765.101$00
3. Cliente Scoop..........................584.362$00
4. Cliente Coprint........................176.377$00
5. Cliente TMT................................9.723$00
8. Quanto ao 1º cliente, já constava da lista devedores duvidosos a constituição de uma provisão em 1992, no valor de 2.829.100$00 (cfr. fls. 65 e segs. dos autos);
9. Quanto ao 2º cliente, já constava da lista devedores duvidosos a constituição de uma provisão em 1992, no valor de 2.765.100$00 (idem);
10. Quanto ao 3º cliente já constava da lista devedores duvidosos a constituição de uma provisão em 1992, no valor de 194.780$00 (idem).
11. Relativamente ao 4º e 5º clientes a incobrabilidade dos seus créditos só foi reflectida na contabilidade de 1995 através do Mapa de Provisões documentado a fls.46.

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A sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa a 1995 e respectivos juros compensatórios, sufragando o entendimento de que «O art. 37º do CIRC foi encarado pela AF como a única sede onde procurar os requisitos de cuja verificação depende o direito de declarar certo crédito como incobrável. Não é, todavia assim.
O que neste normativo se regula é apenas a hipótese de directamente (destaque nosso) considerar, custo ou perda do exercício, certo crédito, ou seja, o direito de apresentar como custo certo crédito para o qual, anteriormente, se não fez qualquer provisão.
Não é esse o caso dos autos.
O valor em questão refere-se a créditos em mora há mais de 2 anos.
Ora, não fornecendo a lei critérios positivos de determinação do que sejam créditos incobráveis (diz, apenas, no art. 34º do CIRC, o que são os de cobrança duvidosa) parece legítimo concluir, da concatenação dos preceitos envolvidos, que serão créditos incobráveis os que estiverem em mora há mais de 24 meses.
Viu-se que os créditos em questão estavam nessa situação, pelo que tinha a impugnante o direito de os declarar pelo modo que o fez.
Tem, pois, mérito a sua pretensão, visto ocorrer uma ilegalidade que serve de fundamento a esta impugnação – ver art. 120º do CPT

Porque na perspectiva da recorrente Fazenda Pública se fez uma errada interpretação dos factos e uma errada interpretação dos arts. 34º e 37º do CIRC, vejamos se lhe assiste razão.
A liquidação impugnada resultou do facto de os Serviços de Inspecção Tributária, em visita de fiscalização efectuada à impugnante, ter constatado que esta havia contabilizado e feito constar na declaração mod. 22 relativa ao exercício de 1995 sob a rubrica “custos e perdas extraordinárioscréditos incobráveis no montante de 6.304.802$00 sem que os mesmos estivessem apoiados em qualquer documento legal, o que levou à sua desconsideração como custos fiscais do exercício ao abrigo do disposto no art. 37º do CIRC.

Nesta impugnação (e também na reclamação que a precedeu), a impugnante reconhece que registou o citado montante a débito na “conta 692-Dívidas Incobráveis” e não nega a inexistência de documentos de apoio que constituem o pressuposto da correcção ao lucro tributável declarado e da consequente liquidação impugnada. Todavia, afirma ter-se tratado de um mero e grosseiro erro contabilístico, já que essa verba devia ter sido registada por débito da “conta 6711-Provisões do exercício”, o que levou a que tivesse relevado o custo na conta errada, o que não contende com a existência do custo nem lhe retira o direito de o deduzir ao lucro tributável, embora como “provisões para créditos de cobrança duvidosa” e não, como erradamente fez, como “créditos incobráveis”, pois que apresentou para o efeito a declaração de substituição onde corrigiu o mencionado erro contabilístico. Razão porque entende que a AF não devia ter feito qualquer correcção ao seu lucro tributável.

Vejamos.
Segundo o disposto nesse art. 37º do CIRC «os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente».
O que significa que só podem ser considerados directamente como custos do exercício os créditos cuja incobrabilidade resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, e em relação aos quais não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.
O que não é o caso dos autos, desde logo porque a AF verificou que os custos contabilizados pela impugnante não se encontravam apoiados em documentos comprovativos da existência daquele tipo de processos, facto que não foi minimamente contestado pela impugnante.
Pelo que, por esse motivo, bem andou a AF ao desconsiderar o respectivo custo fiscal que constava da declaração inicial de IRC.

