Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1971/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
SGPS
MÉTODO DE DEDUÇÃO
PRO RATA/AFETAÇÃO REAL
Sumário:I) Uma SGPS que adquire serviços de consultadoria a entidades não residentes, pelo quais incorre em IVA, e que de seguida os redebita na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, não pode deduzir o IVA incorrido nessas aquisições por aplicação do método de dedução da afetação real, a menos que demonstre que tais serviços foram utilizados pelas segundas nas suas próprias atividades.

II) Não tendo sido feita essa demonstração, designadamente por não existir contrato escrito entre a SGPS e as participadas relativo a tais prestações de serviços, a dedução do IVA só poderá ser feita por aplicação do método prorata.

III) Se a Administração Tributária incluiu no denominador para o cálculo do prorata, designadamente, os sindicados dividendos, incorreu em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o que determina, por conseguinte, a anulação do ato tributário.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade P….., SA, tendo por objeto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC) do ano de 2000, no valor de €243.279,90.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“CONCLUSÕES:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida por P….., SGPS, SA contra a liquidação adicional de IVA nº ….., do período de 2000, no montante de €243.279,90, determinando a anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências, reconstituição da situação tributária do Contribuinte.

B) Em causa nos autos está o método de dedução a adotar, atento o disposto no art.º 23.º do CIVA, e, considerando que a ora Recorrida é um sujeito passivo misto.

C) Sendo a ora Recorrida um sujeito passivo misto, uma vez que pratica simultaneamente operações que conferem direito à dedução de IVA, uma vez que estão sujeitas a IVA as atividades de prestação de serviços de administração e gestão e operações que não conferem direito a essa dedução, a detenção e gestão de participações sociais noutras entidades como forma indireta de exercício de atividades económica, “SGPS”, optou, a mesma, de entre os métodos previstos no art.º 23.º do CIVA, afetação real ou pro-rata, pelo método de afetação real.

D) Consideraram os Serviços de Inspeção Tributária, na inspeção tributária externa levada a cabo, e foi dado como provado no ponto A) da sentença do Tribunal a quo, que além das operações isentas, de aquisição, detenção e gestão de participações sociais, a ora Recorrida levava a cabo atividades de prestação de serviços técnicos de administração e gestão.

E) Concluíram os Serviços de Inspeção Tributária, considerando as atividades levadas a cabo pela ora Recorrida, que “no fundo não exercem senão uma e mesma atividade, já que a gestão da carteira de participações permanentes exige o recurso a um apurado know how de gestão que preste um auxílio (serviço) efetivo às unidades participadas podendo afirmar-se que as prestações de serviços técnicos de administração e gestão são indissociáveis da própria gestão das participações”.

F) Pelo que, segundo concluiu a Inspeção Tributária, alguns custos imputados pela ora Recorrida à atividade sujeita a IVA, a chamada atividade secundária, e, portanto, objeto de dedução, efetivamente, não eram custos exclusivos da atividade sujeita, mas antes custos comuns a atividades sujeitas a IVA e a atividades isentas, pelo que, nesse sentido, não podiam ter sido deduzidos na totalidade.

G) Entendeu o Tribunal a quo que “a motivação da correção efetuada não convence, nem tem suporte nem espírito na letra da lei, por não ter sido convocado que se verificavam in casu distorções significativas na tributação”.

H) A Inspeção Tributária não usou, de facto, no Relatório de Inspeção Tributária a expressão “distorção significativa da tributação”, mas os argumentos que utilizou, o facto da ora Recorrida apesar de exercer duas atividades, uma principal e outra acessória, sendo que uma confere direito a dedução e a outra não, estar a exercer verdadeiramente uma mesma e só atividade, e o facto dos “custos relativos à manutenção da estrutura administrativa da empresa serem comuns à globalidade da atividade e indissociáveis dessa globalidade”, configura uma “distorção significativa da tributação”.

I) Ainda que tal não tenha sido referido diretamente no Relatório de Inspeção Tributária, os factos alegados materialmente configuram uma “distorção significativa da tributação”.

J) Além disso, apenas pelo facto de aplicando à atividade em causa o método prorata e não o da afetação real, ter havido correções e consequente imposto em falta, já é demonstrativo, por si só, que o método da afetação real adotado pela ora Recorrida configurava uma “distorção significativa da tributação”, atento o imposto pago a menos com o método da afetação real.

K) Pelo que, com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário, incorrendo o Tribunal em erro de julgamento.

L) A repartição do ónus da prova no domínio do procedimento e do processo tributário assume a seguinte formulação, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art.º 342.° n° 1 Código Civil e art.º 74.° n° 1 LGT).

M) In casu, a aplicação deste regime determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, ora Recorrido, que beneficiará da existência do facto favorável à sua pretensão: aplicação do método de afetação real (art.º 23.º do CIVA).

N) Sendo o método de dedução prorata o regime regra [Senão veja-se o Acórdão do TCAS, de 03/06/2012, no âmbito do processo n.º 01103/06, disponível em www.dgsi.pt], cabia à ora Recorrida a prova de que o método de afetação real seria o mais indicado, na medida em que os custos de cada uma das atividades seriam facilmente identificáveis e individualizáveis, sendo, por isso possível mensurar a efetiva utilização dos inputs da atividade na produção dos bens ou serviços transacionados pelo sujeito passivo.

O) Tal prova nunca foi feita pela ora Recorrida.

P) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da circunstância de, ter sido feita uma errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23.° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A sociedade P….., SA, tinha por objeto social a detenção e gestão de participações sociais noutras entidades como forma indireta de exercício de atividades económicas, bem como à prestação de serviços técnicos de administração (cf. artigo 7.º da pi);

B) Em 22 de Junho de 2001, P….., SA cessou a sua atividade, por processo de fusão na P….., SA (cf. artigo 8º da pi);

C) Em 2001.07.16, no Serviço de finanças de Lisboa-4, preencheu e entregou declaração de cessação constante de fls. 98 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

D) Entretanto, o exercício de 2000, foi alvo de inspeção tributária externa, tendo os Serviços de Inspeção Tributária concluído por IVA em falta no montante de € 243 279,90 (cf. fls. 27 a 30 do PA-RG);

E) Do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária em 2003.03.26, constante de fls. 27 a 44 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…)

1.2.3 – IVA

Cálculo do Pró-Rata

A empresa exerceu indevidamente o direito à dedução do IVA pelo método da afetação real. A P….. é uma SGPS, cuja atividade principal está isenta de IVA, mas que complementarmente à atividade principal exerce prestações de serviços de administração e gestão, sujeitas a imposto.

Deste modo, uma vez que as SGPS exercem atividades isentas sem direito à dedução e, simultaneamente, atividade sujeita a que confere esse direito, isso gera um direito à dedução incompleto e consequentemente obriga-as à disciplina do disposto no art° 23° do CIVA para efeitos de determinação do montante de imposto dedutível.

Assim, 0 montante desta correção ascende a € 243.279,90 (ver ponto 3.3.1.).

(…)

3.3 IVA

3.3.1 IVA Cálculo do Pro-Rata

Foi verificado que a P….., SGPS exerce o direito à dedução do IVA pelo método da Afetação Real, ou seja, deduz o IVA dos inputs afetos à atividade sujeita.

As SGPS, de acordo com o artigo 1° do Dec. Lei 495/88 de 30 de Dezembro, caracterizam-se por sociedades detentoras de participações através do seu objeto que se pretende único - a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo ainda facultada a possibilidade de conceder crédito, por meio de "contratos de suprimentos" celebrados com as empresas participadas e complementarmente prestar serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas, desde que respeitem as condições referidas no artigo 4º do diploma acima mencionado.

Face ao objeto social das SGPS os seus rendimentos serão constituídos por:

• Dividendos, juros de obrigações e outras aplicações financeiras, como atividade principal;

• Mais-Valias na venda de títulos;

• Remunerações pelas prestações de serviços técnicos de administração e gestão.

Em face do descrito, a atividade fundamental das SGPS está isenta de IVA, já que as operações resultantes do exercício dessa atividade se enquadram na lista limitativa das operações referidas ao nº 28 do artigo 9.° do CIVA. Por força do disposto do n° 1 do artigo 20.° do mesmo código, não poderá, em princípio, deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para o exercício dessa atividade - operações isentas não incluídas na alínea b) do nº 1 do artigo 20°.

Relativamente à atividade complementar à atividade principal, isto é, as prestações de serviços técnicos de administração e gestão estão, nos termos dos artigos 4° e 6° do CIVA sujeitas a imposto e dele não isentas, sem prejuízo do direito à dedução do imposto suportado para a realização dessas operações a efetuar nos termos dos artigos 19.° e 25.° do CIVA.

Deste modo, uma vez que as SGPS exercem atividades isentas sem direito à dedução e, simultaneamente, atividade sujeita a IVA que confere esse direito, isso gera um direito à dedução incompleta e consequentemente obriga-as à disciplina do disposto no artigo 23° do CIVA para efeitos de determinação do montante de imposto dedutível. Nos termos deste artigo, estão previstas duas modalidades para a determinação do direito à dedução: método da percentagem de dedução (pro-rata) como regra geral e o da afetação real, por opção do sujeito passivo ou por imposição da Administração Fiscal.

O método da percentagem de dedução carateriza-se por o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução relativamente a todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo de imposto. Neste cálculo não serão, contudo, incluídas, como determina o nº 5 do artigo 23° do CIVA, as operações que têm um carácter acessório em relação à atividade global da empresa, ou seja, transmissões de bens do ativo imobilizado e operações imobiliárias ou financeiras.

O método da afetação real carateriza-se pelo facto de não ser permitido qualquer direito à dedução relativamente ao imposto dos “inputs” destinados à realização de operações isentas sem direito à dedução integral quanto ao imposto incidente sobre os “inputs” destinados à realização de operações tributadas ou isentas com direito à dedução.

O objetivo fundamental das SGPS será a realização de operações isentas, por estarem abrangidas pelo disposto no nº 28 do artigo 9º do CIVA. Como, para além destas operações, é possível admitir como atividade acessória, a realização de outras não tributadas (prestações de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades participadas), no fundo não exercem senão uma e mesma atividade, já que a gestão da carteira de participações permanentes exige o recurso a um apurado know how de gestão que preste um auxílio (serviço) efetivo às unidades participadas podendo afirmar-se que as prestações de serviços técnicos de administração e gestão são indissociáveis da própria gestão das participações.

Por isso não será de aceitar a opção pelo método de afetação real, mas sim pelo método pro-rata.

Face ao exposto, e tendo ainda em consideração que é sempre possível admitir-se a existência de custos relativos à manutenção da estrutura administrativa da empresa, comuns à globalidade da atividade e indissociáveis dessa globalidade; será de efetuar a correção do IVA deduzido pelo método da afetação real para o montante permitido pelo método da percentagem de dedução ou pro-rata.

