Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11847/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:INTEGRIDADE PESSOAL – PROTECÇÃO DA SAÚDE – CONTEÚDO ESSENCIAL DE DIREITO FUNDAMENTAL – RECURSO HIERÁRQUICO - ARTIGO 59º N.º 4 DO CPTA – ARTIGO 175º DO CPA – ARTIGO 60º N.º 4, DO ESTATUTO DISCIPLINAR
Sumário:I – A afecção dos direitos à integridade pessoal e à protecção da saúde tem de dar-se num certo tempo, sendo seguro que a afecção não se deu, pois a recorrente, quando faltou, com base em certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença natural, de forma a tratar-se, não terá previsto que as faltas não seriam justificadas, exercendo plenamente o seu direito à integridade pessoal e o seu direito à protecção da saúde, pelo que o acto suspendendo não ofende tais direitos da recorrente e, muito menos, o seu conteúdo essencial.

II – Nos termos previsto no art. 59º n.º 4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, isto é, retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra.

III – O prazo de 30 dias, estabelecido no art. 175º n.º 1, do CPA, para a decisão do recurso hierárquico, conta-se - no caso da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer se verificar depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no art. 172º n.º 1, do mesmo Código, ou no caso desta remessa ser feita antes do termo desse prazo de 15 dias, mas sem notificação da remessa ao recorrente – a partir do termo do referido prazo de 15 dias.

IV – Na data em que, de acordo com o disposto no art. 175º n.º 3, do CPA, se considera rejeitado o recurso hierárquico, cessa o efeito suspensivo decorrente da sua interposição, previsto no art. 60º n.º 4, do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei 58/2008, de 9/9.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I - RELATÓRIO
Margarida ……………… intentou no TAC de Lisboa processo cautelar contra o Ministério da Educação e Ciência, no qual peticionou a suspensão da eficácia do despacho do Director Regional de Educação de Lisboa, datado de 9 de Novembro de 2012, que lhe aplicou a pena de multa, graduada em € 424,29, suspensa na sua execução pelo período de um ano, lhe determinou a reposição nos cofres do Estado do montante de € 371,33 – recebido indevidamente, relativo ao vencimento de exercício perdido -, considerou injustificadas as faltas dadas – de 14.9.2010 a 28.10.2010, inclusive – e determinou que se procedesse ao respectivo desconto na antiguidade.

Por decisão de 18 de Novembro de 2014 do referido tribunal foi indeferida a providência pedida.

Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

«(…)».

O recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.

O DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento. A este parecer respondeu a recorrente, reiterando que o recurso deve ser julgado procedente.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão do presente recurso considera-se provada a seguinte factualidade:
1) Em 31 de Janeiro de 2014 foi apresentado no TAC de Lisboa, através do SITAF, o requerimento inicial que consta de fls. 2 a 22, destes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 1, no que respeita ao modo e data de apresentação do requerimento inicial).
2) Em 9 de Novembro de 2012 foi proferido pelo Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo o despacho constante de fls. 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se determinou a aplicação à requerente, no âmbito do processo disciplinar NUP 10.07/00099/RL/11, da pena de multa, graduada em € 424,29, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mais se determinando nesse despacho:
- a reposição nos cofres do Estado do montante de € 371,33, recebido indevidamente, relativo ao vencimento de exercício perdido;
- a injustificação das faltas dadas – de 14.9.2010 a 28.10.2010, inclusive – e o respectivo desconto na antiguidade.
3) O despacho referido em 2) foi notificado à requerente em 16 de Novembro de 2012 (cfr. fls. 28).
4) Em 29 de Novembro de 2012 a requerente interpôs recurso hierárquico do despacho descrito em 2), nos termos constantes de fls. 29 a 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. carimbo aposto a fls. 33, no que respeita à data de interposição do recurso).
5) Em 21 de Outubro de 2013 o Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares proferiu despacho de sustentação nos termos do art. 172º n.º 1, do CPA (cfr. fls. 38-39).
6) O Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, por despacho de 29 de Novembro de 2013, negou provimento ao recurso hierárquico descrito em 4) e manteve nos seus exactos termos o despacho descrito em 2) (cfr. fls. 36-37).
7) O despacho mencionado em 6) foi notificado à requerente em 8 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 34).
8) Na data descrita em 1) ainda não tinha sido interposta a acção principal (confissão).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula;

- enferma de erro de julgamento ao ter indeferido a providência pedida (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à análise da questão relativa à alegada nulidade da decisão recorrida

Invoca a recorrente que a decisão recorrida é nula:

- nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013, já que não faz qualquer indicação dos factos dados como provados, consubstanciando-se apenas numa decisão (errada) no sentido do indeferimento da pretensão da recorrente;

