Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3022/12.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
CUSTOS.
PROVA.
Sumário:O relevamento de custos necessários à formação do rendimento depende da prova da sua efectividade. Esta pode ser obtida através de elementos documentais conciliados com os registos contabilísticos e complementados com a prova testemunhal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
R …………… deduziu impugnação judicial na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios com o n.º ……………….456, do ano de 2010, pedindo a anulação do acto tributário em causa, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquele acto como objecto.
O Tribunal Tributário de Lisboa proferiu uma primeira sentença (inserta a fls.209 e ss. - sitaf), em que julgou parcialmente extinta a instância, «por inutilidade superveniente, na parte referente aos custos com a permuta do terreno», e improcedente a impugnação, no remanescente. Dessa sentença recorreu o Impugnante para o Tribunal Central Administrativo Sul que, pelo acórdão datado de 13-01-2022 (fls. 306 e ss., numeração do sitaf), determinou a anulação da sentença e ordenou que os autos regressassem à 1.ª instância para proceder à diligência instrutória requerida e à prolação de nova sentença.
Regressados os autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida nova sentença, incorporada a fls. 371 e ss –sitaf, que decidiu nos seguintes termos: «[J]ulga-se parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente, na parte referente aos custos com a permuta do terreno, aceites pela AT. Procedente no demais.»
Dessa sentença apelou a Fazenda Pública para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo na sua alegação de fls.397 e ss. - sitaf, formulado as conclusões seguintes:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e procedente no demais, a impugnação judicial à margem identificada, deduzida por R …………, NIF …………., tendo como objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …………….943, apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios n.º ………….456, no montante a pagar de €74.078,57€, sendo, para os devidos efeitos, objeto do presente recurso a parte procedente da douta sentença.

B. Sucede que, a Fazenda Pública entende que da matéria de facto não provada, não deveria constar os pontos a) e b), antes defendendo que deveria constar que não se provou, com relevância para a decisão em causa, que o valor correspondente às faturas referidas nos autos, em concreto dos factos provados 2), 5), 8) e 10), tenha sido entregue às respetivas sociedades emitentes.

C. De facto, tal facto já havia sido corretamente elencado na sentença de 17-06-2020, porquanto existe uma incongruência entre os documentos apresentados pelo Impugnante e os constantes do PA., e que infra também abordaremos no confronto com a prova testemunhal.

D. Não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, por ser seu entendimento que, in casu, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, de forma imediata, e a liquidação adicional de IRS do ano 2010, de forma mediata, não padecem do enquadramento legal na parte lhes vem apontado pela sentença recorrida, designadamente, por ocorrer uma discrepância de interpretação da matéria de facto e o direito aplicável, desconsiderando a fundamentação vertida pela Administração Tributária e a materialidade dos factos, pela decisão da 1ª instância, conforme infra nos propomos demonstrar.

E. O Digníssimo Procurador do Ministério Público, no seu parecer proferido em 02-05-2019, entendeu que:

“Para documentar os encargos e despesas a que se refere a al.a) do art.51.º, do CIRS, na redacção então em vigor, o impugnante juntou um conjunto de documentos. Para que os encargos e despesas, referidas no citado preceito legal, possam acrescer ao valor de aquisição, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto, é necessário que tais encargos e despesas tenham efetivamente sido suportados, isto é, que tenham sido pagas.

As faturas juntas aos autos, com exceção de duas, a que de seguida se fará referência, comprovam a realização das transações nelas mencionadas, mas não comprovam o seu efetivo pagamento.

Quanto às faturas n.ºs 85 e 48, emitidas por MLD D ………… e Filhos (fls.53 e 69), as mesmas são acompanhadas dos recibos n.º100(fsl.54) e 333 (fls.69), recibos esses relativos àquelas faturas.

O impugnante é sócio da empresa emitente daquelas facturas. Pelas razões aduzidas pela AT, tanto o impugnante, como a empresa emissora das facturas, encontravam-se obrigados a ter contabilidade organizada.

Por outro lado, tanto a empresa emissora das facturas, bem como o impugnante estavam obrigados a “possuir pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos relativos à actividade empresarial desenvolvida”, art. 63º C, da LGT.

Não documentam os autos que os recibos supra referidos tenham sido pagos através de meio de pagamento que permita identificar o respectivo destinatário.

Assim, sem quebra do muito devido respeito por posição contrária, afigura-se-nos que não é possível considerar como provado que os montantes mencionados em tais recibos tenham efectivamente sido pagos.

Do exposto, não resulta que o impugnante tenha efectivamente pago os custos constantes dos documentos juntos aos autos.

Assim, aqueles custos não integram a previsão da al. a), do art. 51º, do CIRS, pelo que não deverão acrescer aos custos de aquisição, para determinação das maisvalias, sujeitas a imposto.

Nestes termos, a impugnação deverá ser julgada improcedente, nesta parte.”

F. Em 17-06-2020, foi proferida sentença que julgou improcedente quanto aos alegados custos suportados na construção, e na base da consideração dessa sentença esteve o seguinte entendimento:

“Ou seja, cabia ao Impugnante demonstrar incorreu em diversos encargos com o imóvel vendido, para que tal valor pudesse ser acrescido ao custo de aquisição, para cálculo da mais-valia.

Compulsado o probatório, verifica-se que o Impugnante não logrou tal desiderato, não tendo apresentado prova adequada a tanto.

