Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03944/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2012
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC. REEMBOLSO. INTIMAÇÃO.
Sumário:1. O meio processual tributário de intimação para um comportamento, concedido pelos arts. 101.º al. h) LGT e 97.º n.º 1 al. m) CPPT, regulamentado no art. 147.º CPPT, tem como requisitos obrigatórios e conjuntos, a omissão de um dever jurídico, por parte da administração tributária/at, capaz de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, sendo a intimação o meio, contencioso, mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva desse direito ou interesse; no pressuposto, necessário, de que a omissão do cumprimento de um dever de prestação jurídica, pela at, exige prévia definição da sua existência.
2. Do conjunto normativo formado pelos n.ºs 2 e 3 do art. 96.º CIRC, decorrem as seguintes implicações:
- para haver lugar a reembolso, de IRC, ao contribuinte, basta que o valor, por este, apurado na declaração periódica de rendimentos (ou de substituição) seja negativo ou inferior ao valor dos pagamentos por conta;
- o valor do reembolso será a importância resultante da soma do montante negativo encontrado com o dos pagamentos por conta ou a correspondente à diferença entre o valor apurado na declaração e o superior referente aos pagamentos por conta efetivados;
- quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e não contenha erros de preenchimento, a at tem de efetuar o reembolso do contribuinte até ao terminus do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio da declaração.
3. Qualquer contribuinte que comprove autoliquidação de IRC, efetuada dentro do prazo concedido, por lei, para o efeito, a que não sejam apontados erros de preenchimento da declaração suporte, tem direito a ser reembolsado, até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio desta, do imposto liquidado em excesso.
4. Consequentemente, ocorrida uma situação de facto com os contornos vindos de delinear, passa a existir, na esfera da at, o dever jurídico de proceder, dentro do prazo indicado, ao competente reembolso. Por outras palavras, a existência deste dever decorre, necessariamente, de determinada situação fáctica.
5. Esta forma de entender não prejudica a possibilidade, conferida por lei, de a at proceder ao controlo, das declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes, por diversas vias, com destaque para o procedimento de inspeção tributária.
6. A indisponível capacidade de conferência da veracidade, da correspondência entre o declarado e a realidade, não impede o funcionamento do tratado dispositivo legal, nem é prejudicada, inviabilizada, pela anterior ocorrência de reembolso ao contribuinte. Trata-se de aspectos com diversos, independentes, campos de operação, sem prejuízo de, casuisticamente, poderem registar implicações recíprocas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...– VIAGENS E TURISMO, S.A., contribuinte n.º ...e com os restantes sinais dos autos, requereu intimação, da Direção-Geral dos Impostos (Ministério das Finanças), para um comportamento.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença, decidindo indeferir o requerimento intimativo, ao que a requerente reagiu, com interposição de recurso jurisdicional, cuja alegação integra as seguintes conclusões: «
i. Face aos documentos juntos com a petição inicial, foram considerados como assentes e consolidados os seguintes factos relevantes que, por razões de exposição, se deixam citados:
i - A requerente enviou, via electrónica, a declaração periódica de rendimentos modelo 22/IRC relativa ao exercício de 2008, em 28.05.2009.
ii - Na referida declaração, no campo reservado a “Cálculo do Imposto”, no espaço relativo a “Total a Recuperar”, assinalou a importância de € 208.846,46.
ii. No entanto, entende a Recorrente que, com interesse para a decisão da causa, se encontra documentalmente provado, ademais, que:
- Após o prazo legal de reembolso do imposto, a Intimante solicitou à Administração Fiscal a informação sobre o estado do procedimento e data previsível da sua conclusão» (doc. n.º 2 junto com a petição).
iii. Tal facto afigura-se relevante, porquanto do mesmo ressuma, simultaneamente:
- a inércia da AF ao processamento do reembolso dentro do prazo legal, e;
- a tentativa da Recorrente em lograr, extrajudicialmente, que a AF procedesse oficiosamente ao intimado reembolso de imposto, ou que justificasse a sua inércia no respectivo processamento -sem sucesso porém.
iv. De acordo com a técnica subjacente ao funcionamento do IRC, estamos perante um imposto autoliquidado - cujo montante é, portanto, definido pelo próprio sujeito passivo de imposto, resultando expressamente da lei (1) que a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, mas isto, como é óbvio, sem prejuízo do seu controlo por parte da AF.
