Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:570/23.5BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:JUNTA MÉDICA
PSP
CGA
Sumário:I - Os documentos não são factos, mas meios de prova de factos.
II - Uma vez que a matéria de facto ínsita no probatório da decisão recorrida é suficiente e cabal para se ter conhecido e decidido do pedido do Recorrido – então Autor – na acção que correu termos na 1ª Instância, há que o julgar improcedente, por não provados os respectivos fundamentos.
III. O Recorrido em resultado das lesões sofridas em acidente em serviço que influíram negativamente na sua condição física, ficou excluído de praticar outras tarefas que até à produção daquelas levava a cabo, pelo que o não poder voltar a exercer plenamente o serviço operacional, qualifica-se como não sendo reconvertível em relação ao seu posto de trabalho.
IV - Compreendido que “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” na previsão da alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, se refere às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente, o facto de ter sido atribuído pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações ao Recorrido, a IPP de 25%, implica que como passou a ficar adstrito a tarefas administrativas de secretaria, tem direito a que o factor de bonificação contido na alínea a) do nº 5 do Anexo I da TNI passe a ser de 82,50%.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 12 de Dezembro de 2023 pelo qual foi julgada procedente, por provada, a acção administrativa urgente de reconhecimento de direito, ao abrigo do nº 1 do artº 48º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, intentada por G…, Agente da PSP, e em que este peticionava a anulação do acto que homologou a decisão da Junta Médica que lhe atribuiu Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 27,5%, sem lhe aplicar o factor de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1.ª Por se afigurar essencial à decisão a proferir neste processo, a CGA pretende reclamar da matéria de facto assente, na medida em que a Sentença recorrida carece de concretizar factos que resultam de um «meio de prova» que fora requerido por este Instituto Público em sede de Contestação à presente ação e ao qual a própria Sentença se refere na sua página 3.
2.ª Pelo que deverá ser adicionado à matéria de facto assente o conteúdo da informação prestada pela PSP aos autos em 2023-11-16 (à semelhança do que também sucedeu com a Declaração da mesma PSP que consta no ponto I) dos Factos Assentes, que o meio de prova requerido pela CGA visou complementar).
3.ª Quanto à decisão proferida, a CGA não pode acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, de que “…o Autor se encontra impossibilitado de retomar as suas funções operacionais tal como as desempenhava antes do acidente, ficando limitado às funções comummente designadas por trabalho de secretária”, pois não foi essa a informação prestada aos autos pela PSP.
4.ª Aliás, a PSP esclarece que: “As funções de investigador criminal deste polícia não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico. Nem antes, nem após o acidente sofrido. São desempenhadas à civil (traje), com uma forte componente técnico-burocrática, associada à investigação criminal: processos distribuídos. Obs. - daí resulta que, após a deliberação da JSS, o mesmo foi adaptado à sua condição clínica, contudo, podendo manter exactamente as mesmas funções, ainda que mais preservado de eventuais diligências de rua (pontuais), as quais envolvam intervenção física/condução de suspeitos, etc.
5.ª Mais explicitando a PSP que “…O mesmo mantem-se na Categoria de Agente Principal, com os mesmos direitos e deveres, bem como mantem os suplementos que já auferia (investigador criminal e turno). Em suma, as actuais funções são similares, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua, realizadas por colegas.”
6.ª Não corresponde, portanto, à realidade que tenham ficado excluídos serviços como “…de patrulha apeada ou que impliquem esforço físico.” Aliás, a informação prestada pela PSP em 2023-11-16 não podia ser mais clara: “As funções de investigador criminal deste polícia não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico. Nem antes, nem após o acidente sofrido.”
7.ª Por outro lado, constata-se que o Tribunal a quo coloca muita ênfase no facto de o Recorrido não poder realizar os denominados «serviços remunerados». No entanto, os chamados «serviços remunerados» não fazem parte da remuneração normal correspondente ao posto de trabalho, não sendo sequer serviço correspondente ao posto de trabalho (veja-se o estudo desenvolvido por Rui Alexandre Gomes Correia (Comissário): «Serviços Remunerados na PSP - Uma reflexão com base em questões éticas», do INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA INTERNA, onde se explica que estamos perante serviços externos efetuados por polícias fora do seu horário laboral e pagos por entidades externas).
