Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9811/16.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
Sumário:I. Cumpre à Autoridade Tributária o ónus da prova de estarem verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.

II. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da materialidade da operação (artigo 121º CPT).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A FAZENDA PÚBLICA não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por S.... - S...., SA, contra a liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios, respeitante ao exercício de 1995, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, uma vez que a impugnante provou que o CAE era 74842 e não 72200 como consta do RIT, pelo que tendo mantido os serviços de inspecção as correcções mencionadas no RIT, há erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não podendo a liquidação manter-se devendo ser anulada. 
II. O thema decidendum, assenta em saber se, tendo-se provado o CAE 72200, a questão a decidir é a relativa à dedução do IVA, referente à factura n° 646, de 31/12/1995 seria ou não custo para a impugnante, uma vez que representa serviços não realizados pela suposta entidade prestadora e a impugnante não prova a sua materialidade.
III. - Com respeito ao CAE, ficou provado que a sociedade S.... - O...., com o NIF 50……., em 1995 tinha um CAE 72200, ou seja, Consultadoria e Programação Informática e, em 2004 tinha o CAE 72220, Outras Actividades de Consultadoria em Programação, tal como consta a fls. 47 do PAT e doc 1, ora junto.
IV. - Assim, está devidamente provado o CAE pelo que o erro sobre os pressupostos consubstanciado na douta sentença quanto ao CAE não poderá persistir.
V. - Com respeito à consequência de ter um CAE que não se enquadra no descritivo da factura n° 646, de 31/12/1995, pois a consultadoria e programação informática nada pode ter a ver com custos incorridos com uma grua, razão pela qual os serviços de inspecção a desconsideraram por configurar serviços não prestados.
VI. - E sendo serviços não prestados, os custos incorridos com a grua não são aceites como custos nos termos do art.° 23° do CIRC, o qual tem repercussões a nível de IVA, pois consubstancia uma operação não verdadeira, nos termos do art.° 19°, n° 3 do CIVA.
VII. - Quanto ao mencionado no ponto anterior, o DMMP no seu parecer refere que “O Relatório da AT, fls. 23 e ss. Do Processo Administrativo, parece-nos suficientemente claro no sentido de fundamentar as correcções feitas em sede de IVA sendo certo que em relação à facturação que representa serviços não realizados pela suposta entidade prestadora a impugnante não prova minimamente a sua materialidade (art° 19.3 do CIVA) como se diz no Ac. do TCA de 2000.05.30, Rel. Fernanda Xavier: "II - Para que a AF faça uso do citado preceito legal basta que existam indícios sérios de que as operações tituladas pelas facturas, não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são."
VIII. - Assim sendo, não há erro sobre os pressupostos em que assentaram as correcções efectuadas e, não as havendo, resta saber se a impugnante poderia ou não deduzir o IVA.
IX. - Na verdade, o direito à dedução não pode ser restringido, o que é verdade apesar de haver excepções, sendo uma delas a contemplada no art.° 19°, n° 3 do CIVA. 
X. - No projecto de RIT consta que “No relatório de inspecção, doravante RIT, ao exercício de 1995 é mencionado que “(...) Da análise à Mod. 22 e elementos constantes do processo verificou-se ainda que:
(...)
5 - Nos termos do Art° 23° do CIRC, não se aceita como custo o valor de 15.000.000$00 debitado pela firma S.... - O...., S.A - NIPC 502…… referente à factura 6466 de 31/12/95 pela não evidência do serviço prestado e atendendo ainda à actividade exercida pela firma - CAE 72200 - Consultadoria e Programação Informática, dando a entender tratar-se de operação em que é simulada a forma porque é apresentada (Anexo 4 - 2fls).
(...)
Da análise à exposição do contribuinte à a referir o seguinte:
(...)
3 - Da correcção mencionada no ponto 5 do projecto de conclusões de relatório, referente à não aceitação de custos no total de 15.000.000$00 por não estar evidenciado a necessidade do mesmo, o contribuinte alega que o valor debitado é referente a custos incorridos com conservação, reparações, seguros, combustíveis e outros custos de uma grua pertencente ao imobilizado mas ao serviço da S.... - O...., S.A, NIPC 502….. A este propósito à a referir que quem contabilizou o custo como amortizações foi a firma em análise, e não existe a contrapartida do proveito pela cedência à S.... - O...., não havendo assim, evidência da justificação dada pelo que se mantêm a correcção inicialmente proposta.
(...)
8 - Da correcção no âmbito do IVA no total de 2.678.000$00 referente a deduções indevidas nos termos do n° 6 do Art° 71° e n° 3 do Art° 19° nos valores de 128.000$00 e 2.550.000$00, respectivamente, o contribuinte relativamente aos 2.550.000$00 utiliza argumentos já descritos no ponto 5 da sua exposição não concordando com a referida correcção e relativamente à correcção no valor de 128.000$00 o contribuinte alega que não se trata de uma rectificação da factura, mas sim da contabilização de uma factura de 28/12/92 alegando que a dedução é permitida nos cinco anos seguintes. A este respeito à a referir que se mantêm as referidas correcções. A referente aos 2.500.000$00 pelos motivos já comentados no ponto 3 desta análise, a dos 128.000$00 porque efectivamente o contribuinte faz a dedução sem observação do disposto no n° 6 do Art° 71°, sendo apenas permitida a dedução nos 5 anos seguintes mas nas condições do n° 7 do referido Art° 71°, o que não foi o caso.” (bold e sublinhado nosso) - vide fls. 26, 29 e 38 do PAT