- nos termos da al. d) [por lapso a recorrente reporta-se à al. c)] do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013, por não ter apreciado todas as questões que devia apreciar, concretamente as seguintes questões colocadas pela recorrente:

- nunca foi notificada de qualquer remessa do processo relativo ao recurso hierárquico à entidade competente para o decidir, pelo que nunca poderia o efeito de suspensão dos prazos de impugnação contenciosa previsto no n.º 4 do art. 59º, do CPTA, haver cessado, não se colocado qualquer questão de extemporaneidade;

- existindo uma eventual caducidade do direito de acção, sempre haveria que declarar, conforme peticionou, a caducidade da pena, uma vez que estavam decorridos mais de três meses desde a data em que a decisão se tornou inimpugnável (art. 26º, do Estatuto Disciplinar);

- imputou nulidades ao acto suspendendo e na decisão recorrida conclui-se que no requerimento inicial não é invocado qualquer vício que comina a nulidade do acto suspendendo.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

Quanto à nulidade prevista na al. b) do n.º 1 deste art. 615º, a mesma relaciona-se directamente com estatuído no art. 607º n.ºs 3 e 4, do CPC de 2013, nos termos do qual o juiz na sentença estabelecerá nomeadamente os factos que considera provados, aplicando a lei aos factos.


Como ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.” (sublinhados nossos).

E Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 48 e 49, “Como atrás vimos, as decisões judicias devem ser fundamentadas, face ao determinado no n.º 1 do art. 205.º da CRP e no art. 158.º (1).
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso.
Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.° 3 do art. 659.° (2), e que suportam a decisão.
(…)
A fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.” (sublinhados nossos).

É também entendimento pacífico da jurisprudência que a nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º 1 do referido art. 615º só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação - de facto e de direito -, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre ou errada, ou seja, a sentença só será nula por falta de fundamentação se a parte vencida ficar sem perceber a razão pela qual a mesma lhe foi desfavorável, assim impossibilitando a sua impugnação em sede de recurso, e o tribunal de recurso ficar sem perceber as razões determinantes da decisão, ficando impossibilitado de as poder apreciar no julgamento do recurso - neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STA de 14.7.2008, proc. n.º 510/08, 3.12.2008, proc. n.º 540/08, 1.9.2010, proc. n.º 653/10, 7.12.2010, proc. n.º 1075/09, 2.3.2011, proc. n.º 881/10, 7.11.2012, proc. n.º 1109/12, 29.1.2014, proc. n.º 1182/12, e 12.3.2014, proc. n.º 1404/13.

Ora, compulsada a decisão recorrida verifica-se que na mesma se alude ao facto de:
- o acto impugnado no recurso hierárquico ter sido praticado no dia 9.11.2012 e notificado à requerente no dia 16.11.2012;
- o recurso hierárquico ter sido interposto em 29.11.2012, a decisão expressa do mesmo proferida em 29.11.2013 e notificada à requerente no dia 8.1.2014;
- a acção principal não ter sido intentada no prazo de um ano, decorridos que foram 30 dias sobre a notificação de 16.11.2012,
o que corresponde, grosso modo, aos factos dados como provados em 2) a 4) e 6) a 8).

Poder-se-á alegar que esta fundamentação de facto é incompleta, mas tal é insuficiente para se considerar que a decisão recorrida é nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013, pois a nulidade prevista neste normativo legal só ocorre, conforme supra explicitado, quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando esta é apenas deficiente, medíocre ou errada.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não enferma de falta absoluta de fundamentação de facto, pois contém a motivação de facto – sem prejuízo de a mesma poder ser deficiente - que levou o julgador a indeferir a providência pedida.

Aliás, tal conclusão é corroborada pelo facto de a recorrente ter percebido de forma cabal a razão em que assentou o indeferimento da providência, face ao erro de julgamento que, na alegação de recurso, imputa à sentença recorrida.

Assim, não se verifica a nulidade imputada à decisão recorrida estatuída na al. b) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

Quanto à nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º, a mesma relaciona-se directamente com estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.


A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, cit., pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.° (3) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.° (4).

Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.

Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é(são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

Retomando o caso vertente verifica-se que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, já que a mesma pronunciou-se expressamente sobre as questões que lhe foram colocadas e das quais podia conhecer, pois:
- pronunciou-se sobre o modo de contagem do prazo de impugnação do acto suspendendo, sendo que a eventual omissão de conhecimento de argumentos não configura a existência de nulidade da decisão recorrida;
- o pedido feito pela recorrente na pendência do processo cautelar (concretamente através de requerimento enviado pelo SITAF em 30.4.2014, isto é, já depois de o recorrido ter sido citado e apresentado contestação) no sentido de, caso exista caducidade do direito de acção, ser declarada a caducidade da pena, corresponde a uma alteração do pedido, sem o acordo do recorrido, pelo que, nos termos dos arts. 264º e 265º n.º 2, ambos do CPC de 2013, tal alteração do pedido não é admissível, ou seja, trata-se de questão não validamente submetida à apreciação do tribunal, isto é, de questão que o tribunal não podia conhecer, pelo que a sentença recorrida, ao nada dizer sobre a mesma, não cometeu qualquer omissão de pronúncia;
- tomou posição sobre a invalidade que afecta o acto suspendendo – considerando que os vícios invocados não são cominados com nulidade -, sendo que uma eventual errada interpretação jurídica configura erro de julgamento e não nulidade da decisão recorrida.

Assim, não se verifica a nulidade imputada à decisão recorrida estatuída na 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

Nestes termos, tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.

Passando à apreciação da questão respeitante ao alegado erro de julgamento da decisão recorrida ao indeferir a providência pedida

Por sentença de 18.11.2014 foi indeferida a providência cautelar por se ter entendido que a requerente, ora recorrente, deixou passar o prazo de propositura da acção principal.

Ou dito por outras palavras, a decisão recorrida deu como não verificados os requisitos previstos na al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA, e na 2ª parte da al. b) do n.º 1 desse art. 120º, por entender que ocorre a caducidade do direito de acção.

A recorrente defende que, quando intentou o presente processo cautelar, estava em tempo para instaurar a acção principal, já que:

- na pendência do recurso hierárquico não se coloca a questão relativa ao art. 59º n.º 4, do CPTA, já que, face ao estatuído nos arts. 51º e 54º, desse diploma, não podia impugnar o acto suspendendo, por falta de interesse em agir, pois tal recurso, de acordo com o disposto no art. 60º n.º 4, do Estatuto Disciplinar, suspende a eficácia do despacho recorrido;

- mesmo que o acto fosse eficaz, a notificação do acto expresso de indeferimento do recurso hierárquico dar-lhe-ia a faculdade de impugnar o acto suspendendo, contando-se dessa notificação o remanescente do prazo de impugnação contenciosa, já que, por um lado, a mesma nunca foi notificada, nos termos do art. 175º n.º 1, do CPA, da remessa do processo à entidade competente para dele decidir, e, por outro lado, não existe mais a formação de qualquer indeferimento tácito em situações como a vertente;

- imputa ao acto suspendendo vícios geradores da sua nulidade, sendo que, nos termos do art. 58º n.º 1, do CPTA, a impugnação de acto nulos não está sujeita a prazo, pelo que nunca seria aplicável o art. 59º n.º 4, desse diploma.

Alega ainda que, a entender-se que se verifica a caducidade do direito de acção, razões de economia processual, relacionadas com a tutela jurisdicional efectiva, impõem que nos presentes autos se declare a prescrição da pena, pois a pena de multa aplicada encontra-se prescrita face ao estatuído no art. 26º, do Estatuto Disciplinar.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida.

A alegação de que o acto suspendendo – descrito em 2), dos factos provados - enferma de vícios geradores da sua nulidade tem precedência lógica sobre os demais argumentos, pois a qualificação da sanção como nulidade arreda a discussão da caducidade do direito de acção, já que, de acordo com o disposto no art. 58º n.º 1, do CPTA, a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo (sem prejuízo da incidência da regra de caducidade do n.º 2 do art. 123º, do CPTA).

Alega a recorrente nos artigos 23º a 26º e 43º, do requerimento inicial, que:
- o acto suspendendo, ao fundamentar a decisão proferida na conclusão de que a existência de um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença natural (CITT) era impeditiva de a recorrente exercer qualquer outra actividade intelectual, incluindo a finalização da sua tese de mestrado, padece de erro sobre os pressupostos, gerador de anulabilidade, nos termos do art. 135º, do CPA (artigo 23º);
- “Ao mesmo tempo que se revela violador do seu direito à integridade moral e física, consagrado no artigo 25º da Constituição da República Portuguesa (CRP)” (artigo 24º);
- “E bem assim do seu direito à protecção da Saúde, consagrado no art. 64.º da CRP” (artigo 25º);
- “Sendo, por isso, um acto frontalmente violador do núcleo essencial de um direito fundamental e, consequentemente, nulo nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 133º do CPA” (artigo 26º);
- “Termos em que mais uma vez se demonstrar o patente e flagrante erros sobre os pressupostos em que incorre o acto administrativo aqui impugnado, gerador da sua nulidade, por ofender o núcleo essencial de um direito fundamental nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA (ou, caso assim não se entenda, gerador da sua anulabilidade nos termos do art. 135.º do mesmo código) (artigo 43º)”.