8.ª Como também se escreveu no Acórdão proferido em 2019-06-19 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proc.º n.º 2638/16.5BELSB, “Tais serviços são prestados em horas de folga do trabalhador e só na exata medida da disponibilidade e vontade deste, uma vez satisfeita a sua prestação na própria PSP”.
9.ª Mais se explicitando no mesmo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que “O abono por serviços remunerados tem caráter precário e variável, pois varia em função do serviço prestado; sobre ele não incide desconto para a Caixa Geral de Aposentações e é pago pela entidade, privada ou pública, que o requisita.” e que “O pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração (art 93º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 131º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 70º da Lei nº 12-A/2008/ art 150º da Lei nº 35/2014), nem o de suplemento remuneratório (art 101º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 142º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 73º da Lei nº 12-A/2008/ art 159º da Lei nº 35/2014).”
10.ª Se o pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração nem releva, por isso, para quaisquer efeitos no que concerne à reparação do dano patrimonial futuro decorrente de acidente em serviço, por que motivo deverá ter relevância para efeitos do segmento normativo «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho», contido na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI?
11.ª No caso do Recorrido, este continua a desempenhar funções que integram a sua carreira profissional, “…com os mesmos direitos e deveres, bem como mantem os suplementos que já auferia (investigador criminal e turno). Em suma, as actuais funções são similares, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua, realizadas por colegas.”
12.ª Como refere ALBERTINA PEREIRA: “[A] bonificação traduz-se, assim, num fator de correção, atendendo a casos particularmente gravosos ou injustos para o sinistrado, que não seriam devidamente tutelados com a “pura e simples” atribuição dos coeficientes previstos na TNI.”, o que não é o caso do Recorrido. Entendimento contrário equivale a uma banalização da aplicação daquele fator de bonificação.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências.”
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O Recorrido G…., notificado do recurso interposto, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“1 - Não assiste razão à Ré quando alega que a douta sentença recorrida não teve em conta a informação prestada pela PSP em 16.11.2023, uma vez que os factos provados nas alíneas P), Q) e R) foram extraídos, quase literalmente, daquela informação.
2 - Tais factos são os únicos daquela informação da PSP de 16.11.2023 que interessam para a questão que se discute nos autos – saber se o Autor ficou ou não com condições físicas de continuar a exercer as concretas funções que exercia antes do acidente – na medida em que não se discute o que o sinistrado pode continuar a fazer, mas o que o deixou de poder fazer.
3 - De facto, ainda que as funções realizadas pelo Autor antes do acidente não contemplassem patrulha apeada nem exercício físico, contemplavam diligências de rua que envolviam intervenção física, nomeadamente na condução de suspeitos.
4 - Acresce o facto inexorável constante na alínea L) dos factos provados – o A. passou a usar uma canadiana na marcho - que não pode ser desvalorizado.
5 - Sendo certo que nas funções que o A. exercia aquando do acidente não incluíam a patrulha apeada, incluíam “esforço físico”, já que, tal como consta na informação prestada pela PSP em 16.11.2023, o Autor “(…) foi adaptado à sua condição clínica, (…) ainda que mais preservado de eventuais diligências de rua (pontuais), as quais envolvam intervenção física (…)”.
6 - O facto de o A. não mais ter condições de realizar serviços remunerados, é apenas mais um elemento comprovativo das suas limitações físicas que o impedem de exercer qualquer função que implique intervenção física.
7 – Tal como é do conhecimento comum, o serviço da PSP não é estanque para cada categoria profissional, sendo que, com muita frequência, os agentes transitam de uns serviços para outros, em que há um denominador comum: o exercício pleno das funções de agente da PSP implica sempre uma boa forma física, pois todos os serviços têm uma componente operacional.
8 - O A., dada a situação física, desde logo e também pelo uso de canadiana na marcha, jamais poderá voltar a exercer plenamente serviço operacional.
9 - Assim sendo, o A. sinistrado não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho, devendo ser aplicado o fator de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.
10 – Pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projecto de Acórdão às Juízes Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento.