v. A AF é dotada de uma prerrogativa legal ao abrigo da qual pode desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes (2), incluindo a confirmação dos elementos declarados pelo sujeito passivo (3).
vi. Posteriormente, também a liquidação de imposto - ou seja, a aplicação da taxa à matéria colectável - é efectuada pelo próprio contribuinte na sua declaração de rendimentos (4). tendo por base a matéria colectável fixada pelo mesmo (5), como supra se disse, e considerando ainda as deduções à colecta e/ créditos de imposto.
vii. Dessa liquidação pode resultar imposto a pagar ou a receber - sendo que, neste último caso, se fala de direito ao reembolso, o qual, nos termos do artigo 30.º n.º 1 c) LGT, integra a própria relação jurídica tributária.
viii. Estabelece, a este propósito, o artigo 96- do Código do IRC, na redacção dada pela Lei n.º 964/2008, de 5 de Dezembro, em vigor desde 01.01.2008, que:
«(...) 2- Há lugar a reembolso ao contribuinte quando:
a) O valor apurado na declaração, liquido das deduções a que se referem os nºs 2 e 4 do artigo 83, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;
O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os nºs 2 e 4 do artigo 83, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença.».
ix. Estatui ainda o n º 3 do citado artigo 96.º CIRC que:
«O reembolso é efectuado quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 32 mês imediato ao da sua apresentação ou envio. (...).».
x. Tal significa que o direito ao reembolso apurado resulta directamente da lei e deve ser processado oficiosamente por parte da Administração Fiscal, sem dependência de qualquer requerimento, sempre que se mostrem cumpridos os referidos pressupostos.
xi. Tal significa também, inversamente, que a AF só não terá a obrigação de proceder ao reembolso no prazo legal de três meses:
- quando a declaração periódica de rendimentos não tenha sido apresentada no prazo legal e;
- quando a mesma contenha erros de preenchimento.
xii. Em relação à tempestividade, como se encontra documentalmente provado nos autos, a declaração “Modelo 22” da Recorrente foi apresentada dentro do prazo legal.
xiii. Quanto à verificação da inexistência de erros na declaração e eventual controlo da legitimidade do reembolso - trata-se de tarefa que incumbe, indubitavelmente, à AF.
xiv. Isto é, tendo sempre presente que o ponto capital das funções da AF reside, hoje, essencialmente no controlo e fiscalização da veracidade das declarações dos contribuintes, a lei estabelece regras cujo escopo consiste em permitir à AF aquilatar da veracidade e legitimidade do crédito de imposto em que se concretiza o reembolso.
xv. Ora, nos termos da lei, para não proceder ao reembolso do imposto no prazo de três meses, cabe à AF identificar a existência de erros declarativos, pois que apenas a existência desses erros legitima que o reembolso não seja processado nesse prazo legal.
xvi. In casu, a AF nem sequer apresentou contestação ao pedido de intimação, e, portanto, não invocou, e muito menos demonstrou, que o caso em apreço se enquadrava nas situações legais em que a AF está legitimada a não processar do reembolso no prazo legal de três meses, mormente demonstrando a existência de erros ou inexactidões na declaração de rendimentos da Recorrente.
xvii. Ou seja: competia à AF o ónus de provar que não tinha a OBRIGAÇÃO de reembolso, o qual constitui precisamente a contraface do DIREITO ao reembolso do contribuinte, nos termos do artigo 30.º LGT.
xviii. Em sinal contrário, decidiu o Tribunal a quo que:
«(...) o pedido de intimação não pode proceder, por não ser evidente que a declaração não contenha erros de preenchimento (...)» (6).
xix. Salvo o devido respeito, a dupla negativa é perfeitamente ilustrativa do encargo que se pretende imputar ao contribuinte - a inversão do ónus da prova.
xx. Á Recorrente apenas competia invocar que apresentou a declaração de rendimentos e que dessa declaração resultou um reembolso, tendo em conta (i) que é a lei que define a competência do sujeito passivo para a liquidação, (ii) que é a lei que define que a AF tem a obrigação de proceder ao reembolso apurado nessa liquidação no prazo de três meses e (iii) que é a lei que estabelece que essa obrigação apenas cessa em caso de erro detectado na declaração.