Assim, por falta de comprovação, não podem os encargos alegados pelo Impugnante ser contabilizados para a obtenção da mais-valia decorrente da alienação do imóvel.

Dito de outra forma, não sendo comprovados os encargos alegados, não se mostra ilegal a liquidação impugnada, que os teve em conta. Improcede, portanto, a pretensão do Impugnante [e os consequentes pedidos de reembolso da liquidação e de indemnização por garantia indevida].

G. Em face do recurso dessa decisão pelo Impugnante, o Digníssimo Procurador do Ministério Público, no seu parecer proferido em 02-05-2019, entendeu que:

“Analisando os autos, entendemos que o presente recurso não deverá proceder. O exposto na douta sentença mostra-se-nos correcto.

A douta sentença encontra-se bem fundamentada de facto e de direito. Entendemos ter feito uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica.

A douta sentença em recurso não sofre de qualquer vício, nomeadamente de erro de julgamento, deficiente apreciação dos factos considerados provados ou violação das normas aplicáveis ao caso.

Desde já se renova aqui o bem elaborado parecer do M P junto da 1ª instância, que apreciou a matéria alegada na petição e seguiu de perto a douta sentença em recurso.

Acrescente-se que, apesar do recorrente pôr em causa a douta decisão por dispensar a produção de prova testemunhal, a mesma não pode agora vir suscitar tal questão, sendo certo que quando foi notificado da decisão de não se admitir a produção da prova testemunhal, o recorrente não apresentou recurso de tal decisão.

Na verdade, não concordando com a dispensa da produção de prova testemunhal, o recorrente sempre poderia interpor recurso dessa decisão nos termos do art. 285º nº1 do C.P.P.T., e ver agora essa decisão ser apreciada por este Tribunal.

Não o tendo feito, não é agora o momento de apreciar aquela decisão de dispensa da produção de prova testemunhal.”

H. Em 13-01-2022, foi proferido Acórdão do TCA Sul, que, em suma, considerou que a base probatória da sentença devia ser alargada à prova testemunhal, como requerido pelo Impugnante, e que havia sido dispensada pelo Tribunal de 1ª instância, conforme se cita:

“Ao não proceder à referida diligencia de prova, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c, do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolação de nova decisão. Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do objeto do recurso.”

I. Atento o exposto, conclui-se que a sentença de 1ª instância proferida em 17-06- 2020, considerou que documentalmente não estavam provados os custos de construção alegados pelo Impugnante, e invocados como aplicáveis em sede de mais-valias de IRS, tal como invocado pela Fazenda Pública e confirmado no parecer do Digníssimo Procurador do Ministério Público, antes da primeira decisão, e reconfirmado pelo parecer do Digníssimo Procurador do Ministério Público em sede de recurso.

J. Sem prescindir que, que em sede de recurso, o Acórdão é omisso quanto à questão suscitada pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público sobre a intempestividade da apreciação da dispensa da produção da prova testemunhal, que, defenda-se, a Fazenda Pública acompanha na íntegra, e que, com o devido respeito, entende ter ocorrido uma violação das formalidades legais e excesso de pronuncia do TCA Sul, que nessa medida, não poderia apreciar a questão da dispensa da prova testemunhal em virtude do Impugnante não ter tempestivamente recorrido dessa decisão.

K. Posto isto, a essencial diferença de facto entre a sentença proferida em 17-06-2020 e a que ora se recorre, proferida em 18-07-2022, assenta na existência da prova testemunhal, na qual o Tribunal a quo entendeu que daí decorreram factos que vieram completar os factos já documentalmente presentes nos autos.

L. Portanto, adiante-se, independentemente de em sede de IRC não haver a limitação probatória à exigência da fatura, como acontece em sede de IVA, tal não significa que, possa haver uma prova plena, por qualquer meio, que tolde as formalidades e exigências legais do funcionamento do sistema tributário, e nessa medida, se ignore a legislação fiscal e o dever fundamental de pagar impostos, como o fez o Impugnante!

M. Sendo certo, realce-se, a prova rainha em direito tributário, pela inerente certeza e clareza, é a prova documental, cabendo à prova testemunhal o papel de aclarar a verdade material sempre que da prova documental surjam as respetivas dúvidas.

N. Logo, na índole tributária, e ainda mais em situações em que existe uma clara intenção de fugir ao pagamento de impostos, o escrutínio na descoberta da verdade material tem de assentar na clareza da prova documental, não podendo as dúvidas que daí advenham, ser levianamente colmatadas por depoimento de testemunhas que eram amigos/conhecidos, com interesses cruzados, mistura de interesses pessoais com as sociedades das quais são gerentes, e conforme ficou patente no depoimento das mesmas.

O. Em face da motivação da douta sentença, verifica-se que o Tribunal a quo, para efeitos da sua tomada de decisão - entenda-se valorização da prova testemunhal em detrimento da prova documental ou falta/incongruências desta -, considerou relevante o depoimento das testemunhas J …………………, Ja………….. e João Manuel Ribeiro Alves.

P. A testemunha José ……………., nada refere quanto à não entrega da declaração de IRS pelo Impugnante, assim como, a testemunha nada refere sobre a fatura da M…….. n.º48 de 03-09-2007, sobre os aos autos de medição da MDL, sobre os documentos associados à J ………….. (declaração , extrato de conta e 2ªs vias de fatura) e a fatura da P …….. & R………...