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II. Objecto do recurso (nº 2 do artº 144º e nº 1 do artº 146º do CPTA, nº 4 do artº 635º e nºs 1, 2 e 3 do artº 639º do CPC, aplicável ex vi do artº 140º do CPTA).
As questões objecto do presente recurso jurisdicional resumem-se, em síntese, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Erro quando à enunciação da matéria de facto por falta da informação prestada pela PSP aos autos, em 16 de Novembro de 2023, o que a Recorrente considera indispensável para se apurar da não aplicação ao Recorrido do factor de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (de ora em diante designada como TNI), aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, que lhe permitiria passar do grau de Incapacidade Permanente Parcial (de ora em diante designada por IPP) de 27,5% conferido pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações para 82,50%; e,
2. Erro de julgamento fundado em que o Recorrido não se encontra impossibilitado de retomar as suas funções operacionais similares às que desempenhava antes do acidente, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua que exigem intervenção física, mais aduzindo que as funções de investigador criminal não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, julgam-se provados os seguintes factos, tudo cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
A) O Autor exerce as funções profissionais de agente da PSP (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial de fls. 12 dos autos e fls. 190 do PA);
B) Em 18/06/2020, o Autor foi vítima de acidente qualificado como ocorrido em serviço (cf. fls. 3 e 4 do PA);
C) Do acidente referido na alínea anterior resultou traumatismo da coluna lombar (cf. fls. 3 e 4 do PA);
D) Em 15/07/2021, o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica (acordo das partes; cf. fls. 52 do PA);
E) Em 07/10/2021, o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica (cf. fls. 12 e 13 dos autos);
F) Em 27/09/2022, o Autor teve alta clínica com incapacidade atribuída pela Junta Superior de Saúde da PSP, com indicação de serviços compatíveis com a situação clínica, resultando da respetiva deliberação o seguinte:

(cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 9 dos autos e fls. 44 do PA);
G) Em 30/09/2022, o Diretor Nacional da PSP homologou a deliberação da Junta Superior de Saúde (cf. fls. 44 do PA);
H) Em 07/02/2023, a PSP desencadeou junto da CGA o processo de reparação do acidente em serviço sofrido pelo Autor em 18/06/2020, nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro (cf. fls. 1 do PA);
I) Em 14/03/2023, a PSP emitiu uma declaração de cujo teor se extrai o seguinte:
«Para os efeitos tidos por convenientes, declara-se que o Sr. Agente Principal M/15..., G…, do efectivo desta Divisão retomou as sua habituais funções, de investigador criminal e de apoio administrativo, as quais constituem “serviços compatíveis com a situação clínica”, na medida em que não desempenha serviço exterior nem que lhe exija qualquer esforço físico, estando perfeitamente adaptado, bem como, do ponto de vista anímico, tem revelado especial evolução ao manter-se ao serviço e estando rodeado dos seus camaradas, ao invés da situação anterior de ausência ao serviço, ou outra que lhe fosse adversa.» (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial de fls. 12 dos autos e fls. 190 do PA);
J) Em 28/03/2023, o Autor foi submetido a Junta Médica da CGA (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 10 e 11 dos autos e fls. 113 dos autos);
K) A Junta Médica integrou três médicos, incluindo a Dra. I…que acompanhou o Autor (cf. fls. 113 a 114 e 186 a 187 dos autos);
L) Na mesmo data, 28/03/2023, a Junta Médica da CGA deliberou que o Autor padece de IPP de 27,5%, resultando do respetivo teor o seguinte:
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)
(cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 10 e 11 dos autos e fls. );
M) Em 29/03/2023, os Diretores da CGA homologaram a deliberação da Junta Médica (cf. nota biográfica de fls. 42 a 127 [73] dos autos);
N) Em 30/03/2023, a CGA dirigiu ao Autor o ofício com a referência EAC721LD.1563493/00, sob o assunto “Junta Médica”, pelo qual comunicou o seguinte:
«Comunico a V. Exa. que o resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 28 de março de 2023, relativa ao acidente ocorrido em 18 de junho de 2020, foi o seguinte:
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 27,5% de acordo com o Capítulo I nº 1.1.1 alínea c) e Capítulo III nº 7 da T.N.I.