xxi. Ora, sabendo-se que, nos termos da lei, cabe à AF controlar as declarações, é a ela que incumbe demonstrar que não processou o reembolso no prazo legal porque detectou erros na declaração.
xxii. Na sentença recorrida, ao invés, entende-se que é o contribuinte quem tem de provar que a sua declaração não contém erros, ou seja, imputa-se-lhe a prova de um facto negativo - verdadeira diabolica probatio, impossível de fazer - e isto quando, nos termos da lei, as declarações dos contribuintes gozam de presunção de veracidade (7), presunção essa que, também nos termos da lei, apenas cede perante a revelação de erros e omissões que à AF cabe escrutinar (8).
xxiii. Ao assim não decidir incorreu o Douto Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação da lei, mormente do disposto nos artigos 30.º c), 63.º n.º l b) e 75.e n.º l da LGT; 82.º n.º l a), 83.º n.º l a) e 96.º n.º 2 e n.º 3 CIRC, e incorreu também em erro de julgamento - uma vez que não resulta provada a existência de qualquer erro na declaração apresentada pela Recorrente susceptível de justificar o indeferimento da intimação.
xxiv. Tal erro consubstancia-se em violação do disposto no artigo 659.º n.º 3 C.P.C., aplicável por força do artigo 2.º e) CPPT - o que expressamente se invoca para os legais efeitos.
xxv. Para fundamentar a decisão, o Tribunal a quo suporta-se na Jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 30.09.2009, dado no processo n.º 0682/09, e de 07.03.2007, dado no processo n. º 06/07.
xxvi. Salvo o devido respeito, a Jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo não tem o condão de suportar a decisão recorrida, mas, inclusivamente, até a infirma.
xxvii. O acórdão do STA dado no processo n.º 0682/09 tem o seguinte sumário:
«I - A intimação para um comportamento, prevista no artigo 147. º do CPPT, exige como seus requisitos cumulativos a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legitimo em matéria tributária e que esse intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse.
II - A omissão do cumprimento de um dever de prestação jurídica por parte da administração tributária pressupõe uma prévia definição da existência desse dever como decorrência de não se encontrar prevista uma fase declarativa no procedimento de intimação.
III - Tendo a recorrente, como resulta do probatório, sido alvo de várias acções inspectivas, nomeadamente aos exercícios em apreço, em virtude de os serviços de inspecção tributária terem apurado um quadro de irregularidades indiciador de fraude e evasão fiscal, de que resultaram várias liquidações adicionais de IVA relativas a esses períodos, e que a recorrente já impugnou judicialmente, é óbvio que o direito ao pretendido reembolso de IVA se não mostra ainda consolidado na ordem jurídica, não sendo, assim, por isso possível afirmar a sua inequívoca existência, nem sendo o meio processual utilizado a sede própria para proceder ao apuramento da legitimidade e/ou legalidade do seu recebimento.» (9).
xxviii. Ou seja, contrariamente ao que sucedeu nos autos, na decisão em causa a AF alegou e provou a existência de irregularidades justificadoras do não processamento de reembolso, e contrariamente á situação factual em causa na Jurisprudência citada, no caso em apreço não se encontra provada, nem sequer alegada, a existência de quaisquer "irregularidades" apuradas pela AF.
xxix. Assim, no seio do quadro factual que serviu de base à decisão jurisprudencial citada pelo Tribunal a quo, parece inequívoco concluir que não se legítima o reembolso de imposto quando a AF apure a existência de irregularidades - o que é consonante com a letra e o espírito da lei, e concordante com a mecânica de funcionamento do imposto.
xxx. Na verdade, quer no caso dos autos, quer no caso da Jurisprudência citada, existe um dever oficioso de reembolso de imposto cujo incumprimento apenas pode ser justificado com a existência de erros e irregularidades apurados pela AF na esfera do sujeito passivo.
xxxi. No entanto, reitera-se, ao invés do que decidiu o STA, o Tribunal a quo não levou ao probatório a existência de qualquer circunstância justificativa da inércia administrativa AF no processamento do reembolso de imposto dentro do prazo legal.
xxxii. Ao contrário do decidido, e também contra a jurisprudência invocada como fundamento para o decidido, NÃO FICOU DEMONSTRADO QUE A AF TIVESSE QUALQUER FUNDAMENTO PARA INCUMPRIR O PRAZO DE REEMBOLSO DO IMPOSTO, uma vez que NÃO FOI PROVADA A EXISTÊNCIA DE ERRO NAS DECLARAÇÕES DA RECORRENTE - PROVA ESSA QUE INCUMBIA À AF, como entidade intimada.