Q. Portanto, a testemunha José ……………… não trouxe qualquer relevante para efeitos de complemento ou aclaramento da prova documental, designadamente o entendimento que ab initio tem sido entendido, no sentido da improcedência do peticionado.

R. A testemunha Ja …………….. refere a localização genérica do imóvel em apreço, refere que a sociedade fez a terraplanagem, cfr. minuto 22:30, mas depois refere que tem uma ideia da obra e que talvez tenha ido uma ou duas vezes, porque andava a acompanhar as obras da autoestrada, cfr. minuto 24:30.

S. Quando questionado sobre os pagamentos, cfr. minuto 28:27, refere que deixou de ser gerente da sociedade, mas acha que sim, ou seja, a testemunha não sabe!

T. Depois a testemunha faz apenas juízos de valor sobre a presunção do pagamento e que culmina com a frase citada pelo Tribunal a quo na douta sentença de “não eram pessoas de ficar a dever”.”, cfr. minuto 29:00, sendo que, realce-se, tal afirmação e juízos associados são inócuos para comprovar o efetivo pagamento pelo Impugnante e efetivo recebimento pela sociedade P ………. & R……….

U. Mais, cfr. minuto 31:00, a testemunha não soube especificar sobre a faturação efetiva, expondo de forma genérica…achando a Fazenda Pública estranha a justificação de ser habitual numa fatura no valor de 72.000,00€ NÃO estarem discriminados os trabalhos, cfr. minuto 32:45.

V. Acresce que, o Tribunal a quo olvidou factos que resultam da prova documental e que desconstroem o afirmado pela Testemunha, tal como já havia sido assente na sentença de 17-06-2020, “Verifica-se, que quanto à sociedade P.......... & R......., o Impugnante junta um extracto de conta de onde se extrai que as faturas por esta emitida, nos anos de 2007 e 2008, se encontravam totalmente pagas em 31 de outubro de 2008.No entanto, a documentação enviada por esta sociedade à Fazenda Pública, anos depois – 2012, no âmbito da reclamação graciosa, indica que “a fatura junta pelo reclamante a fls.5 da reclamação graciosa encontra-se ainda em dívida, constando da conta corrente da empresa”.

W. Pelo que, o extrato da conta não tem credibilidade para o efeito, não podendo provar o facto que pretendia o Impugnante, e não correspondendo à verdade o referido pela Testemunha quando ao pagamento.

X. Por fim, a testemunha João …………… quanto aos documentos que consta dos autos associados à J …………, a Testemunha nada refere, ou seja, a testemunha não traz nada de novo que altere o entendimento em sede da prova documental.

Y. Acresce que, ainda sobre os documentos associados à M ……. & Filhos, Lda, o Tribunal a quo ignorou factos que resultam da prova documental e decorrem da matéria de facto provada, tal como já havia sido salientado na sentença de 17-06-2020, porquanto “Quanto às faturas e recibos emitidas pela sociedade M ……….conforme se refere na informação subjacente ao indeferimento da reclamação graciosa, não foram juntos quaisquer registos contabilísticos das operações referidas nas faturas, não constando o ora impugnante como cliente da sociedade no respetivo mapa recapitulativo [ o que, para além de óbvia falha contabilística, se mostra estranho atento o valor das faturas].Por outro lado, os autos de medição entretanto juntos não são referidos nas facturas – o que seria normal, para avaliar do seu quantum - nem foram juntos meios de pagamento de tais faturas, o que seria fácil de demonstrar, atenta a obrigação, do Impugnante e da sociedade, de manterem uma conta bancária adstrita à actividade. Por fim, não deixa de ser inusitado que o recibo 100 da sociedade M ……….. & Filhos apenas tenha sido emitido – mais uma vez, sem menção ao respetivo meio de pagamento – quase dois anos após a emissão da factura a que diz respeito e depois da emissão da liquidação impugnada. Tendo em conta os considerandos supra-referidos, não se considera as facturas e recibos emitidos pela sociedade M …….. & Filhos como prova bastante para demonstrar que o Impugnante incorreu em tais encargos, pelo que tal facto deve ficar como não provado.”

Z. Posto isto, a Fazenda Pública, conforme supra referido, entende que os depoimentos das testemunhas, consideradas relevantes pelo Tribunal a quo para consubstanciar a sua motivação, não trouxeram qualquer facto que possa alterar a decisão sobre a matéria de facto provada, assente em prova documental, que já havia sido escrutinada na sentença proferida em 17-06-2020, e que não houve qualquer alteração após essa decisão e o Acórdão de 13-01-2022.

AA. Então, verificando-se que do depoimento das testemunhas não se verifica factos diretos e esclarecedores de todas as incongruências da prova documental expostas pela Autoridade Tributária, então a Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porque os factos resultantes dos depoimentos das testemunhas são impossibilitantes de alterar os factos que resultam da prova documental, e designadamente persiste a falta de prova dos efetivos custos e pagamentos.

BB. Nesse sentido, o entendimento perfilhado pela Administração Tributária, ora pela Fazenda Pública, por ambos os Digníssimos Procuradores da República, e na sentença de 17-06-2020, não pode ser jurisdicionalmente alterado, em face de nenhum elemento relevante sobressair da prova testemunhal.

CC. Acrescido do facto, do Tribunal a quo não ter relevado as incongruências documentais que já haviam sido apontadas na sentença de 17-06-2020, associadas à P……… & R……… Lda, J……….. e à M ...........»
Termina, pedindo que a sentença seja revogada e a impugnação seja julgada improcedente.

