Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12721/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA - PERICULUM IN MORA
Sumário:
I - O critério da evidência plasmado no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA significa que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida sem mais.
II - A evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares.
III - Mostra-se verificado o requisito do periculum in mora exigido para o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, quando se conclui, em juízo de prognose, que a privação do vencimento do requerente coloca em risco a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

RELATÓRIO

NUNO ……………………………………. interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu a providência cautelar que instaurou contra o INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Seja decretada ex vi da al. a) do n.º 2 do art. 112º do CPTA, a providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 19-02-2015 do Presidente do IPL que homologou a avaliação final do período experimental do requerente como sem sucesso e determinou a desvinculação do mesmo da entidade demandada por caducidade do contrato;
b) Seja intimado ex vi da al. f) do n.º 2 do art. 112º do CPTA, o IPL para se abster da conduta violadora das normas de direito administrativo enunciadas nos artigos 46º a 53º do r.i.;
c) Seja intimado ex vi da al. f) do n.º 2 do art. 112º do CPTA, o IPL para adoptar a conduta prevista no art. 429º do CPC, ou seja, de enviar aos autos cópia das actas e outros documentos em seu poder indicados nos arts. 32º e 33º deste r.i., requeridos pelo requerente e não fornecidos pelo requerido.”

Concluiu assim as suas alegações:
“A - Foram dados como provados os 25 Factos elencados no seu Ponto 2.1., e nomeadamente o Despacho (extracto) n.º 7552/2014 que prova a contratação do requerente pelo Requerido com o vencimento mensal de € 1.201,48 e início de funções a partir de 1-04-2014.
B - Não foi junta com o PA a acta do procedimento de avaliação do período experimental, nem o plano de actividades do aludido período, documentos estes essenciais para a contraprova da nulidade de todo o procedimento alegada pelo requerente no RI e na acção principal, e cuja junção aos autos foi requerida na alínea c) do petitório do RI, ao abrigo do artº 429º do CPC.
C - Dos factos provados nos autos só se pode concluir que o rendimento mensal do agregado familiar do Requerente era de € 1.882,50 a partir de 1-4-2014.
D - E que passou a ser apenas de € 681,50 a partir da data do acto suspendendo, ou seja, cerca de 64% do rendimento anterior.
E - A apreciação pelo tribunal a quo da prova produzida peca por incoerência e contradição ao referir que "ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à composição do agregado familiar e as despesas que mensalmente têm a cargo, considera-se que embora haja uma redução de rendimento, a mesma não é de tal forma abrupta ou drástica que determine uma alteração radical do padrão de nível do agregado familiar do Requerente.
F - Aquela afirmação conclusiva e não fundamentada contradiz o senso comum, sendo notório que para pagar as despesas médias mensais do agregado familiar que são de € 1.078, o requerente passou a dispor apenas de € 681,50, ficando pois a descoberto o montante de € 396,50.
G - E se há despesas que com grande sacrifício poderão ser reduzidas, outras há que são incompressíveis como sejam a alimentação, a saúde e a prestação mensal ao banco para amortização do crédito para compra de habitação.
H - Não só a redução do rendimento mensal foi abrupta e drástica,
I - Como determinou uma alteração radical do padrão de nível do agregado familiar do Requerente.
J - Para sobreviver o agregado do requerente irá ter que deixar de pagar a prestação ao banco e ver penhorada a sua única habitação, tirar o filho do colégio, e mesmo assim recorrer à caridade de amigos para obter alimentos para o agregado familiar.
K - As poucas economias de que o requerente e sua mulher dispunham esgotaram-se e não podem contar com a ajuda de familiares.
L - O requerente não tem direito à inscrição para se habilitar ao subsídio de desemprego por carência de tempo de trabalho.
M - O Requerente invocou o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, e cumpriu o ónus de alegar e provar o prejuízo qualificado derivado da execução do acto suspendendo.
N - Basta a prova sumária do aludido prejuízo, e não prova exaustiva.
O - Tanto a prova produzida foi bastante, que o tribunal a quo não o notificou para suprir uma eventual insuficiência.
P - O fundamento para a recusa da providência referido na sentença recorrida, de que "o requerente não está inibido de procurar obter fontes alternativas de rendimento, passando a dispor de outros meios de subsistência", mostra-se de realização impossível face à recessão do mercado de trabalho que é de todos conhecida.
Q - A sentença recorrida é contraditória na sua fundamentação, já que as despesas alegadas e provadas no artº 38º do RI já são de valor incompatível (€ 1.078) com o rendimento disponível actualmente (€ 681,50).
R - Pelo que por maioria de razão essa incompatibilidade seria agravada se o requerente alegasse mais despesas, sendo pois as despesas alegadas e provadas suficientes para provar sumariamente a redução drástica e abrupta dos prejuízos do agregado familiar do requerente.
S - São as necessidade de sobrevivência actuais do Requerente e do seu agregado familiar que são objecto da presente providência, e não as do ano de 2013, sendo o rendimento deste ano apenas relevante para efeitos de isenção do pagamento de custas pelo Requerente.