xxxiii. Entende o Tribunal a quo que «(...) uma coisa é a AF ter de decidir se ao contribuinte assiste, ou não, o direito ao reembolso (..) e para tutela dessa pretensão, assente na violação de um dever de prestação jurídica susceptível de lesar os interesses do contribuinte, decerto seria adequado o presente meio processual; outra, bem diferente, é a pretensão imediata de reembolso através do presente meio processual, a qual não pode proceder por não ser certa, clara, inequívoca o verificação dos pressupostos de que depende o direito ao reembolso até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação ou envio da declaração.».
xxxiv. Assim decide o Tribunal a quo porque, eventualmente, faz um errado enquadramento da questão dos autos na moldura factual do acórdão do STA de 07.03.2007, proc. n.º 06/07, que também cita.
xxxv. O sumário de tal acórdão é o seguinte:
«I - Requerido à Administração Tributária o reembolso de imposto retido na fonte, na falta de decisão no prazo do artigo 57.º n° l da Lei Geral Tributária, pode o interessado requerer em juízo a intimação para a conclusão do procedimento em prazo a fixar pelo juiz.
II - Nem a impugnação do indeferimento presumido, nem a acção para reconhecimento de um direito, constituem meio mais adequado «para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa.» (10) .
xxxvi. Antes de mais, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo confere igual tratamento a situações que, em sede de direito ao reembolso de imposto, nada têm em comum - quer factual, quer legalmente - pelo que situação fáctica presente no referido acórdão não pode ser, pura e simplesmente, transmutada para os autos - como pretende o Tribunal a quo.
xxxvii. Na Jurisprudência invocada pelo Tribunal a quo discute-se o reembolso de IRC retido na fonte, para o qual, ao contrário do que sucede com o IRC autoliquidado (ou até do IVA a reembolsar) - não existe um prazo legal de reembolso oficioso, estando esse reembolso, outrossim, dependente de um pedido por parte do contribuinte.
xxxviii. No caso dos autos a Recorrente não formulou, sequer, qualquer pedido de reembolso à A F. limitando-se, nos termos da lei, a autoliquidar imposto na sua declaração de rendimentos - sendo que, em virtude dessa autoliquidação, nasceu na sua esfera jurídica o direito ao reembolso como poderia ter nascido a obrigação de pagamento de imposto.
xxxix. Da factualidade em causa no acórdão citado pelo Tribunal a quo é resulta, outrossim, que:
«Em 10 de Outubro de 2002, a ora Requerente apresentou junto da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais/Relações Fiscais Internacionais o pedido de reembolso do imposto referente aos rendimentos de prestações de serviços postos à disposição pela Sociedade de B..., nos anos de 2000 e 2001 (...)» (11),
xl. No caso dos autos, ao contrário do que se decide na sentença recorrida. A RECORRENTE NUNCA PODERIA INTIMAR A AF A DECIDIR UM REQUERIMENTO. PELO SIMPLES FACTO DE QUE A RECORRENTE NÃO LHE FORMULOU QUALQUER REQUERIMENTO.
xli. Também a Jurisprudência do Acórdão do STA no Rec. 0303/07 de 12/07/2007, citado pela douta sentença recorrida, sustenta que:
« (..) o facto de o n.º 8 do referido art. 22 º Incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (...),mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.».
xlii. Ou seja, a AF podia e devia demonstrar que a intimação deveria improceder, contestando a factualidade invocada pela Recorrente, e provando que o reembolso era indevido - mas nada disso foi feito nos autos.
