Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08259/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DOS BENEFÍCIOS FISCAIS.
REGIME DE INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS QUE CONSAGRAM BENEFÍCIOS FISCAIS.
BENEFÍCIO FISCAL CONSAGRADO NO ARTº.42, Nº.1, DO E.B.F.
DÍVIDAS DE SISA.
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO.
PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
Sumário:1. De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).
2. Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
3. As normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.).
4. O benefício fiscal consagrado no artº.42, nº.1, do E.B.F., deve considerar-se um benefício automático, dado que resulta directa e imediatamente da lei ou, por outras palavras, o direito ao benefício opera "ope lege", pela simples verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.4, do E.B.F.).
5. Embora no presente processo esteja em causa um benefício automático, há que aplicar-lhe, por expressa remissão do nº.6, do artº.12, do E.B.F., as condições cumulativas previstas nas als.a) e b), do nº.5 do mesmo preceito, para os benefícios dependentes de reconhecimento, pelo que, ainda que haja uma dívida tributária em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos a tais benefícios se essa dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
6. As dívidas de sisa gozam de garantia real que se consubstancia em privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do disposto nos artºs.744, nº.2, do C.Civil, e 130, do C.I.M.S.I.S.S.D.
7. Resultando a liquidação de sisa impugnada da celebração de três contratos promessa de compra e venda, sendo que estes, pela sua natureza (incluindo as promessas com eficácia real), conferem meros efeitos obrigacionais, não opera com a sua celebração, a transmissão da propriedade do bem a que respeitam (cfr.artºs.410 e 413, do C.Civil). Por consequência, não emergiu o privilégio creditório invocado pelo recorrente, situação jurídica que a lei consigna à transmissão da propriedade e não, como aconteceu, à promessa de compra e venda, mesmo com eficácia real.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
JOSÉ................................................, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Beja, exarada a fls.104 a 120 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a presente acção administrativa especial, visando decisão de perda de benefício fiscal de isenção de I.M.I. para habitação própria e permanente.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.129 a 135 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas legais que citou, nomeadamente o nº.2, do artº.744, do Código Civil, e o artº.130, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, pois a expressão “bens transmitidos” nelas utilizada engloba as promessas de compra e venda de imóveis (desde que haja tradição dos bens para o promitente comprador);
2-As alegadas dívidas de Sisa liquidadas oficiosamente ao ora recorrente pela A.T. gozam da garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do disposto no nº.2, do artº.744, do Código Civil, e dos artºs.2, § 1, nº.2, e 130, do C.I.M.S.I.S.S.D. (aplicável “in casu”);
3-Gozando as alegadas dívidas de Sisa de garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, devem considerar-se preenchidas as condições do artº.14, nº.5, al.b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao contrário do afirmado na douta sentença recorrida;
4-Em conformidade com a procedência das conclusões anteriores, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que conceda provimento ao pedido formulado na presente acção pelo autor, ora recorrente, assim sendo feita a costumada Justiça.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal e pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas conclusões o seguinte (cfr.fls.161 a 170 dos autos):
1-O presente recurso não pode proceder e deve manter-se a sentença que considerou válido o despacho que decidiu cancelar benefícios fiscais em I.M.I. para 2007, porquanto o recorrente tinha uma dívida em execução fiscal à data de 31/12/2007, correspondente a SISA no valor de € 44.053,54;
2-Nem o recorrente nem a entidade recorrida podem beneficiar do privilégio imobiliário especial previsto no artº.744, do Código Civil, por força do disposto no artº.130, do CIMSISSD;
3-Isto porque o privilégio imobiliário existe mas apenas sobre os bens transmitidos e não sobre promessas da sua transmissão;
4-Através de um contrato-promessa não se opera a transmissão do direito real, mas apenas através do contrato prometido, a compra e venda;
5-Sem garantia prestada pelo executado, só através de penhora a dívida exequenda poderia considerar-se assegurada, impedindo o cancelamento de benefícios fiscais;
6-Não poderia nunca executar-se um bem, mesmo com privilégio, que não é o caso, sem estar penhorado no processo;
7-E que para a penhora esteja assegurada, devem ser respeitadas as formalidades constantes do artº.231, do CPPT, cuja omissão é cominada com a invalidade de toda a tramitação processual subsequente;
8-Não só a penhora, mas antes disso, a transmissão de bens é uma formalidade essencial e inultrapassável para que o Estado possa lançar mão dos seus privilégios imobiliários especiais;
9-Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não podem ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto, por força do artº.14, do EBF, como também a existência de dívidas determina a sua extinção;
10-Na presente situação, por existir uma dívida em execução fiscal, não garantida, durante o exercício de 2007 relativa a um imposto sobre o património, os benefícios fiscais automáticos relativos ao IMI do mesmo período não podem produzir efeitos;
11-A dívida em causa nos autos não se encontra garantida nem há nenhum bem penhorado no processo de execução fiscal, que só se suspende nos termos do artº.169, do CPPT;
12-Pelo que se deve concluir, do exposto, que não estando garantida a dívida nem sendo possível penhorar um imóvel de que o recorrente não é proprietário, apesar de correr termos um processo de oposição à execução, não estão preenchidos os pressupostos constantes do artº.14, nºs.5 e 6, do EBF;
13-Termos em que, pelo exposto e nos demais termos que V. Exa. suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo manter-se em vigor no ordenamento jurídico a sentença que considerou legal o despacho do Chefe de Finanças de Serpa que ordenou o cancelamento de benefícios fiscais para o IMI de 2007, com todas as demais consequências.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer, no qual igualmente suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito (cfr.fls.186 a 188 dos autos).