T - As necessidades actuais devem ser analisadas tendo em conta o rendimento do agregado do requerente que era de € 1.882,50 desde 1-4-2014 até à data do despedimento.
U - A decisão recorrida contradiz a prova produzida nos autos ao referir a fls. 26 que "não se dão por demonstrados os prejuízos de natureza pessoal alegados pelo requerente, designadamente de em consequência do ato suspendendo, perder uma importante fonte de rendimento que comprometa o seu sustento e do seu agregado familiar".
V - Quando ficou demonstrado que a redução do rendimento auferido à data do acto suspendendo foi de 64% do mesmo e que se mostra insuficiente para assegurar as necessidades normais e atuais do agregado familiar do requerente.
X - É notório que tal rendimento decorrente da redução operada pelo acto suspendendo conduzirá à produção de prejuízos de difícil reparação.
Y - É notório que a redução do rendimento mensal de € 1.882,50 para apenas € 681, conduzirá à produção de prejuízos de difícil reparação, pelo que o tribunal a quo errou na não validação do requisito do periculum in mora e consequente adopção da providência requerida.
W - A sentença errou ao considerar que "o caso dos autos não passa no crivo da evidência estabelecido no artº 120º, nº 1 al. a) do CPTA.
Z - É "manifestamente ilegal" a inexistência de acta que sustente a validade do ato suspendendo.
AA - A sentença recorrida violou o princípio da igualdade de partes previsto no art. 4º do CPC.
BB - Violou o art. 5º, n.º 3 do CPC.
CC - Violou o dever de cooperação previsto no art. 7º, n.º 4 do CPC.
DD - É jurisprudência assente do STA que o interesse patrimonial da sobrevivência económica de uma pessoa que tem como único rendimento o salário auferido da sua entidade empregadora, se sobrepõe ao interesse público não patrimonial.
EE - A decisão recorrida decidiu em sentido contrário ao estatuído nos normativos dos n.ºs 2 e 3 do art. 120º do CPTA, e ao firmado na Jurisprudência consolidada do STA, nomeadamente nos Acórdãos do STA de 04-04-2013 - proc. n.º 0123/13; e de 12-02-2009 - proc. n.º 01070/08, disponíveis in www .dgsi.pt.”

O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“(i) Face à realidade dos factos que ficou provada e que o Recorrente não coloca em crise, bem andou a douta sentença recorrida ao julgar que não obstante a redução de rendimento do agregado familiar do Recorrente, certo é que, num passado recente (nomeadamente antes da contratação do Recorrente pelo Recorrido), o agregado familiar conseguiu fazer face às despesas que ficaram provadas sem que tivesse disponível o rendimento auferido pelo Recorrente enquanto técnico superior no Recorrido;
(ii) Ou seja, o Recorrente não demonstrou que a manutenção do acto suspendendo determinou uma diminuição do rendimento do agregado familiar susceptível de conduzir à produção de prejuízos de difícil reparação, como seja a incapacidade do agregado familiar para suportar as despesas ditas normais, pelo que não se pode dar como verificado o requisito do periculum in mora;
(iii) De resto, mesmo que se considerasse que o Recorrente e o seu agregado apresentam despesas mensais no valor de € 1.078,00, certo é que a impossibilidade de fazer face às despesas alegadamente tidas não resulta da produção do acto suspendendo, sendo, aliás, muito anterior a tal momento, pelo que o acto suspendendo não é directa e imediatamente causador dos prejuízos invocados pelo Recorrente, razão também pelo qual bem andou a douta sentença recorrida ao decidir pelo não preenchimento do periculum in mora;
(iv) Não é manifesta a alegada ilegalidade por inexistência de actas (no sentido de não oferecer quaisquer dúvidas ao julgador), motivo pelo qual nunca a providência cautelar poderia ter sido decretada ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, pelo que a douta sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por alegado erro na aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, ao caso em apreço;
(v) Igualmente, a douta sentença recorrida não viola as disposições constantes dos artigos 4º, 5º, n.º 3, e 7º, n.º 4, do CPC, seja porque o Recorrente não cumpriu com o seu ónus de prova (sendo que tal falta não pode, como parece fazer crer o Recorrente, ser imputada ao Tribunal a quo), seja porque o Recorrente não conseguiu demonstrar a relevância jurídica dos factos que pretendia provar através dos documentos alegadamente em posse da parte contrária (aliás, a este propósito e bom rigor, sempre o Recorrente dispunha de meios próprios do direito processual administrativo para obter tais documentos, não tendo, contudo, a eles recorrido).
(vi) Face a todo o exposto, a douta sentença recorrida não padece das invocadas nulidades, devendo, por isso, manter-se na íntegra o seu sentido decisório.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se sobre o mérito do recurso no sentido da sua improcedência.

Notificado que foi do parecer do Ministério Público, o requerente pronunciou-se sobre o mesmo, concluindo que “padece de insuficiência por desconsideração de questões essenciais à justa decisão cautelar”.