xliii. Assim sendo, pretendendo a decisão recorrida sustentar-se em jurisprudência que plenamente a infirma, verifica-se contradição entre os fundamentos e a decisão - o que implica a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 668.º n.º 1 c) CPPT, aplicável por força do artigo 2.º e) CPPT - ou, caso assim não se entenda, novo erro de julgamento, com a inerente violação do disposto no artigo 659.º n.º 3 C.P.C., aplicável por força do artigo 2.º e) CPPT.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de
JUSTIÇA! »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve proceder o recurso.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão, fixo a seguinte matéria de facto:
1. A requerente enviou, via electrónica, a declaração periódica de rendimentos modelo 22/IRC relativa ao exercício de 2008, em 28/05/2009 (fls. 52 e ss.);
2. Na referida declaração, no campo reservado a “Cálculo do Imposto”, no espaço relativo a “Total a Recuperar”, assinalou a importância de € 208.846,46 (fls. 24);
3. A presente intimação deu entrada no tribunal em 23/12/2009 conforme carimbo aposto a fls. 2;

Factos não provados: Com interesse para a decisão nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos, com destaque para a assinalada. »
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A primeira questão colocada, pela Recorrente/Rte, ao nosso cuidado, diz respeito à, possível, nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão – conclusão xliii., que, como se percepciona do conteúdo das conclusões xxv. a xlii., decorre de aquela ter invocado jurisprudência do STA, traduzida em dois arestos, não compatível, até infirmativa, com o sentido do judiciado.
Verificada na íntegra, conferimos a presença, entre os fundamentos de direito inscritos na aprecianda sentença, desta singela menção: «Com interesse, destacamos os Acórdãos do STA, de 30/09/2009, proc. 0682/09; de 07/03/2007, proc. 06/07.». Depois de coligir os diversos motivos jurídicos que teve por atuantes e legitimadores da decisão final a proferir, sem qualquer apelo ou conectividade com os identificados pronunciamentos do STA, o julgador limitou-se a mencioná-los, sob o pretexto de terem interesse, que nem concretiza.
A “oposição dos fundamentos com a decisão” é susceptível de constituir causa de nulidade de uma sentença (12) somente nos casos em que através da consideração dos imperativos, respectivos, fundamentos factuais e/ou jurídicos, mediante um processo lógico, se mostre possível estabelecer a conclusão de que, com base nestes, deveria ser assumida, na decisão final, solução diametralmente contrária, oposta, à que veio a ser, efetivamente, lavrada. Desde logo, não cabem aqui as hipóteses em que o apontamento da relevante oposição se socorre de subjetiva avaliação e valoração dos fundamentos adotados e do consequente entender que a solução a estabelecer teria que ser de sentido contrário; nestas, a ser correta a posição do arguente da oposição, eventualmente, podemos ser transportados para situações de errado julgamento (vício substancial) e não de nulidade da sentença (vício formal).
Posto este critério de aferição, in casu, dada a total falta de referência, na sentença, a contributos, recolhidos nos dois acórdãos mencionados, que tenham servido como suporte para a decisão de indeferir a impetrada intimação, mostra-se inviável entender e afirmar qualquer tipo de lógica ou não no desfecho alcançado. Por outras palavras, desconhecendo-se que fundamentos, veiculados pela jurisprudência identificada, o julgador assumiu e transpôs para a presente situação, encontra-se em falta um dos elementos imprescindíveis para avaliar e eventualmente, assumir a, determinante, contradição entre esses motivos e o judiciado.
Improcede, portanto, a invocada nulidade da sentença recorrida.
Uma segunda questão suscitada respeita à proposta de acrescento da matéria de facto, fixada na 1.ª instância, nos moldes preconizados nas conclusões ii. e iii., que temos de desatender.
Sem delongas, independentemente da acuidade que o facto pretendido aditar poderia revestir para apreciar do mérito, a documentação, com que a Rte legitima o seu pedido, apresenta-se-nos incapaz, porquanto não integra qualquer tipo de comprovativo, seguro, de o requerimento em apreço ter sido entregue nos serviços da administração tributária/at. Assim, por um lado, a fornecida cópia do pretenso requerimento não ostenta qualquer carimbo ou menção de recebimento por parte da, requerida, Diretora dos Serviços do IRC e o aviso de recepção (A/R) disponibilizado, além de se mostrar dirigido a uma, qualquer, Direção de Serviços de Reembolsos, ostenta como morada para devolução outra que não a mencionada, pela requerente, na parte inicial do pedido de informação, sem que contenha, ainda, qualquer assinatura da pessoa a quem terá sido entregue a correspondência registada – cfr. fls. 62 e 63.
