Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:50/22.6BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:02/23/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
SUSPENSÃO PROVISÓRIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão
(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

H………………….., director desportivo da S ................ – Futebol SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 22.02.2022, contra a Federação Portuguesa de Futebol uma acção de impugnação de acto administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, pedindo que seja “decretada a medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na pendência da presente acção e, a final, ser a presente acção julgada procedente, revogando-se a decisão recorrida”, relativamente à decisão contra si proferida em 15.02.2022 pelo Conselho de Disciplina da Requerida que lhe aplicou, em processo sumário, uma medida disciplinar preventiva não automática de suspensão por 20 dias, por referência ao artigo 41.º, n.º 4, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal.

Juntou 7 documentos com o r.i., procuração forense e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Requereu, a título subsidiário, declarações de parte e a inquirição de uma testemunha.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por ter sido determinada sem qualquer proposta prévia do instrutor, que ainda nem sequer terá sido nomeado, visto que o acto de aplicação da medida foi concomitante do acto da instauração do processo disciplinar (cfr. 225.º n.º 3 e 4 RD), o que corresponde a violação do princípio da separação dos poderes acusatório e decisório e equivale a uma decisão sem acusação em processo disciplinar. Mais alega que a prática do acto administrativo foi assumida por quem não dispõe de competência para o mesmo e que “a medida adoptada pela requerida não encerra qualquer tipo de fundamentação mínima que pudesse justificar a sua aplicação ao requerente. Não se trata, pois, sequer de um caso de fundamentação deficiente, insuficiente ou contraditória; ela é absolutamente inexistente”. E que os pressupostos para a suspensão preventiva não se mostram verificados no caso concreto e não foram sequer indagados, não existindo a infracção subjacente.

Alega ainda que a decisão de suspensão provisória por 20 dias afecta de forma grave e irreparável a sua esfera jurídica e os seus direitos fundamentais à liberdade de expressão e ao livre exercício (efectivo) da profissão. Ficou o Requerente, por aplicação da citada norma regulamentar, inibido de se exprimir publicamente de forma livre, vendo-se assim coarctado no exercício da sua liberdade de expressão (consagrada no art. 37.º da CRP), sob pena de incorrer na prática de uma outra infracção disciplinar de não acatamento de deliberações, prevista e punida no artigo 135.º do RD. Nos termos da sua alegação, “a sanção de suspensão aplicada ao Requerente – consistente na proibição de estar na presente na zona técnica dos recintos desportivos em dias de jogo e de intervir publicamente em matérias desportivas – compreende um impedimento gravoso e relevantíssimo ao exercício da sua actividade profissional”.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 22.02.2022, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

“(…)

Entendendo que “a natureza dos concretos factos em causa e do pedido formulado na presente peça não se compadece com os prazos estabelecidos para a citação da requerida e constituição do colégio arbitral – está em causa uma decisão sancionatória de suspensão do requerente cujo efeito este já se encontra a sofrer, e que se acentua a cada dia que passa”, requer a remessa da providência cautelar ao Ex.mo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), ao abrigo e para os efeitos do artigo 41.º n.º 7 da Lei do TAD, com dispensa de audição da Federação requerida.

Perante o que antes se sintetiza:

1. Nos casos em que se suscite a questão da aplicabilidade do n.º 7 do artigo 41.º da LTAD, ao Presidente do TAD cumpre apenas transmitir informação que possibilite decidir se estão reunidas as condições de que depende o conhecimento de providências cautelares por parte do Ex.mo Desembargador Presidente do TCAS.

2. Fundamentando o Requerente a especial urgência no atual e permanente dano que sofre com a eficácia do ato impugnado, limita-se o signatário a comunicar não ser viável a constituição da formação arbitral que possibilite a apreciação pelo TAD da medida reclamada.”.

No caso sub judice afigura-se como seguro o entendimento assumido da impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado. Face aos prejuízos que o ora Requerente alega e à sua imediata continuidade temporal, terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).