A alínea d) do n.º 2 do art. 133º, do CPA, comina com nulidade os “actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”, o que significa, por um lado, que se pode discutir se o direito atingido é um direito fundamental e, por outro lado, se foi afectado o seu conteúdo essencial.

Sobre o âmbito do conteúdo essencial de um direito fundamental deve apelar-se ao sentido que a Constituição lhe dá quando fixa os requisitos materiais das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias. Com efeito, se as leis restritivas dos direitos fundamentais estão limitadas pelo princípio da salvaguarda do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (cfr. art. 18º n.º 3, da CRP), igual limitação deve valer para os actos administrativos que os concretizam.

Como esclarecem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2007, 4ª edição revista, pág. 395, “em última análise, para não existir aniquilação do núcleo essencial, é necessário que haja sempre um resto substancial de direito, liberdade e garantia que assegure a sua utilidade constitucional”.

E como se concluiu no Ac. do TCA Sul de 6.5.2010, proc. n.º 06108/10, “só se verifica a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental quando, em consequência do acto administrativo, não subsiste o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir”.

Retomando o caso vertente verifica-se que o referido erro sobre os pressupostos não se traduz em qualquer violação do direito à integridade pessoal ou do direito à protecção da saúde da recorrente e, por maioria de razão, não se traduz na violação do conteúdo essencial desses direitos [independentemente da questão de saber se o direito à protecção da saúde é um dos direitos fundamentais incluídos no âmbito da al. d) do n.º 2 do art. 133º, do CPA (pois quanto ao direito à integridade pessoal, na medida em que inserido no título dos “direitos, liberdades e garantias”, não oferece qualquer dúvida a sua inclusão no âmbito desse normativo legal)].

Com efeito, a afecção dos referidos direitos tem de dar-se num certo tempo. Ora, é seguro que a afecção não se deu, pois a ora recorrente, quando faltou (no período 14.9.2010 a 28.10.2010), com base em CITTs, de forma a tratar-se, não terá previsto que as faltas não seriam justificadas, exercendo plenamente o seu direito à integridade pessoal e o seu direito à protecção da saúde, pelo que o acto suspendendo não ofende o direito à integridade pessoal ou o direito à protecção da saúde da recorrente e, muito menos, o conteúdo essencial desses direitos.

Assim, a sanção para o referido vício de erro sobre os pressupostos é a anulabilidade e não a nulidade (cfr. arts. 133º, a contrario, e 135º, ambos do CPA).

Nos termos dos arts. 58º n.º 2, al. b), e 59º n.º 1, ambos do CPTA, a recorrente tinha o prazo de três meses, a contar da notificação, para impugnar o suspendendo, o qual se encontra descrito em 2), dos factos assentes.


Cumpre esclarecer que este prazo de três meses, quando abranja período(s) de suspensão (decorrente maxime de férias judicias – cfr. art. 144º n.ºs 1 e 4, do CPC de 1961/art.138º n.ºs 1 e 4, do CPC de 2013, ex vi art. 58º n.º 3, do CPTA - ou da utilização de meios de impugnação administrativa – cfr. art. 59º n.º 4, do CPTA) – situação que se verifica no caso sub judice, conforme será infra analisado -, deve ser convertido em 90 dias, já que, conforme critério estabelecido no art. 279º al. a), do Cód. Civil, um mês são trinta dias de calendário – neste sentido, Ac. do STA de 8.11.2007, proc. n.º 0703/07, Ac. do TCA Sul de 15.1.2009, proc. n.º 04651/08, e Acs. do TCA Norte de 25.3.2010, proc. n.º 00994/09.0 BEVIS, e 1.4.2011, proc. n.º 249/10.8 BEAVR, e, na doutrina, Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Ed., 2010, pág. 388 [“Deve, entretanto, entender-se que a suspensão do prazo nas férias judiciais transforma o referido prazo de três meses no prazo de 90 dias, para o efeito de nele serem descontados os dias de férias judiciais que eventualmente fiquem abrangidos (…)”], e Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Vol. I, 2006, págs. 381-382.

A recorrente foi notificada em 16.11.2012 do acto suspendendo de 9 de Novembro de 2011, proferido pelo Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo [cfr. n.º 3), dos factos provados].

De acordo com o disposto no art. 58º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (Estatuto Disciplinar), aprovado pela Lei 58/2008, de 9/9, ex vi art. 112º, do Estatuto da Carreira Docente, “As decisões que apliquem penas disciplinares não carecem de publicação, começando a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido (…)”, ou seja, o despacho de 9 de Novembro de 2011, proferido pelo Director Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, descrito em 2), dos factos provados, logo que foi notificado à recorrente tornou-se um acto eficaz, dotado de eficácia externa e, portanto, contenciosamente impugnável, pelo que o prazo - de 90 dias - para a interposição da respectiva acção administrativa especial começou a correr em 17.11.2012 (cfr. art. 279º, al. b), do Cód. Civil).