***
A terceira questão, coligida pela Rte, tange os aspectos jurídicos da causa e traduz-se no apontar (13) de errado julgamento da decisão de improcedência do pedido de intimação, com a argumentação de, estando em causa o reembolso previsto no art. 96.º n.º 2, 3 e 6 CIRC (14), “não ser evidente que a declaração não contenha erros de preenchimento (ou de lançamento) que porventura impliquem uma alteração da base de cálculo do imposto devido ao contribuinte.” e de que “a pretensão imediata de reembolso através do presente meio processual não pode proceder por não ser certa, clara, inequívoca, a verificação dos pressupostos de que depende o direito …”.
O meio processual tributário de intimação para um comportamento, concedido pelos arts. 101.º al. h) LGT e 97.º n.º 1 al. m) CPPT, regulamentado no art. 147.º CPPT, unanimemente, «visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para a condenação à prática do acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa.
Tal definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei quando se esteja em face de direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica.
Na verdade, a primacial utilidade deste meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão) é a de permitir assegurar de forma muito mais rápida a efectivação de direitos cuja existência é evidente.». Em síntese, este processo judicial tem como requisitos obrigatórios e conjuntos, a omissão de um dever jurídico, por parte da at, capaz de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, sendo a intimação o meio, contencioso, mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva desse direito ou interesse; no pressuposto, necessário, de que a omissão do cumprimento de um dever de prestação jurídica, pela at, exige prévia definição da sua existência (15)
Embora sem o assumir explicitamente, o julgador, na sentença sob crítica, como decorre das passagens acima transcritas, entendeu não haver lugar à requerida intimação por faltar a evidência de a at estar, já, obrigada, adstrita, à prestação jurídica de reembolsar a requerente, do IRC autoliquidado no exercício de 2008, ou seja, na sua perspectiva, estava por definir a existência do direito, da contribuinte, ao concreto reembolso pedido e do inerente dever de cumprir pela at.
Depois de, no n.º 2 do art. 96.º CIRC, estabelecer os casos em que há lugar a reembolso, do tributo, ao contribuinte autoliquidador, o legislador fixou, pelo n.º 3 do mesmo normativo, objetivamente, a regra, o princípio, de que «O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio.». Deste conjunto normativo decorrem, sem reservas, em nossa opinião, as seguintes implicações:
- para haver lugar a reembolso, de IRC, ao contribuinte, basta que o valor, por este, apurado na declaração periódica de rendimentos (ou de substituição) seja negativo ou inferior ao valor dos pagamentos por conta;
- o valor do reembolso será a importância resultante da soma do montante negativo encontrado com o dos pagamentos por conta ou a correspondente à diferença entre o valor apurado na declaração e o superior referente aos pagamentos por conta efetivados;
- quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e não contenha erros de preenchimento, a at tem de efetuar o reembolso do contribuinte até ao terminus do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio da declaração.
Identificando-se, com facilidade e imediatamente, que a justificação da existência e quantitativo do previsto reembolso encontra suporte na regra angular, do nosso ordenamento jurídico-tributário, de se terem de presumir verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei – art. 75.º n.º 1 LGT, com a particularidade de, em sede de IRC, a matéria colectável ser, por norma, determinada com base em declaração do contribuinte (16), a imposição do dever de a at proceder ao devido reembolso num determinado período de tempo só pode ser entendida no mesmo enquadramento, isto é, tem de fazer-se funcionar no pressuposto de que, em princípio, são verdadeiros os montantes declarados pelos sujeitos passivos do imposto. É certo que o versado art. 96.º n.º 3 CIRC, expressamente, exige que a declaração periódica de rendimentos não contenha “erros de preenchimento”. Com o devido respeito, na ausência de delimitação legal, julgamos só poderem estar, aqui, abrangidas incorreções de forma, detectáveis a partir da análise ocular das declarações apresentadas e eventual documentação com que devam ser instruídas, decorrentes do não cumprimento das regras que devem presidir à inscrição dos valores nos diversos campos que compõem as declarações de rendimentos. De forma alguma, como, timidamente, se defende na sentença, “erros de lançamento”, no sentido de desconformidades entre os valores registados na contabilidade e os declarados, estão abrangidos pela identificada exigência.
Do expendido resulta, a título de conclusão, que, havendo, por efeito e consideração do valor apurado na competente declaração periódica de rendimentos, lugar a reembolso, ao contribuinte, de IRC, este tem de ser operado, pelos competentes serviços da at, no prazo fixado na parte final do n.º 3 do art. 96.º CIRC, desde que e somente desde que aquela declaração tenha sido enviada ou apresentada no respectivo prazo legal e não ostente erros no seu preenchimento.