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As questões que cumpre apreciar e decidir – delimitada pelas conclusões das alegações [cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação dos critérios plasmados no artigo 120º, n.º 1, als. a) e b) do CPTA, sendo certo que a alegada violação do disposto nos artigos 4º, 5º, n.º 3 e 7º, n.º 4 do CPC se prende directamente com a apreciação do critério vertido na alínea a) do n.º 1 daquele preceito.
Não se ignora que o recorrente alegou que a sentença é nula “por erro na apreciação da matéria de facto” e por “errada aplicação do direito”. Contudo, nenhuma dessas situações acarreta a nulidade da sentença, na medida em que nenhuma delas integra as causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º do CPC. Por outro lado, lidas atentamente as alegações e respectivas conclusões, verificamos que, em rigor, o que o recorrente questiona é a bondade da decisão do TAC de Lisboa no que concerne à apreciação que o mesmo fez dos critérios de decisão plasmados no artigo 120º, n.º 1, als. a) e b) do CPTA, ou seja, o que está em causa é um suposto erro de julgamento e não a nulidade da sentença.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1) Na sequência de procedimento concursal, por despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL) de 12.03.2014, foi autorizado o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado em período experimental, com o Requerente, como Técnico Superior para a área de Assessoria à Vice-Presidência, com efeitos a partir de 01.04.2014, auferindo o vencimento correspondente à 2ª posição remuneratória, nível 15 da carreira de Técnico Superior da Tabela Remuneratória, no valor de €1.201,48 (Cfr. Despacho (extracto) n.º 7552/2014, publicado no DR 2ª Série, n.º 110, de 09.06.2014, contrato de trabalho celebrado em 01.04.2014, proposta remuneratória e respectiva resposta enviadas por e-mail em 27.03.2014 e auto de inicio de funções de 01.04.2014 constante do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2) Por despacho do Presidente do IPL, de 31.03.2014, foi determinada a afectação do Requerente à Unidade Orgânica Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (Cfr. fls. do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
3) No contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado celebrado entre o Requerente e o IPL foi estipulado que o período experimental teria a duração máxima de 180 dias, com início a 01.04.2014 e termo a 02.10.2014 (cfr. contrato de trabalho celebrado em 01.04.2014 constante do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
4) Em 18.07.2014, aquando do pedido de gozo antecipado de cinco dias de férias dirigido pelo Requerente ao Presidente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL), a Vice-Presidente do ISCAL pronunciou-se favoravelmente à deslocação do Requerente a Barcelona, a fim de apresentar dois artigos científicos da sua autoria em duas conferências internacionais no período de 1 a 5 de Setembro de 2014, referindo que “(O) ISCAL deve incentivar este tipo de pedidos. O nosso colaborador encontra-se a fazer doutoramento o que é relevante para o seu currículo e para a instituição” (cfr. fls. do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
5) Por e-mail dos Recursos Humanos do IPL, de 09.09.2014, foi enviado ao Requerente o guião para elaboração do relatório do período experimental para posterior análise e avaliação pelo júri de avaliação e foi informado de que a sua orientadora era a Mestre Sofia …………………………….. (Cfr. fls. do PA e Doc. 6 do requerimento inicial (RI), cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
6) Em 11.09.2014, o Requerente dirigiu à orientadora um e-mail com o seguinte teor: “(P)retendo saber quais as linhas orientadoras para este documento. Chamo a atenção que partir da última semana de Julho fiquei a assegurar o funcionamento de 4 gabinetes a pedido da presidência, um dos quais imprescindível contratado.
Aguardarei por uma resposta a este email atendendo que foi designada como minha orientadora” (Cfr. fls.do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
7) Por e-mail de 18.09.2014, a orientadora do Requerente informou-o de que “(R)elativamente às linhas orientadoras para a realização do relatório, penso que já foi elucidado pela Responsável pelos Recursos Humanos, como deve ser feito o relatório em termos de forma, em termos de conteúdo, deve relatar tudo o que realizou durante este período”, para além de lhe pedir que fosse elucidada sobre os seguintes pontos:
“A) quais os 4 gabinetes que ficou a assegurar o funcionamento? Quando fala em assegurar o funcionamento, refere-se especificamente a quê?
B) qual deles foi imprescindível para a abertura do ano lectivo? E porquê?
C) que funções se encontram fora do seu perfil de contratação?
D) qual o seu perfil de contratação?”.
(Cfr. fls.do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
8) Por email de 07.10.2014 o Requerente apresentou o relatório relativo ao período experimental no âmbito do contrato de trabalho referido no ponto 1.