De acordo com o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, assiste-lhe o direito de, no prazo de 60 dias a contar da data em que for notificado(a) deste ofício, requerer, mediante pedido justificado, a realização de uma Junta de Recurso que aprecie novamente a sua situação clínica, bem como, querendo, indicar um médico da sua escolha para integrar esta junta, cuja presença é da sua responsabilidade.» (cf. fls. 120 dos autos);
O) Em 22/08/2023, o Autor apresentou a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cf. fls. 1 a 3 dos autos);
Mais se provou que:
P) As funções de investigador criminal são desempenhadas à civil, com uma forte componente técnico-burocrática (cf. fls. 259 a 268 dos autos);
Q) Após o acidente, o Autor desempenha as funções de investigador criminal, com limitação de diligências de rua, nomeadamente as que envolvam intervenção física/condução de suspeitos (cf. fls. 259 a 268 dos autos);
R) O Autor não reúne condições físicas nem de mobilidade suficientes para a realização de serviços remunerados, nomeadamente patrulha a comboios (CP e Metro) (cf. fls. 259 a 268 dos autos)”.
Matéria de Facto dada como não provada:
“Não existem factos relevantes para a decisão da presente ação administrativa que devam ser considerados como não provados”.
Fundamentação da decisão de facto:
“A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida no processo, designadamente nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, tal como indicado a propósito em cada uma das alíneas do probatório. Foi valorada a informação prestada pela PSP a fls. 259 a 268 dos autos, dado que a mesma confirma o teor de anterior declaração”.
*
IV. Direito
Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise das questões a decidir, nos termos enunciados, segundo a sua ordem lógica.
1. Erro da explanação da matéria de facto
A Recorrente invoca o erro na indicação na matéria de facto assente na sentença recorrida, por falta de lhe ser junta a informação prestada pela PSP de 16 de Novembro de 2023, o que considera indispensável para se apurar da não aplicação ao Recorrido do factor de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, que lhe permitiria passar do grau de IPP de 27,5% conferido pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações para 82,50%.
Reza o Acórdão do STJ, Processo nº 5024/12.2TTLSB.L1.S1, de 2 de Julho de 2015, in www.dgsi.pt que “III - O erro de julgamento tanto pode começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como estender-se à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afecta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexacta qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro”.
Resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida, mais precisamente da alínea R), que “O Autor não reúne condições físicas nem de mobilidade suficientes para a realização de serviços remunerados, nomeadamente patrulha a comboios (CP e Metro) (cf. fls. 259 a 268 dos autos)”.
Importa, pois, verificar se a questão e a correspondente solução de direito cursada pelo Tribunal a quo, com base na qual julgou procedente o pedido de reconhecimento do direito do Recorrido à bonificação prevista na alínea a) do nº 5 da TNI, constante do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, se alicerçou nas supra aludidas fls 259 a 268, ínsitas no acervo fáctico provado – cfr supra mencionada alínea R).
Compulsadas as supra indicadas fls 259 a 268 constata-se que as mesmas constituem a pronúncia do Recorrente às seguintes perguntas formuladas pelo Tribunal a quo:
“«a) se faz parte integrante das funções de todos os seus Agentes Principais a patrulha apeada e o treino físico;
b) se ao retomar "... as suas habituais funções, de investigador criminal e de apoio administrativo..." (como consta na Declaração emitida peia PSP em 2023-03-14, que consta a fls. 190 do PA e que o interessado também junta aos autos como Doc. 3), o Autor deixou de poder ser considerado Agente Principal da PSP»”.
As respostas às antecedentes questões foram as que seguem:
“a) Não. As funções de investigador criminal deste polícia não contemplam patrulha apeada, nem exercício físico. Nem antes, nem após o acidente sofrido. São desempenhadas à civil (traje), com uma forte componente técnico-burocrática, associada à investigação criminal: processos distribuídos.