Em 29.11.2012 a recorrente interpôs recurso hierárquico desse despacho de 9.11.2012, o qual tem carácter facultativo (incorrendo em erro de qualificação a sentença recorrida ao atribuir-lhe carácter necessário), pois, de acordo com o estatuído no art. 59º, do Estatuto Disciplinar, a mesma poderia optar por essa via ou pela via judicial, não constituindo, portanto, a prévia interposição de recurso administrativa um pressuposto da impugnação judicial. Tal conclusão é ainda corroborada pela letra do art. 60º n.º 1, do Estatuto Disciplinar, nos termos do qual “O arguido e o participante podem interpor recurso hierárquico (…)” (sublinhado nosso) – neste sentido, Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª Edição, 2011, pág. 271, e Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, cit., pág. 349, nota 327, e, na jurisprudência, Ac. do TCA Norte de 19.4.2013, proc. n.º 716/11.6 BEBRG.

Assim, o prazo - de 90 dias - para a interposição da acção administrativa especial, o qual se iniciara em 17.11.2012, suspendeu-se em 29.11.2012 (ou seja, após o decurso de 12 dias), face à interposição do recurso hierárquico.

Com efeito, estatui o art. 59º n.º 4, do CPTA, o seguinte:

A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal” (sublinhados e itálico nossos).

Além disso, deste normativo legal – concretamente da sua parte final – decorre que a referida suspensão cessa com a notificação da decisão proferida sobre esse recurso hierárquico ou com o decurso do respectivo prazo legal [quarenta e cinco dias úteis – cfr. arts. 72º n.º 1, al. b), 172º n.º 1 e 175º n.º 1, todos do CPA], isto é, retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra.

Ou dito de outro modo, se o decurso do prazo legal de decisão do recurso hierárquico se esgotou antes de a entidade administrativa competente ter proferido decisão, é exactamente aquele evento, e não a notificação da decisão, que faz cessar a suspensão e consequente recomeço do decurso do prazo de impugnação contenciosa.

Efectivamente, e conforme se esclarece no Ac. do Pleno do STA de 27.2.2008, proc. n.º 848/06:
A letra da lei, ponto de partida e limite da interpretação (art. 10°/2 Civil), é a seguinte:
«A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa de acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal».
A nosso ver, no caso em apreço, o elemento gramatical é um forte índice da bondade da interpretação feita pelo acórdão recorrido. Na verdade, em face do texto, é inequívoco que, para termo da suspensão do prazo de impugnação, o legislador elegeu dois factos: (i) a notificação da decisão da impugnação administrativa e (ii) o decurso do respectivo prazo legal. E articulou-os, entre si, através da conjunção coordenativa alternativa ou, isto é de um vocábulo “que liga dois termos ou orações de sentido distinto, indicando que, ao cumprir-se um facto, o outro não se cumpre.” (Celso Cunha e Lindley Cintra, “Nova Gramática do Português Contemporâneo”, p. 576)
Deste modo, o texto da lei inculca a ideia de que aquelas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa estão em situação de paridade e que, em cada caso concreto, verificada qualquer uma delas, já não opera a outra.
É este o sentido que, com clareza, brota do elemento literal e que, visitados os demais elementos de interpretação, se perfila como expressão fiel do pensamento legislativo.
A caducidade do direito de acção é consagrada a beneficio do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo. (Manuel Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, p. 464)
A certeza jurídica, é, seguramente, o fim da norma do art. 59°/4 do CPTA, enquanto estabelece um termo final para a suspensão. Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança, impor um limite à duração da suspensão. Este desiderato só é alcançável com a interpretação perfilhada no acórdão recorrido: a suspensão, se antes não tiver o seu termo, mediante a notificação da decisão, mantém-se, no máximo, por tempo igual ao que está legalmente concedido à Administração para decidir a impugnação administrativa. Finalidade essa que será postergada pela leitura defendida pelo recorrente, isto é, com o sentido que decorrido o prazo legal de decisão da impugnação administrativa, subsiste ainda a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, por tempo indeterminado, até ocorrer a decisão que vier a resolver a impugnação administrativa.
Assim, a interpretação feita pelo recorrente não é a mais próxima da letra da lei e compromete a segurança jurídica, um dos fins da norma do art. 59º/4 CPTA.
E não há outros fins da lei e/ou razões de sistema que a suportem (…)
Pelo exposto, o acórdão recorrido interpretou correctamente a norma do art. 59°/4 do CPTA, com o sentido que a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar” (sublinhados e sombreado nossos) – também neste sentido, entre outros, Ac. do TCA Sul de 15.1.2009, proc. n.º 04651/08 [“4. A formulação do artº 59º nº 4 CPTA significa que o prazo da impugnação contenciosa retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra; donde, se o decurso do prazo legal de decisão da impugnação graciosa se esgotar antes de a entidade administrativa competente proferir decisão, é aquele evento que determina o efeito preclusivo da suspensão da contagem do prazo de impugnação contenciosa e não a notificação da decisão administrativa”], e Ac. do TCA Norte de 10.5.2012, proc. n.º 794/10.5 BECBR [“Nos termos previstos no art.º 59.º, n.º 4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar”].