III. Da dispensa da audição da Requerida e dos requerimentos probatórios

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa. Com o que, por desnecessário, se indefere, neste meio cautelar, o requerimento para prestação de depoimento de parte e inquirição da testemunha indicada.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O requerente, H ……………………. é director desportivo da S .…………….– Futebol SAD.

b) Como constante do “Mapa de Castigos”, junto aos autos como doc. 4, foi aplicada ao Requerente uma medida de “suspensão preventiva não automática” de 20 dias de suspensão:

«Texto no original»

c) O Requerente foi notificado por e-mail de 14.02.2022, da Comissão de Instrução Disciplinar, para oferecer pronúncia, até às 16:00h do dia seguinte, sobre a “factualidade por si respeitante presente nos relatórios oficiais quanto ao jogo oficial em que interveio”, conforme constante do doc. 2 junto.

d) Do mesmo documento consta o seguinte:

Relativamente a expulsão do Sr. H ……………….. por provocar um conflito com um adversário, o mesmo sucedeu pelo seguinte facto: O Sr. H………………….dirigiu-se ao jogador adversário n°3(P……), num momento em que os ânimos no terreno de jogo se estavam a acalmar, e ao chegar perto do referido jogador agarrou/empurrou-lhe o braço tendo-lhe, de seguida, dirigido palavras, palavras estas que não consegui entender, esta ação/comportamento, do Sr. H ………………., provocou uma reação violenta por parte do jogador adversário nº3 P……., bem como que se gerasse um conflito entre diversos elementos das duas equipas”.

e) O Requerente remeteu à Comissão de Instrução Disciplinar, às 15:26h do dia 15 de Fevereiro, “alegações no âmbito do direito de audiência prévia e defesa” como constante do doc. 3 junto.

f) Da pronúncia do Requerente extrai-se o seguinte:

O arguido foi expulso pelo Árbitro do encontro porque após o final do jogo, alegadamente, na expressão do relatório do Sr. Árbitro, “Entrou no terreno de jogo para provocar um conflito com um adversário.”

Esclareceu ainda o Sr. árbitro, a pedido da Comissão de Instrução Disciplinar, que “O Sr. H……………….., dirigiu-se ao jogador adversário n°3(P…), num momento em que os ânimos no terreno de jogo se estavam a acalmar, e ao chegar perto do referido jogador agarrou/empurrou-lhe o braço tendo-lhe, de seguida, dirigido palavras, palavras estas que não consegui entender, esta ação/comportamento, do Sr. H …………………., provocou uma reação violenta por parte do jogador adversário nº3 P..., bem como que se gerasse um conflito entre diversos elementos das duas equipas.”

São rotundamente falsos os factos relatados e imputados ao arguido. Isso mesmo decorre da mera visualização das imagens que se anexam, das quais decorre, muito claramente, que:

1. o arguido se abeira do jogador P... num momento em que este se trava de razões com o Sr. Árbitro e este último se afasta (não podendo deixar de se atribuir a este afastamento a errada percepção e subsequente reporte do Sr. Árbitro);

2. o arguido aborda o jogador P... de forma calma e tentando mesmo tranquilizá-lo e apaziguar a situação, estendendo-lhe a mão;

3. o jogador P... reage intempestivamente, dando uma palmada no braço do arguido;

4. acto contínuo, o jogador P..., perante a estupefacção do arguido, encosta o peito ao seu ombro, de modo provocatório e agressivo;

5. no mesmo instante, o jogador P... desfere um pontapé, com os pitões da sua bota, no tornozelo do arguido – o que foi relatado pelo Sr. Árbitro e se constata pela fotografia que ora se apresenta;

6. os próprios colegas de equipa do jogador P... procuram afastá-lo do arguido;

7. no segundo seguinte, o Sr. Árbitro expulsa o arguido, e volvidos alguns segundos expulsa o jogador P....