X
O Impugnante, ora recorrido, apresentou contra-alegações insertas a fls. 530 e ss. -sitaf, aí expendendo, as seguintes conclusões:

A. Relativamente ao argumento do excesso de pronúncia no douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 13.01.2022, conforme se verifica ser entendimento da jurisprudência a respeito desta matéria, não seria legalmente admissível que o ora Recorrido tivesse sindicado do despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância, através do qual se dispensou a produção de prova testemunhal, pela interposição de apelação autónoma, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC,

B. E ainda menos ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 285.º do CPPT, que estabelece o regime do excecionalíssimo recurso de revista, o qual pressupõe que esteja reunido um conjunto de pressupostos que justifique a digna intervenção do Supremo Tribunal Administrativo.

C. Pelo que bem andou o Recorrido ao recorrer do conteúdo do despacho em apreço, em sede de Recurso da Sentença proferida em 17.06.2020, assim como bem andou o Tribunal de 2.ª Instância, ao determinar a anulação da referida decisão e a baixa dos autos novamente à 1.ª instância, para realização da diligência de inquirição de testemunhas.

D. Quanto ao fundamento da alegada valorização da prova testemunhal, em detrimento da prova documental, o Tribunal a quo na sua fundamentação recorre primeiramente aos documentos de modo a determinar a sua força probatória, i.e., se eram suficientes para a formação da convicção do tribunal quanto à questão a solucionar.

E. No entender do Recorrido, não houve qualquer desvalorização da prova documental pelo Tribunal a quo. Antes pelo contrário, esta foi devidamente ponderada e valorada, de acordo com as normas legais aplicáveis, e com aquele que é o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência a respeito desta matéria.

F. Estando em causa uma liquidação de IRS, tanto na atualidade como na data dos factos, e tanto em sede de IRC como de IRS, nada na moldura jurídico-legal exige, para efeitos de tributação, que os documentos de suporte dos gastos/encargos devam conter todo e qualquer elemento que deva constar de uma fatura para efeitos de IVA, assim como nada sugere que não se possam apresentar segundas vias de faturas para efeitos de comprovar os gastos suportados.

G. Nos presentes autos, os documentos apresentados pelo ora Recorrido incluíam a identificação dos sujeitos, as datas, os montantes associados a cada transação e em que consistiram as mesmas (os serviços prestados), em cumprimento do disposto no n.º4 do artigo 23.º do CIRC, reunindo assim todos os requisitos para que estas despesas se considerassem devidamente documentadas.

H. Acrescendo que, a AT não refuta, em momento algum, o entendimento de que a comprovação dos custos, em sede de IRS e IRC, não tem de assumir as mesmas formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA.

I. A prova documental apresentada foi devidamente complementada pela prova testemunhal produzida nos presentes autos, em sede de diligência de inquirição de testemunhas, tendo sido dessa forma supridas quaisquer eventuais insuficiências que se pudesse considerar existirem nos documentos juntos à Impugnação.

J. A produção de prova tem por referência os factos relatados pelas partes nos articulados, e tais factos podem ser provados por qualquer meio de prova admissível, e, com relevância, podem ser provados por mais do que um meio de prova, quando estes individualmente considerados se mostrem insuficientes para comprovar os factos alegados.

K. Dos depoimentos das testemunhas podem ser extraídos com segurança os seguintes factos: que a moradia foi construída com recurso à contratação dos serviços, ao fornecimento dos materiais e à execução dos trabalhos de construção junto de entidades terceiras; a identificação de que imóvel se tratava, a sua localização aproximada, e que tipo de intervenção as testemunhas tiveram na construção do imóvel em causa; os materiais fornecidos e os trabalhos realizados na construção do imóvel foram pagos.

L. Também não faz qualquer sentido que a AT alegue uma suposta intenção do Recorrido de não declarar os seus impostos. As considerações sobre a índole e intenções do ora Recorrido estão completamente fora do âmbito da prova testemunhal, e qualquer possível intenção de “fugir ao pagamento de impostos” apenas pode ser sancionada em sede própria (processo contraordenacional) para o efeito, não podendo ser tida em conta para o que se discute nos presentes autos.

M. É manifesto que a prova documental constituiu o ponto de partida para a fundamentação da Sentença recorrida, tendo o Tribunal considerado que as eventuais insuficiências de tal prova foram supridas pela prova testemunhal, dado aquela não carecer, em sede de IRS e IRC, das mesmas formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA.

N. Os depoimentos das testemunhas não fizeram prova plena, tendo antes sido livremente valorados pelo tribunal para suprir/colmatar as alegadas insuficiências da prova documental, sendo que o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

O. Relativamente ao segundo fundamento do Recurso, da irrelevância da prova testemunhal produzida nos autos, a relevância/credibilidade da prova testemunhal assenta em juízo valorativo do julgador imparcial, de acordo com as regras da experiência comum, face a todo o circunstancialismo do caso concreto, uma vez que no direito português vigora um princípio de livre apreciação da prova pelos tribunais, decidindo os juízes segundo a sua convicção acerca de cada facto.

P. A Recorrente não demonstra em que medida a valoração da prova testemunhal feita pelo tribunal a quo possa ser considerada inadmissível face às regras da experiência comum, limitando-se a discordar apenas com base na diferente convicção sobre a prova produzida, sendo que a discordância em causa se prende, essencialmente, com a relação laboral e/ou pessoal do ora Recorrido com as testemunhas.