(Cfr. Doc. 8 junto com o requerimento inicial (RI), cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
9) Em 10.12.2014, o Requerente tomou conhecimento do relatório de avaliação final do período experimental, datado de 01.12.2014, subscrito pelo júri constituído por Ana ………………………….. (Vice-Presidente do IPL), Sofia ……………………… (Prof. Adjunto ISCAL - orientadora) e Sílvia ……………….. (Directora de Serviços), pelo qual lhe foi atribuída uma classificação final de 11,22 valores, correspondente à média ponderada dos três itens de avaliação utilizados - a saber: “A – Elementos Recolhidos pelo Júri”, “B – Relatório de trabalho sobre o período experimental” e “C – Formação Profissional”, obtida através da fórmula AV= (3xA+ 2xB + 1xC):6 – e onde foi proferida a seguinte decisão: “Concluído o período experimental, face à classificação obtida, e em conformidade com o disposto no nº 5 do art. 12º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o subscritor do presente relatório entende que o período experimental do trabalhador Nuno …………………………………. foi concluído sem sucesso, não ficando provado que o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar, com os efeitos decorrentes do nº8 do mesmo artigo e diploma.” (Cfr. fls. do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
10) Em 15.12.2014 o Requerente dirigiu ao Presidente do IPL recurso hierárquico da avaliação do período experimental, recebido em 18.12.2014, e onde, em síntese, imputou à avaliação do júri os vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, realçando: (1) a inexistência de um plano donde constassem os objectivos a ser atingidos pelo Requerente; (2) o facto de a orientadora desconhecer grande parte das tarefas desempenhadas pelo trabalhador fora da área da qualidade; (3) a avaliação deficitária do Relatório apresentado pelo trabalhador, muito embora o mesmo tenha sido elaborado de acordo com as orientações constantes do Guião entregue e as recebidas da orientadora no respeitante aos conteúdos e forma; (4) não ter sido orientadora designada a partir de 31 de Julho de 2014; (5) não ter sido considerado no “Parâmetro A - Avaliação do Período Experimental”, o trabalho desenvolvido pelo Requerente em 3 gabinetes e em relação ao período em que por ordem superior substituiu os Técnicos Superiores de 3 áreas diferentes da que lhe foi designada. (Cfr. fls. do PA e Doc. 9 do RI, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
11) Por ofício de 23.12.2014 do Administrador do IPL, na sequência do recurso hierárquico apresentado pelo Requente, foi solicitado ao Presidente do ISCAL que informasse o que houvesse sobre o mesmo, o que originou a resposta subscrita pelo júri do período experimental em 19.01.2015 pela qual foi mantida a avaliação atribuída ao Requerente. (Cfr. fls. do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
12) Por ofício de 04.02.2015 do Presidente do ISCAL foi enviada a informação prestada pelo júri onde foi um aposto em 19.02.2015 o parecer com o seguinte teor: “Com base nos fundamentos apresentados pelo júri contidos na comunicação interna nº01/SPE/2015 do ISCAL é de indeferir o recurso apresentado pelo trabalhador e em consequência homologar a classificação final atribuída no termo do período experimental”, que veio a merecer despacho de concordância da mesma data. (Cfr fls. do PA, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
13) O Requerente foi notificado pelo ofício n.º 0557/2015, de 23 de Fevereiro, da ficha relativa ao relatório de avaliação final do período experimental, homologada por despacho de 19.02.2015 do Presidente do IPL e informado de que a partir daquela data passaria a estar desvinculado do IPL. (Cfr. fls. do PA e Doc. 9 do RI, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
14) Em 06.03.2015, o Requerente solicitou à Presidente do júri do período experimental certidões das actas do júri donde conste a fixação dos parâmetros e critérios de avaliação, ponderação e grelha classificativa: do plano de actividades do período experimental e respectiva calendarização e da sua notificação ao avaliado, bem como das orientações dadas pela orientadora, das avaliações intercalares e final do avaliado e da ficha individual da entrevista profissional de selecção do processo concursal aberto pelo aviso nº 11079/2012. (Cfr. Doc. 11 do RI, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
15) Também em 06.03.2015, o Requerente solicitou ao Presidente do IPL que, ao abrigo do art. 61º do CPA, lhe fosse facultada informação sobre a decisão recaída sobre o recurso hierárquico apresentado. (Cfr. Doc. 12 do RI, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
16) O requerente vive em economia comum com a mulher e um filho em idade escolar. (Cfr. Doc. 13 (declaração de IRS e demonstração de liquidação) e 23-A juntos com o RI).
17) O Requerente e a sua cônjuge auferiram no ano de 2013 de rendimento global bruto o montante de € 8.178,11, sendo que o Requerente não apresentou qualquer rendimento. (Cfr. Doc. 13 (declaração de IRS e demonstração de liquidação) junto com o RI).
18) O Requerente tem um encargo mensal com a amortização do empréstimo relativo à aquisição da casa própria no valor de €326,91. (Cfr. Doc. 18 junto com o RI).
19) O Requerente teve um encargo bimensal (entre 14.01.2015 e 12.03.2015) relativo a gás natural de €12,34. (Cfr. Doc. 19 junto com o RI).
20) O Requerente teve um encargo mensal (entre 20.11.2014 e 19.12.2014) relativo a água de €10,32. (Cfr. Doc. 20 junto com o RI).
21) O requerente teve um encargo bimensal (entre 17.12.2014 e 13.02.2015) relativo a electricidade de €51,52. (Cfr. Doc. 20 junto com o RI).
22) O Requerente teve um encargo mensal em Março de 2015 relativo a serviços prestados pela “MEO” (TV e telefone) de €20,73. (Cfr. Doc. 20 junto com o RI).