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Este Tribunal lavrou acórdão a julgar procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da hierarquia, mais sendo competente a Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. (cfr.acórdão exarado a fls.192 a 197 dos presentes autos).
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A Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. declarou-se incompetente para conhecer do presente recurso, mais ordenando a baixa dos autos a este Tribunal, com vista ao julgamento do mesmo enquanto apelação, tudo nos termos do artº.151, nº.3, do C.P.T.A. (cfr.acórdão exarado a fls.224 a 235 dos presentes autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.245 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.113 a 117 dos autos - numeração nossa):
1-Ao autor foram-lhe liquidados € 44.053,54 de imposto de sisa, em virtude de três contratos promessa de compra e venda que celebrou no ano de 1998 (cfr.artigo 1 da p.i.);
2-O autor impugnou esta liquidação, acção que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº.3319/06.3BELSB (cfr.artigo 2 da p.i.);
3-Por ofício datado de 2008/10/21, foi notificado para exercer o direito de audição prévia relativo ao projecto de cancelamento de benefícios fiscais no ano de 2007 (cfr.documento junto a fls.52 dos presentes autos);
4-Em 2008/11/12, o Chefe de Finanças proferiu o despacho recorrido, que manteve a cessação dos benefícios fiscais, constante de fls.58 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido. Deste despacho transcreve-se:
“(…)
Através da notificação/ofício nº. 000099964 (...), foi o contribuinte (José...........................) notificado para exercer o direito de audição relativamente ao cancelamento de benefícios fiscais (Isenção de IMI nos termos do artigo 42/1 EBF), por ter sido detectada a existência de dívidas ao Estado em 2007.12.31.
No exercício do direito de audição vem argumentar que a dívida de imposto municipal de sisa foi objecto de oposição e de impugnação, e que como o referido imposto goza de privilégio imobiliário sobre o imóvel transaccionado, não será exigível a prestação de garantia referida na alínea b) do n° 5 do artigo 12 EBF, estando assim reunidos os requisitos legais que excepcionam o cancelamento dos benefícios fiscais.
De facto o artigo 12/5 EBF refere que os benefícios fiscais cessam se a dívida não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
Todavia o artigo 212 CPPT refere que a oposição suspende a execução (...).
Por outro lado, o artigo 169 CPPT permite a suspensão da execução desde que tenha sido constituída ou prestada garantia ou ainda penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda ou acrescido.
Em caso algum poderá ser suspenso o processo executivo sem que seja exigível a garantia, por não o prever o CPPT e, por isso mesmo, o processo executivo não está suspenso.
Poderá, de facto, haver dispensa de garantia nos termos do artigo 52/4 da LGT e artigo 170 CPPT mas essa questão terá de ser requerida em devido tempo e analisada no órgão de execução fiscal onde corre o processo executivo.
Cabe aqui analisar, apenas e tão só, se para efeitos de enquadramento no artigo 12/5, b), EBF se pode considerar que o privilégio imobiliário, previsto no artigo 744 do CC, poderá ser considerado como garantia de boa cobrança da dívida.
Parece-nos que sim.
Os artigos 744/2 e 736/2 CC, aliados ao artigo 130 do CIMSISSD, qualificam a sisa como beneficiária de privilégio imobiliário especial.
No processo executivo, quando o crédito exequendo de sisa tem lugar por força de liquidação deste imposto relativamente ao imóvel penhorado, o referido crédito beneficia de privilégio imobiliário especial ao abrigo do artigo 751 CC, preferindo à hipoteca, ainda que seja anterior.
Mas o que acontece é que o imóvel, cuja transacção deu origem ao crédito exequendo, não se encontra penhorado no processo executivo, logo não pode para já, funcionar qualquer tipo de privilégio e, sendo assim, não está garantida a cobrança da dívida.
Deste modo, não reconheço razão ao contribuinte e mantenho a cessação dos benefícios fiscais a que se refere o ofício n° 99964, de 2008.10.21 - isenção de IMI para habitação própria permanente prevista no artigo 42/1 EBF.