Q. A relação laboral e/ou pessoal do Recorrido com as testemunhas não afetou os depoimentos destas (não há a invocação expressa da falta de credibilidade das testemunhas, bem como que estivesse prejudicada a sua neutralidade em relação ao tema em discussão), sendo que as mesmas se limitaram a relatar os factos de que se recordavam, e responderam a questões mais técnicas dentro das suas capacidades e conhecimentos.

R. Das passagens dos depoimentos que se transcreveram, identificadas pelos respetivos minutos, constata-se que os factos relatados pelas testemunhas foram suficientemente elucidativos para suprir eventuais insuficiências da prova documental junta aos autos e, dessa forma, esclarecer os aspectos da matéria factual sobre os quais subsistissem dúvidas.

S. Por outro lado, a posição do Ministério Público alterou – assim como a do Tribunal – em virtude do alargamento da base de instrução com a inquirição de testemunhas que permitiu aclarar a prova documental.

T. Uma vez mais se afirma que é completamente surreal a suposição de que todas estas pessoas poderão ter fornecido material ou trabalhado para o Impugnante, sem que tivessem recebido nada em contrapartida, ou até mesmo sugerir que as testemunhas não trabalharam sequer na obra, quando existem inúmeras faturas, recibos e outros documentos comprovativos de que o fornecimento dos materiais e execução dos trabalhos foram adjudicados a estas empresas e só assim se poderá justificar o aparecimento daquela moradia, naquele local.

U. Sendo desproporcional esperar que as pessoas envolvidas se recordem de todos os acontecimentos detalhadamente, tendo presente o tempo decorrido entre a data dos factos e a data em que se realizou a diligência de inquirição de testemunhas.

V. Assim, os gastos incorridos pelo ora Recorrido deverão ser aceites e contabilizados, acrescendo ao valor de aquisição, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, para efeitos de cálculo e subsequente tributação da mais-valia obtida pelo Impugnante com a venda do imóvel, tal como foi decidido pela douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo esta e as conclusões nela contidas serem mantidas na íntegra.

W. Ou, se assim não se entender, sempre deverá ser aplicado à presente situação o estabelecido no n.º 3 do artigo 46.º, do Código do IRS, o qual dispõe que “O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz (...) acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”.»

Conclui, pedindo que seja mantida a sentença recorrida.