23) O Requerente teve um encargo mensal em Fevereiro de 2015 relativo a serviços prestados pela “NOS” (internet) de €13,67. (Cfr. Doc. 23 junto com o RI).
24) O filho do casal frequenta a “Escolinha da Estação - Coop. Solidariedade Social CRL”, o que gera uma despesa mensal de €94.48. (Cfr. Doc. 23-A junto com o RI).
25) O Requerente teve um encargo em Dezembro de 2014 relativo a propinas da Universidade de Lisboa. (Cfr. Doc. 24 junto com o RI).

2. Do Direito

O ora recorrente instaurou no TAC de Lisboa a presente providência cautelar com vista a obter (i) a “suspensão de eficácia do despacho de 19-02-2015 do Presidente do IPL que homologou a avaliação final do período experimental do requerente como sem sucesso e determinou a desvinculação do mesmo da entidade demandada por caducidade do contrato”, (ii) a intimação do “IPL para se abster da conduta violadora das normas de direito administrativo enunciadas nos artigos 46º a 53º do r.i.” e (iii) a intimação do “IPL para adoptar a conduta prevista no art. 429º do CPC, ou seja, de enviar aos autos cópia das actas e outros documentos em seu poder indicados nos arts. 32º e 33º deste r.i., requeridos pelo requerente e não fornecidos pelo requerido”.
O TAC de Lisboa, considerando que estava somente em causa o pedido supra referido em (i) - posto que o pedido a que se alude em (ii) consubstancia uma “mera decorrência resultante do decretamento da suspensão do acto suspendendo caso venha a ser decretada” e no que concerne ao pedido a que se alude em (iii), parte dos documentos “constituem parte integrante do processo administrativo entretanto junto aos autos pela entidade requerida, e os demais não se afiguram relevantes ou pertinentes para a decisão do presente processo cautelar” - indeferiu-o, considerando, no que concerne aos critérios de decisão constantes do artigo 120º do CPTA, que:
- Não é evidente a procedência da acção principal, pelo que não se mostra preenchido o requisito da al. a) do n.º 1 do referido preceito, impondo-se, consequentemente, a análise dos demais critérios;
- Não se verifica o requisito do periculum in mora plasmado na referida al. b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA.
O recorrente discorda do entendimento do TAC de Lisboa na apreciação que fez dos referidos requisitos.
Vejamos se lhe assiste razão.
2.1. Com referência ao erro de julgamento na apreciação do critério vertido no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA, alega o recorrente que, “face aos elementos constantes do processo nomeadamente nos 25 factos dados como provados e no PA, é manifestamente “ilegal” a inexistência de acta que sustente a validade do acto suspendendo, pelo que o Tribunal a quo deveria ter adoptado a providência requerida ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA”.
Dispõe este preceito que as providências cautelares são adoptadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
Nestes casos, em que resulta evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, a providência é concedida sem mais. Neste tipo de situações, o critério do fumus boni iuris, ou “aparência de direito”, assume um papel verdadeiramente decisivo, já que, conforme resulta do exposto, ele surge como o único factor relevante para a concessão ou não da providência. E porque assim é, nestas situações, aquela é decretada independentemente da prova do fundado receio, ou da produção de prejuízos de difícil reparação. E do mesmo modo, a providência será recusada sempre que resulte evidente e manifesta a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
O legislador introduziu aqui o critério da evidência, entendido no sentido de que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência ou a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida ou recusada sem mais. E adiantou alguns exemplos, não taxativos, em que essa situação de evidência se verifica, exemplos esses que ajudam o aplicador do Direito a entender o que o legislador pretendeu com este critério: é o caso de impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou ainda de acto idêntico a outro já anulado ou declarado nulo ou inexistente.
Como se refere no acórdão do STA de 25/8/2010, processo n.º 637/10, “ (…) a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe”.
Por outro lado, importa ter presente que a “evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal” terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares; tanto mais que, não compete ao julgador cautelar apurar se os vícios assacados ao acto suspendendo ocorrem ou não, sob pena de o processo cautelar se transformar, na prática, no próprio processo principal. Ao invés, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, o juiz cautelar apenas tem de apreciar se os vícios invocados são ostensivos, evidentes.
Isto porque, este meio processual tem unicamente em vista garantir a tutela jurisdicional efectiva das pretensões dos particulares, evitando-se que os mesmos vejam impossibilitada a concretização dos seus direitos em caso de procedência da acção principal.
Aplicando os considerandos vindos de expor ao caso dos autos, forçoso é concluir não ser possível lançar mão do critério vertido na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA para decidir a presente providência cautelar, já que não é evidente, ao contrário do que entende o recorrente, a procedência da pretensão a formular no processo principal.
É que, as ilegalidades pelo mesmo invocadas colocam questões jurídicas controversas cuja apreciação e solução pressupõe uma análise mais profunda e detalhada que não se compadece com a situação de evidência exigida na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, sendo que tal conclusão não resulta beliscada pelo facto de o Tribunal a quo não ter determinado a junção aos autos dos documento pretendidos pelo ora recorrente.
