Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1236/13.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
IMT;
CÔNJUGE NÃO EXECUTADO;
INEXIGIBILIDADE;
CADUCIDADE;
RESPONSABILIDADE PELA DÍVIDA.
Sumário:1. O cônjuge do executado, citado para intervir na execução fiscal por via do regime conjugal de bens não pode opor-se com sucesso à execução com fundamento em inexigibilidade alegando que a dívida não foi notificada na sua pessoa, mas apenas e só na pessoa do cônjuge marido, que figura no título como devedor e é o sujeito passivo e contribuinte directo do imposto exequendo.
2. Tendo a notificação da liquidação exequenda sido efectuada ao cônjuge devedor que figura no título dentro do prazo de caducidade, também não procede como fundamento da oposição a invocada “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



1 – RELATÓRIO

A.................................., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a oposição deduzida à execução fiscal n.º ...................... instaurada para cobrança de dívida proveniente de liquidação adicional de IMT no valor de 17.950,20 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.108).

A Recorrente conclui as alegações assim:
«
1.- Vem o presente recurso interposto da douta sentença judicial proferida, em 30.12.2018, nos autos identificados, que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida ao processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de Sintra- 2 e, consequentemente, absolveu a Fazendo Pública do pedido.

2.- A douta sentença judicial incorre numa errada apreciação e enquadramento dos factos e uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas.

3.- Como resulta da douta sentença recorrida, a questão principal a decidir, reconduz-se a saber se se verifica a inexigibilidade da dívida exequenda por falta de notificação da liquidação adicional de IMT objeto de cobrança coerciva, o que passa por aferir, além do mais, se a notificação da liquidação adicional de IMT, comprovadamente efetuada na pessoa do sujeito passivo J......................, cônjuge da ora Oponente à data do facto tributário – a escritura pública de aquisição realizada em 04.10.2007, é válida em relação à Oponente, ora recorrente.

4.- Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que, no caso vertente, a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda, ocorreu em 07.09.2011 e na pessoa do então marido da Oponente, sendo que tal notificação, respeitando os requisitos legalmente previstos no art.º 38.º do CPPT, ex vi do n.º 4 do art.º 31.º do Código do IMT, é suficiente para obviar quer à ineficácia da liquidação, por alegada falta de notificação, quer à caducidade do direito à liquidação do tributo em causa, face a qualquer dos cônjuges, responsáveis solidários pelo pagamento do tributo em causa (cf. art.º 21.º, n.º 1 da LGT), considerando que, para determinação da responsabilidade dos cônjuges, releva a data do facto que deu origem à dívida (cf. art.º 1690.º, n.º 2, do Código Civil; Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987, pág.383), sendo certo que à data da transmissão do bem identificado, em 04.10.2007, cujo facto se encontra sujeito a tributação, a Oponente e o cônjuge J......................, também executado, se encontravam casados segundo o regime de comunhão de adquiridos.

5.- E que, relativamente ao prazo de caducidade do direito à liquidação, estando em causa liquidação adicional de IMT, rege o n.º 1 do art.º 31.º do CIMT, dispondo que a mesma deve ser emitida no prazo de quatro anos contados da liquidação inicial. No caso, a liquidação inicial de IMT foi emitida em 04.10.2007, logo, o prazo de caducidade para a liquidação adicional, de acordo com o VPT fixado após a transmissão, terminava em 04.10.2011. Tendo a notificação do sujeito passivo J...................... (casado com a ora Oponente à data do facto tributário, no regime comunhão de adquiridos) sido efetuada validamente em 07.09.2011, é evidente que foi respeitado esse prazo.

6.- Entende a recorrente que assim não se pode entender, como entendeu o Tribunal recorrido, pois que, é consabido que, os actos em matéria tributária, que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados - cfr. artigo 36º, nº.1, do C.P.P.T.).

7.- Portanto, o acto de notificação visa permitir, ao contribuinte, ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias, não sendo excepção, o IMT- Imposto Municipal de Transmissões Onerosos de Imóveis- que é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes- cfr. artigo 103º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

8.- a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda, ocorreu em 07.09.2011 e tão só dirigida ao marido da recorrente, J......................, e daí não se pode concluir que, mesmo que esta tivesse revelado conhecer o respectivo teor, nenhuma referência daquela constava da possibilidade da recorrente, enquanto cônjuge, pudesse exercer os direitos de defesa que lhe assistem.

9.- O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o ato praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.