No caso vertente o recurso hierárquico foi indeferido por despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 29 de Novembro de 2013, o qual foi notificado à recorrente em 8.1.2014 (cfr. n.ºs 6) e 7), dos factos provados).

Ora, tal recurso hierárquico devia ter sido decidido no prazo de 30 dias úteis (cfr. arts. 72º n.º 1, al. b), e 175º n.º 1, ambos do CPA), o qual se contaria a partir do termo do prazo de 15 dias úteis previsto no art. 172º n.º 1, do CPA - neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 20.11.2002, proc. n.º 46 077, e 25.2.2010, proc. n.º 0320/08, e Acs. do TCA Norte de 22.4.2010, proc. n.º 353/09.5 BECBR, 13.1.2011, proc. n.º 816/10.0 BEPRT, e 1.4.2011, proc. n.º 249/10.8 BEAVR.

Dito por outras palavras, tendo in casu o recurso hierárquico sido interposto em 29.11.2012, o autor do acto impugnado tinha 15 dias úteis para sobre ele se pronunciar e para o remeter ao órgão competente para decidir, isto é, até 20.12.2012, data em que se iniciou o prazo de 30 dias úteis para essa decisão, o qual findou em 4.2.2013 - ou seja, antes da data em que foi proferida decisão sobre o recurso hierárquico (29.11.2014) -, pelo que no dia seguinte (5.2.2013) retomou-se a contagem do prazo para interposição da acção principal.

Este entendimento não é posto em causa pelo facto de a recorrente não ter sido notificada da remessa do processo à entidade competente para dele decidir (notificação que se encontra prevista no art. 172º n.º 1, parte final, do CPA).

Efectivamente, e conforme se esclarece no citado Ac. do STA de 25.2.2010, proc. n.º 0320/08:
O acórdão recorrido assenta, pois, em interpretação meramente literal do indicado nº 1 do art. 175 do CPTA, no sentido de, em qualquer caso, conferir relevância, apenas, à data da remessa do processo ao órgão competente para conhecer do recurso hierárquico, para efeito da determinação do termo inicial do prazo de 30 dias, de decisão de tal recurso.
O recorrente IEFP impugna esse entendimento do acórdão recorrido, alegando que permite, com violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, um indefinido protelamento da data em que, por falta de decisão, o recurso hierárquico poderá considerar-se tacitamente indeferido (art. 175/3 Artigo 175 (Prazo para decisão):
1. …
2. …
3. 3. Decorridos os prazos referidos nos números anteriores sem que haja sido tomada uma decisão, considera-se o recurso tacitamente indeferido. CPTA).
Vejamos, pois.
Nos termos do art. 169 do CPA, o requerimento de interposição do recurso hierárquico «pode ser apresentado ao autor do acto ou à autoridade a quem seja dirigido» (nº 3).
Interposto o recurso, os eventuais contra-interessados deverão ser notificados, para se pronunciarem sobre o pedido e seus fundamentos, no prazo de 15 dias (art. 271 CPA).
E, nesse mesmo prazo de 15 dias, «deve também o autor do acto recorrido pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo» (art. 172/1 CPA).
Por fim, estabelece o já citado art. 175, nº 1, que, não fixando a lei prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias, contado da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer.
Ora, a interpretação desta última disposição legal, nos termos em que foi feita pelo acórdão recorrido, baseada na simples consideração da data da remessa do processo ao órgão competente para a decisão do recurso hierárquico como único elemento relevante para a determinação do início do prazo de 30 dias para essa decisão não é aceitável, na medida em que, com alega o recorrente, consente uma indesejável margem de incerteza, quanto à data em que o recurso deve considerar-se indeferido (art. 175/3 CPTA). Tal interpretação permitiria, afinal, que a Administração protelasse indefinidamente a decisão do recurso hierárquico, bastando que a autoridade competente, quando lhe fosse apresentado, o não remetesse à autoridade recorrida, para pronúncia, ou que esta, quando aquele mesmo recurso, directamente, lhe fosse apresentado, o não remetesse ao órgão competente para decisão.
Perante o que, como defende o recorrente, deverá o questionado preceito do art. 175 do CPA ser interpretado em conjugação com os precedentes disposições do mesmo diploma legal, designadamente, os citados arts 171 e 172, nº 1, nos quais se estabelece, para o autor do acto recorrido, o prazo de 15 dias, para a remessa do processo ao órgão competente para conhecer do recurso.
Assim, deve entender-se que é a partir do termo deste prazo legal, de 15 dias, que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175 CPA, para a decisão do recurso hierárquico, sempre que, como no caso do presentes autos (5), não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir.
Nos casos em que, cumprindo o estabelecido no citado art. 172, a autoridade recorrida remeta o processo dentro do prazo aí fixado, o prazo para a decisão do recurso conta-se, por aplicação directa do próprio art. 175, nº 1, do CPA, a partir da data dessa remessa que, como impõe a lei (art. 172/1 CPA), será notificada ao recorrente. O qual, assim, ficará habilitado, em qualquer caso, a conhecer a data em que se iniciará o prazo ao seu dispor, para a impugnação do eventual indeferimento do recurso.
No sentido da interpretação que ora se propugna já se pronunciou, aliás, este Supremo Tribunal Administrativo, como se vê pelos acórdãos desta 1ª Secção, de 20.11.02, de 13.1.2000 e 18.2.2000, proferidos nos recursos nº 46077, nº 43277 e nº 41245, respectivamente.” (sublinhado e sombreado nossos) – também neste sentido, o recentíssimo Ac. do STA de 3.2.2015, proc. n.º 1470/14 (acórdão em que o STA, confrontado com a interposição de recurso de revista que em se discutia esta mesma questão, não recebeu o recurso com fundamento em que não há necessidade de melhor aplicação do direito, já que o acórdão recorrido aplicou a solução do Ac. do STA de 25.2.2010 que se acaba de transcrever).