Obs. - daí resulta que, após a deliberação da JSS, o mesmo foi adaptado à sua condição clínica, contudo, podendo manter exactamente as mesmas funções, ainda que mais preservado de eventuais diligências de rua (pontuais), as quais envolvam intervenção física/condução de suspeitos, etc. Contudo, a realçar sim que, caso o polícia quisesse realizar serviços remunerados por esta Divisão, fosse à civil fosse, sobretudo, fardado, mormente na patrulha a comboios (CP e Metro), já consideraria que, após o acidente, não reúne essas condições físicas, nem as de mobilidade suficientes;
b) Não. O mesmo mantem-se na Categoria de Agente Principal, com os mesmos direitos e deveres, bem como mantem os suplementos que já auferia (investigador criminal e turno). Em suma, as actuais funções são similares, apenas sendo dispensado de algumas diligências de rua, realizadas por colegas”.
Ora, na declaração de 14 de Março de 2023, a Recorrente atesta que “Para os efeitos tidos por convenientes, declara-se que o Sr. Agente Principal M/15..., G..., do efectivo desta Divisão, retomou as suas habituais funções, de Investigador criminal e de apoio administrativo, as quais constituem "serviços compatíveis com a situação clínica", na medida em que não desempenha serviço exterior nem que lhe exija qualquer esforço físico, estando perfeitamente adaptado, bem como, do ponto de vista anímico, tem revelado especial evolução ao manter-se ao serviço e estando rodeado dos seus camaradas, ao invés da situação anterior de ausência ao serviço, ou outra que lhe fosse adversa”.
A sentença recorrida fundamentou que “certo que o Autor continua a desempenhar as suas funções de investigador criminal. Contudo, resulta, também, claro que o Autor se encontra impossibilitado de retomar as suas funções operacionais tal como as desempenhava antes do acidente, ficando limitado às funções comummente designadas por trabalho de secretária (cf. alínea R) dos factos provados). Não deixou o Autor de ser Agente Principal, mas ficou condicionado nas funções que pode executar, excluindo-se, agora, nomeadamente, os denominados serviços remunerados, bem como outros serviços de patrulha apeada ou que impliquem esforço físico”.
Portanto, se por um lado foi elencado na alínea R) da matéria assente da sentença recorrida, as fls 259 a 268 dos autos, que respeitam às perguntas colocadas pelo Tribunal a quo e às respectivas respostas, e bem assim, à declaração de 14 de Março de 2023 fornecidas pela Recorrente, e por outro, foi ajuizada a sua subsunção ao direito, desde logo, improcede a reclamação da matéria de facto assente firmada “na medida em que a Sentença recorrida carece de concretizar factos que resultam de um «meio de prova» que fora requerido por este Instituto Público em sede de Contestação à presente ação e ao qual a própria Sentença se refere na sua página 3”.
Com efeito, resulta que na supra enunciada alínea R) do probatório da sentença recorrida, se mostram incluídos os meios de prova documentais que a Recorrente proclama nela faltarem.
Com efeito, aquela última no recurso jurisdicional vem alegar “2.ª (…) que deverá ser adicionado à matéria de facto assente o conteúdo da informação prestada pela PSP aos autos em 2023-11-16 (à semelhança do que também sucedeu com a Declaração da mesma PSP que consta no ponto I) dos Factos Assentes, que o meio de prova requerido pela CGA visou complementar)”.
Contudo, na sentença recorrida verifica-se a menção à referida informação de 16 de Novembro de 2023, como patenteiam os factos provados correspectivos às alíneas P), Q) e R) do probatório.
Cumpre acentuar que o Tribunal a quo em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não deixou de registar que “Foi valorada a informação prestada pela PSP a fls. 259 a 268 dos autos, dado que a mesma confirma o teor de anterior declaração”.
Donde, a discordância da Recorrente centra-se num eventual erro de julgamento decorrente da forma como os factos foram extraídos e valorados da mencionada informação, concluindo-se que inexiste razão para a convocada insuficiente matéria de facto da decisão recorrida que serviu para enformar que o Recorrido tem direito à bonificação prevista na aludida alínea a) do nº 5 da TNI.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso jurisdicional fundado em erro de julgamento de facto.
Estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito que constitui a segunda quaestio:
2. Erro de julgamento atendendo a que o pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração, não devendo assim subsumir-se ao segmento normativo da alínea a) do nº 5 da TNI que consigna “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.