10.- O acto de liquidação adicional de IMT, por afectar também a situação patrimonial da recorrente, enquanto sujeito passivo, e nessa medida, ter o direito de impugnação contenciosa do acto administrativo de liquidação de imposto, é exigida a concretização de a mesma ser validamente notificada, também em obediência ao direito e garantia constitucional dos administrados (artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa) que, impõe que, a notificação, na forma prevista na lei, dos actos administrativos que afectam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como o são os actos que afectam a sua situação tributária.

11.- Portanto, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1 do CPPT)

12.-Em sede de execução fiscal, decorrente da indicada notificação da liquidação, temos como sujeitos passivos e executados, a recorrente e seu referido marido, então por maioria de razão, a notificação daquela liquidação também teria de ter ocorrido na pessoa da recorrente, enquanto sujeito passivo do acto tributário, e não apenas e tão só, do marido daquela.

13.- Pergunta-se, aliás, se a recorrente não tinha de ser notificada do acto de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque seguindo o entendimento vertido na douta sentença recorrida, considera-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu marido, em 07.09.2011, porque foi extraída certidão de dívida em nome daquela e a mesma citada do processo executivo, em 15.02.2013, quando o seu marido já o havia sido em 10.10.2011? Esta citação, então, também não valeria como citação da recorrente, uma vez que continuava e continua casada com o mesmo, em regime de comunhão de adquiridos?

14.- Entende-se que, acto de liquidação não pode produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, que não tenha sido notificado daquele acto tributário, anterior à emissão da certidão executiva da dívida.

15.- No que tange à notificação de actos ou decisões, esclarece o artigo 38º nº 1 do CPPT, considerando aqueles que forem susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, ou seja, devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração da situação tributária, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.

16.- Por conseguinte, em regra, serão de efectuar por carta registada com aviso de recepção, entre outras, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária e as de actos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais – (nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 2006, pág. 345).

17.- Tratando-se, in casu, de liquidação adicional de IMT -relativa a 2007-, a recorrente teria de ser notificada dessa liquidação, por carta registada com A/R, por tal liquidação alterar a sua situação tributária.

18.- O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.

19.- Trata-se, acima de tudo, de garantir direitos e interesses constitucionais fundamentais dos cidadãos, que a Administração Tributária está vinculada a prosseguir, e pelo respeito dos quais deve pautar a sua actividade e a sua actuação em face dos contribuintes.

20.- Os contribuintes têm direito não só à legalidade material dos actos em matéria tributária, mas também à legalidade formal desses actos, como evidência o art. 103°, n. ° 3 da Constituição da República Portuguesa.

21.- Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma- cumprimento da obrigação tributária-, aquela é inválida.

22.-Sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr. artigo 342º, nº.1, do Cód. Civil; artigo 74º, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.

23.- No caso em apreço, não ficou demostrado, nem a Administração Tributária provou que, apesar da notificação consumada na pessoa do marido da recorrente, que aquela notificação, assim efectuada, teve a virtualidade de transmitir aquela o teor da liquidação.

24.- Com estes pressupostos, outra conclusão não se impunha que não fosse concluir que, o acto de liquidação adicional em causa, não pode produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, a aqui recorrente, sendo, por essa razão, acto ineficaz, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda.

25.- Veio também a recorrente, na sua oposição, arguir a caducidade da liquidação.

26.- A douta sentença recorrida, veio entender que, ao prazo de caducidade do direito à liquidação, estando em causa liquidação adicional de IMT, rege o n.º 1 do art.º 31.º do CIMT, dispondo que a mesma deve ser emitida no prazo de quatro anos contados da liquidação inicial. No caso, a liquidação inicial de IMT foi emitida em 04.10.2007, logo, o prazo de caducidade para a liquidação adicional, de acordo com o VPT fixado após a transmissão, terminava em 04.10.2011. Tendo a notificação do sujeito passivo J...................... (casado com a ora Oponente à data do facto tributário, no regime comunhão de adquiridos) sido efectuada validamente em 07.09.2011, é evidente que foi respeitado esse prazo.

27.- À data em que a recorrente foi notificada daquele processo executivo (15.02.2013), que tinha por base a dita liquidação de IMT, e desta tendo conhecimento naquela data, sempre se dirá que esse direito de liquidação caducou, por força da aplicação do artigo 45º da LGT.

28.- Atenta a data da aquisição, em 04.10.2007, que deu origem à liquidação adicional de IMT, e a data de notificação da referida execução- 15.02.2013-já haviam decorrido mais de 4 (quatro anos), prazo que a LGT estabelece para liquidação dos tributos sob pena de caducarem. A recorrente, como se deixou demonstrado, não foi notificada, em data anterior, do acto de liquidação.