Assim sendo, no que interessa para o mérito desta causa, qualquer contribuinte que comprove autoliquidação de IRC, efetuada dentro do prazo concedido, por lei, para o efeito, a que não sejam apontados erros de preenchimento da declaração suporte, tem direito a ser reembolsado, até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio desta, do imposto liquidado em excesso. Outrossim, por consequência, ocorrida uma situação de facto com os contornos vindos de delinear, passa a existir, na esfera da at, o dever jurídico de proceder, dentro do prazo indicado, ao competente reembolso. Por outras palavras, a existência deste dever decorre necessariamente de determinada situação fáctica.
Antevendo-se, desde já, a razão que assiste à Rte, não podemos deixar de anotar termos tido presente, na leitura e fixação do alcance do aplicável art. 96.º n.º 3 CIRC, a possibilidade, conferida por lei, de a at proceder ao controlo, das declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes, por diversas vias, com destaque para o procedimento de inspeção tributária. Julgamos ser certo é que esta indisponível capacidade de conferência da veracidade, da correspondência entre o declarado e a realidade, não prejudica o funcionamento do tratado normativo nos moldes que supra apontamos (17), nem é prejudicada, inviabilizada, pela anterior ocorrência de reembolso ao contribuinte. Trata-se de aspectos com diversos, independentes, campos de operação, sem prejuízo de, casuisticamente, poderem registar implicações recíprocas.
Comprovado, nestes autos, pela requerente, o envio, electrónico, da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, relativa ao exercício de 2008, até ao último dia útil do mês de Maio de 2009, como prescrito pelo art. 112.º n.º 1 CIRC, na qual foi calculado imposto a recuperar pela importância total de € 208.846,46 e sem que haja registo, apontamento, de a declaração em apreço conter erros de preenchimento, emergiu, para a at, o dever de reembolsar, àquela, este montante, até ao fim do mês de Agosto de 2009; o que não tendo cumprido legitima a respectiva intimação para o efeito.
Somente resta referenciar não encontrarmos, no processo, até ao momento, justificativo bastante para que se comine, à at, a prática de crime de desobediência simples, em caso de não cumprimento desta intimação, na certeza de que, se este ocorrer, existem vários mecanismos de sancionamento e persuasão, em sede de execução deste veredicto.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença sindicada;
- intimar o Diretor-Geral da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira para, no prazo de 45 dias, através do serviço competente, efetuar o reembolso, à requerente, da importância de € 208.846,46 (duzentos e oito mil, oitocentos e quarenta e seis euros, quarenta e seis cêntimos), referente a IRC autoliquidado, do exercício de 2008, acrescida dos juros indemnizatórios, prescritos no art. 96.º n.º 6 CIRC e devidos desde 1.9.2009, até que ocorra o determinado pagamento.
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Custas a cargo da recorrida (AT), somente em 1.ª instância.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 26 de junho de 2012

ANÍBAL FERRAZ
EUGÉNIO SEQUEIRA
PEREIRA GAMEIRO

1- Art. 16.º CIRC.
2- Cfr. Art. 63.° n.° 1 LGT.
3- Cfr. Art 2.° n.° 2 a)RCPIT
4- Cfr. art. 82.° a)CIRC
5- Cfr. art. 83.° n.°1 a) CIRC.
6- Sic, sublinhado e destaque nossos.
7- Art. 75.° n.° 1 LGT.
8- Cfr. Art. 75.° n.° 2 a) LGT e 2.° n.º 2 a) RCPIT.
9- Sic, sublinhado e destaque nossos.
10- Sic, sublinhado e destaque nossos.
11- Sic, sublinhado e destaque nossos.
12- Cfr. arts. 125.º n.º 1 CPPT e 668.º n.º 1 al. c) CPC.
13- Sobretudo, conclusões xviii. a xxiv.
14- Na redação vigente no ano de 2008.
15- Neste sentido, cfr., v.g., Ac. STA de 30.9.2009, rec. 0682/09.
16- Art. 16.º n.º 1 CIRC.
17- Ressalvada a hipótese de qualquer iniciativa de controlo, despoletada pela at, ter início antes de terminado o 3.º mês imediato ao da apresentação ou envio da declaração periódica de rendimentos.