XI. - Ora, os argumentos para a desconsideração dos custos e dedução indevida do IVA são os mesmos, ou seja, se a impugnante suportou os custos incorridos com conservação, reparações, seguros, combustíveis e outros custos de uma grua pertencente ao imobilizado mas ao serviço da S.... - O...., S.A, se não existe qualquer contrapartida pela cedência da grua àquela firma, não consegue explicar as razões de facto e de direito que subjazem à materialidade da operação. Não esquecendo que, anteriormente já no RIT se tinha mencionado que a operação tal como estava configurava um operação simulada pois a S.... - O.... SA não tinha CAE para emitir a factura com aquele descritivo, por isso foram desconsiderados.
XII. - Por outro lado, a impugnante não conseguiu provar a materialidade da operação, pelo que a sentença ao decidir pelo erro nos pressupostos de facto e de direito peca em si mesma pelo mesmo erro, tal como vimos a aludir e a provar, pelo que deverá ser revogada por outra, sob pena de violação, por vício de lei, do art.º 23° do CIRC e art.° 19°, n° 3 do CIVA.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.


A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, na apreciação dos factos e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) A impugnante é uma sociedade como o CAE 74842 que se dedica, entre outras actividades, a serviços prestados a outras empresas;
(cfr. fls. 118 do PA junto aos autos)

B) Através da Ordem de Serviço n.º 293, a impugnante foi alvo de uma inspeção tributária, com início em 07.02.2000 e conclusão em 05.06.2000, para análise à declaração Mod. 22 de IRC, relativa ao ano 1995;
(cfr. fls. 22 do PA junto aos autos)

C) Através do ofício n.º 00796 de 10.05.2000, a impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspeção para exercer o direito de audição prévia;
(cfr. fls. 63 do PA junto aos autos)

D) Em 29.05.2000 deu entrada do exercício do direito de audição nos Serviços de Inspeção Tributária, conforme fls. 57 e sgs. do PA junto aos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;

E) Das duas rubricas impugnadas nos autos, os serviços de Inspeção Tributária, no âmbito da ação desenvolvida à análise da declaração Mod. 22 de IRC de 1995, efectuaram as seguintes correções:
«(...)
5. Nos termos do art.º 23 do CIRC, não se aceita como custo o valor de 15.000.000$00 debitado pela firma “S… _ O…., SA.”, - NPIC 502……, referente à factura 6466 de 31.12.95, pela evidência do serviço prestado e atendendo ainda à actividade exercida pela firma - CAE 72200 - Consultadoria e Programação Informática, dando a entender tratar-se de operação em que é simulada a forma porque é apresentada (Anexo a- 2Fls.).
(...)
Conforme documento interno n.º103 (Anexo 7-2 fls.) o contribuinte deduziu IVA indevidamente nos termos do n.º 6 do art°71 do CIVA no valor de 128.000$00 dado a data da factura ser de 28.12.92. Conforme descrito no ponto 5 da presente informação, bem como Anexo 4 - 2fls., o contribuinte deduziu indevidamente IVA, nos termos do n.º 3 do art.º19 do CIVA, no valor de 2.550.000$00.
Assim, o resumo das propostas de correção é a seguinte:
(...)
IVA:
Deduções indevidas:
Art.º71 n.º6 - ponto 10 - 128.000$00
Art.º 19 n°3 - ponto 10 - 2.550.000$00
Total…………………. 2.678.000$00
(cfr. fls. 141 a 143 do PA junto aos autos)