O cálculo deste último método será obtido pelo quociente das prestações de serviços sujeitas sobre (prestações de serviços sujeitas + rendimentos de participação de capital + ganhos na alienação de investimentos financeiros + juros de crédito concedido).

O montante desta correção ascende a PTE 48 773 241$00 (€ 243.279,90), apurada conforme Anexo IV.

(…)

F) Em 2003.04.08, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº ….., do período de 2000, no montante de € 243 279,90, com pagamento voluntário até 2003.06.30; do ofício de notificação constante de fls. 22 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:

 (…)

Nº Fiscal: …..

Nome: P….., SA

(…)

G) Em 2003.04.08, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., do período de 0005, no montante de € 792,27, com pagamento voluntário até 2003.06.30; do ofício de notificação constante de fls. 23 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:

(…)

Nº Fiscal: …..

Nome: P….., SA

(…)

H) Em 2003.04.08, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., do período de 0011, no montante de € 13 588,02, com pagamento voluntário até 2003.06.30; do ofício de notificação constante de fls. 24 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:

(…)

Nº Fiscal: …..

Nome: P….., SA

(…)

I) Em 2003.04.08, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., do período de 0012, no montante de € 22 369,32, com pagamento voluntário até 2003.06.30; do ofício de notificação constante de fls. 25 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:

(…)

Nº Fiscal: …..

Nome: P….., SA

(…)

J) Em 2003.11.28, no Serviço de Finanças de Lisboa-4, deu entrada reclamação da impugnante P….., SA, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, constante de fls. 2 a 21 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

K) Em 2004.08.16, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-4 (cf. carimbo aposto a fls. 2/60 de doc nº …..de 19-08-2004/15:50:10);

L) Por despacho de 2004.10.08, comunicado por carta registada com aviso de receção assinado em 2004.10.18, a Fazenda Pública foi notificada para contestar;

M) Por despacho de 2005.01.28, do Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, exarado na informação da Divisão de Justiça Contenciosa de 2005.01.24, o ato impugnado foi parcialmente revogado; deste despacho constante de fls. 144 do PA-Revogação Parcial, que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da presente informação e respetivos pareceres, revogo parcialmente o ato impugnado.

Remetam-se os autos ao Digno Representante da Fazenda Pública, mediante prévia notificação da impugnante nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 112º do CPPT

(…)

N) O despacho de revogação parcial do ato impugnado foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 2005.02.02 (cf. fls. 145 e 146 do PA).


***

A decisão recorrida no item referente à factualidade não provada, consignou o seguinte:

“Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provados com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”


***

A motivação da matéria de facto assentou “nos documentos e informações constantes do processo.”

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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

O) No âmbito da atividade referida na alínea A), a P….. adquiriu recursos a determinados fornecedores com IVA, pelos quais lhe foi liquidado IVA, faturando-os de seguida, pelos mesmos montantes, a uma ou várias das suas sociedades participadas, liquidando-lhes o respetivo IVA (facto não controvertido; facto alegado na p.i. e corroborado pelo teor do RIT e pelas faturas juntas à p.i);

P) A P….. efetuou a dedução do IVA incorrido com a realização de operações tributadas mencionadas na alínea anterior e relativas a serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas mediante a aplicação do método da afetação real (facto não controvertido; facto alegado na p.i. e corroborado pelo teor do RIT);

Q) A Administração Tributária procedeu ao apuramento da percentagem do prorata da forma que infra se descreve:


(cfr. anexo IV integrante do RIT);

***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA e respetivos JC do ano de 2000.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Ab initio, importa referir que não tendo a Recorrida apresentado contra-alegações, nem requerido a ampliação do objeto do recurso, as questões analisadas pelo Tribunal a quo e nas quais decaiu, mormente, a inerente à preterição de formalidades legais na notificação da liquidação adicional impugnada, encontram-se firmadas na ordem jurídica, constituindo caso julgado.

Assim, face ao supra aludido, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o Tribunal a quo fez errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23.° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

Em caso afirmativo, procedendo a pretensão da Recorrente, cumpre apreciar a questão julgada prejudicada, in casu, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito concatenado com a ponderação no denominador do cálculo da percentagem do prorata dos valores inerentes aos dividendos e ganhos apurados na alienação de investimentos financeiros.

Apreciando.

A Recorrente sustenta que os Serviços de Inspeção Tributária, na Inspeção Tributária externa levada a cabo, e tal como foi dado como provado no ponto A) da sentença do Tribunal a quo, que além das operações isentas, de aquisição, detenção e gestão de participações sociais, a ora Recorrida levava a cabo atividades de prestação de serviços técnicos de administração e gestão.

Entenderam, porém, que no fundo não exercem senão uma e mesma atividade, já que a gestão da carteira de participações permanentes exige o recurso a um apurado know how de gestão que preste um auxílio (serviço) efetivo às unidades participadas podendo afirmar-se que as prestações de serviços técnicos de administração e gestão são indissociáveis da própria gestão das participações.

Mais defendendo que os custos imputados pela ora Recorrida à atividade sujeita a IVA, a chamada atividade secundária, e, portanto, objeto de dedução, efetivamente, não eram custos exclusivos da atividade sujeita, mas antes custos comuns a atividades sujeitas a IVA e a atividades isentas, ou seja, custos relativos à manutenção da estrutura administrativa da empresa comuns à globalidade da atividade e indissociáveis dessa globalidade, não sendo, por isso, possível a aplicação do método da afetação real.

É certo que reconhece que não convocou de forma expressa a “distorção significativa da tributação”, mas a verdade é que a argumentação que fundou a correção mais não representa essa mesma distorção.