29.- Por tal, é indubitável ter ocorrido a caducidade da liquidação adicional de IMT, no valor de €17.950,20 e, consequentemente, caducado o processo de cobrança coerciva do mesmo.

30.- Por efeito de cuja caducidade, não são devidos os juros moratórios reclamados pela Administração Tributária, no valor de €1.405,65. E, mesmo sem prescindir da invocada caducidade, sempre se dirá que, nunca a Administração Tributária podia reclamar juros moratórios da recorrente porquanto, desde a data da indicada aquisição do imóvel, em 2007, jamais foi a mesma citada ou notificada do que quer que fosse por parte da Administração Tributária.

31.- A douta sentença recorrida, operou uma errada interpretação e enquadramento dos factos e a uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas contidas nos artigos 36º, 38º, 39º do CPPT, 21º, 45º, 74º da LGT, 31º do CIMT, 342º e 1690º do Código Civil, 103º e 268º da CRP, o que justifica se declare a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a oposição deduzida pela recorrente/oponente.

TERMOS EM QUE se requer a V. Exas. conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente deve a douta sentença judicial recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a oposição deduzida pela recorrente totalmente procedente, assim se realizando a acostumada
JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que suscita a questão da incompetência hierárquica deste tribunal para conhecer do recurso, dado que o mesmo versa exclusivamente matéria de direito.

Ouvidas as partes sobre a excepcionada incompetência hierárquica, respondeu a Recorrente pugnando pela remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo (fls.152)

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não se verificar a inexigibilidade da dívida, nem a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, sem olvidar a questão prévia de incompetência hierárquica suscitada pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto.
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
1. De Facto
Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Por escritura pública outorgada em 04.10.2007, J......................, adquiriu, no estado de casado com a ora oponente, sob o regime geral da comunhão de adquiridos, 1/2 do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo …… com o VPT de € 17.431,94, sito na Quinta da Fonteireira, freguesia de Belas, concelho de Sintra, pelo valor de € 100.000,00 – facto não controvertido e cf. fls. 30 do processo de execução fiscal apenso (PEF).

B) À data da aquisição mencionada em A) foi pago IMT no montante de € 6.500,00, com base no valor do contrato, em cujo documento de liquidação foi identificado como sujeito passivo do imposto o adquirente J......................, no estado de casado regime geral da comunhão de adquiridos com a ora Oponente – cf. fls. 30 do PEF apenso.

C) Na sequência da transmissão identificada em A) foi efetuada a avaliação do imóvel objeto do contrato de compra e venda que fixou ao prédio em causa o VPT de € 591.790,00 – cf. fls. 36 do PEF apenso.

D) Em 07.09.2011, e na sequência da avaliação referida em C), foi emitida a liquidação adicional de IMT relativa à transmissão identificada em A), que apurou imposto no valor de € 19.233,17, correspondente a 1/2 do prédio, apurando a pagar, após compensação com a liquidação identificada em B), a quantia de € 12.733,17 – cf. fls. 27 a 29 do PEF apenso.

E) Em 07.09.2011 a liquidação adicional de IMT identificada na alínea que antecede foi notificada ao sujeito passivo J...................... através de carta registada com aviso de receção, com o n.º RM………….PT, para pagamento voluntário no prazo de 30 dias a contar da notificação – cf. fls. 36 a 38 do PEF apenso.

F) Em 10.10.2011 foi extraída pelo Serviço de Finanças de Sintra-2 certidão de dívida, em nome do sujeito passivo J......................, no valor de € 12.733,17, e instaurado o respetivo processo de execução fiscal n.º ...................... – cf. fls. 1 e 2 do PEF apenso.

G) Em 04.02.2013 foi extraída, no mesmo processo de execução fiscal, certidão de dívida em nome da ora Oponente, no valor de € 12.733,17 – cf. fls. 23 do PEF apenso.

H) Em 15.02.2013 a ora Oponente foi citada – cf. fls. 22 a 25 do PEF apenso.

I) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 19.03.2013 – cf. fls. 2 do suporte físico dos autos.

Factos não provados:
Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados.

Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise dos documentos constantes dos autos, mencionados em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos articulados no que tange à matéria considerada não controvertida.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como se referiu, vem suscitada pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, a questão da incompetência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objecto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito.

A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Nos termos do disposto no art.º 38.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, compete à Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo conhecer: alínea a): “Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Decorre do disposto naquela alínea b) do art.º 26.º do ETAF, que compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: “Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Dispõe o n.º1 do art.º280.º, do CPPT que “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Resulta do acervo normativo citado que aos Tribunais Centrais Administrativos compete conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, salvo com exclusivo fundamento em matéria de direito, caso em que é competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da referida alínea b) do n.º 1, do citado art.º 26.º do ETAF.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 12/03/2014, proferido no proc.º0186/14, «A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa – vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.05.2009, recurso 18/09, de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007, recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos in www.dgsi.pt.