F) Do Mapa Mod.32.1 de Reintegrações e Amortizações, respeitante ao exercício de 1995, a fls. 218 do PA junto aos autos, consta com o código 2345 os bens do imobilizado corpóreo designado por tractores e atrelados, empilhadores, idem..., adquirido em 1993;

G) A sociedade “S… — O…., SA.”, - NPIC 502……, no ano de 1995 exercia a atividade de “Outros serviços prestados a empresas” com o Código de Actividade Económica (CAE) 74842;
(cfr. fls. 225 do PA junto aos autos)

H) Na sequência da ação de inspeção foram notificadas à impugnante:

- a liquidação adicional de IVA n.º 001…., com data limite de pagamento voluntário de 31.12.2000, no montante de 2.678.000$00, ou €13.357,81;
- as liquidações de juros compensatórios n.º001…. do período 95/11, no montante de 83.851$00 ou €418,25 e n.9 001…. do período 95/12, no montante de €7.762,29;
(cf. fls. 21 a 23 dos autos)

I) Através do ofício n.9 22658 de 08.08.2002, a impugnante foi notificada do despacho, datado de 04,07.2002, referente ao indeferimento da reclamação graciosa, deduzida em 29.03.2001;
(cf. fls. 220 e sgs do PA junto aos autos)

J) Pela sociedade “S.... - O.... SA.”, foi emitida, à impugnante, a factura n.º 646 em 31.12.95, com data de vencimento a 14.02.96, o montante de 15.000$00, acrescido de IVA no valor de 2.550.000S00, em cujo descritivo se lê «Custos globais incorridos com a Grua dentro da vida útil da mesma, dado que as mais valias da venda foi assumida por V. Exas. Diversos»
(cfr. fls. 33 dos autos)

K) Pela sociedade "S….., SA.”, foi emitida, á impugnante, a factura n.º 50006 em 28.12.92, no montante de 800.000$00, acrescido de IVA no valor de 128.000$00, em cujo descritivo se lê «Elaboração de estudo pedido de viabilidade do Parques de Negócios» registada na contabilidade da impugnante com o nº110 em 30.11.1995;
(cfr. fls. 34 dos autos)

L) Os autos de impugnação deram entrada no 14.a Bairro Fiscal de Lisboa 28.08.2002, cf. fls. 2 dos autos;


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.


E, quanto à Motivação da Decisão de Facto consignou-se:

A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.


II.2 Do Direito

Na sequência de ação inspetiva a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou, para efeitos de dedutibilidade do IVA mencionado na fatura n° 646, com data de 1995.12.31, com fundamento em que a operação em causa não correspondia a uma transação real e efetiva entre a emitente e a Impugnante, ora Recorrida, invocando, entre outras disposições legais, o artigo 19/3 CIVA.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial, incorreu em erro de julgamento de facto, erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que a empresa emitente da fatura que não foi considerada no ano de 1995 exercia a atividade económica a que corresponde o CAE 72200.

Nas conclusões das alegações, a Recorrente elege esta questão como o ponto fulcral para se aferir sobre se a dedução do IVA, referente à fatura n° 646, com data de 1995.12.31, seria ou não custo para a Impugnante, ora Recorrida, uma vez que representaria serviços não realizados pela suposta entidade prestadora e a Impugnante, ora Recorrida, não ter provado a sua materialidade (cf. conclusão II).