Mais aduz que, de todo o modo, a Recorrida não fez prova, como lhe competia, que o método de afetação real seria o mais indicado, na medida em que os custos de cada uma das atividades seriam facilmente identificáveis e individualizáveis, sendo, por isso, possível mensurar a efetiva utilização dos inputs da atividade na produção dos bens ou serviços transacionados pelo sujeito passivo.

Termina, assim, concluindo pela existência de um erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da circunstância de ter sido feita uma errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23° do CIVA, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário, impondo-se, por isso, a sua revogação.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo fundamentado a procedência da seguinte forma:

“[A] atividade fundamental das SGPS, de gestão de participações noutras sociedades encontra-se isenta de IVA, dado que se consubstancia na prática de operações abrangidas pela norma de isenção constante do artigo 9/28 CIVA.

Todavia, as atividades complementares à atividade principal, ou seja, as prestações de serviços técnicos de administração e gestão, encontram-se sujeitas a imposto e dele não isentas (artigos 4º e 6º CIVA).

Assim, as SGPS qualificam-se para efeitos de IVA como sujeitos passivos mistos, por poderem praticar em simultâneo operações isentas sem direito à dedução e operações sujeitas a IVA que conferem tal direito. (…)

Na ação de inspeção tributária externa e de âmbito geral a que foi sujeita a Impugnante, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que a Contribuinte optou indevidamente pelo método da afetação real, o valor de IVA foi corrigido e emitida a correspondente liquidação adicional.

Todavia, a motivação da correção efetuada não convence, nem tem suporte nem espírito nem na letra da lei, por não ter sido convocado que verificavam in casu distorções significativas na tributação.

Com efeito, e em primeira linha, a opção por um ou pelo outro método de dedução cabe ao sujeito passivo do imposto e a Autoridade Tributária e Aduaneira não invoca motivo bastante, nomeadamente que a contabilidade da Impugnante não permite a diferenciação das atividades prosseguidas, se isentas ou tributadas.

Tem, pois, que ser dada razão ao Impugnante.”

Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, convocando, desde já, o regime jurídico que releva para a presente situação.

Comecemos por chamar à colação a regulamentação nacional sobre as sociedades holdings, fazendo depois o respetivo enquadramento com a Sexta Diretiva, à data em vigor, e com o CIVA com a versão à data da prática dos factos tributários (2000).

No caso vertente, encontramo-nos perante sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) que são sociedades holdings regulamentadas através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

Dispunha, à data, o artigo 1.º do citado Decreto-Lei sob a epígrafe de sociedades gestoras de participações sociais que:

“1.   As SGPS […] têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2.Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (…).”

Mais dispunha o artigo 4.º, n.º 1, do referido diploma legal relativamente às prestações de serviços que é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações de, pelo menos, 10% do capital, com direito de voto, ou, excecionalmente, às sociedades nas quais detenham uma participação de, pelo menos, 10%, com direito de voto, ou com as quais tenham celebrado “contratos de subordinação”.

Preceituando, por seu turno, o n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 495/88 que a prestação de serviços será objeto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o respetivo valor de mercado.

De convocar, neste particular, a Sexta Diretiva, mormente o seu artigo 2.º, n.º 1, o qual dispunha o seguinte:

“Estão sujeitas ao [IVA]:

As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.As importações de bens.”

Mais importa ter presente o artigo 4.º, n.º 1, da Sexta Diretiva o qual previa:

“1.Por “sujeito passivo” entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.o 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade.

2.As atividades económicas referidas no n.º 1 são todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência é igualmente considerada uma atividade económica.”

Preceituando, neste âmbito, o artigo 11.º da Sexta Diretiva quanto ao valor tributável, que:

“A. No território do país

1. A matéria coletável é constituída:

a)No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações [...]”.

Mais consignando o artigo 17.º da Sexta Diretiva sobre a constituição e o alcance do direito a dedução, designadamente, o seguinte:

“1.   O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O IVA devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

(...)

5.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.”

Este prorata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

“Todavia, os Estados-Membros podem:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um prorata para cada setor da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses setores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um prorata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;(…)
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não se tome em consideração o [IVA] que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante. (...)”.

Estabelecendo, por seu turno, o artigo 19.º da Sexta Diretiva as regras aplicáveis ao cálculo do prorata de dedução, como segue:

“1.   O prorata de dedução, previsto no n.º 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.º, resultará de uma fração que inclui:

-no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.º;

-no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.º

O prorata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.

(…) 3.   O prorata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência ou quando esta não seja significativa, o prorata é estimado provisoriamente, sob fiscalização administrativa pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados-Membros podem manter a sua regulamentação atual.

A fixação do prorata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica o ajustamento das deduções operadas com base no prorata aplicado a título provisório.”

Atentemos, ora, na regulamentação nacional que releva para o caso vertente:

O artigo 1.º do CIVA estabelece a base de incidência do IVA, consignando de forma expressa que:

Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.”

Preceituando, por sua vez, os artigos 3.° e 6.° do CIVA sobre os casos de não incidência estando, por sua vez, os casos de isenção tipificados no artigo 9.º do CIVA.

Neste particular, e no que para os autos releva, estatui o artigo 9.º que estão isentas de IVA, designadamente:

“(...)

28.   As operações bancárias e financeiras seguintes:

(…)

As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias;

(…)”

Por último, importa convocar o disposto no artigo 23.º do CIVA, o qual dispunha, à data que:

“1.   Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2.   Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3.   A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4.   A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5.   No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

6.   A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7.   Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30.° e 31.°

8.   Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração será arredondado para a centésima imediatamente superior.

