Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2129/21.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
DILIGÊNCIAS DE PROVA
Sumário:I - Compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito

II - No caso, considerando em especial o ónus da prova que impende sobre o Embargante e a posição assumida no articulado inicial, deve concluir-se que a ausência da realização da prova testemunhal é (e foi) suscetível de influenciar decisivamente o exame e a decisão da causa

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

F………………….. veio, no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………………….027 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras contra J …………………………, deduzir embargos de terceiro contra a penhora da quantia de € 6.500,00 depositada na conta bancária nº…………….019, do balcão de Torres Vedras do Banco ……………. B…., peticionando que seja ordenado o levantamento da penhora daquela quantia, uma vez que é o produto da venda de um prédio rústico que lhe pertencia e, bem assim, que lhe seja restituído o montante em causa.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou os embargos improcedentes

Inconformado, o Embargante apelou para este TCA concluindo a sua alegação do modo seguinte:

«Salvo o devido e sempre merecido respeito, entende o embargante que a douta sentença ora recorrida padece de erro de julgamento, tendo em vista a evidente preterição de formalidade legal/ essencial - falta de notificação para alegações e de inquirição da testemunha arrolada - com violação dos princípios e normas jurídicas aplicáveis e, sem prescindir, sempre e mais se ousará ainda discordar da mesma, na medida em que a decisão se fundamentou em teóricas e subjectivas presunções da AT e Digna Procuradora da República, despidas de razão, ao reiterarem tão só a singela informação do Serviço de Finanças de Torres Vedras, que, diga-se em abono de toda a verdade, nada contraria o peticionário, mas acarretando assim a errónea decisão em por falta de prova do pressuposto posse ou direito, ao fazer tábua de todo o conteúdo e valor probatório, dos documentos oficiais juntos aos autos, designadamente Certidão de Registo Predial e Escritura Pública e consequente violação do Princípio da Segurança Jurídica.

Termos em que, nos melhores de Direito e com o


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1- Em 26/04/2014 foi instaurado no Serviço de Finanças de Torres Vedras contra J …………………… com o nº de identificação fiscal …………………. o processo de execução fiscal ………………….147, com base na certidão de dívida 2014/……………855, referente a dívidas resultante de falta de pagamento de taxas de portagem, (cf. resulta da capa do processo de execução, conjugado com a certidão de dívida e documento anexo à mesma que se dão por reproduzidos);

2- A AT informou que foram contra o executado, referido no ponto anterior instaurou os processos de execução com os nº(s) ……………..027 n.° ……………….056 n.° …………….087 n.° …………………147 n.° ……………….627 n.° …………….973 n.° ………………..360 n.° ……………..520 n.° …………………587. em 05/04/2013, 30/10/2013, 30/10/2013, 26/04/,2014, 27/09/2014; 09//10/2014; 24/09/2015, 09/05/2018, e 03/03/2019, respetivamente (informação da autoridade tributária e aduaneira (AT), de 01/03/2019 da direção de serviços da justiça tributária);

3- Em 9 de Julho de 2021, pelo preço de 6.500,00€, por escritura de compra e venda efetuada no Cartório Notarial Dra. A …………….., na pessoa do (executado) seu procurador, J ………………………….., com poderes bastantes para o ato, conforme procuração ali arquivada, vendeu o mencionado prédio inscrito sob o artigo … da Secção OO, conforme escritura de compra e venda, doc. 1 apresentado pelo Embargante e que se dá por reproduzida);

4- Em 26 de Julho de 2021 p.p. foi penhorada pela AT, Serviços de Finanças de Torres Vedras, a quantia total de 24.425,31€, ali depositada, pela venda, na qualidade de procurador, de dois prédios, pertença de terceiros o prédio rustico … Secção OO, pelo valor de 6.500,00€ e o prédio rustico …. Secção OO, pelo valor de 18.500,00€; (informação da autoridade tributária e aduaneira (AT), de 01/03/2019 da direção de serviços da justiça tributária);

5- Os valores referidos no ponto anterior foram pagos e tidos por aceites no ato notarial, conforme documento referente a transferência bancária, junto do IBAN PT ………………….., de que é titular o executado/procurador J …………………., 25.000,00€ e transferido pela empresa G …………….-INVEST IMOB.LDA., titular da conta 9-……… (doc. 3 junto aos autos pelo Embargante);

6-O valor/preço da venda, foi pago e depositado na conta do legal representante/procurador do vendedor, ou seja, em nome de J ……………………., (informação da autoridade tributária e aduaneira (AT), de 01/03/2019 da direção de serviços da justiça tributária);

7- O procurador J. ………………., era executado por dívidas fiscais, junto dos Serviços de Finanças de Torres Vedras, e estes de imediato procederam à penhora do valor, então depositado (...), (informação da autoridade tributária e aduaneira (AT), de 01/03/2019 da direção de serviços da justiça tributária);

8- Em 2019-09-25, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.° ……………..027 e outros, a correr termos neste Serviço de Finanças em nome do executado J …………………….., foi efetuado pelo Sistema de Penhoras Eletrónicas (SIPE), o pedido de penhora n.° ………….647 - Outros Valores e Rendimentos - Conta Bancária (P:………………), no montante de € 48.794,16 à entidade Banco …………… S.A, NIF ………, cfr. doc. anexo;

9- Em 22/07/2021, a entidade referida no ponto anterior, deu a resposta de "Ativos penhorados‖ no valor de 24.425,31€, referente à conta n.°………………,

10- Em 03/08/2021, foi aquele valor depositado à ordem dos processos de execução, cf. Identificado, (informação da AT);

11- Foi emitida citação postal ao executado nos autos, informando que tinha sido processo de execução fiscal nº ……………………147 (doc. 4 no processo de execução apenso)

12- Em 07/10/2021 foi proferido despacho determinando o levantamento de todas as penhoras de bens pertencestes ao executado J ……………….. que se encontrem ativas, e o cancelamento do registo, quando a ele tivesse lugar, por estar paga a totalidade da dívida (fl.13 do PEF).