Alegou o mesmo no requerimento inicial que “o acto impugnado é manifestamente ilegal por padecer de vários vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de falta de fundamentação”.
Sucede que, através do juízo perfunctório que caracteriza o julgamento cautelar, concluímos que nenhum dos vícios invocados pelo requerente, ora recorrente, apresenta as características de evidência enunciadas no referido Acórdão do STA de25/08/2010.
Deste modo e seguindo a posição aí vertida e reiterada no Acórdão de 10/08/2011, proc. n.º 0617/11, “segundo a qual na providência cautelar se pode fazer uma declaração genérica de que não é evidente a procedência ou improcedência de nenhum dos vícios arguidos, não se tendo de os enfrentar de modo discriminado, apontando em cada um as razões por que carecem dessa evidência, por esta solução brigar com a natureza e os fins deste meio cautelar, que não se ordena a um exame dos vícios do acto – salvo na situação extrema em que eles claramente existam ou não existam – por isso constituir a tarefa própria da acção principal”, concluímos pela falta de evidência da procedência da pretensão formulada na acção principal, em virtude de não serem manifestas as ilegalidades invocadas pelo requerente.
2.2. No que concerne ao erro de julgamento na apreciação do critério vertido no artigo 120º, n.º 1, al. b) do CPTA, sustenta o recorrente, em síntese, que, ao contrário do que entendeu o TAC de Lisboa, verifica-se o requisito do periculum in mora, já que:
- Dos factos apurados conclui-se que o rendimento mensal do seu agregado familiar era de € 1.882,50 a partir de 1/04/2014 e passou a ser de € 681,50 a partir da data do acto suspendendo, quantia que se mostra insuficiente para pagar as despesas médias mensais que suporta, as quais ascendem a € 1.078,00;
- A redução do rendimento mensal foi abrupta e drástica e determinou uma alteração radical do padrão de nível do seu agregado familiar;
- Para sobreviver, terá que deixar de pagar a prestação ao banco e ver penhorada a sua única habitação, tirar o filho do colégio, e mesmo assim recorrer à caridade de amigos para obter alimentos;
- A execução do acto suspendendo conduz à produção de prejuízos de difícil reparação.
2.2.1. A finalidade própria das providências cautelares é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. É que, a demora na tomada da decisão final pode acarretar a inutilidade da mesma, em virtude de se ter, entretanto, criado uma situação de facto consumada com ela incompatível, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar.
Como refere o Professor Vieira de Andrade, a função própria da tutela cautelar é a “prevenção contra a demora” (in A Justiça Administrativa (Lições), 4ª edição, pág. 295).
Assim, prescreve o artigo 120º, n.º 1, al. b) do CPTA que as providências cautelares são adoptadas “Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Este preceito impõe a verificação cumulativa de dois requisitos para que seja concedida uma providência conservatória, como é o caso da suspensão da eficácia de acto: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Daí que, como refere o Professor Vieira de Andrade (in ob. cit.) “o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumada ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada.
Refere Abrantes Geraldes a propósito deste requisito: “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões” (in “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 108).
2.2.2. Isto posto, vejamos como tratou o TAC de Lisboa esta matéria.
Depois de efectuar o enquadramento teórico do requisito em causa – que não vem questionado pelo recorrente – o tribunal a quo fez o seguinte julgamento concreto sobre a verificação do periculum in mora:
“Não se põe em causa que a perda de rendimento de um dos membros do casal se traduza numa redução do rendimento disponível, para mais no presente caso, em que o Requerente auferia mensalmente um valor superior ao da sua cônjuge.
Mas ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à composição do agregado familiar e as despesas que mensalmente têm a cargo, considera-se que embora haja uma redução de rendimento, a mesma não é de tal forma abrupta ou drástica que determine uma alteração radical do padrão de nível do agregado familiar do Requerente.
Recorde-se que, no passado recente, no ano de 2013 foi esse padrão com que o casal se viu confrontado, pois nesse ano o Requerente não aferiu qualquer rendimento tendo o nível de vida da família sido assegurado apenas com o salário da sua mulher.
Além do mais, o requerente não está inibido de procurar obter fontes alternativas de rendimento, passando a dispor de outros meios de subsistência.
Acresce que, para além das despesas normais e correntes associadas à água, electricidade, gás, e não obstante algumas delas não terem sido concretamente comprovadas - como é o caso das relativas à alimentação, vestuário e transporte -, o Tribunal dá por demonstradas, nos termos do disposto no n.º 1 do art.412º do CPC, ficou por demonstrar que possua outras despesas que sejam de valor incompatível com o rendimento disponível.
Assim sendo, não só não se encontra demonstrado que a perda do vencimento do Requerente é susceptível de pôr em risco a subsistência do seu agregado familiar, como é de considerar que atendendo à composição do agregado familiar e às despesas que têm a seu cargo, a execução do acto suspendendo não será apta a acarretar uma redução abrupta e drástica do padrão de nível do Requerente e do seu agregado familiar, tanto mais que semelhante situação ocorreu pelo menos durante todo o ano de 2013.