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação concluiu que, de acordo com a factualidade apurada, no exercício de 1995 a empresa emitente da fatura tinha declarado o código de atividade económica a que corresponde o CAE 74842.

Assim, no recurso interposto a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita, antes do mais, o erro de julgamento de facto, em que pede a reapreciação da prova documental junta aos autos.

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT], cabendo à Recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;

Nas alegações de recurso a Recorrente a indicou nas respetivas conclusões, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, pelo que se considera minimamente cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

A Recorrente elege o documento constante de fls. 47 do processo administrativo (PA) junto aos autos, como bastante para comprovar qual o código da atividade económica desenvolvida pela empresa que emitiu a fatura em causa e pela qual se encontrava inscrita no cadastro.

O documento de fls. 47 do PA é um print informático, interno, emitido em 2000.05.02, intitulado Visão do Contribuinte, relativo à sociedade S.. – O…., SA, com o NIF 502…., no qual consta o CAE 072200 – Consultadoria e Programação Informática.

Na sentença recorrida, na alínea G) dos factos provados, consta:
A sociedade “S… — O…, SA.”, - NPIC 502….., no ano de 1995 exercia a atividade de “Outros serviços prestados a empresas” com o Código de Actividade Económica (CAE) 74842 - (cfr. fls. 225 do PA junto aos autos)

As fls. 225 do PA encontra-se cópia da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC da referida sociedade S… – O….., SA, relativa ao exercício de 1995, recebida no Serviço de Finanças em 1996.05.31, na qual, no quadro 10 – Designação das Atividades de Natureza Comercial, Industrial ou Agrícola, foi declarado: atividade principal: outros serviços prestados a empresas – CAE 74842.

Anote-se, desde já, que embora a Recorrente pretenda atacar o julgamento de facto feito pelo Tribunal a quo, imputando-lhe erro na apreciação das provas em que assentou a decisão, na parte impugnada, constata-se, todavia, que não impugnou o concreto meio de prova que serviu de fundamento à decisão.

Para a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1ª Instância não bastam motivos de simples discordância com o decidido. Com efeito, nos termos dos artigos 640º e 662º CPC, necessário se torna que as provas produzidas impunham decisão diversa da que foi ali tomada.

Vejamos, então:

Como vimos já, o documento de fls. 100 do PA, que já constava dos autos quando foi proferida a sentença recorrida, é um print informático, interno, relativo à situação cadastral da empresa que emitiu a fatura em causa e que foi desconsiderada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e com o qual se pretende comprovar a afirmação constante do relatório de que a sociedade estava inscrita no cadastro como exercendo a atividade económica a que corresponde o CAE 072200 – Consultadoria e Programação Informática.

O documento de fls. 225 do PA remete para a declaração anual de rendimentos da mesma empresa, respeitante ao exercício de 1995, em que esta declarou exercer como atividade principal outros serviços prestados a empresas, ao qual corresponde o CAE 74842.

E, foi isso mesmo que foi levado ao probatório: no ano de 1995 a empresa em causa no ano de 1995 declarou que exercia a atividade de outros serviços prestados a empresas com o Código de Atividade Económica (CAE) 74842.

Ora, o facto levado ao probatório encontra-se, pois, também ele, sustentado em documento constante do PA e que, insiste-se, não foi impugnado ou contrariado pela Recorrente.

E se é certo que as empresas têm o dever de declarar a atividade produtiva a que se dedicam, também o é que podem exercer mais que uma atividade económica.

Ora, ao contrário do que Recorrente pretende com os argumentos apresentados, do documento de fls. 100 não resulta que no ano de 1995, a empresa se dedicasse em exclusivo aquela atividade de consultadoria e programação informática, tanto mais que declarou coisa diferente na declaração anual de rendimentos.

Por outras palavras, os argumentos apresentados não são de molde a concluir-se que o Tribunal a quo fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexata, ou ainda que os valorou erroneamente.

Como referimos no início, para atacar o julgamento de facto feito pelo tribunal, imputando-lhe um erro na apreciação das provas, ou um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova, não bastam razões de simples discordância.

Não estando, no caso, perante prova deva ser feita através de certos meios, que apresentem uma determinada força probatória, vale, aqui, o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, matéria também regida pelos princípios da imediação e da oralidade, formada pelo confronto entre os vários meios de prova, exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum.