Ou ainda como se explica no referido Ac. do TCA Norte de 13.1.2011, proc. n.º 816/10.0 BEPRT:
Deste modo, caso falte a notificação da remessa do processo ao órgão competente para o decidir [172º nº1 do CPA], tida como termo a quo da contagem do prazo para a decisão de segundo grau [175º nº1 do CPA], deverá ser sempre levado em conta o prazo de 15 dias para aferir da formação do respectivo indeferimento tácito [175º nº3 do CPA].
Isto significa que a notificação da remessa, que é indispensável para possibilitar a contagem do prazo da decisão de segundo grau nos casos em que é feita antes do termo do prazo de 15 dias, não poderá impedir essa contagem quando não for realizada. É que, neste caso, o recorrente deverá acrescentar ao prazo para decisão, seja de 30 ou de 90 dias, o prazo integral de 15 dias.
Interpretação diferente, como a que faz a recorrente, impediria o funcionamento dos prazos de impugnação contenciosa previstos no artigo 58º do CPTA, colocando nas mãos da Administração, e no âmbito de actuação ilegal, quer a contagem do prazo do indeferimento tácito, quer a contagem do prazo de impugnação judicial.” (sublinhados e sombreado nossos).

Ora, in casu o despacho previsto no art. 172º n.º 1, do CPA, só foi proferido em 21.10.2013 – cfr. n.º 5), dos factos provados -, ou seja, quando já se encontrava esgotado há muito o prazo de 15 dias nele previsto para o efeito, pelo que o prazo de 30 dias, para decisão do recurso hierárquico, conta-se a partir do termo desse prazo de 15 dias, isto é, e conforme acima referido, em 20.12.2012 iniciou-se o prazo de 30 dias úteis para a decisão do recurso hierárquico, o qual findou em 4.2.2013, data em que o mesmo se considera tacitamente indeferido, já que a decisão expressa sobre o mesmo só foi proferida em 29.11.2013.

Com efeito, dispõe o art. 175º, do CPA, o seguinte:
1. Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias (…)
2. (…)
3. Decorridos os prazos referidos nos números anteriores sem que haja sido tomada uma decisão, considera-se o recurso tacitamente indeferido” (sublinhados nossos).

Alega a recorrente de que não existe mais a formação de qualquer indeferimento tácito em situações como a vertente.

Ainda que assim seja, este art. 175º n.º 3 continua a ter a importante função de estabelecer o momento em que se considera rejeitada a impugnação administrativa.

Efectivamente, e conforme explica Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 315, “Uma vez utilizada a impugnação administrativa, o interessado deve aguardar a sua resolução ou o decurso do prazo dentro do qual, nos termos da lei, ela deve ser decidida. Quando lei especial não fixe prazo diferente, o prazo para decisão das reclamações e recursos hierárquicos é de 30 dias (cfr. artigos 165.º e 175.º, n.º 1, do CPA). Uma vez decorrido o prazo para decisão sem que haja sido proferida, considera-se rejeitada a impugnação administrativa (cfr. artigo 175.º, n.º 3, do CPA). Retoma, pois, nesse momento, o seu curso o prazo de propositura da acção em tribunal, que se encontrava suspenso desde o momento em que foi utilizada a impugnação administrativa” (sublinhado nosso).