9.   Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que deem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.ºs 2 e 3.”

Ainda neste âmbito, e atenta a natureza jurídica da sociedade em questão e os serviços que, efetivamente, presta importa ter presente que resulta de jurisprudência assente do TJUE que não tem a qualidade de sujeito passivo do IVA, na aceção do artigo 4.º da Sexta Diretiva, uma sociedade holding cujo único objeto seja a tomada de participações noutras empresas, sem que essa holding interfira direta ou indiretamente na gestão destas empresas, com ressalva dos direitos que a dita holding detenha na sua qualidade de acionista ou de sócia[1].

Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter permanente, porque o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem[2].

Porém, o mesmo já não sucede quando a participação seja acompanhada da interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de acionista ou de sócio[3].

Mais importa ter presente que o direito a dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado[4].

Sendo, outrossim, de sublinhar que esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante [5], logo qualquer limitação do direito a dedução tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva[6].

Ora, sobre a problemática do direito à dedução no âmbito das SGPS já o TJUE se pronunciou por diversas vezes, convocando no que para os presentes autos releva-atenta a similitude fático-jurídica com a dos presentes autos- o processo “P….., SA”, nº C-496/11, datado de 20 de setembro de 2011.

No âmbito do aludido processo foram submetidas as seguintes questões prejudiciais:
“1.A correta interpretação do artigo 17.º, n.º2 da Sexta Diretiva [...], veda que a Administração Tributária portuguesa imponha à Recorrente — uma SGPS –, a utilização do método de dedução do prorata para a totalidade do IVA incorrido nos seus inputs, com fundamento no facto de o seu objeto social principal ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, mesmo quando esses inputs (serviços adquiridos) apresentam um nexo direto, imediato e inequívoco com operações tributadas — prestações de serviços — realizadas a jusante, no âmbito de uma atividade complementar, legalmente permitida, de prestação de serviços técnicos de gestão?
2) Uma entidade que tenha a qualidade de SGPS e que incorra em IVA na aquisição de bens e serviços que, em seguida, são redebitados na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, consubstanciando esta uma atividade de caráter acessório — prestação de serviços técnicos de administração e gestão — à atividade principal desenvolvida — gestão de participações sociais –, poderá deduzir a totalidade do imposto incorrido naquelas aquisições, por via da aplicação do método de dedução da afetação real, previsto no n.º 2 do artigo 17.o da Sexta Diretiva?»

Tendo o TJUE decidido que:
“O artigo 17.º, n.os 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades.” (destaques e sublinhados nossos).

Fundamentando, ab initio, o seu juízo de entendimento, na circunstância de “Quanto ao regime aplicável ao direito a dedução, para conferir o direito a dedução previsto no artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, os bens ou os serviços devem apresentar um nexo direto e imediato com as operações a jusante com direito a dedução. A este respeito, é indiferente o objetivo último prosseguido pelo sujeito passivo (v. acórdãos de 8 de junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colet., p. I-4177, n.o 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.o 25; e acórdão Cibo Participations, já referido, n.º 28).

Esclarecendo, outrossim, que “o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva estabelece o regime aplicável ao direito a dedução do IVA, quando este se refere a operações a montante utilizadas pelo sujeito passivo «não só para operações com direito a dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito a dedução», limitando o direito a dedução à parte do IVA que é proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Resulta desta disposição que se um sujeito passivo utiliza bens e serviços para efetuar ao mesmo tempo operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, pode unicamente deduzir a parte do IVA que é proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (acórdão Cibo Participations, já referido, n.os 28 e 34).” (destaques e sublinhados nossos).

Para depois concluir que decorre desta jurisprudência que:

“Por um lado, que o regime de dedução previsto no artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva visa unicamente os casos em que os bens e os serviços são utilizados por um sujeito passivo para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, ou seja, bens e serviços cuja utilização é mista e, por outro, que os Estados-Membros podem usar um dos métodos de dedução previstos no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, apenas para os referidos bens e serviços.

Pelo contrário, os bens e os serviços que são utilizados pelo sujeito passivo unicamente para realizar operações económicas com direito a dedução não entram no campo de aplicação do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva, sendo abrangidos, no que respeita ao regime de dedução, pelo artigo 17.º, n.º 2, desta diretiva.

Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as regras contidas no artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva dizem respeito ao IVA a montante que onera as despesas relacionadas exclusivamente com operações económicas e que a determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do IVA pago a montante entre atividades económicas e atividades não económicas, na aceção da Sexta Diretiva, faz parte do poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia desta diretiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades (acórdão Securenta, já referido, n.os 33 e 39).” (destaques e sublinhados nossos).

Sublinhando, ulteriormente, e reportando-se mais diretamente ao caso sub judice e às hipóteses fáticas que a decisão de reenvio poderia ter subjacentes que:

“A P….. sustenta que a Administração Tributária nacional considera que, tendo em conta o seu caráter acessório da atividade principal, as prestações de serviços técnicos de administração e de gestão são indissociáveis da gestão das participações sociais. Consequentemente, os serviços adquiridos pelas SGPS e fornecidos às suas participadas são considerados operações mistas para efeitos do direito a dedução do IVA, e esta Administração impõe o método de dedução prorata.

Clarificando, para o efeito, que:

“Para a hipótese de a posição da Administração Tributária ser efetivamente a descrita no número anterior, o que incumbe ao juiz de reenvio verificar, (…) Caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objeto social das referidas sociedades ou da sua atividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua atividade principal.” (destaques e sublinhados nossos).

