Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06147/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/29/2013
Relator:CT - 2.º JUÍZO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
NOTIFICAÇÃO COMO REQUISITO DE PERFEIÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, Nº.1, DO C.P.P.T.
ILISÃO DA PRESUNÇÃO.
ARTº.28, DO REGULAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO DE COR­REIOS, APROVADO PELO DEC.LEI 176/88, DE 18/5.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil).
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
5. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
6. A presunção de notificação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., está conexionada com a forma de notificação consagrada no artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública.
7. A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do artº.39, do C.P.P.T., em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou. Por outras palavras, o efeito que a lei quer atribuir ao registo consiste numa presunção “juris tantum” da demora que levará a fazer a comunicação postal. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu.
8. Não se pode falar em violação do artº.28, do Regulamento do Serviço Público de Cor­reios, aprovado pelo dec.lei 176/88, de 18/5, quando o registo simples traduz uma inovação (cfr.Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, com a cobertura dos diplomas legais acima identificados, nascidos em momento e realidade, posterior e diferente, da contemporânea daquele Regulamento.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal da sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.66 a 68 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição, intentada pelo apelante, à execução fiscal nº.3603-2010/107015.0, que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Leiria, visando a cobrança coerciva de dívida de I.R.S., relativa ao ano de 2008 e no montante total de € 23.933,20.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.80 a 86 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida nos números 5 e 6 dos factos provados constantes da referida sentença;
2-Com efeito, a informação da gestão dos fluxos financeiros não constitui prova que as notificações para pagamento voluntário das liquidações que deram origem à dívida exequenda tenham sido efectuadas com carta registada;
3-Na verdade, segundo os nºs.1, 2 a) e 4 a) e c), do artº.28, do Regulamento dos Correios, a cada carta registada corresponde um recibo, o qual é entregue ao remetente e por sua vez, o levantamento subsequente, por parte do destinatário, da referida carta é também objecto de um recibo, o qual fica na posse dos CTT;
4-Ora, a informação constante da gestão dos fluxos financeiros não preenche nenhum dos requisitos previstos no artº.28, do Regulamento dos CTT;
5-Aliás, constituindo o registo postal das notificações com carta registada um elemento externo do próprio procedimento das notificações das liquidações, a mera junção da informação da gestão dos fluxos financeiros, transformaria o processo de liquidação e cobrança do imposto num procedi­mento fechado e inacessível com o inerente esvaziamento jurídico-constitucional do direito à notificação por parte dos administrados/ contribuin­tes;
6-A douta decisão recorrida fez não só um incorrecto julgamento da matéria de facto bem como uma incorrecta interpretação e aplicação do nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., conjugado com o artº.28, do Regulamento dos Cor­reios;
7-Termos em que deve ser autorizada a junção dos documentos com dispensa de multa e ser o presente recurso julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e ordenado o correspondente arqui­vamento da execução fiscal.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Tribunal “a quo”, em despacho exarado a fls.95 dos autos, admitiu o documento junto pelo recorrente com o recurso a fls.87 do processo.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente confirmação da sentença recorrida (cfr.fls.104 a 106 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.108 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.66 e 67 dos autos):
1-O opoente foi sujeito a fiscalização referente ao exercício de 2008, tendo sido apurada a omissão de rendimentos provenientes da alienação de imóveis sujeitos a I.R.S. no montante de € 84.076,27 (cfr.cópia de relatório da A. Fiscal junta a fls.21 a 26 cujo conteúdo se dá por reproduzido);
2-Foi notificado do projecto de conclusões para exercício do direito de audição, através do ofício de 6/7/2010 (cfr.documento junto a fls.21 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por repro­duzido);
3-Requereu prorrogação do prazo, o que foi deferido por despacho de 19/7/2010 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 19 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
4-Foi notificado do relatório definitivo mediante ofício nº.6640, de 3/8/2010, e recebido em 4/8/2010 (cfr.documentos juntos a fls.7 a 9 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzi­do);
5-A notificação das liquidações foram efectuadas por carta registada a coberto dos registos nºs. RY509834368PT e RY509895163PT (cfr.documento junto a fls.32 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido);
6-Constando como recebidas no dia 19/8/2010 (cfr.documentos juntos a fls.34 e 35 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
7-Na sequência do relatório identificado no nº.1 da matéria de facto, em 13/8/2010 a A. Fiscal estruturou as liquidações de I.R.S. e juros compensatórios, relativas ao ano fiscal de 2008, no montante total de € 23.933,20, cujo termo do prazo de pagamento voluntário foi fixado em 22/9/2010 e das quais surge como sujeito passivo o opoente, A..., com o n.i.f. 173 023 088, com o domicílio fiscal sito em R.S. Miguel, 1974, Crasto, 2420-204 Colmeias, Leiria (cfr.documentos juntos a fls.72 e 75-verso do processo administrativo apenso; documento junto a fls.37 dos presentes autos);
8-A notificação das liquidações identificadas no nº.7 da matéria de facto foi efectuada por carta registada, conforme mencionado no nº.5 do probatório, tendo tais objectos sido entregues ao destinatário em 19/8/2010, pelas 10h.00m. (cfr.documentos juntos a fls.73 e 74 do processo administrativo apenso).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar improcedente a presente oposição, devido ao decaimento do fundamento da mesma.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar, que a douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida nos números 5 e 6 dos factos provados. Com efeito, a informação da gestão dos fluxos financeiros não constitui prova que as notificações para pagamento voluntário das liquidações que deram origem à dívida exequenda tenham sido efectuadas com carta registada (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais se dirá que o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
“In casu”, o recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto constante do probatório estruturado pelo Tribunal “a quo”, nos nºs.5 e 6 supra exarados. Defende o apelante que a informação da gestão dos fluxos financeiros não constitui prova de que as notificações para pagamento voluntário das liquidações que deram origem à dívida exequenda tenham sido efectuadas com carta registada.