Das imagens decorre portanto, sem margem para qualquer dúvida, que o arguido não praticou qualquer dos comportamentos descritos pelo Sr. Árbitro, e sobretudo não praticou qualquer comportamento que seja susceptível de configurar a prática de qualquer ilícito disciplinar: o arguido não provocou um conflito com um adversário (pelo contrário); não agarrou nem empurrou o braço do jogador P...; nem lhe dirigiu palavras, fossem quais fossem, aptas a integrar a prática de qualquer infracção (nem o Sr. Árbitro identifica quais tivessem sido).

De resto, se sobre isso dúvida restasse, que não resta, ela sempre deveria ser resolvida em benefício do arguido.

Das imagens resulta, sim, que o aglomerado de intervenientes que naqueles momentos se gerou teve por única e exclusiva origem a atitude intempestiva, agressiva, despropositada e hostil do jogador P....

Acrescente-se que, conforme decorre dos vídeos igualmente juntos, alguns minutos volvidos o arguido dirigiu-se novamente ao jogador P... para, juntamente com o seu treinador S ………., o chamar à razão e dar o incidente por ultrapassado; e que o próprio treinador do F …….., que a tudo assistiu, não se coibiu de, em conferência de imprensa após o final do jogo, assinalar que o arguido, como ele próprio, mais não fez do que procurar acalmar os ânimos.

Não obstante o antecedentemente exposto e demonstrado, desde já se adverte que no caso de se entender que as imagens em apreço não são suficientes para colocar em causa os esclarecimentos prestados pelo árbitro do jogo, o Arguido não prescinde da inquirição dos elementos que integram a equipa de arbitragem, que deverá ser realizada na sua presença.

O arguido reserva ainda o seu direito de apresentar participação disciplinar detalhada relativamente aos factos descritos.

g) Enquanto Director Desportivo, compete ao Requerente supervisionar a estrutura ligada ao futebol profissional, servindo de ponto de ligação entre a equipa profissional de futebol e a administração da sociedade desportiva que integra.

Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB; idem, a decisão de 17.12.2021, proc. n.º 155/21.0BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

Certo é que o fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a medida provisória é ilegal. Afirma que a decisão suspendenda é ilegal por ter sido determinada sem qualquer proposta prévia do instrutor (que ainda nem sequer terá sido nomeado), o que corresponde a violação do princípio da separação dos poderes acusatório e decisório e equivale a uma decisão sem acusação em processo disciplinar. Mais alega que a prática do acto administrativo foi assumida por quem não dispõe de competência para o mesmo e que “a medida adoptada pela requerida não encerra qualquer tipo de fundamentação mínima que pudesse justificar a sua aplicação ao requerente. Não se trata, pois, sequer de um caso de fundamentação deficiente, insuficiente ou contraditória; ela é absolutamente inexistente”. Sustenta, também, que não se verificam os pressupostos para a suspensão preventiva no caso concreto, os quais não foram sequer indagados, não existindo, ademais, a infracção subjacente.

Em síntese, nos termos da sua alegação, “o Requerente foi declarado suspenso com base em imputações que lhe foram feitas no relatório da equipa de arbitragem, desenvolvidas (de forma radicalmente diferente, note-se) em complemento que lhe foi solicitado, e cuja falsidade prontamente denunciou e procurou demonstrar, o que foi simplesmente ignorado; e tudo isto através de acto praticado por quem para tal não dispõe de competência, e na ausência de proposta/impulso para o efeito, e com total ausência de fundamentação”.

Em relação ao periculum in mora, alega que a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto. Neste ponto sustenta que: “fica inibido de se exprimir publicamente de forma livre, vendo-se assim coarctado no exercício da sua liberdade de expressão (consagrada no art. 37.º da CRP), sob pena de incorrer na prática de uma outra infracção disciplinar de não acatamento de deliberações, prevista e punida no artigo 135.º do RD. // A cada dia – a cada hora – que passa, o requerente vê-se constrangido na sua liberdade de expressão que lhe é ilegalmente limitada pela sanção ilegalmente determinada pela requerida.// Pois o requerente sabe que, em consequência automática daquela sanção, não pode proferir declarações públicas sobre matérias relacionadas com as competições desportivas, sob pena de poder vir a ser alvo de outro processo disciplinar.