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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações, dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da oposição, não se provaram os que não constam da factualidade supra.

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Factos não provado, que o valor penhorado pertencia ao Embargante.»

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De direito

O TT de Lisboa julgou improcedentes os embargos deduzidos por F…………………. por considerar que o embargante “não logrou provar que a referida diligência judicial (…) ofendeu a sua posse ou direito”.

Para assim decidir, a Mma. Juíza a quo considerou, em síntese útil, que:

“(…)

No caso dos autos, e aderindo ao douto parecer da Procuradora da República, o embargante não fez prova, como lhe competia (cf. artº 342º, n.º 1, do Código Civil), de que a penhora em causa ofendeu a sua posse ou direito.

Alega que a quantia penhorada lhe pertence, contudo não efetuou qualquer prova desse facto. Nem da relação intrínseca da qual se possa subentender uma relação entre o valor depositado na conta do Executado e sua propriedade.

Como e bem, vem defendido no Douto parecer o Embargante limita-se a invocar juízos conclusivos, sem concretiza e especificar o alegado”.

O Recorrente, Embargante, discorda de tal entendimento e assaca vários vícios à sentença, o que faz na conclusão do recurso que, não obstante ser única, se mostra suficientemente detalhada para efeitos de delimitação do objeto do recurso.

Comecemos pela questão relacionada com a falta de produção de prova, em concreto a audição da testemunha arrolada pelo Embargante, ponto este que assume relevância fundamental face ao entendimento do Tribunal de que o requerente “não logrou provar que a referida diligência judicial (…) ofendeu a sua posse ou direito”.

Tenha-se presente que, como decorre do teor do recurso, o Recorrente entende que, no caso, deve ser admitida a prova testemunhal, porquanto a mesma poderá conduzir a que logre demonstrar, em conjugação com os restantes meios de prova constantes dos autos, que o dinheiro depositado na conta bancária, objeto da penhora, lhe pertence, em resultado da venda de um prédio rústico.

Vejamos o que dizer a propósito.

“Como se sabe, o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito” – cfr. acórdão do STA, de 14/09/2011, no processo nº 0215/11.

No caso, o Embargante afirmava na p.i que o “valor/preço da vanda do prédio rústico foi pago e depositado na conta do seu legal representante/procurador do vendedor, ou seja, em nome de José Manuel dos Santos Antunes, pois assim também o exigiu a compradora …”. Com vista a demostrar tal factualidade que, na economia do circunstancialismo do negócio, assume incontornável relevo, foi, além de outra prova (documental), arrolada a testemunha Maria Rosa Fernandes.

O Tribunal a quo sobre tal requerimento de prova nada disse.

Contudo, como dissemos, a Mma. Juíza considerou que o Embargante “não logrou provar que a referida diligência judicial (…) ofendeu a sua posse ou direito”, ónus probatório que a ele competia em sede de embargos de terceiro. Neste desiderato, aliás – e repetindo – o Embargante pretendeu fazer prova do por si alegado, pretendendo a audição de uma testemunha.

Sucede que, como vimos, não foi possibilitada a produção de prova testemunhal, sem que tal viesse acompanhado de qualquer juízo quanto à sua (in)utilidade. Na verdade, a Mma. Juíza não tomou posição sobre tal requerimento de prova.

Discordamos desta atuação do Tribunal a quo.

No caso, considerando em especial o ónus da prova que impende sobre o Embargante e a posição assumida no articulado inicial, deve concluir-se que a ausência da realização da prova testemunhal é (e foi, nos termos expostos) suscetível de influenciar decisivamente o exame e a decisão da causa.

Nesta linha de raciocínio, a não produção da prova testemunhal encerra um erro de julgamento do Tribunal a quo que, nesta sede, importa colmatar.

Assim, reconhecendo o incontornável défice instrutório de que os autos padecem, consideramos, pois, que deve possibilitar-se às partes, em concreto ao Embargante, o uso de todos os meios de prova necessários e legalmente admissíveis para cumprir o seu ónus probatório e assim salvaguardar de forma plena os seus legítimos interesses.

Entendemos, pois, que a decisão sob recurso está inquinada, padecendo de défice instrutório que deverá ser colmatado nos termos acima expostos.

Face ao que vem dito, impõe-se concluir que, não estando feitas todas as diligências requeridas de molde ao esclarecimento da situação fáctica alegada, a qual é relevante para a boa decisão da causa, o processo terá que baixar à 1.ª instância a fim de ser realizada a requerida diligência de prova testemunhal, possibilitando à parte afetada o cumprimento do ónus que lhe incumbe. Só depois, e observada a tramitação processual legalmente imposta, deverá ser proferida sentença de acordo com o julgamento da matéria de facto que vier a ser feito.

Procedem, assim, as conclusões da alegação de recurso, concedendo-se provimento ao mesmo e anulando-se a sentença recorrida.


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III – DECISÃO

Termos em que se decide conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que proceda à produção da requerida prova testemunhal e prosseguimento dos ulteriores termos processuais.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 16/02/23


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Isabel Fernandes)

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(Lurdes Toscano)