Nestes termos, em 5.2.2013 retomou-se a contagem do prazo para interposição da acção principal, sendo certo que esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, como salienta a recorrente, o art. 60º n.º 4, do Estatuto Disciplinar, determinar que o recurso hierárquico que interpôs suspende a eficácia do despacho de 9 de Novembro de 2011, descrito em 2), dos factos provados (o que na sua perspectiva e face ao estatuído nos arts. 51º e 54º, ambos do CPTA, implicaria que não podia impugnar contenciosamente tal acto, por falta de interesse em agir).

Com efeito, e como esclarece Paulo Veiga e Moura, cit., pág. 276, em anotação a esse art. 60º:
Parece-nos, contudo que na ausência de um prazo específico para a decisão de tais recursos deverá funcionar o prazo de 30 dias previsto no art. 175.º do CPA (…)
Findo esse prazo, o recurso presume-se indeferido e devem os serviços executar o acto objecto de impugnação, uma vez que com tal indeferimento cessa o efeito suspensivo decorrente da impugnação.” (sublinhados nossos).

Assim, em 4.2.2013 considera-se tacitamente indeferido – ou melhor dizendo, rejeitado - o recurso hierárquico, cessando nessa data o efeito suspensivo decorrente da sua interposição, pelo que em 5.2.2013 retomou-se a contagem do prazo de 90 dias para interposição da acção principal.

Tendo em conta que, quando foi suspenso tal prazo, já tinham decorrido 12 dias (ou seja, faltavam ainda 78 dias), em 2.5.2013 (face à sua suspensa nas férias judiciais da Páscoa de 24.3.2013 a 1.4.2013) esgotou-se o referido prazo de 90 dias – contado nos termos do art. 144º n.ºs 1 e 4, do CPC de 1961, ex vi art. 58º n.º 3, do CPTA -, data em que ainda não tinha sido interposta a acção principal.

Conclui-se, assim, pela caducidade do direito de acção, pelo que a decisão recorrida ao ter concluído nesse sentido não enferma de erro de julgamento, razão pela qual deverá ser julgado improcedente o presente recurso jurisdicional e, assim, mantida a decisão de indeferimento da providência requerida.


Por último cumpre apenas salientar, e no que respeita à pretensão da recorrente de, a verificar-se a caducidade do direito de acção, ser declarada a prescrição da pena (e, consequentemente, ser determinada a impossibilidade do recorrido lhe dar qualquer execução até ao termo da acção principal), que, conforme acima referido, a propósito da análise da questão relativa à nulidade da decisão recorrida, esta não conheceu, e bem, desse pedido, razão pela qual em sede de recurso também não se pode conhecer do mesmo, isto é, trata-se de questão nova não apreciada nos autos, razão pela qual dela não se pode conhecer, dado que os recursos têm, naturalmente, por objecto a revisão de decisões anteriores [de todo o modo, sempre se dirá que se nos afigura que a recorrente está a alegar tal prescrição no pressuposto de que a pena de multa que lhe foi aplicada não foi suspensa na sua execução, situação que não se verifica, pois a pena de multa que lhe foi aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de um ano].

Este entendimento não viola a tutela jurisdicional efectiva da recorrente.

Com efeito, e por um lado, cabe à lei processual definir os meios processuais adequados e os pressupostos que devem estar reunidos para o interessado aceder a juízo e poder recorrer, sendo certo que esta questão da prescrição da pena de multa, de acordo com a lei, não poderá ser apreciada neste processo, e, por outro lado, existem meios processuais adequados para a recorrente defender a sua posição, caso o recorrido não dê acolhimento à sua pretensão de declaração de prescrição da pena disciplinar que lhe foi aplicada.

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Uma vez que a recorrente ficou vencida no presente recurso jurisdicional deverá suportar as custas (art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e assim manter, com os fundamentos acima expressos, a decisão recorrida que indeferiu a providência pedida.

II – Condenar a recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015


_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Maria Helena Canelas)

_________________________________________
(António Vasconcelos)

(1) Que corresponde ao art. 154º, do CPC de 2013.
(2) Que corresponde, grosso modo, ao art. 607º n.º 4, do CPC de 2013.
(3) Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(4) Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.
(5) O mesmo ocorrendo no presente processo, pois o despacho previsto no art. 172º n.º 1, do CPA, só foi proferido em 21.10.2013 – cfr. n.º 5), dos factos provados.