O recurso não tem assim exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos».

Por outro lado, como decorre conjugadamente do disposto nos n.ºs 5 e 7 do art.º 282.º do CPPT e do n.º 4 do art.º 635.º e n.º1 do art.º 639.º, ambos do NCPC e, de resto, com unanimidade o têm salientado a doutrina e a jurisprudência, o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões extraídas da motivação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inseridas, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso.

Como se alcança da leitura conjugada das alegações e das conclusões que as sintetizam, a Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida também por deficiente valoração dos factos, designadamente alegando que “no caso em apreço, não ficou demonstrado, nem a Administração Tributária provou que, apesar da notificação consumada na pessoa do marido da recorrente, que aquela notificação, assim efectuada, teve a virtualidade de transmitir àquela o teor da liquidação”, ou seja, se bem apreendemos, pretenderá a Recorrente que a notificação da liquidação efectuada na pessoa do cônjuge marido só lhe poderia ser eventualmente oponível caso a Fazenda Pública fizesse prova, que não fez, de que ela, oponente, chegou a ter conhecimento efectivo do teor da liquidação.

Ora, esta é uma questão factual cuja ponderação não se mostra, em abstracto, indiferente para o julgamento da causa.

Como assim, improcede a questão prévia de incompetência hierárquica suscitada pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto.

*

Entrando na questão central do recurso, pretende a Recorrente que a notificação da liquidação adicional de IMT, efectuada na pessoa do cônjuge marido, não lhe é oponível nem exigível e, que não lhe sendo oponível, na data em que foi citada para a execução já se verificava falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, ambos fundamentos de oposição. Vejamos.

Consta como sujeito passivo do adicional de imposto liquidado o cônjuge marido, J...................... (fls. 27). Sendo ele o sujeito passivo do imposto, só ele tinha de ser notificado – como foi – da liquidação adicional.

Por falta de pagamento, foi instaurada execução fiscal contra aquele, que é quem consta do título como devedor.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 53.º do CPC, “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.

Portanto, só pode ser exequente ou executado quem tenha num qualquer título executivo a qualidade de credor ou de devedor.
Querendo executar ambos os cônjuges por entender que a dívida é comunicável, mas só dispondo de título contra um deles, no caso, contra o cônjuge marido, deverá o credor fazer citar o cônjuge não executado, no caso, a oponente e aqui, Recorrente.

Sucede que a Recorrente não pretende discutir a sua responsabilidade pela dívida exequenda; antes pretende que a notificação da liquidação apenas e só na pessoa do cônjuge marido lhe é inoponível e a dívida inexigível por falta de notificação da liquidação.

Mas, salvo o devido respeito, não é assim. Notificado o sujeito passivo do imposto, no caso o cônjuge da Recorrente, nenhuma outra notificação se impõe à Administração fiscal fazer, nomeadamente ao cônjuge do sujeito passivo. Este responde pela dívida de imposto e é chamado a intervir na execução fiscal por via do regime conjugal de bens, podendo discutir a comunicabilidade da dívida exequenda.

Como escreve Miguel Teixeira de Sousa, “A Execução das Dívidas dos Cônjuges: Perspectivas de Evolução”, «É claro que são comuns as dívidas contraídas por ambos os cônjuges ou por um deles com o consentimento do outro (art. 1691.º, n.º 1, al. a), CC), mas também são comuns, entre outras, as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais da vida familiar (art. 1691.º, n.º 1, al. b), CC), as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador em proveito comum do casal (art. 1691.º, n.º 1, al. c), CC) e, em princípio, as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio (art. 1691.º, n.º 1, al. d), CC)».

Portanto, a Recorrente foi citada para a execução instaurada contra o cônjuge marido como responsável pela dívida (art.º 741.º do CPC).

Não tinha a Recorrente de ser previamente notificada da liquidação da dívida para que esta lhe seja oponível e exigível. E, nessa linha de entendimento, cai necessariamente por terra a segunda questão do recurso, que se pretende com a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, posto que não resulta minimamente controverso que a notificação do sujeito passivo e cônjuge executado se fez dentro do prazo legal de caducidade.

A sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, merecendo ser confirmada embora com a presente fundamentação.

O recurso não merece provimento.
5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 09 de Julho de 2020



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Vital Lopes




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Luísa Soares





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Mário Rebelo