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 08/05/2003 foi subscrito pelo Impugnante “contrato de permuta”, no âmbito da qual este recebeu dois prédios – sitos na freguesia de Santo ......., concelho de M......., e descritos na respetiva conservatória com os números …….8 e ……..9 – aos quais foi atribuído, respetivamente, o valor de € 13.250,00 e €12.700,00 – cfr. escritura, a fls. 3 e 4 do Procedimento de reclamação graciosa [PRG] apenso ao suporte físico dos autos;
2. Em 30/12/2006 foi emitida, em nome do Impugnante, a fatura 06/165 da sociedade P……….. &R………, Lda., no valor de €72.600,00 e onde consta “Serviços prestados e materiais. Vossa Obra: Cabeço ……….., R………….”cfr. fatura, a págs. 63 do suporte digital dos autos;
3. Em 15/03/2007 a sociedade M……… & Filhos, Lda., emitiu documento intitulado “orçamento”, em que figura como cliente o Impugnante, tendo como descritivo, entre o mais:
(…) Obra Moradia Lt.11 –R………..– Urb. C …………..
(…) Preço total geral 78.902,95… – cfr. doc. de fls. 57 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4. Em 31/08/2007 a sociedade M ………..& Filhos, Lda., emitiu documento intitulado “auto de medição 01”, em que figura como cliente o Impugnante, tendo como descritivo, entre o mais:
(…) Obra Moradia Lt.11 –R …… – Urb. C ………………
(…) Preço total geral 24.902,95… – cfr. doc. de fls. 57 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5. Em 03/09/2007 foi emitida, em nome do Impugnante, a fatura 48 da sociedade M …….. & Filhos, Lda., no valor de €42.583,60 e onde constam as menções “Pronto pagamento” e “Execução de trabalhos de. Pedreiro e servente na V/ moradia do lote 11 e 12” cfr. fatura, a págs. 67 do suporte digital dos autos;
6. Em 30/06/2010, a sociedade M …….. & Filhos, Lda., emitiu documento intitulado “auto de medição 002”, em que figura como cliente o Impugnante, tendo como descritivo, entre o mais: // (…) Obra Moradia Lt.11 -R.......... – Urb. C …………….
(…) Preço total geral 54.000,00… cfr. doc. de fls. 62 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7. No dia 10/10/2007 foi emitido o recibo 33 da sociedade M ……….& Filhos, Lda., no valor de €42.583,60 – cfr. recibo, a págs. 68 do suporte digital dos autos;
8. Nos anos de 2007 e 2008 foram emitidas, em nome do Impugnante, 34 faturas pela sociedade J ………… Materiais de Construção Lda., com a descrição de diversos materiais de construção – cfr. faturas, a págs. 72 a 106 do suporte digital dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. O prédio urbano resultante da descrição número 3008 referido em 1) foi vendido pelo preço de €200.000,00, no ano de 2010, sem que tal facto constasse da declaração anual de IRS do Impugnante – cfr. fls. 16 do PRG apenso ao suporte físico dos autos;
10. No dia 30/06/2010 foi emitida, em nome do Impugnante, a fatura 85 da sociedade M ………. & Filhos, Lda., no valor de €54.000,00, e onde constam as menções “Pronto pagamento” e “Execução de trabalhos na V/ obra lote 11, sito na Urb. C ………….–R..........” – cfr. factura, a págs. 52 do suporte digital dos autos;
11. No dia 12/12/2011 foi emitida a liquidação ……………..456, referente a IRS do ano de 2010, no valor de 75.539,84 – cfr. liquidação, a págs. 42 do suporte digital dos autos;
12. No dia 31/12/2012, a sociedade M ………… & Filhos, Lda., emitiu o recibo 100, no valor de €54.000,00 e endereçado ao Impugnante – cfr. recibo, a págs. 53 do suporte digital dos autos;
13. No dia 03/04/2012 foi registado, no serviço de finanças, com o “Nº de Entrada: …………..806”, requerimento do Impugnante apresentado contra a liquidação referida em 8), e que deu origem ao processo de reclamação graciosa n.º ………..943 – cfr. comprovativo de entrega de documentos, a págs. 44 do suporte digital dos autos;
14. No dia 13/11/2012 foi proferido despacho de indeferimento no processo ………….943, constando da informação que lhe subjaz:
“…o reclamante tendo apresentado a declaração de rendimentos do ano de 2010, omitiu a venda realizada, que supra se indicou. 19. Após notificação da liquidação supra mencionada, na sua reclamação juntou duas faturas, requerendo que fossem consideradas no cálculo do imposto, constantes de fls. 5 e 6 da reclamação graciosa, fatura n.º 06/165 da sociedade P.......... & R......., Lda.(……….) com o valor de € 72.600,00, emitida em 30/12/2006 e fatura n.º 85 da sociedade Construções M………….. & Filhos, Lda. (502 138 971), da qual o reclamante é sócio, com o valor de € 54.000,00, emitida em 30/06/2010, totalizando o valor de € 126.600,00. 20. Juntou também cópia da escritura de permuta relativa aos lotes de terreno, constante de fls. 2 e 3 21. Apesar de o valor total das faturas ser de € 126.600,00, o reclamante requereu que fosse considerado o valor de €137.684,94, não tendo juntado qualquer fundamento ou comprovativo desse valor, além dos mencionados no ponto anterior. 22. Em aplicação do princípio da colaboração, e ao abrigo do art. 59°, n°4 da Lei Geral Tributária (em diante LGT) através do ofício n° 059443, datado e enviado por carta registada (RC……………PT) em 2012/07/12, foi requerida a apresentação dos registos contabilísticos referentes a todos os gastos mencionados pelo reclamante, no prazo de 10 dias, conforme fls. 32 da reclamação graciosa. 23. O reclamante, notificado do ofício supra, não apresentou resposta à solicitação da Administração Tributária. 24. Em 2012/07/12, através de ofício n° 059444, enviado por carta registada (RC……….PT) à contribuinte "Construções M ……………, LDA." a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com Rui …………… (NIF ……), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 29 da reclamação graciosa. 25. A empresa Construções M …………... LDA, notificado do ofício supra, não apresentou qualquer resposta à solicitação da Administração Tributária. 26. Em 2012/07/12, através de ofício n.º 059445, por carta registada (RC858849910PT) à contribuinte "P.......... & R......., Lda.”. a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com R ………….. (NIF ………….), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 26 da reclamação graciosa. 27. A empresa P.......... & R......., Lda., notificada do oficio supra, apresentou resposta à solicitação da Administração Tributária, tendo junto os documentos de fls. 35 a 43 da reclamação graciosa […] após análise, da documentação junta a fls 35 a 43 da reclamação graciosa pela empresa P.......... & R......., Lda, verificamos que a fatura junta pelo reclamante a fls. 5 da reclamação graciosa encontra-se ainda em dívida, constando da conta corrente da empresa. 