Vejamos.
O erro de julgamento na aplicação do direito verifica-se quando o decidido não corresponda à realidade normativa.
In casu, a Recorrente sustenta que na sentença recorrida a apreciação de que “o Autor se encontra impossibilitado de retomar as suas funções operacionais tal como as desempenhava antes do acidente, ficando limitado às funções comummente designadas por trabalho de secretária”, “Não corresponde, (…) à verdade que tenham ficado excluídos serviços como “…de patrulha apeada ou que impliquem esforço físico”.
No que concerne ao que a Recorrente denomina como ênfase dado naquela sentença de que o Recorrido deixou de poder fazer os serviços remunerados, contrapõe que estes
“ não fazem parte da remuneração normal correspondente ao posto de trabalho;
constituem proventos extra, pagos por entidades distintas da PSP, que não relevam para efeitos de pensão de aposentação;
constituem proventos extra, pagos por entidades distintas da PSP, que também não relevam para efeitos da reparação de acidente de trabalho”.
No essencial, a Recorrente defende que o Recorrido continua a desempenhar as funções profissionais de investigador criminal, talqualmente como antes das lesões sofridas, recebendo a correspondente remuneração.
Diferentemente na sentença recorrida atendeu-se ao conceito posto de trabalho para gizar o quadro jurídico cabível na alínea a) do nº 5 da TNI, resultante de que o Recorrido ex vi das lesões sofridas não retomou o exercício das concretas funções realizadas ex ante, pelo lhe deve ser atribuída a bonificação estabelecida naquele normativo e diploma legal, passando o grau de IPP de 27,5% para 82,50%.
Nas palavras do Prof. José Alberto Reis in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pp 124, 125, o juiz comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional.
Os erros da primeira categoria são de carácter substancial, ou seja, afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal, isto é, respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
Segundo o Prof. Antunes Varela in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluem entre as nulidades da sentença previstas no artº 615º.
Com efeito, “As causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa” – cfr Acórdão do TCA Norte, Processo nº 00909/21.8BEPRT, de 24 de Setembro de 2021, in www.dgsi.pt.
Assim, as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito.
Neste enquadramento, no presente caso, circunscrevemo-nos à apreciação do erro de julgamento na aplicação do direito, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão por não se coadunarem os factos provados com a premissa legal.
O Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, veio aprovar a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, revogando o Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, e aprovando a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, que vimos a designar como TNI.
Ora, os nºs 1 e 2 do Anexo I da TNI ditam o seguinte:
“1 - A presente Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho.
2 - As sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no âmbito do número anterior, são designados na TNI, em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos”.
Na alínea a) do nº 5 do referido Anexo I mais se estatui que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;”
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Subsumiu-se na sentença recorrida que a situação do Recorrido se integra no expressado legal: “não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.
A jurisprudência administrativa pronunciou-se num caso em tudo semelhante, nos termos do sumário do Acórdão do STA, Processo nº 0173/19.9BEFUN, de 24 de Fevereiro de 2022, in www.dgsi.pt: “I – Um agente da PSP que exercia funções operacionais e que, em consequência de lesões sofridas em acidente em serviço, que lhe determinaram uma IPP de 55%, passou a poder apenas desempenhar funções administrativas, de secretaria, tem direito a que lhe seja aplicado o fator de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI (Tabela Nacional de Incapacidades) constante do DL nº 352/2007, de 23/10, por não ser reconvertível em relação ao seu posto de trabalho (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 10/2014, de 28/5/2014, in DR 1ª Série de 30/6/2014).
II – Decorrente dessa bonificação, tem direito à atribuição do subsídio de elevada incapacidade permanente prevista no art. 37º do DL nº 503/99, de 20/11 para os sinistrados cuja incapacidade permanente, absoluta ou parcial, implique uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70%. III – Se o sinistrado recebeu de terceiro responsável (seguradora) indemnização pela perda de ganhos por “serviços remunerados” futuros que deixou de poder efetuar, a Caixa Geral de Aposentações deve deduzir o respetivo montante à prestação fixada pela aplicação do regime de reparação de acidentes em serviço, nos termos impostos pelo nº 4 do art. 46º do DL nº 503/99, de 20/11, uma vez que esta prestação já se destina a compensar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente - cfr. art. 4º nº 4 b) do mesmo DL nº 503/99”.