Por seu turno, continua, elucidando, que:

Quando os referidos serviços são utilizados para realizar simultaneamente operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do IVA que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e os Estados-Membros estão autorizados a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva.” (destaques e sublinhados nossos).

In fine, “[q]uando os serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, em conformidade com o indicado no n.º 42 do presente acórdão.”

Densificando, para o efeito, que “Cabe ao juiz de reenvio determinar se todos os serviços em causa no processo principal apresentam um nexo direto e imediato com as operações económicas a jusante que dão direito a dedução, ou se esses serviços são utilizados pelo sujeito passivo para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, ou ainda se esses serviços são utilizados pelo sujeito passivo, simultaneamente, para operações económicas e para operações não económicas.” (destaques e sublinhados nossos).

É, portanto, a esta luz e segundo estas orientações jurisprudenciais que deve ser apreciada a presente lide recursiva.

No caso vertente, em termos fáticos, temos que a Recorrida “P….., SA” adquiriu serviços técnicos de administração e gestão a terceiros, tendo pago o respetivo preço acrescido do IVA à taxa legal em vigor (19%).

Serviços esses que, ulteriormente redebitou às suas participadas, pelo valor de aquisição acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%), sem obtenção de qualquer ganho entre a operação de aquisição dos serviços e o seu redébito às participadas.

A Administração Tributária, como visto, considerou que a Recorrida tinha exercido indevidamente o direito à dedução do IVA pelo método da afetação real, na medida em que deveria ter utilizado o método prorata, argumentando que a atividade prestação de serviços técnicos de gestão e administração é necessariamente acessória da atividade principal, consistente na gestão de participações sociais.

Noutra formulação, a liquidação do imposto sub judice fundou-se no juízo de entendimento de que os débitos em causa não diziam exclusivamente respeito à atividade acessória de prestação de serviços técnicos de administração e gestão destinados a algumas das suas, então, participadas, mas respeitavam à prossecução do objeto social da Recorrida no seu conjunto, pelo que a dedução do IVA suportado apenas poderia concretizar-se à luz da percentagem de dedução de que dispunha.

Do que fica exposto, dimana que não é controvertido que a atividade principal de gestão de participações sociais não pode ser entendida como uma atividade económica, ao invés da prestação de serviços técnicos de administração e de gestão às suas participadas, porquanto está a exercer uma atividade económica, já que está a intervir no mercado em regime de concorrência e paridade com outros sujeitos económicos que possam prestar o mesmo tipo de serviço.

Logo, o que importa aquilatar é se as prestações de serviços em causa foram exclusiva e integralmente consumidas na atividade principal da Recorrida, não sendo nessa medida o IVA dedutível, ou se pelo contrário esses serviços foram utilizados para prestar serviços técnicos de administração e de gestão em apoio às participadas (atividade acessória), sendo o IVA suportado na aquisição desses bens e serviços integralmente dedutível.

Mas, por forma a se obter essa conclusão torna-se necessário que se estabeleça, inequivocamente, um nexo direto, causal, imediato, entre as operações a montante (o fornecimento das prestações de serviços por terceiros) -inputs- e os seus efeitos a jusante (na esfera jurídica das sociedades participadas) -outputs. Isto é, tem de ser evidente e manifesto que tais serviços foram utilizados apenas no imediato e único interesse das participadas, servindo apenas a Recorrida como veículo para a concretização desse resultado.

Com efeito, no caso de se apurar que a totalidade dos serviços prestados em contenda, adquiridos pela Recorrida, têm um nexo direto e imediato com as respetivas operações económicas com direito a dedução realizadas a jusante, a referida entidade disporá da possibilidade de deduzir a totalidade do IVA suportado na aquisição dos serviços (17.º, nº2 da Sexta Diretiva).

Ao invés, se se apurar que os serviços em causa adquiridos pela Recorrida, se destinaram a ser utilizados por esta entidade para realizar, simultaneamente, operações económicas a jusante com direito à dedução e operações económicas a jusante sem direito à dedução, a dedutibilidade do IVA só é de admitir na parte proporcional ao montante relativo àquela primeira categoria de operações, podendo ser aplicado um dos métodos de determinação do IVA a que se refere o nº 5 do artigo 17.º da Diretiva.

Ora, in casu, e conforme propugnou a Recorrente a questão primacial que subjaz à determinação do método está concatenada com a prova, ou melhor com a falta de prova, carreada para os autos.

No caso vertente, do probatório não resulta de que os serviços em causa adquiridos a terceiros respeitaram, direta e exclusivamente a serviços de gestão e administração relacionados com a situação das participadas às quais tais serviços foram debitados, no fundo que não reverenciaram a serviços no interesse comum de outras sociedades participadas ou mesmo no interesse parcial ou exclusivo da própria Recorrida, enquanto sociedade holding, por forma a, desde logo, melhorar e assegurar a gestão dessa carteira que sobre si impende atento o seu objeto social.

A Recorrida limitou-se a alegar que os custos em causa não respeitam a custos de estrutura mas sim prestações de serviços de consultadoria utilizadas apenas na atividade sujeita.

Porém, não carreou qualquer prova documental que atestasse tal consideração, mormente, os aludidos contratos de prestações de serviços. De resto, nem tão-pouco alegou nesse e para esse efeito.