Ora, mediante o cruzamento da informação constante dos elementos documentais referenciados nos citados nºs.5 e 6 do probatório, reforçados pela factualidade aditada no nº.8 por este Tribunal (o qual confirma a entrega dos documentos sob registo em print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT), conferidas as correspondências numéricas entre cada liquidação e o correspondente registo postal simples, o julgador ficou certo da realidade traduzida nos visados factos assentes, decisão que se nos afigura de confirmar.
Pelo que não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto neste segmento, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente que segundo os nºs.1, 2 a) e 4 a) e c), do artº.28, do Regulamento dos Correios, a cada carta registada corresponde um recibo, o qual é entregue ao remetente e por sua vez, o levantamento subsequente, por parte do destinatário, da referida carta é também objecto de um recibo, o qual fica na posse dos CTT. Ora, a informação constante da gestão dos fluxos financeiros não preenche nenhum dos requisitos previstos no artº.28, do Regulamento dos CTT. Que constituindo o registo postal das notificações com carta registada um elemento externo do próprio procedimento das notificações das liquidações, a mera junção da informação da gestão dos fluxos financeiros, transformaria o processo de liquidação e cobrança do imposto num procedi­mento fechado e inacessível com o inerente esvaziamento jurídico-constitucional do direito à notificação por parte dos administrados/contribuin­tes. Pelo que, a douta decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação do nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., conjugado com o artº.28, do Regulamento dos Cor­reios (cfr.conclusões 3 a 6 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.4870/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc. 5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.360).
“In casu”, conforme se entendeu na sentença recorrida, as liquidações que consubstanciam a dívida exequenda deviam ser notificadas através de carta registada nos termos do artº.38, nº.3, do C.P.P.Tributário, dado que nos encontramos perante actos tributários derivados de correcção à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição (cfr.nºs.1 a 4 do probatório).
Ora, tendo sido esse o modo como a A. Fiscal operou as notificações das liquidações ao executado/opoente (cfr.nºs.5, 6 e 8 da matéria de facto provada), o que está em causa nos presentes autos reside em saber se operou, ou não, a presunção de notificação da liquidação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário. A presunção de notificação prevista neste normativo, está conexionada com a forma de notificação consagrada no citado artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à Administração Tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando (cfr.artº.149, nº.3, do C.I.R.S.).
No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 17/5/2011, proc.4631/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.382; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.202 e seg.).
A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/10/2010, rec.526/10; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.383; João António Valente Torrão, ob.cit., pág.202 e 203).
Como se retira do artº.39, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário, o efeito que a lei quer atribuir ao registo consiste numa presunção “juris tantum” da demora que levará a fazer a comunicação postal. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/3/2011, rec.967/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.1181/11; ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.5529/12).
Voltando ao caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.5, 6 e 8 da matéria de facto provada), deve constatar-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação do opoente/recorrente, e para o seu domicílio fiscal, das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.3603-2010/107015.0, mais se devendo concluir que as cartas de notificação não foram devolvidas ao remetente. Assim sendo, deve ter-se por operante a presunção de notificação consagrada no examinado artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário, no caso em apreciação nos presentes autos, tanto mais que o opoente apenas se limitou a defender na p.i. que não foi validamente notificado das liquidações de I.R.S. e juros compensatórios, com vista a efectuar o seu pagamento, dentro do prazo conferido para o efeito.
Por último, chama o apelante à colação o facto da decisão recorrida violar o disposto no artº.28, do Regulamento do Serviço Público de Cor­reios, aprovado pelo dec.lei 176/88, de 18/5, segundo defende, visto não constar dos autos qualquer recibo dos registos em causa.
Ora, tal deve-se à circunstância de os mesmos registos terem revestido a modalidade de “registo simples”, onde tal tipo de comprovativo inexiste, sendo que a génese desta forma de entrega se encontra na operação do serviço Notificação-Citação Via Postal Simples, instituído pelas Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9. Assim sendo, por razões, aparentemente, comerciais e buscando legitimação em diplomas legislativos supervenientes, os CTT activaram um novo processo de operar o correio registado, o qual estava previsto, na sua conformação inicial, no citado artº.28, do Regulamento do Serviço Público de Cor­reios. Deste modo, não se pode falar em violação deste dispositivo legal, quando o versado registo simples traduz uma inovação, face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, com a cobertura dos diplomas legais acima identificados, nascidos em momento e realidade, posterior e diferente, da contemporânea daquele Regulamento. Acresce, no âmbito do procedimento e processo tributários, não se verificar qualquer indício de que o legislador, sabendo, obviamente, da existência e operação do dito registo simples, quando, no artº.38, nº.3, C.P.P.T., prescreveu a efectivação de determinadas notificações por carta registada, haja querido excluir essa modalidade de entrega, disponibilizada pelos serviços postais nacionais, para alguma da correspondência fiscal, nomeadamente aquela que teve fundamento em correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição (cfr.ac.T.C.A.Sul, 6/11/2012, proc.5822/12).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, não se concede provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a fundamentação constante do presente acórdão.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Janeiro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)



(Lucas Martins - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)