Neste capítulo, em síntese, “a sanção de suspensão aplicada ao Requerente – consistente na proibição de estar na presente na zona técnica dos recintos desportivos em dias de jogo e de intervir publicamente em matérias desportivas – compreende um impedimento gravoso e relevantíssimo ao exercício da sua actividade profissional. // Seja como Director Desportivo, na medida em que não pode acompanhar a equipa nos jogos nem intervir publicamente em representação da S............. CP, seja como Delegado do Clube, cujas funções são necessariamente exercidas nos jogos da equipa”.

Vejamos então.

Em primeiro lugar, como sempre por nós foi feito anteriormente, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

No caso, aceita-se que ocorre probabilidade da existência do direito invocado.

Porém, a título preliminar, importa deixar os seguintes considerandos.

A suspensão provisória determinada no âmbito de um processo disciplinar é uma medida cautelar, preventiva, que não se confunde com a sanção disciplinar em si, a aplicar no final do procedimento.

Como se escreveu no ac. de 1.07.2016 do TCAN, proc. n.º 374/12.0BEVIS:

A Constituição da República Portuguesa consagra, ente as «Garantias de processo criminal», que «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.» (art.º 32º, nº 2, da CRP).

«Tem-se admitido, em todo o caso, que os princípios da constituição criminal, e especificamente os previstos nos artigos 29.º e 32.º da CRP, apesar de se restringirem no seu teor literal ao direito criminal, devam valer, no essencial, e por analogia, para todos os domínios sancionatórios: o princípio da legalidade das penas, o princípio da não retroatividade e o princípio da lei mais favorável ao arguido e o princípio da culpa (acórdãos do TC n.ºs 161/95, 227/92, 574/95 e 160/2004). A jurisprudência constitucional tem igualmente admitido, em processo disciplinar, o princípio da presunção de inocência do arguido, como decorrência do direito a um processo justo, não apenas na sua vertente probatória, correspondendo à aplicação do princípio in dubio pro reo, pelo qual é à Administração que cabe o ónus da prova dos factos que integram a infração, quer ao nível do próprio estatuto ou condição do arguido em termos de tornar ilegítima a imposição de qualquer ónus ou restrição de direitos que, de qualquer modo, representem e se traduzam numa antecipação da condenação (…)» (Ac. do Trib. Const. nº 62/2016, de 03-02-2016).

Citando anterior jurisprudência, lembra o Tribunal Constitucional que o “princípio da presunção de inocência dos arguidos, consagrado expressamente para o processo criminal no artigo 32º, nº 2, da Constituição é “igualmente válido, na sua ideia essencial, nos restantes domínios sancionatórios e, agora, em particular, no domínio disciplinar” (Ac. nº 327/2013, de 12/06/2013).

Como se sabe, a suspensão preventiva no domínio disciplinar tem sido considerada medida cautelar.

Assim, numa primeira abordagem, poderíamos ser levados a afirmar que tal medida não se funda numa presunção de culpabilidade, não está prevista como lógica de antecipação da condenação do arguido, não brigando com a presunção de inocência (cfr., em paralelo, o Parecer do CC da PGR nº P000261988, votado em 10-11-1988).

Mas as coisas não são assim tão simples.

Na determinação do princípio da presunção de inocência, Gomes Canotilho e Vital Moreira apontam, como decorrências do seu conteúdo, as seguintes concretizações: “(a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; (b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; (c) exclusão da fixação da culpa nos despachos de arquivamento; (d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado; (e) proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. AcTC n.º 198/90); (f) proibição de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal; (g) natureza excecional e de última instância das medidas de coação, sobretudo as limitativas ou proibitivas da liberdade; (h) princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado” (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, 2007, pág. 518).