Resta apurar se essa verba podia ter sido aceite como custo enquanto “provisão para créditos de cobrança duvidosa” tal como posteriormente veio a constar da declaração de substituição apresentada pela impugnante, sabido que o artigo 23º al. h) do CIRC também considera tal provisão como custo fiscal do exercício em que é constituída.
Como é sabido as provisões constituem um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão.
Mais não são, pois, do que montantes retirados da matéria tributável de determinado exercício, que ficam afectos a compensar perdas de montantes incertos imputáveis ao mesmo exercício mas cuja concretização se apurará em exercícios posteriores, ou a fazer face a prejuízos previsíveis advindos da desvalorização das existências.
Todavia, o artigo 33º do CIRC enumera de forma taxativa as situações em que as provisões relevam fiscalmente como custo do exercício, encontrando-se entre essas situações as dotações para provisões «que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade» – cfr. alínea a) do nº 1.
E do artigo 34º nº 1 do CIRC consta que créditos de cobrança duvidosa são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento».

Estas alíneas são de aplicação disjuntiva e não cumulativa, bastando por isso que a provisão se subsuma a alguma das citadas alíneas para que possa ser aceite como tal e, logo, como um custo do exercício respectivo (cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 2/06/99 no Proc. nº 23.089 e o Ac. do TCA de 17/12/03 no Proc. nº 162/03).
Assim, pode constituir-se provisão fiscalmente dedutível relativamente a créditos de cobrança duvidosa em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado em virtude de os créditos estarem em mora há mais de 6 meses desde a data do respectivo vencimento e existirem provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
É essa precisamente a situação invocada pela impugnante, ao pretender constituir provisão fiscalmente dedutível relativamente a créditos em mora há mais de 2 anos.
Todavia, segundo o entendimento da AF, vertido na decisão de indeferimento da reclamação e reproduzido na constatação oferecida pelo Representante da Fazenda Pública, a mencionada provisão não pode ser aceite dado o princípio da especialização dos exercícios consagrado no artigo 18º do CIRC, pois que no exercício de 1995 os créditos já estavam em mora há mais de 2 anos, estando, por isso, em condições de propiciar a constituição de provisões em exercícios anteriores.
Esta é, também, a posição do Ministério Público, conforme se evidencia pelo teor do parecer acima transcrito e onde se defende que face ao princípio da especialização dos exercícios a constituição de provisões é obrigatória para efeitos fiscais no exercício em que se verifica a mora.
E assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se, relativamente aos créditos caídos em mora em anos anteriores a 1995, pode ou não a provisão destinada a acorrer à sua incobrabilidade ser só constituída no exercício do ano de 1995.

Segundo o disposto no art. 18º nº 1 do CIRC “os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.
Por força deste princípio da especialização dos exercícios, que se destina a tributar a riqueza gerada em cada exercício independentemente do seu efectivo recebimento, as componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando eram imprevisíveis ou desconhecidas na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas.
Ora, sendo as mencionadas provisões uma componente negativa do lucro tributável, eles têm, por força daquele princípio, de ser imputados ao exercício a que dizem respeito, isto é, ao exercício a que a lei reporta o direito de as constituir pelo montante indicado no art. 34ºnº 2 do CIRC.

Do exposto decorre que se as reticências sobre a cobrança dos falados créditos eram conhecidas da impugnante em anos anteriores a 1995, tornava-se prudente que ela tivesse aprovisionado o seu montante nesses anos, pelo que a provisão só podia considerar-se custo do concreto ano em que a incobrabilidade se lhe patenteara e como tal fora contabilizado, atento o referido princípio da especialização dos exercícios.
Daí não resulta, porém, que a constituição da provisão seja obrigatória no exercício em que se verifica a mora de 6 meses do crédito.
Tal como se refere no Acórdão do STA de 30/04/03, tirado no Recurso nº 101/03 (constante da base dados do Ministério da Justiça, in www.dgsi.pt), nem do princípio da especialização dos exercícios nem das disposições constantes do CIRC se retira a ideia de que a simples mora do devedor de seis meses e um dia implique, só por si, o risco de incobrabilidade e torne exigível ao credor a constituição da provisão logo no exercício seguinte, sob pena de não mais poder constituí-la.
«... no regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade. Ou seja, “não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade”.
O que nos diz a lei - artigo 34º nº 1 alínea a) do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma provisão fiscalmente dedutível - artigo 33º nº 1 alínea a) do mesmo diploma – no exercício do ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores – artigo 18º nº 1, ainda do mesmo diploma.
Ou seja, tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso reflectido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.» - citado acórdão.