Vejamos como a questão foi apreciada na sentença recorrida no segmento que se transcreve:

Resulta do relatório inspectivo que a dedução do IVA constante da factura 646 de 31.12.1995 não foi aceite pela inspeção tributária com o fundamento, conforme decorre do probatório em E), de que, «... não se aceita como custo o valor de 15. 000.000$00 debitado pela firma “S… — O…, SA " - NPIC 502…., referente à factura 6466 de 31.12.95, pela evidência do serviço prestado e atendendo ainda à actividade exercida pela firma - CAE 72200 - Consultadoria e Programação Informática, dando a entender tratar-se de operação em que é simulada a forma porque é apresentada.»
Ou seja, a inspeção tributária concluiu tratar-se de uma operação em que é simulada a forma porque foi apresentada.
Perante a referida correção, a impugnante vem, em sede de direito de audição, afirmar que a sociedade emitente da factura não tem o CAE 72200, mas sim, o CAE 74842, cujo objeto é referente a “Outras atividades de serviços prestados principalmente a empresas diversas”.
Sobre tal reparo, que reportamos de importância fundamental, porque revelador dos pressupostos de facto e de direito que motivaram a referida correção, a inspeção não teceu qualquer comentário.
Com efeito, constamos que na apreciação do direito de audição exercido pela impugnante, aquando da notificação do projecto de correções, as conclusões da inspeção tributária, ponto 3 do relatório, relativas à manutenção da correção assentam em factos completamente diversos.
Ou seja, a inspeção tributária, não obstante não se ter pronunciado sobre o erro evidenciado pela impugnante, revelou que manteve a correção, concluindo não existir a contrapartida do proveito pela cedência à "S.... - O.... SA.”, não havendo assim evidencia da justificação dada no direito de audição.
Constatamos então que a inspeção tributária se baseou primeiramente num pressuposto de facto e de direito manifestamente errado para concluir que se tratava de uma operação simulada e, posteriormente, baseada noutros factos, nomeadamente de que, não existia contrapartida do proveito pela cedência da grua.

Para concluir de seguida:

Assim sendo, tendo agora a correção outros contornos que não a simulação, deixou de impender sobre a impugnante o ónus da prova de que não se tratava de uma operação simulada como se pode ler no invocado acórdão do TCAN processo n.º 00390/05.9BEBRG de 30-10-2014.
Incumbia agora à inspeção tributária fundamentar a sua correção fazendo referência, por exemplo, a que titulo a impugnante cedeu a máquina à referida empresa.
Não decorre das conclusões do relatório se a máquina foi cedida a título gratuito ou oneroso, ou que tipo de contrapartida existia entre as duas sociedades.
Acontece que esta fundamentação apenas foi dada a conhecer à impugnante aquando da notificação das conclusões do relatório inspectivo que antecedeu a liquidação adicional e as respectivas liquidações dos juros compensatórios.

Para abalar a convicção que o tribunal a quo retirou da prova produzida, os autos teriam de conter uma prova firme, indiscutível ou irrefutável em sentido contrário do decidido. Não é esse o caso do documento constante de fls. 100 do PA.

Pelas razões expostas, não se verificam, pois, os pressupostos para a reapreciação ou modificabilidade da decisão de facto pretendida pela Recorrente.


Vejamos agora:

Alega a Recorrrente, que os serviços não foram prestados, e que os custos incorridos com a grua não são aceites como custos nos termos do artigo 23° do CIRC, o qual tem repercussões a nível de IVA, pois consubstancia uma operação não verdadeira, nos termos do artigo 19/3 do CIVA (cf. conclusão VI).

Mesmo antes da entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), já era entendimento jurisprudencial que recaía sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, ou seja, de que existiam indícios sérios de que a operação constante da fatura não correspondia à realidade. Feita esta prova, passaria a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação (artigo 121º CPT).

Com efeito, a Impugnante, ora Recorrida goza da presunção de veracidade da contabilidade (artigo 78º CPT).

Dizia o artigo 78° do Código de Processo Tributário (CPT), com a epígrafe, valor probatório da escrita: quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte.