No confronto entre as necessidades cautelares e a presunção de inocência o Tribunal Constitucional tem obtido ponto de equilíbrio por intervenção do princípio da proporcionalidade.

Assim, p. ex., no Ac. nº 439/87, de 04/11/87, o Tribunal afirmou que «essa garantia não torna ilegítima toda e qualquer suspensão de funções do arguido, que seja funcionário ou agente, aplicada antes do trânsito em julgado da sentença de condenação. A própria prisão pre­ventiva é admitida pela Constituição, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», no caso de «flagrante delito» ou «por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior» [artigo 27º, nºs 2 e 3, alínea a)]. A suspensão só será constitucionalmente ilegítima quando viole o princípio da proporcionalidade, «o qual - como se lê no citado acórdão nº 282/86 - encontra afloramento no artigo 18º, nº 2, da CRP e sempre há-de reputar-se como componente essencial do princípio do Estado de direito democrático (cf. o artigo 2º da CRP)».

Também no Ac. nº 273/2016, de 04-05-2016, sublinhou que «não merece acolhimento o entendimento que perspetive, sem mais – isto é, sem ponderação de proporcionalidade -, a medida em apreço como implicando a transposição de um juízo probatório penal para o campo disciplinar, ou lhe associe um efeito antecipatório da aplicação de uma sanção, principal ou acessória.».

Ou seja, a aplicação da medida preventiva terá que assentar numa regra de proporcionalidade face ao comportamento do agente transgressor e aos valores defendidos com e no próprio procedimento sancionatório. Esta apenas se justifica em razões de ordem funcional – relativas à necessidade de defesa do prestígio dos serviços públicos - e de ordem processual – relativas à necessidade de recolha de provas que pode ser frustrada pela presença do arguido. O que sempre deverá ser concretizado e demonstrado pelo órgão com competência disciplinar (cfr. o ac. de 10.12.2019 deste TCAS, no proc. n.º 302/18.0BEFUN); ou, no dizer do STJ, na demonstração de que “a presença continuada do trabalhador pode prejudicar o procedimento disciplinar ou o próprio inquérito” (ac. de 2.04.2008, proc. n.º 07S4104).

Isto estabelecido, o que desde logo transparece dos autos é que a medida disciplinar (provisória) foi aplicada ao Requerente sem o efectivo cumprimento do seu direito de defesa. Na verdade, a defesa existente no procedimento sancionatório em causa, conforme resulta do probatório fixado, concretamente dos pontos b), c), d) e) e f), foi meramente aparente, consistindo apenas no cumprimento do dever formal de notificação para pronúncia e no recepcionamento dessa resposta (tempestiva); nada se demonstra que sobre aquela tenha havido um juízo valorativo mínimo ou que esta tenha sido sequer considerada antes da decisão.

Este comportamento do Conselho de Disciplina da Requerida tem relevância, no caso, numa dupla dimensão: por um lado tem implicações ao nível dos direitos de defesa do arguido e, por outro lado, no que aqui é determinante, ao nível da fundamentação do acto.

Em relação aos direitos de defesa do arguido, é sabido que decorre dos princípios constitucionais, designadamente do art. 20.º da CRP, o direito a um processo equitativo, que e se concretiza através de outros princípios, entre os quais “o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Ed., 2007, p. 415). E entre essas dimensões do princípio do contraditório temos a proibição da indefesa, a que se associa o princípio de participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, materializado no direito de cada um a ser ouvido em juízo, preferencialmente antes de a decisão ser tomada.

Ora, notificar – e bem - o arguido para se pronunciar no âmbito do procedimento sancionatório previamente à decisão e depois nada relevar dessa pronúncia para efeitos da aplicação da sanção, consubstancia o cumprimento apenas formal da exigência de audição prévia. Dito de outro modo, e visto os termos em que a medida disciplinar vem aplicada, o direito de defesa foi simplesmente obliterado, de nada tendo servido, materialmente, o seu exercício.