Logo, não resultando feita essa prova, não se pode inferir que as prestações de serviços foram efetuadas em benefício das participadas, faltando-lhe, por isso, nexo direto, causal, imediato, entre as operações a montante, ou seja, os seus inputs-fornecimento das prestações de serviços por terceiros e os seus efeitos a jusante, ou seja, na esfera jurídica das suas participadas-outputs. Aliás, atenta, desde logo, a ausência dos aludidos contratos de prestações de serviços, permite inferir no sentido inverso, ou seja, de que tais prestações de serviço não foram efetuadas em benefício das participadas, mas sim no exclusivo interesse da Recorrida.

Com efeito, para que, in casu, não pudessem ser impostas limitações à dedução do IVA, não bastava a mera constatação de que os serviços visados foram posteriormente debitados pela Recorrida às suas, então, participadas, imperava, outrossim, que os serviços apresentassem, de uma forma integral e exclusiva, um nexo direto, imediato e inequívoco com as prestações de serviços tributadas realizadas a jusante, isto é, que fossem integral e exclusivamente imputáveis às prestações de serviços complementares de carácter técnico de administração e gestão efetuadas às, então, sociedades participadas[7].

Prova, essa, que como visto não foi feita no caso em contenda.

É certo que a Recorrida na sua p.i. alega que o método da afetação real que utilizou é compatível com as atividades principal e acessória que desenvolve, mas a verdade é que se limitou a alegar, genericamente, tal realidade mas não a comprovou idoneamente.

Conforme bem evidencia a Recorrente, a Recorrida não fez prova, como lhe competia, que o método de afetação real seria o mais indicado, não bastando a mera alegação-sem a competente demonstração idónea e devidamente suportada e cujo ónus se circunscrevia na esfera jurídica da Recorrida- de que os custos de cada uma das atividades seriam facilmente identificáveis e individualizáveis, sendo, por isso, possível mensurar a efetiva utilização dos inputs da atividade na produção dos bens ou serviços transacionados pelo sujeito passivo.

E por assim ser, na esteira das orientações do TJUE a Recorrida não tem direito à dedução do IVA suportado nos termos do artigo 17.º, nº2 da Sexta Diretiva, artigo 23.º, nº2 do CIVA, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, mas antes nos termos do nº5 do mesmo artigo.

Note-se que este é também o sentido preconizado pelo Aresto deste Tribunal no âmbito do processo nº 01949/07, com data de 15 de janeiro de 2013 (processo que deu origem ao reenvio prejudicial a que fizemos alusão e com identidade fática e jurídica com o dos autos), dele se extratando, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:
“Não está provado nem documentalmente demonstrado nos autos que as prestações de serviço em causa tenham sido reduzidas a escrito. Consequentemente, a conclusão a extrair é de que tais prestações de serviço não foram efectuadas em benefício das participadas mas sim no exclusivo interesse da P…... E mesmo abstraindo dessa realidade a conclusão a que se chega é a mesma. Com efeito, para além da mera afirmação da impugnante de que tais prestações de serviços se reflectiram na actividade das participadas, nada mais confirma esta asserção. Pelo contrário, os contornos da operação induzem em sentido inverso, de que as referidas prestações de serviço se deram no exclusivo interesse da impugnante, que no âmbito da sua actividade de gestão e administração de participações sociais pretendia obter elementos que lhe permitissem decidir se certos investimentos das participadas deveriam ser concretizados ou não. Não foi, portanto, em benefício directo destas que tais serviços foram prestados. Isto é, a pergunta quanto ao “nexo directo, causal, imediato, entre as operações a montante (o fornecimento das prestações de serviços por terceiros) - inputs - e os seus efeitos a jusante (na esfera jurídica das sociedade participadas) - outputs”, merece um resposta negativa, na medida em que não existe nexo directo, mas eventualmente meramente reflexo, entre tais operações e os efeitos produzidos na esfera jurídica das participadas.
E sendo assim, tais operações não são caracterizáveis como operações de prestação de serviços técnicos de administração e gestão às participadas. Quando muito podem vir a influenciar a estratégia de investimentos das participadas e as decisões a tomar nesse domínio, por um lado em função do peso específico da impugnante no capital social de cada uma delas e por outro em função dos serviços técnicos de administração e gestão que lhes presta. Dito de uma forma mais prosaica, poderão ter influência na tomada de decisões quanto a investimentos das participadas, mas não determinam por si mesmas essas decisões.
Não apresentam, pois, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade da impugnante, que abrange duas áreas: a (i) gestão de participações sociais e a (ii) de prestação de serviços técnicos de administração e gestão às participadas. Com efeito. Apenas produzem resultados directos na primeira área, ou seja, na actividade principal, embora possam gerar efeitos reflexos na segunda. (…)
Neste contexto, a impugnante não tem direito à dedução do IVA suportado nos termos do art.º 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva e art.º 23.º, n.º 2, do CIVA, mas antes nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, como lembrou o TJUE no número 46 do acórdão de reenvio: “Quando os referidos serviços são utilizados para realizar simultaneamente operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do IVA que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e os Estados-Membros estão autorizados a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Directiva”. (…)
“[ o] art.º 17.º, n.º 5, da mesma Directiva permite, mediante certas condições, que os Estados-Membros consagrem um dos outros métodos de determinação do direito à dedução, quer através de um específico prorata para cada sector de actividade, quer pela afectação de toda ou parte dos bens e serviços a uma certa actividade. E permite mesmo a exclusão do direito a dedução, quando o montante do imposto for insignificante. E como foi afirmado pelo TJUE no n.º 22 do recente acórdão Finanzamt Hildesheim(8), “na falta de indicações na Sexta Directiva, cabe aos Estados-Membros instituir, dentro dos limites do direito da União e dos princípios em que assenta o sistema comum do IVA, métodos e normas para o cálculo do prorata de dedução do IVA pago a montante. No exercício desse poder, esses Estados são obrigados a ter em conta a finalidade e a sistemática dessa Directiva”.
Resumindo: é correcto o entendimento da AT na utilização do método de dedução concretamente aplicado ao caso sub judice”.