Não se dão, pois, por demonstrados os prejuízos de natureza pessoal alegados pelo Requerente, designadamente, de em consequência do acto suspendendo, perder uma importante fonte de rendimento que comprometa o seu sustento e o do seu agregado familiar.
Deste modo, embora a execução do acto suspendendo vá determinar a redução do rendimento disponível do seu agregado familiar, ainda assim tal rendimento mostra-se suficiente a assegurar as necessidades normais, tal como a experiência vivida no ano de 2013, onde o Requerente não auferiu qualquer rendimento vem demonstrar.
Logrando apenas o ora Requerente demonstrar que a manutenção do acto suspendendo determinará uma diminuição do rendimento do agregado familiar, mas já não que essa diminuição conduzirá à produção de prejuízos de difícil reparação, não se pode dar como verificado o requisito do periculum in mora”.
Ou seja, o TAC de Lisboa concluiu pela não verificação do requisito em apreço, considerando que: (i) a redução do rendimento resultante da execução do acto suspendendo não é de tal forma abrupta ou drástica que determine uma alteração radical do padrão de nível de vida do agregado familiar do requerente, tanto mais que semelhante situação ocorreu pelo menos durante todo o ano de 2013; (ii) o requerente não está inibido de procurar obter fontes alternativas de rendimento, passando a dispor de outros meios de subsistência; (iii) o rendimento disponível mostra-se suficiente para assegurar as necessidades normais do agregado familiar.
Desde já se refere que não acompanhamos a decisão recorrida na conclusão de que a privação do vencimento aqui em causa não é susceptível de causar ao recorrente e ao seu agregado familiar prejuízos de difícil ou impossível reparação.
Vejamos.
São os seguintes os factos provados que importa considerar:
- Por despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL) de 12/03/2014, foi autorizado o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado em período experimental, com o recorrente, como Técnico Superior para a área de Assessoria à Vice-Presidência, com efeitos a partir de 01.04.2014, auferindo o vencimento correspondente à 2ª posição remuneratória, nível 15 da carreira de Técnico Superior da Tabela Remuneratória, no valor de € 1.201,48;
- O recorrente vive em economia comum com a mulher e um filho em idade escolar, tendo os mesmos auferido, no ano de 2013, o rendimento global bruto de € 8.178,11, sendo que o recorrente não apresentou qualquer rendimento;
- O recorrente tem um encargo mensal com a amortização do empréstimo relativo à aquisição da casa própria no valor de € 326,91;
- O recorrente teve um encargo bimensal (entre 14/01/2015 e 12/03/2015) relativo a gás natural de € 12,34;
- O recorrente teve um encargo mensal (entre 20/11/2014 e 19/12/2014) relativo a água de € 10,32;
- O recorrente teve um encargo bimensal (entre 17/12/2014 e 13/02/2015) relativo a electricidade de € 51,52;
- O recorrente teve um encargo mensal em Março de 2015 relativo a serviços prestados pela “MEO” (TV e telefone) de € 20,73;
- O recorrente teve um encargo mensal em Fevereiro de 2015 relativo a serviços prestados pela “NOS” (internet) de € 13,67;
- O filho do casal frequenta a “Escolinha da Estação - Coop. Solidariedade Social CRL”, o que gera uma despesa mensal de € 94.48;
- O recorrente teve um encargo em Dezembro de 2014 relativo a propinas da Universidade de Lisboa.
Em face destes factos, concluímos que:
- No ano de 2013 o recorrente não obteve qualquer rendimento, tendo a sua mulher auferido o rendimento (anual) de € 8.178,11;
- A partir de 1.04.2014, o recorrente passou a auferir o vencimento correspondente à 2ª posição remuneratória, nível 15 da carreira de Técnico Superior da Tabela Remuneratória, no valor de € 1.201,48;
- O agregado familiar do recorrente suporta mensalmente despesas no valor de € 498,04 relativas a: amortização do empréstimo para aquisição de casa própria, consumo de gás, água e electricidade, serviços prestados pela MEO (televisão e telefone) e pela NOS (internet) e prestação da escola do filho.
Isto posto, forçoso é concluir que, na hipótese de não ser deferida a providência cautelar e de, por isso, o acto suspendendo ser de imediato executado, o recorrente ficará privado do vencimento que auferia no valor de € 1.201,48, restando o rendimento auferido pela sua mulher no valor mensal de € 681,50 (€ 8.178,11÷12).
Considerando que as despesas mensais suportadas pelo seu agregado familiar ascendem a € 498,04, constata-se que, depois de estas liquidadas, fica um rendimento disponível de € 183,46, quantia esta que é manifestamente insuficiente para fazer face a todas as outras despesas, nomeadamente as relacionadas com a alimentação, os transportes, o vestuário e calçado.
Assim, mais do que uma diminuição do nível de vida do recorrente e do seu agregado familiar, a privação do vencimento do mesmo por força da execução do acto suspendendo coloca em risco a satisfação das suas necessidades básicas.