Em conclusão, mesmo atendendo a que em causa está uma medida provisória, estamos perante um caso em que existe preterição de audiência prévia, dado resultar processualmente (indiciariamente) adquirido que o órgão instrutor e o órgão decisor não procedeu à ponderação dos argumentos nucleares apresentados pelo arguido em sede da mesma.

E é sabido que existe jurisprudência firmada relativamente às sanções aplicadas em processos sumários e a afectação do direito de defesa dos arguidos: i.a. os ac.s do T. Constitucional n.º594/2020, de 10.11.2020, processo n.º49/2, e acórdão nº742/2020, de 10.12.2020, proc. nº 506/20; idem, os ac.s deste TCAS de 10.12.2019, proc. nº 49/19, de 18.12.2019, proc. nº 35/19, de 16.04.2020, de 30.04.2020, de 26.11.2020, de 10.12.2020, de 21.01.2021 proc. n.º 114/20, de 18.02.2021 proc. 112/20, e 18.03.2021, proc. n.º 121/19.

Pelo que o acto que aplicou a medida disciplinar provisória será inválido.

E relativamente à matéria da fundamentação do acto, tudo aponta, de igual modo, para a probabilidade séria de ganho de causa pelo ora Requerente na acção principal. O que neste capítulo é decisivo.

Com efeito, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 224.º do RD, as medidas provisórias são adoptadas pelo Presidente da Secção Disciplinar mediante despacho especialmente fundamentado. É isso que se dispõe, de modo injuntivo, no citado artigo 224.º:


Artigo 224.º

Medidas provisórias


1. Nos casos expressamente previstos no presente Regulamento, a Secção Disciplinar poderá adotar medidas provisórias destinadas a acautelar o efeito útil da decisão final do procedimento ou a evitar a produção de lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos envolvidos na organização das competições profissionais de futebol.

2. As medidas provisórias são adotadas pelo Presidente da Secção Disciplinar mediante despacho especialmente fundamentado e sob proposta do instrutor ou, no caso do procedimento se encontrar pendente naquele órgão, do relator.

3. O despacho que adote medidas provisórias é imediatamente notificado ao visado.

Ora, o que os autos demonstram é tão-somente a invocação do n.º 4 do artigo 41.º do Regulamento Disciplinar da LPFP (RD) - facto b) do probatório.

Dispõe esse preceito o seguinte:

A Secção Disciplinar, nos termos previstos para as medidas provisórias no título III do presente Regulamento, pode suspender preventivamente as pessoas referidas nos artigos 37.º, 39.º e 40.º com efeitos a partir da data da notificação dessa decisão, se esta providência se revelar necessária para a salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol e, bem assim, da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições, mas nunca por prazo superior a 20 dias.

Sendo que aquele título III do RD, integra o artigo 224.º supra transcrito.

Isto é, mesmo a entender-se que a Secção Disciplinar poderia aplicar a medida provisória, sempre esta teria que ser aplicada após a devida enunciação das razões que a determinavam. Ou seja, como anteriormente se deixou dito, haveria que estar justificado que a suspensão provisória era “necessária para a salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol e, bem assim, da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições”. E sobre isso nada é dito, nem a mínima alusão é feita.

Em síntese, neste ponto, assiste razão ao Requerente quando afirma que a motivação do acto se resume à mera confrontação da norma aplicável à medida imposta. Como alega, “a medida adoptada pela requerida não encerra qualquer tipo de fundamentação mínima que pudesse justificar a sua aplicação ao requerente. Não se trata, pois, sequer de um caso de fundamentação deficiente, insuficiente ou contraditória; ela é absolutamente inexistente.