Salientamos que o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, veio aprovar o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.
Discorre-se na fundamentação da sentença recorrida que “... Contudo, tal articulado com o que dispõem o nº 4 do artigo 30º e artigo 23º do DL 503/99, de 20 de novembro, que veio aprovar o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, não proporciona uma “...definição para este conceito de posto de trabalho...”, tornando-se necessário concretizar o conceito a ser adotado para o propósito de circunscrever o conceito indeterminado usado na alínea a) do nº 5 do Anexo I da TNI de “...vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho...”, sem nunca o acabar por definir, para este efeito decisório.
Ora, quando as sequelas que o sinistrado suporta, apesar de permanentes, lhe permitem exercer a sua função sem dificuldades extraordinárias, embora com um esforço adicional, estaremos perante uma IPP, o que foi determinado ao Recorrido. Tendo alta, o trabalhador retomará, em princípio, o seu posto e continuará a exercer as funções que exercia anteriormente. Todavia, importa clarificar que situações que ainda poderão existir em que, apesar de ter sido uma fixada uma IPP ao sinistrado e, por isso, ainda lhe restar alguma capacidade de ganho, a incapacidade existente implica uma total impossibilidade de exercer o trabalho que exercia até então. Isto porque, apesar de ainda ter uma capacidade residual para o desempenho de outra função compatível, a lesão impede-o de, em concreto, realizar as tarefas próprias da ocupação ou profissão que exercia aquando do acidente.
Tratar-se-á de uma incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPPATH), ou seja, quando, por acréscimo a uma certa diminuição da capacidade geral de ganho, a incapacidade se traduz na perda de um certo estatuto socio-profissional e económico, relativamente estabilizado, o que pressupõe um período mínimo de exercício do trabalho que se toma por referência.
É certo que também não existe na lei qualquer conceito de “trabalho habitual” nem qualquer indicação do sentido que pretende dar a tal expressão, e por isso coloca-se a questão de saber qual o seu verdadeiro alcance.
Contudo, o trabalho habitual será caracterizado pela execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa actividade profissional, incluindo as situações em que o sinistrado fica limitado a funções meramente residuais ou acessórias do seu trabalho habitual, de forma a que a partir das funções actuais (limitadas) deste trabalhador não seja possível afirmar que este havia sido trabalhador habitual da profissão anterior (é o caso do exemplo dado pela Recorrente de um ajudante de pedreiro que apenas consegue executar tarefas de escolha de ferramentas e materiais – vide a este propósito o discorrido no Acórdão TRP, Processo nº 261/10.7TTMAI.P2, de 13 de Fevereiro de 2017, in www.dgsi.pt.
Entendemos que o conceito de “posto de trabalho”, para o efeito da aplicação alínea a) do nº 5 do Anexo I da TNI, está intimamente relacionado com este conceito de “trabalho habitual”.
É que, o trabalho de um trabalhador é normalmente constituído por um conjunto de tarefas, nas quais está suficientemente exercitado para fazer delas a sua função ou missão e diz-se que constitui o seu “trabalho habitual”, apesar de, concretamente num dado momento, poder não ser executado durante largos espaços de tempo – mas não deixa de ser habitual porque consta daquilo em que se especializou e se enquadra nas competências e funções das unidades orgânicas onde presta serviço e nessa medida, face à sua carreira e categoria, pode ser ordenado que o passe a desempenhar.
Resulta do disposto no nº 5 do artº 38º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 19/2021, de 8 de Abril, atenta a aplicação subsidiária da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, na redacção dada pela Lei nº 83/2021, de 6 de Dezembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais (de ora em diante designada LAT), que a determinação da incapacidade é efectuada de acordo com a TNI.