Assim, o artigo 78º CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas(1).

Vejamos então se a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniu indícios sérios e bastantes para afastar a presunção de veracidade de que goza a escrita da Recorrida, como defende.

Os elementos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se apoiou para desconsiderar a fatura em causa são essencialmente dois. O primeiro relativo ao código de atividade económica inscrito no cadastro da emitente da fatura e que já foi objeto de análise supra, embora na vertente da modificabilidade da decisão de facto, e o segundo, por a Impugnante, ora Recorrida, não ter comprovado a materialidade da operação subjacente à emissão da fatura (cf. conclusão XI).

Nem no relatório da fiscalização nem nas alegações de recurso é posto em causa que a despesa/gasto em causa não se insere no escopo societário da Impugnante, ora recorrida.

Do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária consta: a impugnante suportou os custos incorridos com conservação, reparações, seguros, combustíveis e outros custos de uma grua pertencente ao imobilizado.

Todavia, como vimos, o ónus da prova da materialidade da operação só recai sobre o sujeito passivo depois de a Autoridade Tributária e Aduaneira reunir indícios sérios e bastantes para afastar a presunção de veracidade da escrita.

Para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, exige-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira reúna indícios objetivos, sólidos e consistentes, que se traduzam uma probabilidade elevada de que a fatura não titula operações reais.

Ora, é precisamente neste ponto que claudica a motivação do ato e a argumentação da Recorrente nas respetivas alegações.

O único indício recolhido pelos Serviços de Inspeção Tributária para demonstrar e motivar a desconsideração da fatura é o código da atividade económica com que a empresa emitente se encontrava inscrita no cadastro, e este tem de se considerar fraco e insuficiente para o efeito.

A autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter constatado se esta era a única atividade económica que a empresa emitente da fatura desenvolvia e se dedicava e averiguar junto desta sobre o se este lançamento tinha sido contabilizado na empresa envolvida, num cruzamento simétrico. Ou seja, devia ter recolhido outros indícios, nomeadamente junto da empresa emitente, para sustentar a posição de não aceitação daquele custo.

Tanto mais assim é que a empresa emitente da fatura indicou outro código de atividade económica na declaração anual de rendimentos respeitante ao exercício em causa.

A Recorrente não logrou, assim, cumprir o ónus que sobre si recaía da prova da verificação dos pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, não averiguando junto da emitente da fatura, qual a atividade económica concretamente exercida por esta e sobre se operação reputada como fictícia, foi ou não desenvolvida, em concreto, ou como se diz na sentença recorrida se existiu, no caso concreto, contrapartida do proveito pela cedência da grua, se esta foi ou não cedida e a que título.

A prova da factualidade que a levou a não aceitar a dedução de imposto, tinha que ser de molde a abalar a presunção de veracidade da operação constante da fatura, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA), ou seja, o ónus de prova de que a operação teve realização efetiva.

De todo o modo a Impugnante, ora Recorrida, tinha alegado falta de audição prévia antes da liquidação e a impugnação, relativamente à correção em causa, foi também julgada procedente com este fundamento, como se extrai do segmento que se transcreve:

Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, a correção sindicada padece preterição de formalidade legal essencial por não ter sido concedido o exercício do direito de audição, pelo facto da Inspeção Tributária ter utilizado factos novos para manter a correção sindicada.

E a Recorrente não atacou este concreto fundamento da decisão, pelo que, também por este motivo, o recurso estava votado ao insucesso.

Nesse sentido veja-se, nomeadamente, o recente Ac. TCAS de 2021.03.25, no Proc nº 859/07.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt.

A sentença que assim decidiu não merece, pois, a censura que lhe foi feita e é de confirmar.


Sumário/Conclusões:

I. Cumpre à Autoridade Tributária o ónus da prova de estarem verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
II. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da materialidade da operação (artigo 121º CPT).


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas do recurso pela Recorrente, por delas estar isenta [artigo 3/1.a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários].

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 8 de julho de 2021

SUSANA BARRETO


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(1) Ac. STA, de 2007.10.24, Proc nº 0479/07, disponível em www.dgsi.pt