Na verdade, tudo visto, a decisão comunicada ao Requerente não passa de um mero quadro contendo a medida aplicada e a norma que a prevê, dela não constando qualquer menção aos factos que justificam a imposição da mesma. O que equivale a estarmos perante uma situação manifesta de falta de fundamentação do acto.

A suspensão do ora Requerente é “necessária para a salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol” e “da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições”? É? Se sim, porquê? Não sabemos, porque nada nos é dito.

Donde, no caso concreto, nem sequer conseguimos submeter a decisão à prova da regra de proporcionalidade, no sentido de verificar da exigibilidade e adequação da medida provisória decretada pelo Conselho de Disciplina da Requerida.

Veja-se, procurando um lugar paralelo, que a suspensão provisória de um trabalhador determinada no âmbito de um processo disciplinar é uma medida cautelar, preventiva, que, não se confundindo com a sanção disciplinar em si, apenas se justifica em razões de ordem funcional – relativas à necessidade de defesa do prestígio dos serviços públicos - e de ordem processual – relativas à necessidade de recolha de provas que pode ser frustrada pela presença do arguido. O que carece de ser concretizado e demonstrado pelo órgão com competência disciplinar e que no caso presente não foi.

E assim sendo, para tanto bastando, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, pode concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente. Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Ora, enquanto durar o período de suspensão, ainda que provisória, o Requerente não poderá emitir opiniões publicas sobre os jogos, nem lhe será possível executar as tarefas inerentes ao seu cargo de Director desportivo, uma vez que não pode estar presente e não pode circular pela zona técnica dos estádios nos dias de jogo. Trata-se, portanto, de uma situação em que a tutela cautelar se justificará em razão da existência de lesão continuada ou repetida (cfr., a este propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, p. 112-119).

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. n.º 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, na impossibilidade de o Requerente exercer efectiva e plenamente as funções de Director desportivo do S............. ……………., com afectação da sua liberdade de expressão e do direito ao livre exercício de profissão.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, o cenário de impossibilidade do exercício efectivo e pleno das funções que o Requerente desempenha, pelo período que ainda falta transcorrer até ao terminus dos 20 dias de suspensão, constitui, em si, um prejuízo grave e de difícil reparação. Ou, para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA).

Aliás, em caso idêntico, ainda que relativa a sanção disciplinar, foi proferida decisão em 7.02.2022, no processo n.º 34/22.4BCLSB.

Deste modo, tudo ponderado, na situação concreta em análise, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos.

O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, na sequência do que se disse anteriormente, a medida provisória tal como ela vem decretada não permite sequer a sua sujeição ao crivo de um juízo de proporcionalidade. Nem de avaliação de razões de ordem funcional – relativas à necessidade de defesa do prestígio da Federação Portuguesa de Futebol -, nem de avaliação de razões de ordem processual – relativas à necessidade de recolha de provas que pode ser frustrada pela presença do arguido.

Podemos, embora, presumir que em causa estará a afectação dos valores da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol e da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições. Mas concretamente qual ou quais os valores a proteger? Não sabemos.

De resto, nada nos autos evidencia que, no que se refere ao ora Requerente e olhando para as punições disciplinares aplicadas a outros jogadores e agentes desportivos e fundamentação das mesmas, conforme vertido no Mapa de processos sumários junto aos autos, o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva. Mas isto é a consequência “natural” do provimento da medida cautelar.

Como alegado pelo Requerente, “em caso de improcedência do pedido, [a pretensão sancionatória] sempre poderia ser satisfeita – ao contrário do Requerente, cuja posição jurídica jamais poderá ser reintegrada”.

Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que não se afigura ser o caso.

Pelo que, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).



VI. Decisão

Pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da medida de suspensão preventiva não automática de 20 dias aplicada ao Requerente, H……………………………., em 15.02.2022, no âmbito do processo sumário que lhe foi movido com a referência 12335742.

Custas da responsabilidade do Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2022

Pedro Marchão Marques
Juiz presidente