Portanto, a avaliação do grau da incapacidade, que espelha e quantifica a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, será realizada tendo em conta os critérios expressos na TNI e em função de diversos factores, como a natureza e a gravidade da lesão, o estado geral do sinistrado, a sua idade, profissão, a capacidade funcional residual para o exercício de outra actividade e outras circunstâncias que podem influenciar na sua capacidade de trabalho ou de ganho. Essa avaliação é feita através de coeficientes, geralmente expressos em percentagens, que variam, entre outros aspectos, em função da actividade que o trabalhador era capaz de executar e da possibilidade de o sinistrado poder desempenhar funções diferentes daquelas que realizava.
O sistema de tabelas tem como propósito reconduzir cada sequela ou patologia na integridade físico-psíquica do sinistrado a um determinado coeficiente de incapacidade (1), contudo, quando à graduação das incapacidades, é importante salientar que o legislador reconhece a existência de diferenças e desigualdades entre vários trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho e, por isso, foi introduzido um “factor correctivo” à graduação da incapacidade permanente em algumas situações. Quais?
a) casos de não reconvertibilidade no posto de trabalho que o sinistrado ocupava anteriormente,
b) sinistrado com idade igual ou superior a 50 anos e casos em que existe uma alteração visível do aspecto físico.
A bonificação traduz-se, assim, num factor de correção, atendendo a casos particularmente gravosos ou injustos para o sinistrado, que não seriam devidamente tutelados com a mera atribuição dos coeficientes na TNI. De resto, a consagração desse factor encontra-se em conformidade com o preâmbulo do próprio diploma legal que aprovou a TNI, onde o legislador, fazendo apelo a uma visão humanista e integral do (homem) sinistrado diz, expressamente, que a tabela aprovada deve contribuir para a “... humanização da avaliação da incapacidade, numa visão não exclusiva do segmento atingido, mas do individuo como um todo físico e psíquico, em que seja considerada não só a função mas também a capacidade de trabalho disponível...”.
As situações de não reconversão em relação ao posto de trabalho eram polémicas até 2014, discutindo-se o facto de o “posto de trabalho usual” não ser um termo utilizado pelo legislador e que, a ser considerado equivalente às situações de “incapacidade para o trabalho habitual”, a LAT prever uma forma de cálculo da pensão para estas incapacidades bastante mais generosa do que uma simples bonificação de 1,5 em relação às IPP’s a ela associadas.
Dito isto, julgamos adequado interpretar o conceito de “posto de trabalho”, em consonância com o conceito de “trabalho habitual”, que não estando igualmente definido legalmente, tem vasta concretização doutrinal e jurisprudencial.
De resto, recorda-se que se discutia a possibilidade de ser admitida a cumulação do factor 1,5 (em relação ao grau IPP) com o cálculo da pensão por Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), quando os pressupostos para a sua aplicação estivessem preenchidos. Enquanto alguma doutrina e jurisprudência entendiam que sim, outros repudiavam esta solução, maioritariamente por entenderem que existe uma dupla desvalorização da mesma incapacidade e que, com isso, os sinistrados são duplamente beneficiados.
Esta discussão encontra-se hoje resolvida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 10/2014, de 28 de Maio de 2014, in www.dgsi.pt, que explica que não existe qualquer incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e o factor de bonificação, uma vez que a IPATH é uma das situações típicas em que há irreconvertibilidade do posto de trabalho.
Assim sendo, não assiste razão à Recorrente quando dirige censura à sentença recorrida pois nesta se efectuou uma correcta apreciação, quer dos factos, quer do Direito aplicável, ao decidir que o Recorrido tem direito ao factor de bonificação preceituado na alínea a) do nº 5 do Anexo I da TNI, o que lhe permite passar do grau de IPP de 27,5% conferido pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações para 82,50%.
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V. Decisão

Nestes termos, face ao exposto, acordam, em conferência, as Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, por não provados os seus fundamentos, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente – vide nºs 1 e 2 do artº 527º do CPC e nº 2 do artº 189º do CPTA.

Registe e notifique.

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Lisboa, 19 de Março de 2024
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Teresa Caiado)
(Eliana de Almeida Pinto)




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MATOS, Filipe Albuquerque, inA Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais e o fator de bonificação em função da idade”, Cadernos de Direito Privado, n.º 69 (Jan.-Mar. 2020), p. 65.