(…);
5-Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008/11/20, este despacho foi comunicado ao A. (cfr.documentos juntos a fls.59 a 60 dos presentes autos);
6-Em 2008/12/05, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a p.i. dos presentes autos (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa não se provaram outros factos…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria assente, consonante ao que acima ficou exposto, foi estabelecida com base nos documentos e informações constantes do processo…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a presente acção administrativa especial intentada pelo recorrente, tendo por objecto a decisão de perda de benefício fiscal de isenção de I.M.I. para habitação própria e permanente (cfr.nº.4 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas legais que citou, nomeadamente o nº.2, do artº.744, do Código Civil, e o artº.130, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, pois a expressão “bens transmitidos” nelas utilizada engloba as promessas de compra e venda de imóveis (desde que haja tradição dos bens para o promitente comprador). Que as alegadas dívidas de Sisa liquidadas oficiosamente ao ora recorrente pela A.T. gozam da garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do disposto no nº.2, do artº.744, do Código Civil, e dos artºs.2, § 1, nº.2, e 130, do C.I.M.S.I.S.S.D. (aplicável “in casu”). Que gozando as alegadas dívidas de Sisa de garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, devem considerar-se preenchidas as condições do artº.14, nº.5, al.b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao contrário do afirmado na sentença do Tribunal "a quo" (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7 - E.B.F.).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do E.B.F. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/12/2012, proc.5810/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/07/2013, proc.6629/13; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).
É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/6/2013, proc.6588/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/07/2013, proc.6629/13; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do probatório (cfr.nº.4 da factualidade provada), ao recorrente tinha sido concedido o benefício fiscal que se consubstanciava na isenção de pagamento de I.M.I., incidente sobre a aquisição de habitação própria e permanente, nos termos do artº.42, nº.1, do E. B. Fiscais (redacção em vigor em 2007). Em virtude de o recorrente ter dívidas ao Estado em 31/12/2007, foi objecto de cancelamento o benefício fiscal a que se acaba de aludir, atento o disposto no artº.12, do mesmo diploma.
O artº.12, do E.B.F. (actual artº.14), em vigor em 2007, dispunha sob a epígrafe:
Artº.12º.
(Extinção dos benefícios fiscais)
1-A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.
(...)
5-No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
6-Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão.
(...)
O benefício fiscal consagrado no artº.42, nº.1, do E.B.F., deve considerar-se um benefício automático, dado que resulta directa e imediatamente da lei ou, por outras palavras, o direito ao benefício opera "ope lege", pela simples verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.4, do E.B.F.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de C.T.F. 165, 1991, pág.132 e seg.).
Embora no presente processo esteja em causa um benefício automático, há que aplicar-lhe, por expressa remissão do nº.6, do artº.12, do E.B.F., as condições cumulativas previstas nas als.a) e b), do nº.5, para os benefícios dependentes de reconhecimento, pelo que, ainda que haja uma dívida tributária em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos a tais benefícios se essa dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 5/12/2012, rec.531/12).
"In casu", defende o recorrente que gozando as dívidas de Sisa de garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, devem considerar-se preenchidas as condições do artº.12, nº.5, al.b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao contrário do afirmado na sentença do Tribunal "a quo".
Ora, efectivamente, resulta da lei que as dívidas de sisa gozam de garantia real que se consubstancia em privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do disposto nos artºs.744, nº.2, do C.Civil, e 130, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Porém, conforme se retira do probatório (cfr.nº.1 da factualidade provada), a liquidação de sisa impugnada resulta da celebração de três contratos promessa de compra e venda e estes, pela sua natureza (incluindo as promessas com eficácia real), conferem meros efeitos obrigacionais, não operando com a sua celebração, a transmissão da propriedade do bem a que respeitam (cfr.artºs.410 e 413, do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 7ª. edição, Almedina, 1991, pág.329 e seg.). A transmissão do direito real sobre o imóvel apenas ocorre com a celebração do contrato prometido.
No caso "sub judice", como entende o Tribunal "a quo", não emergiu o privilégio creditório invocado pelo recorrente, situação jurídica que a lei consigna à transmissão da propriedade e não, como aconteceu, à promessa de compra e venda, mesmo com eficácia real (aliás, neste caso, nem sequer o recorrente alega poder tratar-se de uma promessa com eficácia real).
De acordo com o probatório a dívida tributária de sisa foi objecto de impugnação, mas não foi prestada garantia (nem requerida a isenção da sua prestação), mais inexistindo penhora que acautele a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, nos termos do artº.169, do C.P.P.T., pelo que se deve concluir que não se encontra suspensa a execução fiscal respectiva.
Logo, não merece censura o despacho recorrido e, consequentemente, o julgado que nesse sentido se pronunciou.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)