Ou seja, o contribuinte não goza do poder de livre escolha do exercício em que pretende inscrever um crédito incobrável como provisão e, por isso, não pode esperar pelo momento mais oportuno para o fazer inscrever, tendo a provisão, para ter relevância como custo fiscal, de ser constituída no exercício em que a incobrabilidade foi constatada e reflectida na contabilidade, exercício esse que não tem necessariamente que coincidir com aquele em que a mora dos créditos ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança, de que o crédito é de cobrança duvidosa.
Com efeito, uma vez considerados determinados créditos como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não se pode falar já em imprevisilidade da necessidade de constituição das provisões respectivas e, por isso, as provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram contabilizados como sendo de cobrança duvidosa.
No mesmo sentido veja-se o elucidativo acórdão do STA de 21/11/01, no Recurso nº 26080, cuja doutrina se encontra sintetizada do seguinte modo no respectivo sumário:
I- As componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando, na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
II- Uma vez considerados determinados créditos como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não se pode falar em imprevisibilidade da necessidade de constituição das provisões respectivas.
III- Por isso, estas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram contabilizados como sendo de cobrança duvidosa.

Em suma, as provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram evidenciados na contabilidade como sendo de cobrança duvidosa.

Ora, no caso vertente, provou-se que os créditos considerados incobráveis pela impugnante se reportam aos seguintes credores:
1. Cliente CER.........................2.769.238$00
2. Cliente Maestro....................2.765.101$00
3. Cliente Scoop..........................584.362$00
4. Cliente Coprint........................176.377$00
5. Cliente TMT................................9.723$00
Total.........6.304.801$00
Porém, quanto aos três primeiros credores já constava da lista devedores duvidosos a constituição de uma provisão em 1992, no valor de 2.829.100$00, 2.765.100$00 e 194.780$00, respectivamente. Apenas quanto aos dois últimos clientes a incobrabilidade dos seus créditos só foi reflectida na contabilidade de 1995.
O que significa que, relativamente àqueles três primeiros créditos, já na data de encerramento das contas relativas ao exercício de 1992 a impugnante constatara a respectiva incobrabilidade, fazendo-a evidenciar na contabilidade.
Assim sendo, relativamente a tais créditos, a provisão constituída em 1995 já não pode ser considerada um custo fiscal imputável a esse exercício e, por consequência, bem andou a AF ao não aceitá-los e fazê-los acrescer à matéria tributável de harmonia com o disposto no nº 2 do art. 33º do CIRC.
Donde se conclui que o procedimento da AF de desconsiderar as provisões só é ilegal relativamente aos restantes dois créditos, cuja incobrabilidade só é evidenciada no exercício de 1995, posto que, tal como foi dado por assente no ponto 5º do probatório e não foi questionado em sede de recurso, se trata de créditos resultantes da actividade normal da impugnante e que estavam em mora há mais de 24 meses depois de diversas diligências da impugnante no sentido da sua cobrança.
Razão porque se impõe julgar parcialmente procedente a impugnação e anular a liquidação impugnada no tocante ao acréscimo à matéria tributável do montante correspondente a estes dois créditos (no valor total de Esc. 186.100$00), sendo de julgar quanto ao mais improcedente a impugnação.

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Termos em que se acorda em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:
- manter a decidida anulação da liquidação impugnada na parte correspondente ao acréscimo à matéria tributável da provisão para créditos de cobrança duvidosa dos clientes “Coprint” e “TMT, no valor total de Esc. 186.100$00, embora com a presente fundamentação;
- julgar, quanto ao mais, improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida na parte em que decaiu, sendo as devidas em 1ª instância na proporção do decaimento e fixando-se as devidas nesta instância em 3 UC.

Lisboa, 25 de Maio de 2004