Conclui-se, assim, que a Recorrida que adquire recursos a entidades terceiras, pelos quais incorre em IVA, e que de seguida os redebita na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, não pode deduzir o IVA incorrido nessas aquisições por aplicação do método de dedução da afetação real, a menos que demonstre que tais serviços foram utilizados pelas segundas nas suas próprias atividades.

Pelo que, não tendo, in casu, sido feita essa demonstração, designadamente por não existir contrato escrito entre a Recorrida e as participadas relativo a tais prestações de serviços, a dedução do IVA só poderá ser feita por aplicação do método prorata, pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que o método de dedução do prorata é adequado e legal.

Questão diferente, é a se o prorata foi corretamente calculado, ou seja, se as componentes que integram o denominador se afiguram conforme a lei, questão que a Recorrida colocou na sua p.i. e que fora julgada prejudicada na decisão recorrida face à solução encontrada para o litígio, e que, ora, se impõe analisar.

Com efeito, aduz a Recorrida que no cálculo efetuado pela Administração Tributária foi incluído no denominador da fração, entre outras componentes, os dividendos e ganhos apurados na alienação de investimentos financeiros pela Recorrida no decorrer da sua atividade, o que se afigura erróneo e desconforme com a jurisprudência comunitária.

E, de facto, assiste-lhe razão.

Neste particular, atente-se no Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 00833/03, de 29 de maio de 2007, que convocando Jurisprudência Comunitária aplicável ao caso vertente, doutrina, desde logo, que:

“[a]interpretação formulada pelo TJUE no acórdão de 22.06.1993, (…) vincula não só os Tribunais, como todas as entidades públicas dos Estados-Membros. Por isso, a Administração Tributária não deveria incluir os dividendos naquele denominador.

Acresce, por outro lado, que o mesmo Tribunal e sobre a mesma questão, decidiu em acórdãos posteriores que também os juros recebidos pelas holdings não deveriam ser considerados no mesmo denominador (V. quanto a esta matéria os Acórdãos do TJUE, de 14.11.2000 – Processo nº C-142/99 e de 20.09.01 – Processo nº C-160/02).

Então, sendo certo que no denominador da fracção determinante do pro-rata foram incluídos elementos que o não deveriam ter sido e viciaram o respectivo quociente, as liquidações subsequentes encontram-se também viciadas por ofensa do disposto no artº 23º, nº 4 do CIVA.”

No mesmo sentido aponta o recente Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 223/05.6BELSB, datado de 22 de maio de 2019, que para além de convocar a jurisprudência supracitada, chama à colação, outrossim, o Acórdão do TJUE de 14 de novembro de 2000, proferido no processo n.º C-142/99, extratando-se, designadamente, o seguinte:

”O artigo 19.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que devem ser excluídos do denominador da fracção que serve de base ao cálculo do prorata de dedução: — por um lado, os dividendos distribuídos pelas filiais a uma holding que está sujeita ao IVA relativamente a outras actividades e fornece a estas filiais serviços de gestão e, — por outro, os juros pagos por estas últimas a esta holding relativos a empréstimos que esta lhes concedeu, quando estas operações de empréstimos não constituem, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, uma actividade económica da referida holding.”

Neste particular, doutrina, igualmente, o Acórdão Satam /Sofitam, proferido no processo C-333/91, que “[t]endo o Tribunal de Justiça entendido que se os dividendos não são contrapartida de qualquer actividade económica, são estranhos ao sistema do direito à dedução e não devem, por conseguinte, ser incluídos no denominador da fracção representativa do prorata”

Ora, face ao exposto resultando da alínea Q), da factualidade, ora aditada, que a Administração Tributária incluiu no denominador para o cálculo do prorata, designadamente, os sindicados dividendos, incorreu em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o que determina, por conseguinte, a anulação do ato tributário.

E por assim ser, com a presente fundamentação, mantém-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências daí dimanantes.


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No concernente ao remanescente da taxa de justiça, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV) DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter, com a presente fundamentação, a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

 (Vital Lopes)


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[1] Neste âmbito, vide, designadamente, Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands, C-60/90; de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99; e de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00
[2] Conforme resulta dos Acórdãos de 22 de junho de 1993, Sofitam, C-333/91, e de 6 de fevereiro de 1997, Harnas & Helm, C-80/95; e acórdão de 27 de setembro de 2001, C-16/00, Cibo Participations
[3] Acórdãos, já referidos, Polysar Investments Netherlands, Floridienne e Berginvest, e Cibo Participations; e acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08
[4] vide neste sentido, acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12, e demais jurisprudência aí citada
[5] vide, designadamente, acórdãos de 6 de julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colet., p. I-1883, n.º 18; de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98; de 13 de março de 2008, Securenta, C-437/06; e de 4 de junho de 2009, SALIX Grundstücks-Vermietungsgesellschaft, C-102/08
[6] Acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C-97/90, e BP Soupergaz
[7] Vide, neste sentido, Rui Laires-O IVA Português no TJUE: Serviços Adquiridos a Terceiros e debitados a sociedades participadas”:Cadernos do IDEFF, nº 22, Almedina, pp.410 e 411.