31. Ora a Administração Tributária não pode ter em consideração encargos que não foram efetivamente suportados, motivo pelo qual não pode ser tido em consideração o valor da fatura apresentada. 32. Quanto à fatura de fls. 6 da reclamação (fatura 85 da M ………….. & Filhos, Lda.) quer o reclamante quer a empresa emissora da fatura a M …………. & Filhos. Lda., não responderam aos ofícios identificados nos pontos 22 e 24 da reclamação graciosa. 33) A fatura supra identificada não é prova suficiente da existência do pagamento da mesma, ou seja, não comprova que o encargo tenha sido efetivamente suportado. 34. O reclamante não logrou comprovar quaisquer encargos de forma cabal que permitam a aceitação destes para o cálculo do imposto. 35. Acresce que apesar de obrigado a manter contabilidade organizada, para efeitos de determinação do rendimento tributável nos termos dos art. 17°, nº3 e 123º, n°2 do CIRC, por remissão do art. 32° do CIRS, o reclamante não juntou quaisquer registos contabilístico que permitam a comprovação e consideração dos encargos invocados. […] 50. Se não vejamos, o doc. 2 junto pelo reclamante no seu direito de audição e constante também já de fls. 6 da reclamação graciosa, identificado como fatura 85 da M …….. & FILHOS, LDA, apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: “Execução de trabalhos na V/obra lote 11, sito na Urb. C a………….- R..........." 51. Vejamos também o doc. 4, constante de fls. 72 da reclamação graciosa que o reclamante apresentou apenas agora, junto com o seu direito de audição, identificado como fatura 48 da M …………. & FILHOS, LDA, que apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: "Execução de trabalhos de pedreiro e servente na V/moradia lote 11 e 12°”. 52. Vejamos também o doc. 3 junto pelo reclamante no seu direito de audição e constante também já de fls. 5 da reclamação graciosa, Identificado como fatura 06/165 da empresa P..........&R......., Lda., que apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: "Serviços prestados e materiais Vossa Obra: C …………, R..........". 53. Da análise possível das faturas é manifestamente impossível saber quais os serviços prestados, nem quais os materiais aplicados, nem tão pouco, em que lote teriam sido prestados os serviços. Nesta ultima fatura tão pouco se faz referência à existência de lotes, ou seja, como faz prova o contribuinte de que foi efetivamente no lote 11 que foram realizados serviços (I), acrescendo nem se vislumbrar quais foram os serviços prestados. 55. Acrescente-se ainda, que na verificação do mapa recapitulativo de cliente de 2007 (ano da fatura n.º 48, no valor de € 42.583,60 e que só agora foi junta como doc.4) da empresa M……….& Filhos, Lda., não consta como cliente o reclamante conforme fls. 82 da reclamação graciosa. 56. O reclamante, só agora, vem juntar sob docs. 5 e 6 da sua exposição em direito de audição cópias de um orçamento e dois autos de medição 001 e 002, respetivamente, e constantes de fls.75 a 81 da reclamação graciosa. 57. Os mesmos não são referidos em qualquer das faturas juntas pelo reclamante. 58. Novamente se refere que a empresa M…………… & Filhos, Lda (da qual o reclamante é sócio) não respondeu ao ofício 059444, enviado por carta registada (RC………..PT) onde a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com Rui Miguei Alves Duarte (NIF 197834906), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 29 da reclamação graciosa. 59. Convém referir que nos termos do art. 63-C. n°1 da LGT, quer a empresa M………..&filhos, Lda., quer o reclamante estavam “obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida. 60. Até agora não apresentaram quaisquer extratos da referida conta, onde comprovassem os pagamentos e recebimentos efetuados, inclusive da fatura n.º 85, que nos termos do ponto 15 da exposição do reclamante, afirma ter sido paga tendo junto recibo, conforme fls.53 da reclamação graciosa” – cfr. despacho e informação, a págs. 32 a 40 do suporte digital dos autos;
15. Em 29/11/2012, João …………….., na qualidade de gerente da sociedade J………….., subscreveu documento intitulado “Declaração”, na qual se diz, entre o mais:
“Eu, João ……………… na qualidade de sócio gerente da empresa J ……… – Matérias …………., declaro, para os devidos efeitos, que estivemos a fornecer material de construção ao lote 11 do C …………… localizado em R.........., a solicito de Sr. Rui …………………...
Em documento anexo, consta a conta corrente que indica o valor transacionado nesse fornecimento”. – cfr. doc. de fls. 71 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16. Em anexo à declaração consta “Extrato de conta: ………….. – Rui …………….. entre 01.01.2007 e 31.12.2009 e Euros”, que discrimina 13 faturas, 3 recibos e 1 nota de crédito, com um valor total de 10.984,94 – cfr. doc. de fls. 71 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
X
“Factos não provados. Não se provou que:
a) Todas as empresas que prestaram serviços na construção da moradia em causa declararam, para efeitos fiscais, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, as
faturas emitidas ao Impugnante, tendo pago imposto pelos serviços prestados (artigo 47.º da p.i.).
b) O valor correspondente às faturas referidas nos factos provados 2), 5), 8) e 10) não foi entregue às respetivas sociedades emitentes. – cfr. recibos emitidos e prova testemunhal».
X
«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, que dos autos, do processo administrativo constam, bem como da prova testemunhal, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório. // Relativamente aos factos provados, foram relevantes os depoimentos das testemunhas quando afirmaram que realizaram a construção de moradia geminada em R.........., pertencente ao Impugnante. Tais testemunhas lograram convencer o Tribunal das suas afirmações, que parcialmente se transcrevem e que são relevantes para a decisão dos autos. Os depoimentos foram credíveis e tão circunstanciados quanto a natureza da sua atividade e o tempo decorrido permitiu. //José Augusto dos Santos, pedreiro na sociedade ML Duarte, referiu que trabalhou em duas moradias geminadas, em que retocou paredes, assentou tijolos. Andou cerca um 1 ou 2 anos a trabalhar nessas moradias. //Ja…...... P.........., sócio da empresa “P.......... & R.......”, referiu que realizou trabalhos na obra de construção da moradia alienada pelo ora Impugnante, tendo efetuado serviços de escavação, preparação do aterro onde iria ficar a moradia. Mais disse que se recorda que a escavação foi trabalhosa por ser uma área de muita rocha. No que se refere ao pagamento do preço dos trabalhos, referiu não se recordar com certeza, mas que crê que as obras foram pagas, porque “não eram pessoas de ficar a dever”. //A testemunha João ………….. referiu que a sua empresa (“J………….. – Materiais …………..”) forneceu alguns dos materiais utilizados na construção da moradia em C …………., nomeadamente cimentos, inertes areias, telhas, tijolos, britas, vigas para o telhado, e que o Impugnante pagou todas as faturas referentes ao fornecimento destes materiais.»