E nem se diga, como faz o Tribunal a quo, que não ocorre uma alteração radical do padrão de nível de vida do agregado familiar do recorrente, dado que situação semelhante ocorreu pelo menos durante todo o ano de 2013 e o mesmo não está inibido de procurar obter fontes alternativas de rendimento, passando a dispor de outros meios de subsistência.
Desde logo, a existência de graves prejuízos deve ser aferida por referência à situação que ocorria no período de tempo em que recorrente auferia a retribuição de que se verá privado por força da execução do acto suspendendo e não por comparação com a situação que anteriormente se verificava.
Por outro lado, e sendo certo que o recorrente não está inibido de procurar obter outras fontes de rendimento, a questão é que não está provado que o consiga, não podendo esquecer-se que tal não se apresenta como uma evidência, atenta a difícil situação do mercado de emprego que se verifica no País.
Por tudo isto, concluímos que se mostra verificado o requisito do periculum in mora, dado ser possível antecipar, num juízo de prognose, que caso a providência não seja decretada se irão verificar prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação para o recorrente. E ainda que as remunerações em causa venham a ser devolvidas em caso de procedência da acção principal, sempre a esfera jurídica do recorrente terá entretanto sido afectada de forma previsivelmente irreversível, porque a privação do vencimento resultante da execução do acto suspendendo coloca em risco a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.
Assim sendo, e ao invés do que entendeu o Tribunal a quo, verifica-se o requisito do periculum in mora, pelo cumpre julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida.
2.3. Compete, então, face a essa revogação, conhecer, por substituição, das restantes questões que se colocam nos presentes autos - as quais consistem em aferir do preenchimento dos demais requisitos enunciados no artigo 120º do CPTA - cujo conhecimento ficou implicitamente prejudicado pela solução dada ao litígio na sentença recorrida (cfr. artigo 149º, n.º 3 do CPTA).
Vejamos então.
Como vimos, a par do requisito do periculum in mora, a lei exige a verificação do requisito do fumus boni iuris para ser decretada a providência pretendida (cfr. artigo 120º, n.º 1, al. b) do CPTA).
Este requisito mostra-se consagrado na sua formulação negativa, o que significa que o mesmo se tem por preenchido com a inexistência de elementos que tornem manifesta a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do requerente.
O STA tem seguido de forma constante o entendimento de que o fumus boni iuris se mostra verificado sempre que a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal não seja manifesta, ostensiva, à luz de uma apreciação meramente perfunctória (cfr. Acórdãos de 22/09/2004, proc. n.º 493-A/04, 7/06/2006, proc. n.º 359/06, 14/06/2007, proc. n.º 420/07, 3/04/2008, proc. n.º 18/08, 12/11/2008, proc. n.º 969/08, 20/11/2012, proc. n.º 0871/12, 9/07/2014, proc. n.º 0561/14, 25/09/2014, proc. n.º 0799/14, 6/11/2014, proc. n.º 0858/14 e de 5/03/2015, proc. n.º 01517/14).
Com referência a esta matéria, o recorrente alegou no requerimento inicial que “o acto impugnado é manifestamente ilegal por padecer de vários vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de falta de fundamentação”, na medida em que:
- Não foi acompanhado pelo júri durante o período experimental;
- Não foi notificado da constituição do júri, nem teve conhecimento prévio dos parâmetros utilizados na sua avaliação;
- Não foi acompanhado em todas as actividades pela orientadora;
- O júri impediu o acesso às actas e demais documentos relativos à avaliação do período experimental;
- O júri não tomou em consideração todas as actividades por si exercidas;
- Não foi notificado da existência de qualquer plano de actividades a ser seguido durante o período experimental e donde constassem os objectivos a atingir e os meios a utilizar;
- Não foi objecto de avaliações intercalares;
- Após o período experimental a entidade requerida manteve-o ao seu serviço a desempenhar funções correspondentes a necessidades permanentes do serviço.
Como já referimos, estas ilegalidades invocadas pelo requerente colocam problemas jurídicos complexos, que exigem uma análise e ponderação cuidadas não compatíveis com a celeridade e as características próprias da tutela cautelar, sendo, porém, certo que numa análise sumária dos respectivos argumentos, não podemos concluir que a tese do requerente não tem qualquer valor, logo, que é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal.
Deste modo, consideramos que está verificado o requisito do fumus boni iuris na modalidade exigida pelo artigo 120º, nº 1, al. b) do CPTA.
No que concerne ao requisito do n.º 2 do artigo 120º do CPTA, a recorrida não alegou qualquer prejuízo para o interesse público que eventualmente possa resultar da suspensão do acto em causa, pelo que, considerando os prejuízos acima enunciados, concluímos que a providência deve também ser concedida à luz do critério da ponderação de interesses.

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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

I - O critério da evidência plasmado no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA significa que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida sem mais.
II - A evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares.
III - Mostra-se verificado o requisito do periculum in mora exigido para o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, quando se conclui, em juízo de prognose, que a privação do vencimento do requerente coloca em risco a satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e decretar a suspensão da eficácia do despacho acima identificado.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2015

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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)