X
A recorrente coloca sob censura a matéria de facto não provada (conclusões B), C).
Apreciação. Compulsados os autos, impõe-se referir o seguinte. O elemento da alínea a) da matéria de facto em causa não se pode manter, dado que pressupõe a efectividade da prestação de serviços pelas empresas alegadamente emitentes da facturas, facto que necessita de prova e que constitui o cerne do litígio. Pelo que o mesmo deve ser eliminado.
No que respeita à alínea b) da matéria de facto, a mesma deve ser eliminada, dado que o quesito não se mostra configurado de acordo com os ónus da prova objetivos aplicáveis (cabe ao impugnante provar que as facturas foram pagas ao emitente e não o contrário – artigo 74.º, n.º 1, da LGT), para além de não ter suporte probatório adequado. A prova testemunhal, só por si, não permite discernir da veracidade da asserção em causa.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto, quer quanto à determinação da matéria de facto (i) [apreciado supra], quer quanto ao enquadramento jurídico da causa (ii).
A sentença julgou procedente a presente impugnação, determinado a anulação da liquidação de IRS de 2010, na parte não abrangida pela revogação parcial da liquidação, a qual esteve na origem da extinção parcial da instância.
Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre referir que o eventual trânsito em julgado do despacho interlocutório que rejeita a produção de prova testemunhal não preclude os poderes do tribunal da apelação conferidos pelo preceito do artigo 662.º do CPC, ex vi artigo 2.º/2, do CPPT.
2.2.2. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e correcto enquadramento jurídico da causa.
Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do n.º 14 do probatório. Está em causa a não aceitação de custos invocados pelo contribuinte como necessários à obtenção de proveitos, pelo que o regime aplicável é o do CIRC ex vi artigo 32.º do CIRS.
A recorrente não impugna a matéria de facto assente, não indicando os concretos pontos da mesma que pretende reverter, o sentido de tal reversão e os meios de prova que sustentam a sua invocação (artigo 640.º do CPC). Invoca apenas dúvidas sobre a prova testemunhal, sem tirar consequências quanto ao acervo probatório, em concreto (salvo quanto à matéria apreciada supra).
No que respeita ao alcance do ónus da prova dos custos em IRC, pontos firmes são os seguintes:
i) «O custo não documentado pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto» (1).
ii) «A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova» (2).
iii) «Na execução da contabilidade, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário (artigo 123.º/2/a), constituindo uma das obrigações acessórias do sujeito passivo a de exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita» (3).
iv) «Normalmente, a comprovação documental faz-se por documento externo, ou seja, que provenha ou se destine ao exterior (ex: facturas, recibos e notas de crédito), com menção das características fundamentais da operação em causa. Mas, a falta de documento externo não impede a dedutibilidade, podendo a comprovação ser efectuada por documento interno, desde que permita aferir sobre a efectividade da operação e do montante» (4).
v) «Para efeitos da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o comprovativo documental, independentemente, da natureza ou suporte, tem que obedecer a um conteúdo mínimo. Assim, pelo menos, deve conter determinados elementos: o nome ou a denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável em território nacional; a quantidade e a denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; o valor da contraprestação, designadamente, o preço; a data em que os bens foram adquiridos ou os serviços foram realizados» (5).
Os custos invocados pelo recorrido, constantes dos n.os 3 a 7, 10 e 12, correspondem a facturas por si juntas, emitidas por sociedade detida pelo mesmo; tais facturas não discriminam a prestação de serviço efectuada, a data em causa, os materiais aplicados, salvo quanto à factura do n.º 5; não existe prova dos meios de pagamento utilizados na liquidação das mesmas, bem como não existem registos contabilísticos correspondentes. A prova testemunhal, pelo depoimento impreciso e dubitativo, não logra superar as dúvidas sobre a efectividade das prestações em causa. Pelo que os alegados custos não podem ser aceites. Nesta parte, deve ser mantido o acto tributário sub judice, dado que o mesmo não enferma do erro nos pressupostos que lhe é assacado. Todavia, tal asserção não é válida em relação às facturas dos n. os 2, 8, 15 e 16 (“P.......... & R......., Lda.” e “J……….., Materiais ………….., Lda.”). Estas facturas, conciliadas com os depoimentos das testemunhas envolvidas, tal como resulta da motivação da matéria de facto, permitem discernir as prestações efectuadas, os locais e datas das mesmas, os materiais aplicados, pelo que o acto tributário incorreu em erro nos pressupostos ao considerar não demonstrados os custos em presença.
Do exposto se infere que a sentença sob recurso deve ser substituída por decisão que julgue parcialmente procedente a impugnação, na parte relativa aos custos dos n. os 2, 8, 15 e 16, do probatório, os quais devem ser aceites pela Administração Fiscal.
Termos em que se impõe julgar parcialmente procedentes as presentes conclusões de recurso.
X
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte impugnada, substituindo-a por decisão que julgue procedente a impugnação, apenas na parte referida em 2.2.2., anulando o acto tributário, nesta parte.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, sendo 1/3 para a primeira e 2/3, para o segundo.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)
(1)Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 06844/13.
(2)Acórdão do TCAS, de 15.09.2016, P. 09470/16.
(3)Rui Marques, Código do IRC, anotado e comentado, Almedina, 2019, p. 209.
(4) Rui Marques, Código do IRC, … cit., p. 209.
(5) Rui Marques, Código do IRC, cit., p. 209.